Foto: © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
João Crisóstomo (Nova Iorque) |
1. Pedimos ao João Crisóstomo para comentar uma informação por email, de hoje, do nosso colaborador permanente José Martins:
"Ainda sobre a CCAÇ 1439, há várias Cruz de Guerra, entre elas a do João Crisóstomo. Sabiam?"...
O João respondeu-nos hoje, logo de manhã,,, Nós sabíamos dessa cruz de guerra, que ele nunca chegara a receber. Eis a explicação:
"Ainda sobre a CCAÇ 1439, há várias Cruz de Guerra, entre elas a do João Crisóstomo. Sabiam?"...
O João respondeu-nos hoje, logo de manhã,,, Nós sabíamos dessa cruz de guerra, que ele nunca chegara a receber. Eis a explicação:
Confirmo.
Não fui nenhum herói, apenas quis (fui obrigado pelas circunstâncias a) defender a minha pele e a dos que estavam mesmo comigo. Eu explico:
Numa operação (a minha memória não me diz já o nome de código) (*), já perto do objectivo, fomos "surpreendidos/emboscados": pelo que depreendo, "esperavam-nos" e de repente o meu pelotão que tinha sido escolhido pelo Capitão Pires [, cmdt da CCAÇ 1439, sediada no Enxalé] como ponta de lança, caiu num fogo cerrado de frente (a uns escassos metros 15 a 20 metros) e de ambos os lados, numa situação verdadeiramente desesperada. (**)
Vi imediatamente, de meus próprios olhos, um dos nossos guias a cair e dois outros logo a seguir gravemente feridos; felizmente que havia um pequena vala à nossa frente onde a coluna da frente na qual eu estava integrado com o Furriel [António Nunes] Lopes, nos atirámos.
Estávamos cortados do resto da companhia, e de eventuais reforços, que compunham esta força e nos seguiam mais para trás. O nosso capitão disse-me, mais tarde, que quando nos viu naquela situação, nos deu a todos por perdidos e que nada podia fazer.
Eu apercebi-me da situação e berrei ao Furriel Lopes, que estava mesmo a meu lado, e ao meu "guarda-costas", que passassem a palavra (tudo isto foi em segundos, quase em simultâneo com o iniciar do fogo cerrado pelo IN) para, aos três, lançarmos as granadas de mão e correr em cima deles.
E foi o que nos salvou: Eles não esperavam por esta reação imediata da nossa parte e, ao verem-nos de pé a correr para eles, a lançar metralha, levantaram-se e foi um fugir desenfreado. Nem as próprias armas que estavam usando levaram… Para eles tinha-se virado o feitiço contra o feiticeiro como depois verificámos pelos vários corpos IN abandonados, e outros "pormenores", como sucedia sempre em semelhantes ocasiões.
Ao voltarmos à base o nosso Capitão Pires juntou a Companhia para dizer a todos que muitos dos que estavam ali deviam a sua vida e esta "secção de valentes" (, e mencionou vários nomes, incluindo o do furriel Lopes e o meu,) que não só se salvaram a eles mesmos como possivelmente salvaram muitos outros, pois a "emboscada tinha sido bem montada e teria sido uma gaita" se nós não tivéssemos reagido tão rápido e com tanta coragem como fizemos.
Passados tempos vieram louvores (que mais tarde foram transformados em cruzes de guerra) e entre os recipientes estavam o Capitão Pires, eu, o Furriel Lopes, o meu guarda-costas e, a título póstumo, o guia Adão.
Passados tempos vieram louvores (que mais tarde foram transformados em cruzes de guerra) e entre os recipientes estavam o Capitão Pires, eu, o Furriel Lopes, o meu guarda-costas e, a título póstumo, o guia Adão.
Eu estranhei e disse ao Capitão Pires que todo o meu pelotão merecia a mesma cruz de guerra; mas que, se não quisessem dar a todo o pelotão, a dessem pelo menos a toda a secção que ia na frente: todos fizeram o mesmo, não sabia porque só davam a a condecoração a alguns.
Depois de voltarmos da Guiné, quando me começaram a enviar cartas para eu e mais duas pessoas da minha família irmos receber a condecoração, e foram várias vezes, do Funchal, Beja, Lisboa… eu respondi sempre que a iria receber se dessem a mesma medalha a todos os membros da secção da frente (, comandada pelo Furriel Lopes). Como nunca me responderam a este meu pedido (os "convites" eram sempre nas mesmas situações, sem mais nada), eu nunca fui a parte nenhuma e a minha "cruz de guerra" nunca chegou a sair da gaveta.
Espero que fique explicada a situação. Isto não é "modéstia fingida" da minha parte: trata-se apenas de uma "questão de igualdade" que deve ser respeitada. (***).
Permito-me aproveitar este para dizer que esta reunião [, o XIV Encontro Nacional da ] Tabanca Grande em 25 de Maio, em Monte Real, foi uma grande experiência para mim. Entre outros motivos, por ver soldados e generais no mesmo nível como simples seres humanos. Um "Bem hajam" a todos estes grandes camaradas com
Um abraço do
Depois de voltarmos da Guiné, quando me começaram a enviar cartas para eu e mais duas pessoas da minha família irmos receber a condecoração, e foram várias vezes, do Funchal, Beja, Lisboa… eu respondi sempre que a iria receber se dessem a mesma medalha a todos os membros da secção da frente (, comandada pelo Furriel Lopes). Como nunca me responderam a este meu pedido (os "convites" eram sempre nas mesmas situações, sem mais nada), eu nunca fui a parte nenhuma e a minha "cruz de guerra" nunca chegou a sair da gaveta.
Espero que fique explicada a situação. Isto não é "modéstia fingida" da minha parte: trata-se apenas de uma "questão de igualdade" que deve ser respeitada. (***).
Permito-me aproveitar este para dizer que esta reunião [, o XIV Encontro Nacional da ] Tabanca Grande em 25 de Maio, em Monte Real, foi uma grande experiência para mim. Entre outros motivos, por ver soldados e generais no mesmo nível como simples seres humanos. Um "Bem hajam" a todos estes grandes camaradas com
Um abraço do
João de Nova Iorque.
________________
Notas do editor:
(*) Op Avante, 30 de agosto de 1965, acrescenta o "consultor militar" e colaborador permanente José Martins.
(**) Vd. poste de 14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14874: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (3): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte II): João Crisóstomo e António Nunes Lopes, do mesmo pelotão, da CCAÇ 1439, encontram-se 50 anos depois e falam, com emoção e dramatismo, da violenta emboscada que uma vez sofreram em Darsalame (Baio), no subsetor do Xime
(...) Vídeo (7' 31''). Alojado em You Tube > Luís Graça
Lourinhã > Ribamar > Praia de Porto Dinheiro > Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > O João Crisóstomo e o António Nunes Lopes encontram-se ao fim de 50 anos... Pertenceram à mesma companhia e ao mesmo pelotão... E evocam aqui, com uma espantosa precisão de detalhes, e grande emoção, uma dos mais duros episódios de guerra por que passaram, em 1966, em Darsalame (Baio), na zona de Baio/Buruntoni, no Xime, que o PAIGC sempre "controlou" durante toda a guerra, e onde era inevitável haver "contacto" com as NT... Qual o nome verdadeiro do místico soldado, de alcunha "Penálti", de aqui se fala ? Pode ser que alguém saiba mais sobre este homem, que foi herói e desertor...
João Crisóstomo, que é natural de uma freguesia vizinha, A-dos-Cunhados, do concelho de Torres Vedras, fez-se à vida depois do regresso da guerra. Andou pela Europa e Brasil, até se fixar em 1975, nos EUA, onde hoje vive (em Nova Iorque) e que é a sua segunda pátria.
(*) Op Avante, 30 de agosto de 1965, acrescenta o "consultor militar" e colaborador permanente José Martins.
(**) Vd. poste de 14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14874: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (3): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte II): João Crisóstomo e António Nunes Lopes, do mesmo pelotão, da CCAÇ 1439, encontram-se 50 anos depois e falam, com emoção e dramatismo, da violenta emboscada que uma vez sofreram em Darsalame (Baio), no subsetor do Xime
(...) Vídeo (7' 31''). Alojado em You Tube > Luís Graça
Lourinhã > Ribamar > Praia de Porto Dinheiro > Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > O João Crisóstomo e o António Nunes Lopes encontram-se ao fim de 50 anos... Pertenceram à mesma companhia e ao mesmo pelotão... E evocam aqui, com uma espantosa precisão de detalhes, e grande emoção, uma dos mais duros episódios de guerra por que passaram, em 1966, em Darsalame (Baio), na zona de Baio/Buruntoni, no Xime, que o PAIGC sempre "controlou" durante toda a guerra, e onde era inevitável haver "contacto" com as NT... Qual o nome verdadeiro do místico soldado, de alcunha "Penálti", de aqui se fala ? Pode ser que alguém saiba mais sobre este homem, que foi herói e desertor...
João Crisóstomo, que é natural de uma freguesia vizinha, A-dos-Cunhados, do concelho de Torres Vedras, fez-se à vida depois do regresso da guerra. Andou pela Europa e Brasil, até se fixar em 1975, nos EUA, onde hoje vive (em Nova Iorque) e que é a sua segunda pátria.
5 comentários:
Para memória futura, transcreve-se a página 408 do Volume 5, Tomo III (Cruz de Guerra 1961/1974) das Resenhas Histórico Militares das Campanhas de África.
Alferes Miliciano de Infantaria
JOÃO FRANCISCO CRISÓSTOMO
CCAÇ 1439/BII 19
GUINÉ
4ª CLASSE
Transcrição da Portaria publicada na O.E. nº 20 - 2ª Série, de 1966
Por Portaria de 20 de Setembro de 1966
Condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª Classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10ºdo Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1966, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano João Francisco Crisóstomo, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 698 – Batalhão Independente de Infantaria nº 19.
Transcrição do louvor que originou a condecoração.
(Publicado na O.S. nº 81, de 1 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):
Louvo o Alferes Miliciano de Infantaria, João Francisco Crisóstomo, da CCaç 1439,porque, na Operação "Avante", durante o combate, comandando um grupo de destruição e busca, teve um comportamento exemplar, quer na atribuição de funções aos componentes desse grupo, quer dinamizando todo o seu pessoal, não permitindo, com grande sangue frio, que o facto de haver um morto e um ferido no seu Pelotão, provocasse desânimo. Esteve verdadeiramente à altura no desempenho do que lhe fora determinado.
Mostrou-se um oficial valente que soube disciplinar e levar os seus homens ao cumprimento da missão, avançando alheio ao perigo e com a consciência de que para vencer é necessário penetrar nas posições inimigas.
Durante o regresso, num acto de abnegação digno de apreço, vendo o cansaço nos seus homens, não hesitou em transportar, ele próprio, durante cerca de um quilómetro, o corpo de um dos seus, abatido naquela operação.
Pelo relato que li do galardoado, por mais que reconheça e afirme, nunca por sugestão de um agraciado foi alterada uma atribuição de medalha a outros.
O regulamento tem padrões que, na altura. foram objecto de análise e decisão.
Pelo valor demonstrados pelos seus camaradas de pelotão, sugiro que receba a condecoração, passando a ostentá-la como preito de homenagem aos mesmos, nomeadamente aos que tombaram na operação.
Zé Martins
Zé, assino por baixo... O teu conselho é sábio: o João ainda vai a tempo de receber a condecoração, que o honra a ele, e aos seus camaradas... LG
Ainda acerca do meu comentário anterior, a acção terá sido desenvolvida em 30 de Agosto de 1965, durante a Operação Avante.
O Furriel Lopes - António Nunes Lopes - comandante da secção de atiradores, foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe (grau superior ao comandante de pelotão), assim como, provavelmente terá havido outras condecorações.
Ainda que sujeita a erros, a lista que "apanhei ao correr da vista" contém 18 nomes, desde o Comandante da Unidade até aos guias civis, e integra o Alferes Médico do Batalhão.
Só lendo cada um dos louvores que originaram a condecoração, é possível estabelecer a ligação entre eles.
Anuncia-se, assim, novas leituras, novas conclusões, novos trabalhos a apresentar neste Consultório Militar.
(Até pareço o Joel Cleto, historiador, a encerrar um dos seus muitos programas televisivos na estação Porto Canal - Caminhos da História)
A condecoração do João Crisóstomo não se refere "só" a esta operação, uma vez que refere
Muito bem João Crisóstomo, tiveste uma atitude digna de um Comandante, e devias ter sido consultado para a atribuição da honraria, em lembrança do talvez seja mais importante para um pelotão em combate: todos por um, e um por todos. Assim é que se cimenta a solidriedade amiga.
Um grande abraço
JD
João, 4 anos e meio depois, na mesma zona, eu e a minha CCAÇ 12 apanhámos uma violenta emboscada... Tens aqui fotos, a cores, tiradas na altura por fur mil Arlindo Roda...Fotos raras... Não mais esqueci o dia: 9 de fevereiro de 1970, segunda feira de Carnaval. Eu ia integrado no 3º Gr Comb, a que pertencia um dos nosso feridos, o 1º Cabo CGalvão, da Covilhã...
Nome da operação: Boga Destemida. Nela omaram parte 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A) e forças da CART 2520, reforçadas com o Pel Caç Nat 63 (Dest B), do "alfero Cabral".
9 DE ABRIL DE 2006
Guiné 63/74 - P677: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)
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