1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:
Nossa fatalidade
Tem de haver uma razão profunda que explique esta nossa fatalidade como país independente e soberano.
Somos um punhado de gente capaz, a viver num pedacito de terra pedregosa, plantada junto ao mar.
Apesar das pedras, tem muito húmus e muita gema.
Rios muitos e poderosos; vales férteis e planícies; lezírias d’oiro e arrozais; um mar imenso, que dá e sobra de peixe à farta.
Nosso solo contém minério e carvão. Abundantes e variados.
Não caiam no engodo de explorar petróleo! Seria fatal para o nosso povo…
Então, que praga nos rogou o satanismo?
Não saímos da cepa torta. Uns pelintras e pedinchões.
Penhoramos nossos cordões aos grandes e metalistas desumanos. Uns milhafres.
Para que apenas meia dúzia viva como nababos. O resto, geme e vê-se aflito para sobreviver.
Tem de emigrar para todo o mundo para salvar sua vida e dignidade.
Tantos cérebros brilhantes que rendem oiro por esse mundo…
Quando virá a hora de inverter este fado negro e desolador?
Abraenuntio!... Vade retro!...
Para vivermos todos em paz e abundância.
Ouvindo O melhor de Pachelbel.
Berlim, 6 de Outubro de 2019
11h14m
Jlmg
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Revolta das cores
Cansadas de ser o que foram e são,
Cada uma por si, decidiu mudar sua cor.
A primeira foi o cinzento.
Insecto imperfeito.
Nem preto nem branco.
Pintou-se de azul,
Invejando o céu.
O vermelho retinto,
Conotado ao sangue,
Vestiu-se de preto,
Espantando a morte.
O verde serrano,
Amarrado à terra,
Nem carne nem peixe,
Desatou a correr
E banhou-se no mar.
O amarelo, crestado do sol,
Fugiu para a sombra
E vestiu-se de cinza.
Por fim, o azul.
Do que se havia de lembrar.
Cansado do céu e do mar,
Tornou-se grenã.
As aves e os peixes,
Em se vendo a sangrar,
Clamaram aos céus,
Não queriam morrer.
Só o branco ficou.
Pouco tempo passou.
A chuva as lavou.
A serra floriu.
Brilhando ao sol,
De todas cores.
Mudar nunca mais.
Melhor ser como é...
Berlim, 7 de Outubro de 2019
11h24m
Jlmg
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Hoje, não vi esquilos
Hoje, não vi esquilos na minha caminhada.
Só corvos e melros pretos.
Têm o mesmo espaço que partilham bem.
Debicam tudo. Para se sustentarem.
Ficam na mesma quando lhes passo ao lado.
Mestres da boa convivência.
Venho e vou e por ali os deixo.
Já os conheço há anos.
Apresentaram-me os esquilos.
Corredores nas árvores, como se fosse o chão.
Seu condão é o silêncio.
Cada qual na sua vidinha.
Ninguém se intromete com os outros.
Ignoram guerras.
Exemplares.
Visitá-los cada dia, faz-me bem…
Berlim, 10 de Outubro de 2019
9h52m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20209: Blogpoesia (638): "Sou filho de Adão", "Guidinha padeira" e "Valor da paz", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Mendes Gomes
Eu diria, a viver como nababos e a copular-nos que nem insaciáveis bonobos.
Ab.
Valdemar Queiroz
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