segunda-feira, 29 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19728: Notas de leitura (1173): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo à análise da tese de doutoramento de Benjamim Pinto Bull sobre Fausto Duarte, um escritor e divulgador injustamente esquecido. Romancista, publicista e afanoso vasculhador de documentação que inseriu nos dos projetos a que deu toda a sua dedicação, o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
Não se pode falar da literatura colonial na Guiné sem o pôr no pódio; não se pode falar na investigação e divulgação histórica sem o considerar como esforçado pioneiro na revelação da presença portuguesa naquela Guiné das praças e presídios. As entidades representativas da cultura de Portugal e da Guiné-Bissau só tinham a ganhar em mostrar Fausto Duarte tal como ele foi: um luso-cabo-verdiano emaranhado por grande paixão às terras da Guiné.

Um abraço do
Mário


Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (3)

Beja Santos

Fausto Duarte pertence à vasta lista de escritores, divulgadores e investigadores injustamente esquecidos. Homem de uma cultura medularmente europeia, orgulhava-se das suas origens cabo-verdianas e vai revelar-se como o nome mais sonante da literatura colonial guineense e o investigador e divulgador de mérito das coisas guineenses. Continuamos a abordar a tese de doutoramento de Benjamim Pinto Bull sobre a obra de Fausto Duarte, apresentada na universidade de Paris Sorbonne, no ano universitário de 1975-1976.

Fausto Duarte foi um importante investigador da história da Guiné. O seu propósito fundamental como Chefe da Secção História do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa era o de “inserir nas páginas do boletim material de grande importância histórica constituído por manuscritos, tais como avisos, contas, cartas patentes, consultas, registos, pareceres, etc e outros documentos que poderão interessar a quem se disponha a estudar as origens da formação da província e o seu progressivo desenvolvimento a partir da época em que a nossa ação estava circunscrita às pequenas Praças e Feitorias nascidas da exploração das fontes de riqueza dos Rios da Guiné… Por eles se conhecerá melhor o meio, e o homem, ou seja, a terra, o colono e o nativo, as suas paixões e as suas lutas”. Os artigos que ele publicou no Boletim denotam uma grande preocupação pelo rigor e o seu acrisolado amor por Portugal e pela Guiné: artigos em que abordava a mudança desde a época da permanente hostilidade ao branco até ao momento em que é o branco que passa a decidir tudo; Alexandre Herculano tribuno e a sua importante peça de oratória sobre a Guiné Portuguesa; uma chamada de atenção sobre o presídio de Bissau e o Ilhéu do Rei. Revela-se uma investigação para explicar uma estratégia de ocupação estrangeira frente a Bissau. Veja-se com mais pormenor.

O investigador pretende provar que três séculos após a sua descoberta a Guiné continuava a preocupar duplamente os portugueses pela sua insegurança, estamos em meados do século XVIII. De uma parte, as sublevações constantes dos autóctones e, por outro lado a presença indesejável no país de estrangeiros. Não era Bissau que atraía os franceses, era o Ilhéu do Rei, porque pertencia ao rei de Bissau, interessava cativá-lo para reduzir a influência portuguesa. Benjamim Pinto Bull encontra outra razão para este tipo de trabalhos de Fausto Duarte. Em 1950, a Guiné começava politicamente a mexer. Tudo se passava na clandestinidade mais absoluta. Era com interesse que os guineenses devoraram todos os artigos de história. O ilhéu, esclarece o autor, tinha uma excelente água potável e um clima mais agradável que Bissau. Era muito difícil a um simples turista, ou mesmo a um guineense não informado, de ter em conta a importância do ilhéu, dois séculos antes. Todo o comércio de escravos, de marfim e de cera passava pelo ilhéu do rei. Em meados do século XVIII, os franceses controlavam todo o comércio entre as ilhas Bijagós, Rio Grande e Serra Leoa, porque “ficava o dito ilhéu a menos de um tiro da peça da dita ilha de Bissau e que se os franceses se apossassem do ilhéu logo eram senhores da dita ilha e de todo o negócio daquela costa, com um grave prejuízo da Coroa”.

Todos os temas de história o interessavam: Aires Tinoco, que trouxe de volta a caravela de Nuno Tristão, em 1447; a rivalidade entre “Capitania” e “Igreja”, é próprio Fausto Duarte que explica o significado da rivalidade. A Capitania representava a Coroa e tinha como missão a supervisão absoluta da terra enquanto a presença da Igreja era de um caráter puramente espiritual, eram estes os dois grandes pilhares da conquista e da sua harmonia dependia a paz nas praças e presídios.

Fausto Duarte compulsou cartas de capitães-mores, feitores, bispos, visitadores e assistentes das praças e presídios da Guiné: feliz incitativa de nos pôr ocorrente de todos os problemas da Guiné-Bissau ao longo do século XVIII, publicando-as sem comentários. Dedicou igualmente atenção ao período em que a Guiné se desvinculou de Cabo Verde. É o caso do artigo sobre a Guiné ou Senegâmbia Portuguesa no tempo do Governador Pedro Inácio de Gouveia, publica o relatório de 10 de Outubro de 1982 deste segundo governador da Guiné, onde não se escondem as realidades e as numerosas contradições que cerceavam a ação do governador. O relatório tem o mérito de apresentar desapaixonadamente os aspetos políticos, económicos e sociais. A Guiné não tinha ainda as suas fronteiras bem definidas, já não havia tráfico de escravos, entrara-se com bastante entusiasmo no investimento agrícola, no conhecimento das potencialidades da terra. Isto num tempo em que a concorrência francesa era quase sufocante. Por carta assinada pelo rei D. Luís, em 18 de Março de 1879, dava-se a separação definitiva entre Cabo Verde e a Guiné, ficando claro que a Guiné Portuguesa seria uma província independente com governo sediado em Bolama. E Fausto Duarte não esconde as suas opções: “Terminava assim uma dependência de que apenas o arquipélago beneficiava”.

Benjamim Pinto Bull é muito parcimonioso na descrição que faz quanto ao trabalho de Fausto Duarte nos Anuários da Guiné Portuguesa de 1946 e 1948. O que é inexplicável e mesmo injustificável, é um dos trabalhos mais aturados e relevantes de Fausto Duarte, são levantamentos hoje incontornáveis para estudar a Guiné e mormente o que estava a acontecer graças à governação de Sarmento Rodrigues. Pinto Bull analisa detalhadamente o manuscrito da última obra de ficção de Fausto Duarte cuja publicação foi objetada pela censura, tal a crueza com que se fala de fomes e secas, miséria e emigração, é o texto em que excecionalmente Fausto Duarte regressa às suas origens cabo-verdianas. Curiosas são as análises de Pinto Bull sobre os contextos romanescos de Fausto Duarte e as suas principais ideias-força: as relações ilícitas, o conceito de “vencido” e os verbos vencer e lutar; a religião e a superstição. Em termos de conclusão, o doutorando mostra Fausto Duarte como um escritor que revela um grande desprezo pela hipocrisia, a ambição, as rivalidades e a inveja e a maledicência, erigido em defesa do povo guinéu e a insurgir-se permanentemente contra as expressões da violência colonial, caso das palmatórias. Define-o como um arauto da civilização portuguesa, um escritor que exalta o soldado, o missionário e o comerciante, em permanente orgulho pela gesta da civilização portuguesa naquele ponto de África.

Imagem que consta do Anuário da Guiné Portuguesa de 1946, organizado por Fausto Duarte, e já reproduzida no blogue
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Notas do editor

Postes anteriores de:

15 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19682: Notas de leitura (1169): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (1) (Mário Beja Santos)
e
22 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19706: Notas de leitura (1171): Um luso-cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de26 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19719: Notas de leitura (1172): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (3) (Mário Beja Santos)

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