quarta-feira, 4 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20704: Historiografia da presença portuguesa em África (202): "A Guiné Através da História", pelo Coronel Leite de Magalhães; Cadernos Coloniais, Editorial Cosmos (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2019:

Queridos amigos,
A despeito do caráter divulgativo, do recurso que o antigo governador fez da documentação que à luz da época era dada como a mais completa e fidedigna, Leite de Magalhães procede ao inventário que se mostra relevante entre os séculos XIX e XX, é dos autores que melhor cuidaram em repertoriar as sublevações e os factos da ocupação efetiva. Despede-se com otimismo, esperançado no desenvolvimento da colónia, ele é contemporâneo de algum crescimento agrícola e da imposição das produções do arroz, do amendoim e do coconote.
Documento a ter em conta pela historiografia, é o que se pode chamar uma boa síntese para aqueles tempos.

Um abraço do
Mário

Coronel António Leite de Magalhães

A Guiné Através da História, pelo coronel Leite de Magalhães (2)

Beja Santos

Estes Cadernos Coloniais foram uma aposta da Editorial Cosmos, foram publicados durante décadas. O número 24 teve como autor o Coronel António Leite de Magalhães, Governador da Guiné de 1927 a 1931, apanhou a Revolução Triunfante. É um livrinho de divulgação que tem aspetos bastante curiosos, Leite de Magalhães elenca, à luz dos conhecimentos da época alguns dos aspetos mais palpitantes da vida da colónia-feitoria.

No texto anterior, procurou-se sumular o que o antigo governador escreveu sobre a presença portuguesa do século XV até ao início do século XIX. Dá-se agora continuidade, estamos em 1843 e houvera um novo rompimento entre as forças acantonadas em Bissau e os Grumetes. Nesse mesmo ano, Honório Pereira Barreto fizera diversos contratos com os chefes indígenas Banhuns para a ocupação de diversos territórios nas duas margens do Casamansa. Em 1853, é criado o lugar de Governador da Guiné, com residência em Bissau, ficando-lhe subordinado o Governador da Praça de Cacheu. Também nesse ano ocorrera uma grave sublevação dos Papéis de Bissau. Dado positivo desse período é a cedência feita por Honório Pereira Barreto à Coroa Portuguesa de um território que lhe pertencia na região dos Felupes de Varela.

O autor chama à atenção que nos inícios do século XIX, a Guiné, do ponto de vista da missionação católica compreendia as seguintes freguesias: Nossa Senhora da Candelária (Bissau), Nossa Senhora da Natividade (Cacheu), Nossa Senhora da Luz (Farim), Nossa Senhora da Graça (Geba) e Nossa Senhora da Graça (Zinguinchor).

Em 1863, trava-se na Guiné a luta sangrentíssima que havia de acabar, anos mais tarde, pela vitória dos Fulas sobre os Mandingas e os Beafadas e que se estendeu, mais tarde, até ao Forreá. No início de 1871 regista-se nova rebelião dos Grumetes de Bissau, nas refregas perde a vida o Governador-Interino do distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. No mesmo ano é assassinado pelo gentio de Caconda o Governador de Cacheu. E chegamos ao ano fatídico de 1878 em que os Felupes massacraram em Bolor uma força comandada pelo Tenente Calisto dos Santos, perdeu a vida o Alferes Sousa e cinquenta soldados.
E numa prosa vibrante, escreve Leite de Magalhães:“E só então, com a terra empapada de mais sangue, o Governo de Portugal resolve-se a quebrar os grilhões nefastos que prendiam a Guiné ao mando desastrado e mísero de Cabo Verde”. 

1879 marca a autonomia administrativa da Guiné, a sua capital escolhida foi Bolama e o primeiro governador foi o Tenente-Coronel Agostinho Coelho. Nesse mesmo ano, os Felupes de Jufunco cedem todo o seu território à nação portuguesa.
Sendo facto que aumenta a área territorial ocupada importa sublinhar que as sublevações se mantiveram ininterruptas, e em simultâneo os atos de vassalagem. Em maio de 1885 o régulo de Bubaque prestou homenagem ao Governo da Colónia, pediu que se hasteasse na sua ilha a bandeira portuguesa e que se fundasse uma colónia agrícola. Ano em que Fulas e Beafadas fizeram as pazes depois de uma guerra de extermínio que apagou irremediavelmente todo o esplendor do Rio Grande onde, em 1879, ainda se contavam 53 feitorias.

Estamos chegados à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, ficam definidas as fronteiras na Guiné e perde-se o Casamansa. Há combates sérios em Bissau, em 1891, teve que vir um contingente militar de Bolama, de Cabo Verde e de São Tomé para jugular a revolta, operações em que morreram dois capitães, um tenente, um alferes, três sargentos, um 1.º cabo e trinta e nove soldados. Ao lado das forças portuguesas combateram Beafadas e Fulas, com os respetivos chefes. A insubmissão dos Grumetes e Papéis de Bissau era crónica, mas assistiu-se a um ato paradoxal, em 1882 os autores de tantos crimes e de tanto desassossego foram perdoados.
Só que a desordem não se extinguiu, mesmo quando a Guiné, em 1892, passou a ter Distrito Militar Autónomo. A rebelião voltou a Bissau em 1893. Dois anos depois, o Governo da metrópole restabelece a designação da Província, acabando com o Distrito Militar. Nesse mesmo ano houve novas operações no Forreá contra o régulo Mamadu Paté Coiada. A ocupação militar da Guiné, a despeito das intensas sublevações, tinha vindo a crescer e Leite de Magalhães refere que a ocupação além de Bolama e de Bissau se estendia a Geba, a S. Belchior, a Sambel Nhantá, Gã-Dagé, Cacheu, Farim, Buba, Bolola, Contabane, Cacine e Cacondo. Crescera o número de postos militares. É no início do século XX que se efetuam os trabalhos de limitação das fronteiras. Anos depois, as operações no Cuor entre 1907 e 1908 criaram a liberdade de circulação no Geba.
Leite de Magalhães escreve: 
“A Guiné já não era a mesma Guiné que Oliveira Martins nos descrevia no seu Brasil e as Colónias Portuguesas, com a área de 8400 quilómetros quadrados e uma população pouco superior a 5 mil habitantes e um orçamento com 73 contos de receita e 178 de despesa”.
E a ocupação efetiva (ou quase) ganha expressão com as campanhas de Teixeira Pinto.

Leite de Magalhães mostra-se confiante, no final do seu livro de divulgação: aperfeiçoou-se a administração, cresceu a rede de postos, houvera uma nova divisão administrativa da colónia, a despeito da pacificação de Bissau as circunscrições de Balantas e de Costa de Baixo continuavam com um regime de comandos militares.
Apesar de todas estas vicissitudes, ele despede-se assim: 
“A Guiné medrou, crescendo em bens de toda a espécie. Quando nela desembarquei, em Abril de 1927, 2809 quilómetros de estradas a cruzavam em todas as direcções; e, à beira delas, erguiam-se povoações comerciais activas, aonde acudiam, nos ombros robustos dos negros, as variadas produções da terra. Nas clareiras dos matos, entre paliçadas frágeis e verduras de arvoredos, repousava a antiga população hostil, cujos braços já não tomavam armas que não fossem de trabalho para o cultivo dos campos, de onde brotava a riqueza que abastecia os celeiros e animava a vida dos mercados. E nas palmeiras opulentas, cuja seiva se converte no óleo dos frutos; nos chãos lavrados de araquídeas, cuja produção é o alimento mais forte do comércio; nas culturas abundantes de arroz e de milho e de feijão, cujas sementes são o sustento mais farto do indígena; e finalmente nas amostras de culturas ricas que, aqui e além, se deparavam nos quintais, cheios de viço, numa promessa ridentíssima, tudo era uma vastidão de esperanças que os nossos olhos abarcavam, sentindo a grandeza e a beleza do esforço praticado.”
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20686: Historiografia da presença portuguesa em África (201): "A Guiné Através da História", pelo Coronel Leite de Magalhães; Cadernos Coloniais, Editorial Cosmos (1) (Mário Beja Santos)

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