1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:
Chafariz de pedra
Bojudo chafariz de pedra mármore, aceso frente à matriz de Évora.
Tantas memórias centenárias guardas nesse bojo dilatado, imenso.
Estive a lê-las, aí ao pé, na esplanada do café Geraldo.
Nos meus momentos de liberdade.
Anos 64.
Preparativos da guerra de África.
Rebolei perdido no teu imaginário.
Aturdido com as perspectivas todas que me esperaria a guerra.
A pior, de ir e nunca mais voltar.
Como, se minha vida real ainda estava a começar?
Deixei de ver-te, no cálido mês de Agosto, quando zarpamos para o tenebroso cais de Alcântara.
Dali partimos pelos mares adentro.
Tão sombrios.
Arriscando a vida mas – assim o acreditávamos – mas salvando a honra…
Oxalá te volte a ver, aí ao pé, ó Chafariz de pedra, no Café Geraldo…
Berlim, 13 de Outubro de 2019
16h29m
Jlmg
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Começar a manhã
Pintar um poema
Pincéis. Tintas e uma tela.
Tudo preciso.
Na mente uma ideia.
Às pinceladas solto palavras.
Vêm em cachos. Todas ligadas.
Familiares ou parentes.
Seguem a ordem que a mente lhe dá.
Revelam a mensagem que brota de cá.
Se vestem das cores, conforme lhes dá.
Usam os tons em claro e escuro.
Trazem os anseios que palpitam na alma.
Rezam e oram que a beleza as adorne.
Festejam a paz e a alegria perene.
Cantam de cor o sonho e a cor.
Regalam os olhos, irradiando beleza.
Oxalá dêem fruto.
Para isso pintei de manhã.
Berlim, 16 de Outubro de 2019
9h51m
Jlmg
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Queimou-se o estrugido...
Uma colher de pau.
É preciso mexer. Mexer.
Uma distracção de segundos dá cabo do estrugido.
Queimou…
É preciso recomeçar.
Mais azeite a ferver.
Mais um alho e uma cebola.
Bem esquartejados.
Uns pózinhos de perlimpimpim.
Quando o fundo do tacho aloirar e se sentir aquele cheirinho especial, que faz lembrar a nossa avó, temos a base do cozinhado misterioso.
De pôr a cabeça à roda de quem vai a passar na rua.
Apetece bater à porta…
Quando vem à ideia um bom tema para escrever,
É preciso ser-se rápido.
É um sol-por de pouca dura.
A memória é traiçoeira.
Nunca é de confiar.
Quem discorda?...
Berlim, 18 de Outubro de 2019
18h15m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20236: Blogpoesia (639): "Nossa fatalidade", "Revolta das cores" e "Hoje, não vi esquilos", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Que recordações me veio trazer o primeiro poema, caro Mendes Gomes! O meu batalhão formou-se em Évora, no RI 16, mas no ano de 1972.
Quando comecei a ler «Bojudo chafariz de pedra mármore, aceso frente à matriz de Évora», vieram-me logo à memória as Portas de Moura, mas imediatamente a seguir me lembrei que nas Portas de Moura não existia igreja nem café. É claro que só podia ser a Praça do Giraldo! Com o seu belo chafariz, a igreja de austera fachada maneirista (diz-me o Google que é a igreja de Santo Antão), onde nunca entrei (o que é imperdoável), e o café Arcada que, por si só, já é um "monumento" ao convívio (e que "monumento"!), a Praça do Giraldo não tem comparação com nenhuma outra praça. Houve cidades com praças assim, como Viana do Castelo (a Praça da República), as quais perderam muita da sua original personalidade, apesar de continuarem a ser grandes atrações turísticas. A Praça do Giraldo, essa, continua a ser única e inconfundível. Que Évora a conserve por muitos e bons anos, e de preferência séculos.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro
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