Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(...) "Na madrugada de 1 de setembro [, depois da prisão, efetuada nas instalações do BNU em 15 de março de 1962, ainda ao tempo do governador, oficial da marinha, Peixoto Correia], foram buscar-nos em Mansoa para [nos] levar à ilha das Galinhas. Via João Landim, fomos levados no porão do barco Formosa. Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul. Na noite de 1 de Setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. (...).
"No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco Formosa, com o rumo a Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor África Ocidental com destino desconhecido por nós. Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal, onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho."(...)
(Excerto de: Inácio Soares de Carvalho, "Memórias da Luta Clandestina", no prelo, 2020)
"No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco Formosa, com o rumo a Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor África Ocidental com destino desconhecido por nós. Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal, onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho."(...)
(Excerto de: Inácio Soares de Carvalho, "Memórias da Luta Clandestina", no prelo, 2020)
Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, tinha sido reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola.
Em 1962, após uma série de vagas de prisões de nacionalistas guineenses, que sobrelotavam os ass prisões e os quartéis militares de então, o governador da Guiné pede. por um simples ato administrativo, a deportação para o Tarrafal dos 100 mais... "perigosos". Juntam-se aos angolanos em 4 de setembro de 1962.
O governador António Augusto Peixoto Correia viria a substituir o professor Adriano Morerra no cargo de ministro do ultramar.
1. Continuação da publicação de excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" (que foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.) (*)
Assinaturas em Relatório do PAIG sobre o dispositivo militar português em Bissau, e nomeadamente o Quartel General a "norte da cidade" [Santa Luzia]. Data: c. 1961. Relatório datilografado, em duas páginas, em papel branco. É assiando pelos eesponsáveis do PAI em Bissau: Latranco da Costa [Pedro Ramos], Zain Lopes [Rafael Barbosa] e Naci Camará [Inácio Soares de Carvalho, acrescentamos nós. (LG)]...
Citação:
(1961), "Relatórios do PAI em Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41679 (2020-3-3) (com a devida vénia...)
Estando o Alfredo Menezes d’Alva ainda em liberdade faz todos os possíveis para entrar em contacto com o Rafael [Barbosa] que se encontrava já nas matas no interior da Guiné, em campanha de mobilização, com a ajuda de um nosso companheiro [1].
O governador António Augusto Peixoto Correia viria a substituir o professor Adriano Morerra no cargo de ministro do ultramar.
Capa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020.
1. Continuação da publicação de excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" (que foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.) (*)
Dois meses antes, um dos filhos, do Inácio Soares de Carvalho , o Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.
Inácio Soares de Carvalho (ISC) (1916-1994) trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.
Nasceu na Praia (, temos dúvida sobre a sua data de nascimento: ele diz que em 29 de Abril de 1974, quando "terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas", ele completava "58 anos de idade"; terá então nascido em 29/4/1916 ).
Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG– Movimento para Libertação da Guiné (**) por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.
Seria preso pela primeira vez pela PIDE em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos", para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas). Três depois, em 16/10/1965,
é transferido para a colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.
Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o "golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal". O seu nome na clandestinidade era Nassi ou Naci Camará. [O de Rafael Barbosa, de etnia papel (c. 1926-2007), era Zain Lopes.]
Nos final dos anos setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em 1994.
"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)
Inácio Soares de Carvalho (ISC) (1916-1994) trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.
Nasceu na Praia (, temos dúvida sobre a sua data de nascimento: ele diz que em 29 de Abril de 1974, quando "terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas", ele completava "58 anos de idade"; terá então nascido em 29/4/1916 ).
Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG– Movimento para Libertação da Guiné (**) por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.
Seria preso pela primeira vez pela PIDE em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos", para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas). Três depois, em 16/10/1965,
é transferido para a colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.
Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o "golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal". O seu nome na clandestinidade era Nassi ou Naci Camará. [O de Rafael Barbosa, de etnia papel (c. 1926-2007), era Zain Lopes.]
Nos final dos anos setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em 1994.
"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)
Assinaturas em Relatório do PAIG sobre o dispositivo militar português em Bissau, e nomeadamente o Quartel General a "norte da cidade" [Santa Luzia]. Data: c. 1961. Relatório datilografado, em duas páginas, em papel branco. É assiando pelos eesponsáveis do PAI em Bissau: Latranco da Costa [Pedro Ramos], Zain Lopes [Rafael Barbosa] e Naci Camará [Inácio Soares de Carvalho, acrescentamos nós. (LG)]...
Citação:
(1961), "Relatórios do PAI em Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41679 (2020-3-3) (com a devida vénia...)
[No Arquivo Amílcar Cabral, há vários documentos, como este, com a assinatura de Zain Lopes e N. Camará, da Secção de Controlo e Defesa, do PAI, em Bissau, datados de 1961. Rafael Barbosa e Inácio Soares de Carvalho serão presos em Março de 1962. Pedro Ramos (, irmão do Diomingos Ramos,) consegue furar o cerco militar à base clandestina onde estava escondido o presidente do PAI,nio Rafael Barbosa, na Zona 0, em Bissalanca, nos arredores de Bissau. Sabe-se que o Rafael Barbosa teve, na época, um papel fundamental na mobilização dos jovens para a "luta de libertação". Era considerado uma figura carimástica e respeitada pelos mais jovens até à sua prisão em setembro de 1962 e posterior libertação, em 1969, ao tempo de Spínola. A sua evental participação no conspiração para prender e/ou matar Amílcar Cabral, em janeiro de 1972, é ainda hoje motivo de controvérsia. Tornou.se um dissidente do PAIGC, sendo a sua memória, hoje, na Guiné-Bissau, objeto de uma relação de amor-ódio. Leopoldo Amado entrevistou-o e fotografou-o em 1989. (LG)]
2. Excertos do livro - Parte III (*)
(Continuação)
Rafael Barbosa – o regresso a Bissau
Estando o Alfredo Menezes d’Alva ainda em liberdade faz todos os possíveis para entrar em contacto com o Rafael [Barbosa] que se encontrava já nas matas no interior da Guiné, em campanha de mobilização, com a ajuda de um nosso companheiro [1].
Entretanto, esse companheiro nosso acabou por ser informado por nossos agentes de ligação do que se passou em Bissau. Dali então tomou a precaução de pôr o Rafael Barbosa na clandestinidade sob a vigilância de um dos nossos responsáveis em Bissorã que, do seu lado, tudo fez para entrar em contacto com o Menezes.
Como não havia lugar seguro onde se podia esconder o Rafael, a única solução que foi encontrada foi metê-lo numa horta de mandioca enquanto, durante a noite, se procurava um lugar definitivo para o pôr a salvo da PIDE. Foi efectivamente muito complicado tirar o Rafael de Bissorã e pô-lo em Bissau, ainda mais sendo ele um deficiente físico [2].
Com a prisão de nossos companheiros, responsáveis do Partido, e crentes de que o Rafael se encontrava em Dakar, os agentes e informadores da PIDE deram uma festa para comemorar porque estavam presos todos os principais responsáveis do Partido no interior da Guiné e contavam que o Rafael estivesse em Dakar. Esta convicção dos agentes da PIDE de que o Rafael estava em Dakar foi uma grande sorte para nós.
A minha grande preocupação nessa altura era que a PIDE não soubesse que o Rafael já estava dentro da Guiné, porque se soubessem desencadeariam uma perseguição até o encontrarem, o que seria uma desgraça, pois seria um grande atraso para a nossa luta, sobretudo nessa fase muito difícil.
Estando o Rafael em Bissorã, o nosso maior problema agora é fazê-lo entrar em Bissau, tendo em conta o aumento do número de informadores que a PIDE fez em toda a Guiné, principalmente em Bissau, capital da província.
A entrada do Rafael Barbosa em Bissau só foi possível devido à vontade e muita coragem do Alfredo Menezes d’Alva e alguns jovens companheiros de luta como Nicolau Cabral [3], Mandu Biai [4] e Albino Sampa [5].
Amigos leitores, não fazem ideia da minha grande satisfação quando o Alfredo Menezes foi ao Banco [, o BNU, ] dar-me a notícia de que o Rafael já se encontrava em Bissau e o sítio onde se encontrava escondido. Ele foi levado e escondido em casa duma prima dele que se situava na margem esquerda da ponte de Cobornel [6] ], para os lados do futuro Bairro da Ajuda ?, (LG)]. Informou-me ainda a forma como chegar ao local onde estava escondido.
Mas para ver o Rafael, o Menezes recomendou-me para fazê-lo só a partir das 3 horas da tarde, pois, é uma zona muito movimentada e tinha que ter muita atenção. Mais me disse que o Rafael estaria à janela à minha espera, pois, já estava tudo combinado com ele. Assim, não foi difícil localizar a casa e encontrar o nosso companheiro de luta.
Tudo aconteceu num sábado à tarde e, caros leitores, passámos toda a tarde até às 9 da noite a conversar sobre os últimos episódios de nossa luta; mas, como tínhamos muitos assuntos a discutir, acertamos continuar a conversa no dia seguinte, visto que já era tarde e a vigilância da PIDE era apertada e não podíamos correr risco.
No encontro do dia seguinte, começamos logo a pensar na melhor maneira de recomeçarmos as nossas actividades e Rafael contou-nos como passou na vinda de Bissorã para Bissau, dado o seu estado físico.
Caros leitores, podem imaginar um indivíduo fisicamente deficiente e debilitado conseguir fazer um trajecto de aproximadamente 70 kms, tudo dentro do mato até chegar a capital porque não podia andar por via normal, controlada pelos agentes da polícia e da PIDE. Todo este episódio foi contado pelo Rafael na presença do Menezes, Nicolau Cabral, Albino Sampa e mais outros companheiros de luta.
Depois deste acontecimento entrei em contacto com D. Irene Fortes, esposa do Fernando Fortes, e informei das últimas novidades, sobretudo a entrada do Rafael em Bissau. Quando lhe contei toda a estória, ela ficou ainda mais contente do que eu próprio. De seguida, fui levar a mesma informação ao Sr. Rosendo que ficou muito admirado ao saber que o Rafael já estava em Bissau, pois ninguém esperava naquelas horas muito difíceis que isso pudesse acontecer.
Aproveitamos para falar, mas não por muito tempo, pois andava sempre desconfiado com a PIDE porque os companheiros estavam quase todos na prisão.
Com o Rafael já em Bissau, a nossa maior preocupação consistia agora em arranjar um sítio mais seguro para o esconder porque a casa da prima, como dito antes, ficava na beira da estrada e não nos oferecia segurança para montarmos a nossa base, mas sobretudo porque o marido dela já estava com medo porque a PIDE lançou a propaganda de que a casa onde for encontrado o Rafael, este seria preso com toda a família que o escondia.
Assim, para ultrapassar essa situação e encontrarmos um lugar com segurança, fizemos uma pequena reunião da qual saiu a decisão de encarregar Nicolau Cabral, Albino Sampa, Abdulay Bary, Martinho Balanta que é cunhado do Epifânio, Mandu Biai, Abdul Dja [7] e mais outros jovens de procurar um lugar seguro para instalarmos Rafael e “construir” a base para o recomeço de nossas actividades.
Todo aquele desentendimento e confusão, em Dezembro do mesmo ano [, 1960 ?], originou a prisão de alguns de nossos companheiros, como o Quintino Nosoliny, o Estevão Tavares e o Lassana Sissé, todos eles responsáveis do Partido em Bissorã. Estes responsáveis faziam parte dos responsáveis que estavam de acordo para se trabalhar conjuntamente com os cabo-verdianos.
Nesta leva de prisões [, em abril de 1961 ], foram presos, entre outros, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado, Júlio d’Almeida e João Rosa. Só o Alfredo Menezes d’Alva escapou. (**)
(**) Vd. poste de 14 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P268: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo (Mário Dias)
Das pessoas referidas pelo Elisée[Turpin] (...) recordo-me perfeitamente de:
- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, "colonos" incluídos;
- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;
- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de "Swift"; talvez não seja o mesmo;
- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.
Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:
- Fernando Fortes que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;
- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel (...). Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;
- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida.(...)
Com a prisão de nossos companheiros, responsáveis do Partido, e crentes de que o Rafael se encontrava em Dakar, os agentes e informadores da PIDE deram uma festa para comemorar porque estavam presos todos os principais responsáveis do Partido no interior da Guiné e contavam que o Rafael estivesse em Dakar. Esta convicção dos agentes da PIDE de que o Rafael estava em Dakar foi uma grande sorte para nós.
A minha grande preocupação nessa altura era que a PIDE não soubesse que o Rafael já estava dentro da Guiné, porque se soubessem desencadeariam uma perseguição até o encontrarem, o que seria uma desgraça, pois seria um grande atraso para a nossa luta, sobretudo nessa fase muito difícil.
Estando o Rafael em Bissorã, o nosso maior problema agora é fazê-lo entrar em Bissau, tendo em conta o aumento do número de informadores que a PIDE fez em toda a Guiné, principalmente em Bissau, capital da província.
A entrada do Rafael Barbosa em Bissau só foi possível devido à vontade e muita coragem do Alfredo Menezes d’Alva e alguns jovens companheiros de luta como Nicolau Cabral [3], Mandu Biai [4] e Albino Sampa [5].
Amigos leitores, não fazem ideia da minha grande satisfação quando o Alfredo Menezes foi ao Banco [, o BNU, ] dar-me a notícia de que o Rafael já se encontrava em Bissau e o sítio onde se encontrava escondido. Ele foi levado e escondido em casa duma prima dele que se situava na margem esquerda da ponte de Cobornel [6] ], para os lados do futuro Bairro da Ajuda ?, (LG)]. Informou-me ainda a forma como chegar ao local onde estava escondido.
Mas para ver o Rafael, o Menezes recomendou-me para fazê-lo só a partir das 3 horas da tarde, pois, é uma zona muito movimentada e tinha que ter muita atenção. Mais me disse que o Rafael estaria à janela à minha espera, pois, já estava tudo combinado com ele. Assim, não foi difícil localizar a casa e encontrar o nosso companheiro de luta.
Tudo aconteceu num sábado à tarde e, caros leitores, passámos toda a tarde até às 9 da noite a conversar sobre os últimos episódios de nossa luta; mas, como tínhamos muitos assuntos a discutir, acertamos continuar a conversa no dia seguinte, visto que já era tarde e a vigilância da PIDE era apertada e não podíamos correr risco.
No encontro do dia seguinte, começamos logo a pensar na melhor maneira de recomeçarmos as nossas actividades e Rafael contou-nos como passou na vinda de Bissorã para Bissau, dado o seu estado físico.
Caros leitores, podem imaginar um indivíduo fisicamente deficiente e debilitado conseguir fazer um trajecto de aproximadamente 70 kms, tudo dentro do mato até chegar a capital porque não podia andar por via normal, controlada pelos agentes da polícia e da PIDE. Todo este episódio foi contado pelo Rafael na presença do Menezes, Nicolau Cabral, Albino Sampa e mais outros companheiros de luta.
Depois deste acontecimento entrei em contacto com D. Irene Fortes, esposa do Fernando Fortes, e informei das últimas novidades, sobretudo a entrada do Rafael em Bissau. Quando lhe contei toda a estória, ela ficou ainda mais contente do que eu próprio. De seguida, fui levar a mesma informação ao Sr. Rosendo que ficou muito admirado ao saber que o Rafael já estava em Bissau, pois ninguém esperava naquelas horas muito difíceis que isso pudesse acontecer.
Aproveitamos para falar, mas não por muito tempo, pois andava sempre desconfiado com a PIDE porque os companheiros estavam quase todos na prisão.
Com o Rafael já em Bissau, a nossa maior preocupação consistia agora em arranjar um sítio mais seguro para o esconder porque a casa da prima, como dito antes, ficava na beira da estrada e não nos oferecia segurança para montarmos a nossa base, mas sobretudo porque o marido dela já estava com medo porque a PIDE lançou a propaganda de que a casa onde for encontrado o Rafael, este seria preso com toda a família que o escondia.
Assim, para ultrapassar essa situação e encontrarmos um lugar com segurança, fizemos uma pequena reunião da qual saiu a decisão de encarregar Nicolau Cabral, Albino Sampa, Abdulay Bary, Martinho Balanta que é cunhado do Epifânio, Mandu Biai, Abdul Dja [7] e mais outros jovens de procurar um lugar seguro para instalarmos Rafael e “construir” a base para o recomeço de nossas actividades.
A primeira leva de prisões de responsáveis do PAIGC
Todo aquele desentendimento e confusão, em Dezembro do mesmo ano [, 1960 ?], originou a prisão de alguns de nossos companheiros, como o Quintino Nosoliny, o Estevão Tavares e o Lassana Sissé, todos eles responsáveis do Partido em Bissorã. Estes responsáveis faziam parte dos responsáveis que estavam de acordo para se trabalhar conjuntamente com os cabo-verdianos.
A segunda leva de prisões de responsáveis do PAIGC
Nesta leva de prisões [, em abril de 1961 ], foram presos, entre outros, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado, Júlio d’Almeida e João Rosa. Só o Alfredo Menezes d’Alva escapou. (**)
Estes nossos companheiros foram levados e ficaram detidos nas celas na 2ª Esquadra da Policia. A situação deles como a de todos os prisioneiros políticos era desagradável porque eram sujeitos a muitas injúrias pelos agentes da PIDE portugueses e também de alguns dos nossos irmãos africanos que se encontravam ao serviço da Policia portuguesa na referida Esquadra. Depois da prisão destes companheiros, as actividades paralisaram quase completamente.
(Continua)
_________________
Notas do Carlos de Carvalho:
[1] ISC não explicita o nome desse companheiro. Mas, com certeza, trata-se de um dos muitos dirigentes / militantes que o Movimento/Partido tinha já espalhado em todas as zonas do interior da Guiné-Portuguesa, como se poderá constatar aquando das prisões ocorridas em [março de] 62.
[2] Rafael era deficiente da perna esquerda. Segundo a filha Helena Barbosa esse problema foi consequência duma deficiente administração de uma vacina, em criança, contra a meningite, tendo piorado já homem, após ter sido mordido por uma cobra.
[3] Nicolau Cabral foi seguramente dos mais activos militantes do PAIGC na clandestinidade. O seu nome aparece em todos os principais momentos da luta clandestina. Preso em 1962, foi enviado, como ISC, para a Colónia Penal do Tarrafal. Segundo ISC, era pedreiro de profissão.
Segundo informações de Almiro de Carvalho, depois da independência, Nicolau trabalhou na UNTG.
[4] Mandu Biai foi preso em [março de ] 1962 e enviado com ISC à Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, donde terá saído em liberdade em 1969. Segundo ISC, Biai era Empregado Comercial.
[5] ISC fala do Albino Sampa durante todo o decurso da luta. É de se supor que Albino tenha sido mobilizado por Rafael para a luta, pois, na sua “Descrição Biográfica”, uma espécie de “Autobiografia Política”, fornecida por um sobrinho de nome Paulino, Albino escreve que: “Aderiu às fileiras do PAIGC em 1957 com idade muito jovem, tendo cumprido a sua primeira Missão de Serviço em 01/05/61, que lhe fora incumbida pelo Sr. Rafael de Paula Gomes Barbosa, no sentido de efectuar uma viagem para o Senegal, Dakar, portador de correspondências para Luís Cabral, naquela cidade, e para o Sr. Marcelo em Cundará”
Foi um dos principais agentes de ligação entre a Zona 0 e o exterior. Muito seguro e convicto, granjeou respeito no seio de seus companheiros de luta. Ainda após a luta ISC se lembrava com frequência desse incansável lutador pela independência da Guiné e de Cabo Verde.
Ainda segundo sua “Descrição Biográfica” e informações recolhidas junto de vários companheiros de luta (Paulo Pereira de Jesus, Brígido, Constantino, entre outros), Albino, depois da independência, trabalhou como Agente de Guarda nos Empreendimentos dos Serviços Portuários. Morreu em 2014, quase completamente abandonado pelos companheiros de luta. (Ver nos Anexos alguns documentos sobre este herói quase desconhecido da maioria de seus compatriotas).
[6] Cobornel era, na altura, um bairro em construção. Ficava a uns poucos quilómetros do centro da Cidade de Bissau, portanto, uma zona quase que desabitada. Na verdade, a cidade de Bissau quase que terminava na zona situada logo após a “Chapa-de- Bissau”. [Mais tarde ter-se-á construido ali o novo bairro da Ajuda; segundo o Leopoldo Amado, seria em Bissalanca. (LG).
[7] Sobre Abdul Djá, ISC falará posteriormente.
(Continua)
Notas do editor:
(*) Postes anteriores da série
2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)
29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)
(**) MLGC ou só MLG?... Não confundir com o PAI (futuro PAIGC). Um e outro entram em rutura antes do início da luta armada..
(Continua)
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Notas do Carlos de Carvalho:
[1] ISC não explicita o nome desse companheiro. Mas, com certeza, trata-se de um dos muitos dirigentes / militantes que o Movimento/Partido tinha já espalhado em todas as zonas do interior da Guiné-Portuguesa, como se poderá constatar aquando das prisões ocorridas em [março de] 62.
[2] Rafael era deficiente da perna esquerda. Segundo a filha Helena Barbosa esse problema foi consequência duma deficiente administração de uma vacina, em criança, contra a meningite, tendo piorado já homem, após ter sido mordido por uma cobra.
[3] Nicolau Cabral foi seguramente dos mais activos militantes do PAIGC na clandestinidade. O seu nome aparece em todos os principais momentos da luta clandestina. Preso em 1962, foi enviado, como ISC, para a Colónia Penal do Tarrafal. Segundo ISC, era pedreiro de profissão.
Segundo informações de Almiro de Carvalho, depois da independência, Nicolau trabalhou na UNTG.
[4] Mandu Biai foi preso em [março de ] 1962 e enviado com ISC à Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, donde terá saído em liberdade em 1969. Segundo ISC, Biai era Empregado Comercial.
[5] ISC fala do Albino Sampa durante todo o decurso da luta. É de se supor que Albino tenha sido mobilizado por Rafael para a luta, pois, na sua “Descrição Biográfica”, uma espécie de “Autobiografia Política”, fornecida por um sobrinho de nome Paulino, Albino escreve que: “Aderiu às fileiras do PAIGC em 1957 com idade muito jovem, tendo cumprido a sua primeira Missão de Serviço em 01/05/61, que lhe fora incumbida pelo Sr. Rafael de Paula Gomes Barbosa, no sentido de efectuar uma viagem para o Senegal, Dakar, portador de correspondências para Luís Cabral, naquela cidade, e para o Sr. Marcelo em Cundará”
Foi um dos principais agentes de ligação entre a Zona 0 e o exterior. Muito seguro e convicto, granjeou respeito no seio de seus companheiros de luta. Ainda após a luta ISC se lembrava com frequência desse incansável lutador pela independência da Guiné e de Cabo Verde.
Ainda segundo sua “Descrição Biográfica” e informações recolhidas junto de vários companheiros de luta (Paulo Pereira de Jesus, Brígido, Constantino, entre outros), Albino, depois da independência, trabalhou como Agente de Guarda nos Empreendimentos dos Serviços Portuários. Morreu em 2014, quase completamente abandonado pelos companheiros de luta. (Ver nos Anexos alguns documentos sobre este herói quase desconhecido da maioria de seus compatriotas).
[6] Cobornel era, na altura, um bairro em construção. Ficava a uns poucos quilómetros do centro da Cidade de Bissau, portanto, uma zona quase que desabitada. Na verdade, a cidade de Bissau quase que terminava na zona situada logo após a “Chapa-de- Bissau”. [Mais tarde ter-se-á construido ali o novo bairro da Ajuda; segundo o Leopoldo Amado, seria em Bissalanca. (LG).
[7] Sobre Abdul Djá, ISC falará posteriormente.
(Continua)
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Notas do editor:
(*) Postes anteriores da série
2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)
29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)
(**) MLGC ou só MLG?... Não confundir com o PAI (futuro PAIGC). Um e outro entram em rutura antes do início da luta armada..
Vd. poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte
(...) Aliás, salvo raras excepções, de 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...) coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.
Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".
Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)
(...) Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (...)
(...) Aliás, salvo raras excepções, de 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...) coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.
Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".
Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)
(**) Vd. poste de 14 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P268: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo (Mário Dias)
- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, "colonos" incluídos;
- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;
- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de "Swift"; talvez não seja o mesmo;
- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.
Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:
- Fernando Fortes que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;
- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel (...). Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;
- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida.(...)
Vd. também postes de:
12 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P265: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Luís Graça)
4 comentários:
Luís Graça
3 mar 2020 12:07
Carlos:
Fico contente por saber que o vosso livro foi bem recebido. Tenho andado a espreitar eventuais recensões críticas na comunicação social em Cabo Verde. Já explorei o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum / Fundação Mário Soares, "on line", onde encontrei alguns documentos com referências ao v/ pai, Naci ou Nassi Camará.
Já publiquei 3 postes... com os excertos do material que me mandaste... Há algumas pequenas dúvidas que podes esclarecer, se achares por bem e oportuno:
(i) O ano de nascimento é 1916... 29 de abril. Fiquei com a ideia que ele tinha nascido em 1905...
(ii) Que funções é que ele tinha realmente no BNU;
(iii) Espero que ele tenha sido reintegrado depois do 25 de Abril;
(iv) Como é que a família sobreviveu na Guiné depois depois de 1962;
(v) Ele petencia originalmente o MLG - Movimento de Libertação da Guiné... que entra depois em rutura com o PAI (mais tarde PAIGC)... (O Amílcar cria uma frente o MLGV - Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde, mas em vão, tentando a alimentar o espírito "unionista" que os líderes do MLG não tinham....diz o nosso amigo Leopoldo Amado, um dos primeiros guineenses a integrar a nossa Tabanca Grande: assisti ao seu doutoramento na Universidade de Lisboa, há uma dúzia de anos atrás);
(vi) Qual a editora do livro, o preço de capa, como e onde pode ser comprado aqui em Lisboa, etc.
(vi) O teu pai nunca foi um "operacional", não andou no mato, não foi "guerrilheiro", tal como o Pedro Ramos ou o Domingos Ramos: passou a maior parte do tempo preso;
(vii) Ele nunca foi jullgado e condenado... Ou foi ? Se sim, quem terá sido o advogado de defesa ? O dr. Artur Augusto Silva, pai do meu saudoso amigo Pepito, Carlos Schwarz (1949-2012) defendeu e "safou" muitos presos da PIDE nessa época (1961/62/63):
(viii) Gostavamos de publicar mais alguma coisa sobre a "estadia" na Ilha das Galinhas e no Tarrafal... A maior parte dos portugueses (, bem como dos guineenses e dos cabo-verdianos) nada sabe sobre estes "tempos de chumbo" que nos envergonham a todos, enquanyo seres humanos, mesmo sabendo que "a guerra é a continuação da política de Estado por outros meios" (será que um dia deixará de o ser?) ...
Estas memórias, de um lado e do outro, não podem ir connosco para a "vala comum do esquecimento".
Por isso vocês, filhos do Naci (ou Nassi) Camará estão de parabéns. ajudando o pai a exercer o seu direito à memória... (Há "filhos da mãe" que fazem questão excercer o "direito ao esuwecimento", uma nova figura jurídica... nas nossas demcocracrias da era digital).
Mantenhas. Luís
Olá Camaradas
Além do MLG havia também a FLING (Frente de Libertação Nacional da Guiné) e o MING (Movimento para a Independência da Guiné). Falou-se da FLING, após a independência, e parece que o assunto foi "seco" à nascença... Pluralismo, sim, mas não tanto o que é natural.
É notória a rivalidade entre guineenses e caboverdeanos. Há quem diga que os caboverdeanos, para obterem a sua independência, tinham que se insurgir também na Guiné. Daí o PAIGC. De outro modo tudo se passaria como em S. Tomé. Alguém pensaria que a Guiné formaria um país com Cabo Verde? Eram duas realidades demasiado diferentes para que houvesse uma grande unidade, que o oceano separava. Uma utopia ou uma malandrice política?
Um Ab.
António J. P. Costa
É também a minha "impressão"... Foi um tremendo erro de cálculo político do Amílcar Cabral... Enfim, não tenho uma opinião fundamentada sobre esta questão sensível, que se presta a diabolização racista... Havia 1700 cabo-verdianos na Guiné, eles eram a elite moderna... Os muçulmanos tinham elites feudalizantes, arcaicas...A política spinolista acirrou, estupidamente, algum anti-cabo-verdianismo que poderia existir no dia a dia... Não lidei com os cabo-Verdi anos, nessa época mas,é um povo que muito estimo...Haja mais comentários sobre o tema, não quero seca-lo.. Pena não haver aqui camaradas da Rep Apsico... Luis Graça
Carlos Carvalho
3 mar 2020 13:23
Ola Luis,
Bom dia.
Agradecido por tudo.
Desculpas pelo silencio mas por razões que tinham a ver com os preparativos para o lançamento do livro.
Vou responder as tuas duvidas.
Pensamos fazer o lançamento em PT. Quando ainda não sabemos. A logística para tal é que estamos a ver.
O Velho nasceu em 1916.
Não foi reintegrado no BNU, nem voltou ao Banco da Guiné depois da independência. Confesso que não compreendo porque não quis voltar ao seu 1° posto de trabalho ou não o aceitaram. Ele foi inicialmente continuo, cargo oficial, depois arquivista / guarda-livros e fazia também cobranças das rendas das casas de que o BNU era proprietário ou “responsável”.
Ele diz ter pertencido inicialmente a um Movimento que se designava MLGC. Creio que esta página ainda não esta bem esclarecida. Nunca foi operacional, sempre esteve na Frente Clandestina. Disse que Cabral não os deixou ir para assegurarem a retaguarda, ja que a um dado momento estava preparando o sobrinho para o substituir para poder sair para a luta armada.
A família tinha uma propriedade (uma casa grande que alugava e uma grande horta donde tirávamos o sustento vendendo frutas). A nossa mãe tb vendia doces, linguiças, fazia flores e outros pequenos trabalhos que ajudavam a sustentar a família.
Sobre a edição foi da família. Nos é que assumimos a edição contando com vários patrocínios.
Ele, a semelhança dos outros presos de 62, e até ao fim da luta nunca foi julgado, por conseguinte, não condenado oficialmente, seja judicialmente.
Creio ter respondido à suas duvidas.
Até breve, espero em PT.
Abrasu a todos da nossa Tabanca
Carlos
PS: Sobre a "estada" no ex-CCT e na Ilha darei mais detalhes depois.
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