segunda-feira, 2 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)



Guiné > Bisssau > Filial do BNU - Banco Nacional Ultramariono > Ofício para o Governador, na sede, em Lisboa, datado de 16 de março de 1962, em que se noticia a detenção pela PIDE, entre outros,  do funcionário,  "contínuo" do Banco,  Inácio Soares de Carvalho, por alegadamente pertencer ao clandestino  PAIGC. Cortesia do nosso colaborador permanente Mário Beja Santos (*).




Capa e contracapa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020. (**)

1. O  livro "Memórias da Luta Clandestina" foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.  Dois meses antes, um dos filhos, Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia em 1916,  foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no  MLG – Movimento para Libertação da Guiné, e mais tarde no PAI (futuro PAIGC),  por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos",  para o Tarrafal, donde regressa em 1965. É depois colocado na ilha das Galinhas. Em 1967, é solto,  pela primeira vez. Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2.ª Esquadra de Bissau, sendo solto, 3 meses depois, sempre sem culpa formada. Em 1973, é de novo preso, para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Nos finais de setenta, regressa a sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Faleceu em 1994. O seu nome de guerra era "Naci Camará", mas nunca andou no mato, fazia parte do "back office" do PAIGC.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné)


2. Excertos do livro  - Parte II

(...) Em 1956, o Sr. Abílio Duarte, que trabalhava, como eu, no Banco Ultramarino em Bissau [1], foi à minha casa levando um volume contendo uns documentos que me entregou e pediu-me que os guardasse num sítio muito seguro e com muito cuidado, porque "tem uns papéis de muita responsabilidade".

Mas, não me explicou do que se tratava. Dado ser pessoa de minha grande confiança, tomei e guardei no sítio onde penso que era um lugar bem seguro. De vez em quando, ele ia à minha casa pedir tal volume e eu o dava; puxava de uma cadeira e sentava à mesa, fazia as suas consultas e depois amarrava de novo como estava e entregava-me outra vez; eu punha de novo no lugar do costume. 

Naquela altura, eu e o Abílio já éramos compadres, porque baptizara meu filho Celso; isso foi pouco tempo antes de me ter entregado tais documentos. O Abílio de vez em quando dizia-me:

– Compadre, tenho uma coisa muito importante para lhe dizer. 

Dizia-me isso sempre no Banco porque, além de trabalharmos juntos, trabalhávamos na mesma secção. Ele era Chefe de Secção de Correspondência e eu, naquela altura, era encarregado do Arquivo. Não sei se não sentia coragem para me dizer o que queria, mas, o que é certo, repetia-me isso várias vezes. Um belo dia, após ter-me dito a mesma coisa, voltei para ele e disse-lhe:

–  Compadre,  não sente receio de me dizer nada, tanto para o bem ou para o mal, porque além de sermos compadres, o compadre já me conhece muito bem, conhece a minha maneira de ser.

Ao tempo, éramos todos novos, embora sendo eu muito mais velho do que ele.

Quando resolveu abrir comigo e contar-me o que se passava, convidou-me um dia para irmos passar uma tarde no seu quarto. Foi um sábado. Voltei para ele e disse-lhe:

 – Está bem compadre, mas tem que me esperar ir à casa almoçar e dizer a minha mulher que tenho assunto muito urgente a tratar no Banco; e então compadre espera por mim, porque se eu não chegar à casa na hora do costume, ela fica muito preocupada, porque não é hábito chegar fora de hora, sem antes lhe ter avisado.

E  assim ficamos combinados. 

Depois do almoço, descansei-me como era de costume, e depois fui ao Banco ter com ele no seu quarto. Dali então começamos a nossa conversa que foi muito prolongada, e no fim disse-me.

 – Pois,  compadre, fica a saber que existe cá, em Bissau, um movimento muito importante que é para a Independência da Guiné e Cabo Verde. O inicial deste movimento é MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde [, confusão do Naci Camará: na época era o MLG - Movimento para a Libertação da Guiné, "tout court", (LG].

Mas, na altura, não me citou nomes dos responsáveis do Movimento. E depois disse-me que é uma grande responsabilidade para todos aqueles que aderirem ao referido Movimento. E disse-me ainda mais:

 –  Compadre,  deve pensar muito bem antes de tomar a decisão que entender, porque é de muita responsabilidade, e requer grande cuidado.

Naquela altura, eu era pai de 4 filhos,  todos menores. A mais velha, que era Fátima, tinha apenas 8 anos de idade. E realmente pensei muito bem e então decidi aceitar o convite. Isso foi em 1957.

O MLGC [, ou melhor, MLG,]  foi fundado por um grupo de alguns Guineenses e Cabo-verdianos, mobilizados por Amílcar Cabral, em 1956. Mais à frente encontra-se nomes de alguns daqueles fundadores.

Quando aceitei o convite, ele disse-me que agora devo ter muito mais cuidado ainda com tais documentos. Falamos muito naquela tarde, e eu então fiquei muito entusiasmado com tudo o que ele me falou sobre a Independência da Guiné e Cabo Verde, e de mais colónias que estão sob domínio português.

Dali então continuamos a trabalhar no sentido de mobilizar pessoas, o povo para a luta pela liberdade.

Depois da sua saída, então o Sr. Rosendo, que era também empregado do Banco, entrou em contacto comigo e dali então começamos a falar muito do nosso Movimento e começou a dar-me nomes de alguns responsáveis que fazem parte do referido Movimento, como: Srs. Fernando Fortes, de S. Vicente, Inácio Semedo, de Bissau, Aristides Pereira, de Boavista, Elisé Turpin, de Bissau, João Rosa, de Bissau, Ladislau Justado Lopes, de Bolama, Epifânio Souto Amado, de Tarrafal, Júlio Almeida, de S. Vicente, José Francisco, de Calequice, Alfredo Menezes d’Alva, de S. Tomé, Rafael Barbosa, de Bissau, Luís Cabral, nascido em Bissau, mas saiu daqui muito criança, mas toda a gente o conhece, e ainda o nome do próprio fundador do nosso Movimento, Sr. Amílcar Cabral, de Geba [2]. E há muito mais que já não me lembro dos nomes.

Dali então o Sr. Rosendo deu-me a responsabilidade de mobilizar todos os meus amigos e conhecidos, mas de minha grande confiança, lembrando-me sempre da grande responsabilidade que vou assumir no seio do nosso Movimento.

O massacre de Pidjiguiti e o inicio da luta

A 3 de Agosto de 1959, aconteceu o massacre de Pidjiguiti.

O 3 de Agosto foi organizado por responsáveis do nosso Movimento, a fim de, por um lado, chamar à atenção do povo para a luta contra o colonialismo e, por outro, chamar à atenção do mundo para o facto de que os povos da Guiné e de Cabo Verde estarem sob o domínio colonial e de não aceitarem pacificamente essa condição. É nessa perspectiva que os militantes do nosso Movimento organizaram a greve e a manifestação que desembocou no grande massacre de Pidjiguiti.

[...] Com o acontecimento de 3 de Agosto, muitos guineenses e cabo-verdianos descobriram que alguma coisa estranha estava a acontecer na Guiné, o que muito nos encorajou e motivou a trabalhar com mais dedicação.

A fundação do PAIGC

No fim do mês de Setembro a Outubro de 1960, o nosso grande líder, Amílcar Cabral, decidiu mudar a denominação do Movimento de MLGC – Movimento para Libertação da Guiné e Cabo Verde,  para PAIGC  – Partido Africano para Independência da Guine e Cabo Verde. E para o efeito, mandou pedir que fosse à Dakar um dos principais responsáveis do Movimento a fim de contactar com ele, para poder trazer de lá um esclarecimento do motivo que lhe obrigou a fazer tal mudança do nome Movimento para Partido.

Para a designação do responsável que devia seguir para Dakar cumprir a missão, realizamos uma reunião de grande escala. A reunião, como não podia deixar de ser, foi presidida pelo Fernando Fortes visto ser ele o responsável máximo do Movimento que se encontrava dentro do território da Guiné-Portuguesa. Depois do Fortes ter esclarecido o motivo da reunião, ficou-se a espera da pessoa que se disponibilizaria para realizar a missão que era seguramente muito espinhosa. Depois de um largo silêncio, ninguém se oferecendo, o Rafael Barbosa levantou o braço e ofereceu-se como voluntário para ir contactar com o nosso grande líder em Dakar.

Naquele momento, todos os presentes ficaram muito contentes com o gesto do Rafael. A pedido do líder, todos deviam quotizar, conforme a possibilidade de cada um, para as despesas do Rafael na viagem à Dakar. Cumprindo as instruções de Cabral, tomamos todos o compromisso de cuidar da família do Rafael já que ele não tinha meios suficientes para manutenção da família, sendo ele um simples capataz e com um salário mísero que mal dava para aguentar a família.

Foi assim que se preparou a saída do Rafael e ele conseguiu ir à Dakar contactar com o líder do nosso Movimento.

(Continua)
______________

Notas de Carlos de Carvalho:

[1] ISC ingressa no BNU (Banco Nacional Ultramarino) em 1939. ISC tinha, na altura, 34 anos de idade. O BNU era das mais importantes instituições nas colónias portuguesas.

[2] As pessoas aqui referenciadas constituíram o núcleo inicial dos responsáveis do Movimento, MLGC.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série 29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(***) Vd. postes de:

16 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (112): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense

15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Este homem, quando é preso, tem 57 anos... Se nasceu em 1905, era mais velho 19 anos do que o Amílcar Cabral... E morreu com quase 90 anos... Deve ter sido um "militante de base", anónimo, como muitos outros, em todos os partidos e em todas as épocas... Mas com boa cabeça e melhor memória... LG

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Gostava de saber qual era a acusação da PIDE da primeira vez que o prendeu.
Se calhar era acusado de fazer "propaganda dissolvente". Ou seria suspeitas mais ou menos fundadas de estar a promover a contestação às autoridades? Seria bom que a família consultasse e documentação existente na Torre do Tombo sobre este perseguido pela PIDE e preso no Tarrafal. Não seis se havia processos dos prisioneiros da Ilha das Galinhas. Talvez os camadas que lá prestaram serviço tenham uma ideia da estrutura que estava montada e da documentação que foi produzida durante o respectivo funcionamento.
Como é que se chamava a U/E/O a funcionar como prisão? A PIDE talvez tivesse documentação sobre o assunto...
É uma investigação a fazer. Pode ser que o Arq. Ger. Ex. tenha algo sobre esta "unidade" militar ou prisional civil. Qual era o seu estatuto?

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, eu julgava-me um tipo minimamente informado quando fui para a tropa e depois para a Guiné... Mas só muito mais tarde vim a saber pormenores destes "anos de chumbo" de 1962/63, em que se abateu, sobre os nacionalistas guineenses, uma dura repressão das autoridades coloniais... É um passado triste, mas que não podemos ignorar, esconder, negar ou escamotear... Também faz parte da história comum dos nossos dois países.

Houve prisões em massa, no dia 13 de março de 1962 e dias seguintes... Como se pode ler no relatório enviado pelo gestor da filial do BNU em Bissau, a PIDE e os "serviços secretos do Exército" (sic) terão desmantelado uma "célula comunista" do PAIGC... Foi nesse dia que foi preso o Rafael Barbosa e outros dirigentes, militantes e simples "suspeitos"... Quantos "inocentes" não terão sido denunciados, presos, torturados e até mortos nessa altura ?

E como não havia prisões que chegassem foram deportados para o Tarrafal... Sem julgamento!... Uma boa parte só foi libertada em 1969, no tempo do Spínola...

Foi o caso de António Pereira da Graça, futuro embaixador da Guiné-Bissau na União Soviética... Ler aqui uma entrevista sua à rádio DW - Deutsche Welle. Parece-me uma depoimento sério e credível.


DW > 13 de setembro de 2014 > 25 DE ABRIL E INDEPENDÊNCIAS
Augusto Pereira da Graça recorda os dias amargos no Tarrafal
)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aqui vai um excerto da entrevista:

(...) DW África: Quando o senhor foi preso havia sinais de que o senhor estava combatendo?

APG: Nesta altura, ainda não havia armas. Usávamos apenas pistolas que eram distribuídas aos militantes clandestinos. Quer dizer, as pessoas que eram indicadas como responsáveis recebiam uma pistola para defesa. Quando me aprisionaram, não me encontraram com nada. Chegava de uma reunião a 40 quilómetros de Gabu. Era uma reunião política, de mobilização para a adesão à luta de libertação. Era necessário despertar primeiro a consciência patriótica para as pessoas aderirem à luta. Queríamos que a nossa luta fosse política, que a nossa independência fosse dada pacificamente. Depois, concluiu-se, no entanto, que isto não seria possível. Salazar dizia que a Guiné era a “filha primogénita” de Portugal, que tinha sido conquistada com sangue.

DW África: Como era abordagem das pessoas nas tabancas?

APG: Primeiro, procurava-se saber quem eram as pessoas influentes na tabanca. Explicávamos a estas pessoas os castigos e trabalhos forçados aos quais a população estava sendo submetida. Era quase como se vivêssemos em uma situação de escravatura e chegava a hora de nos libertarmos destes trabalhos forçados. Nesta conversa conseguia-se a aderência à luta política. Mas neste período não se sabia quem era da PIDE e quem não era. Então, falava-se com quem quer que fosse e muitas vezes falávamos com um indivíduo que pertencia à PIDE.

Mas, nesta altura, como a PIDE não tinha autorização de lançar uma ofensiva prisional, eles tomavam o nome das pessoas que iam para as tabancas fazer a mobilização. Assim, na madrugada de 13 de março de 1962, a tropa colonial portuguesa lançou uma operação militar que resultou na prisão do presidente do partido Rafael Barbosa. Foi uma prisão em massa que acabou resultando na nossa prisão também no dia 17. (...)

https://www.dw.com/pt-002/augusto-pereira-da-gra%C3%A7a-recorda-os-dias-amargos-no-tarrafal/a-17656372

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No Arquivo Amílcar Cabral, à guarda da Fundação Mário Soares, há um comunicado em francês, assinado por Amílcar Cabral, sobre estas prisões de 13 de março de 1962 e dias seguintes. o Comunicado, destinado à imorensa estrangeira, tem a data de 24/3/1962.


http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=07059.021.010

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07059.021.010
Título: Comunicado do PAIGC sobre a prisão de Rafael Barbosa
Assunto: Comunicado do Secretariado Geral do PAIGC intitulado "Novos crimes dos colonialistas portugueses", sobre a prisão de Rafael Barbosa. PIDE.
Data: Sábado, 24 de Março de 1962
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado CONCP.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Temos cerca de 20 referências ao Tarrafal... Releia-se o que aqui escrevemos há 19 anos atrás sobre o documentário "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta", de Diana Andringa (2009).

O documentário, com duração de hora e meia, foi feito com três dezenas de entrevistas a antigos presos, feitas no interior do antigo campo, e inclusive nas antigas celas.

Em 4 de Setembro de 1962 chegou uma leva de 100 presos políticos da Guiné, que se juntaram aos 107 angolanos que já lá estavam (mas alojados em alas separadas). Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sendo os restantes libertos no tempo de Spínola, em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor". Recorde-se que. ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um histórico do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estão ainda hoje vivos (2009). No 1º período (1936-1954), o número de presos foi de cerca de 340, todos eles portugueses, opositores ao regime de Salazar, literalmente desterrados, presos arbitrariamente, sem direito a defesa nem a cuidados de saúde...


3 DE MAIO DE 2010
Guiné 63/74 - P6303: Historiografia da presença portuguesa em África (35): 100 presos políticos guineenses enviados em 1962 para o Campo de Chão-Bom, Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde (Luís Graça)

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Como vês julgavas mal. Eu não sou um tipo minimamente informado. Até posso confirmar que sou um tipo maximamente ignorante.
Mesmo quando fui para a tropa e depois para a Guiné...
Sabia que algo se tinha passado, mas só muito mais tarde vim a saber pormenores destes "anos de chumbo" de 1962/63, em que se abateu, sobre os nacionalistas guineenses, uma dura repressão das autoridades coloniais... Já corria o ano da graça de 1967. Estás a ver?
Claro que é um passado triste, que não podemos ignorar, esconder, negar ou escamotear... Por isso deve ser devidamente analisado e especialmente através da documentação e dos depoimentos dos intervenientes.
Obviamente que também faz parte da história comum dos nossos dois países.
A descida ao pormenor da análise documental é o mais importante. Espremer as fontes históricas é como extrair a melhor aguardente do bagaço já destilado. Neste caso, o que estiver nos papéis e o que os intervenientes declararem fará melhor o que se sabe do que se passou. E, às vezes ainda vamos a tempo. Digo eu...

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

É interessante verificar o documento do BNU.
Mais parece uma informação oficial entre organismos governamentais do Min. do Interior, apenas para dar notícia da prisão de um continuo do Banco.
Nota-se que o BNU, além de banco emissor, também tinha um grande poder político a todos os níveis, como se fosse o 'verdadeiro governo' da Guiné.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

O sr. Valdemar tem razão. Trabalhei no BNU, ainda conheci o Xico Vieira Machado. Entrei com cunha. Eram só tubarões. MAs nunca fuiria à Guiné, só Cabo Verde. É a nossa história. Gosto de vir aqui de vez em quando. Os senhores foram uns heróis. Gualter Silva, Faro.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Um dos respeitáveis historiadores da história recente de Guiné-Bissau, o nosso grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, faz uma clara distinção entre o MLG e o PAI (futuro PAIGC)... O Inácio Soares de Carvalho era originalmente militante do MLG... LG

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25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2006/02/guine-6374-dlxxxvi-simbologia-de.html

(...) Aliás, salvo raras excepções, de 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...) coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".

Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)

(...) Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (...)