sábado, 8 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20631: A minha máquina fotográfica (20): carta de amor à minha querida Olympus Pen, comprada em Nova Lamego, em 1973, numa loja de libaneses (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS/ BART 6523, 1973/74)



Olympus Pen  [EE, 1959 ?]

(...) "Máquina fotográfica analógica produzida pela Olympus no formato half-frame que apenas ocupa metade de um negativo de 35mm e portanto duplica o total de exposições nos respetivos rolos (24exp=48exp, 36exp=72exp).

A primeira pen foi produzida em 1959 e tornou-se uma das mais pequenas máquinas fotográficas a usar rolo de 35mm, pensava-se que era tão portátil quanto uma esferográfica, daí o nome Pen. (...) A versão EE-S foi produzida nos anos 60 e vem substituir a anterior EE com uma lente mais luminosa." (...)


O modelo EE-S (1962-8) custa hoje cerca de 75 euros [o equivalente em 1973 a 355 escudos da metrópole; c. 320 pesos]


Foto nº 1 >  Nova Lamego: c. 1973/74: a "menina do Gabu", uma "filha do vento"... Morreria, mais tarde, de doença,  aos 12 anos.


Foto nº 2 > Nova Lamego, c. 1973/74 > O "ranger" no seu quarto, no quartel de Nova Lamego


Foto nº 3 >  Nova Lamego, c. 1973//4 : o rádio de pilhas e a decoração erótica que "humanizava" e "climatizava" o universo concentracionário dos aquartelamentos 


Foto nº 4 > Gabu, c. 1973/74 : numa tabanca fula, o "ranger" e a menina com irmão ás costas


Foto nº 5 > Bafatá, c. 1973/74: a rua principal, o rio Geba ao fundo


Foto nº 6 > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > 1973 > O cais fluvial do Xime, na margem esquerda do Geba Estreito


Foto nº 7  > Gabu, c. 1973/74 > Uma aldeia fula, crianças em tempo de guerra


Foto nº 8 > Nova Lamego: 14 de março de 1974 > Dia de juramento de bandeira de uma companhia de milícias, com a presença do alferes graduado cmd Marcelino da Mata > "Dia de ronco", com um grupo de músicos que tocavam música afro-mandinga (com os tradicionais instrumenos: kora, à esquerda, e balafon, à direita) > Os militares, de pé, na terceira fila (o Zé Saúde, de óculos escuros) e as mulheres grandes, sentadas, na segunda fila.


Foto nº 9 > Nova Lamego > s/d > Vista aérea do quartel novo e da pista de aviação, Foto do fur mil Amílcar Ramos, que pertencia à BAA (Bateria Anti-Aérea)


Foto nº 10 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis": 


Foto nº 11 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis":  o fur mil minas e armadilhas Santos mais um soldado


Foto nº  12 > Gabu, c. 1973/74 > O "ranger" José Saúde


Foto nº 13 >  Gabu, c. 1973/74 > No mato


Foto nº 14 > 2/8/1973 > Aquando da chegada a Bissau, nos barracões do QG/CTIG, destinados aos sargentos, com o Ramos, fur mil ranger que há de desertar, mais tarde, para o PAIGC


Foto nº  15  > Nova Lamego, c. 1973/74: Uma equipa de futebol (reduzida): de pé, Santos, Dias, "Maia" e Fonseca. Em primeiro plano, Zé Saúde e Rui


Foto nº 16 >  Gabu, c. 1973/74  algures numa tabanca > Encontro com o velho do cachimbo


Foto nº 17  > Nova Lamego, c. 1973/74  > Lavadeiras, "duquesas do quartel"


Foto nº 18 > Nova Lameg, c. 1973/74 > No quarto, lendo "Um Deus na Palma da Mão", romance de Josúé da Silva (Edições Plexo, 1973, 368 pp.)


Foto nº  19 >  Nova Lamego, c. 1973/74 > Cozinha da messe de sragentos > O Zé Saúde, parodiando o  "sermão aos peixes" do Padre António Vieira...


Foto nº   20 > Bafatá > Pós-25 de Abril de 1974 >  Delegação do PAIGC

Fotos (e legendas): © José Saúde  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Carta de amor à minha  querida máquina fotográfica Olympus Pen: obrigado pelas tuas imagens  (*)

por José Saúde

Olho, hoje, para ti e relembro os momentos em que foste, para mim, uma insofismável companheira!

Comprei-te numa loja de libaneses, em Nova Lamego. A aquisição baseou-se, essencialmente, sobre uma carência pressupostamente sentida quando ostentava, ainda, a alcunha de "piriquito". 

Optei, no ato da compra, pela marca que já conhecia e fiz menção que o seu manuseamento fosse o mais simples possível. Vislumbrava no horizonte que poderias, em momentos cruciais, debitares imagens capitais para mais tarde recordar.

Seguias viagem no bolso do camuflado e a tua humilde ação apresentou-se, a espaços, importante para a reposição de reproduções que nos leva a viajar nas asas do vento e trazer à memória pedaços de indeléveis recordações. 

O teu aspeto simples, e de mecânica sumária, jamais me deu o mínimo de problemas ou/e de preocupações. Ou seja, tu, a minha Olympus,  eras uma máquina divinal. Não recordo o teu custo exato. Talvez uns quinhentos ou setecentos e cinquenta pesos [equivalente, a preços de hoje a 105 € e 158 €, respetivamente].

Afirmo, por outro lado, que a generalidade dos documentos visualizados nesta obra, tiveram como base tu, meu pequeno brinquedo que teimosamente acostou junto a este antigo combatente - sem nome - que prestou serviço militar em território da Guiné.

O clique não obedecia a cuidados antecipados. A visualização do objetivo não apresentava dificuldades pré-concebidas. Colocava-te na posição de automática e saía, normalmente, uma imagem de se lhe tirar o chapéu. Contigo, minha querida Olympus, recolhi pormenores de gentes que viviam no meio de duas frentes de guerra que impunham leis horrendas no terreno.

Recolhi imagens de crianças que muito cedo se habituaram a ouvir os sons horripilantes das armas de fogo que serviam simplesmente para matar outros homens considerados inimigos. Imagens de homens e de mulheres grandes que serviam, por vezes, de fúteis objetos. Em prol da sobrevivência tudo se aceitavam.

A guerra, a tal maldita guerra, traçava horizontes deveras débeis. Melhor, medonhos. Gentes que caminhavam para o campo com uma aparente ligeireza. Pareciam conhecer, e bem, os trilhos do medo. E tudo se conjugava numa irreverente certeza: a população era um alvo apetecível para as duas frentes de guerra. E o povo sabia que eram seres importantes num xadrez de incertezas.

Tu,  minha Olympus, ias acumulando, pausadamente, registos que hoje me fazem recuar no tempo e trazer à estampa nacos de memórias inesquecíveis. Fomos combatentes na Guiné. Convivemos, ambos, , com a guerra e a paz. Conhecemos o odor da desgraça.

Vimos companheiros perderem a vida em plena juventude em defesa de interesses alheios. Estropiados que sempre reclamaram uma maior justiça social. Outros que ainda coabitam com traumas psíquicos de um conflito que lhes quebrou uma vida saudável. Outros que tentam passar imunes a problemas mentais que sistematicamente lhes causam problemas no seio familiar ou na comunidade.

Enfim, um rol de aromas nauseabundas de um tempo sem tempo que desafiou gerações transversais e que nos obrigou a combater num conflito sem rumo.

Para ti,  minha querida Olympus, que continuo a guardar devotamente no baú da saudade, vai o meu muito obrigado.

Zé Saúde (**)

[daptação, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do  editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

5 de janeiro de 2015> Guiné 63/74 - P14121: A minha máquina fotográfica (19): Quando embarquei no T/T Índia, em julho de 1964, já levava uma Kodak... Ficou-me no rio de Canjambari... (António Bastos,ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

21 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14061: A minha máquina fotográfica (16): Comprei uma Olympus 35 SP e um projetor de "slides" na casa Pintozinho, em Bissau (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14047: A minha máquina fotográfica (15): Comprei-a em 73, em Bissau por 5.000 pesos, que utilizei durante muitos anos na vida civil e fez algumas viagens ao estrangeiro na década de 80 (Agostinho Gaspar)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14046: A minha máquina fotográdfica (14): Comprei-a logo nos primeiros dias em Bissau, numa loja de material fotográfico ao lado do forte da Amura, em Julho de 1968, com dois colegas do curso de Mafra, o Rego e o Amorim. Eram todas iguais, marca “Fujica” (Fernando Gouveia)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14045: A minha máquina fotográdfica (13): Tive, desse tempo, uma Kowa SE T que depois vendi; e tenho ainda uma Minolta SR T 101... Se um dia quiserem fazer um museu com as "máquinas de guerra", contem com a minha... Não a vendo, tem um grande valor sentimental... (Manuel Resende, ex-alf mil, CCaç 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

15 de dezembro de2014 > Guiné 63/74 - P14030: A minha máquina fotográfica (12): Ainda tenho, operacional, a minha Fujica Compact S, comprada em finais de 1972, em Bissau (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)


13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14018: A minha máquina fotográfica (9): a minha "arma de recordações" era uma Chinon M-1... E também tenho uma Olympus Pen D3, à espera, há 40 anos, de ser entregue ao seu dono: o ex-fur mil Guerreiro, da CCAÇ 13, algarvio de Boliqueime, tanto quanto sei... Ele por favor que me contacte... Foi o libanês Alfredo Kali que me encarregou da encomenda... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14012: A Minha Máquina Fotográfica (8): A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968 (António J. Pereira da Costa, cor art ref, ex-alf art, CART 1692, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494, Xime, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)

11 de dezembro de 2014 > Guiné 63774 - P14007: A minha máquina fotográfica (6): (i) levei da metrópole um "caixote" Kodak; e (ii) em Bafatá comprei uma Franka Solida Record, alemã (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14006: A minha máquina fotográfica (5): (i) comprei a minha Yashica Linx 5000 em Bissau por 3 contos; (ii) e que tal criar-se um museu de máquinas fotográficas de guerra? (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)

9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13990: A minha máquina fotográfica (3): (i) A Kodak Brownie Fiesta foi, depois da G3, a minha segunda companheira do mato (Vitor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71); (ii) tive uma Olympus Trip 35 (António Murta, ex-allf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13989: A minha máquina fotográfica (2): (i) a minha velhina Yashica, comprada no T/T Uíge: e (ii) os calotes dos trabalhos fotográficos em Empada (Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Vd. poste de 4 de dezembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

É interessante ver na fotografia de Bafatá, na imagem da rua mais conhecida, uma esplanada fora dos locais mais habituais da zona central.
Volto a lembrar, não me recordar das lojas de libaneses em Nova Lamego.
A construção do novo Quartel, que já não conheci, deveria ter criado problemas para a rapaziada se deslocar facilmente até à parte central de Nova Lamego.
Realmente, a rapaziada sempre que podia comprava uma máquina fotográfica, que não eram nada baratas, mas raramente a levava em operações e por isso haver muito poucas imagens em pleno mato.

Valdemar Queiroz