quarta-feira, 20 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)



Foto 1: Pirada, Maio de 1945. Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Citação: (s.d.), "Visita oficial do Governador Sarmento Rodrigues à Guiné - inauguração de um monumento a [Manuel Maria] Sarmento Rodrigues [1899-1979], Pirada. Maio de 1945.", Fundação Mário Soares / INEP-CEGP-MGP, 
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_10635 (Autor desconhecido), com a devida vénia.


Foto 2: Vista aérea de Pirada em Agosto de 1972. Foto de António Martins de Matos – P20867, com a devida vénia.


Mapa da Zona Leste, com a indicação de algumas localidades onde estavam estacionadas as unidades de quadrícula atribuídas ao Comando do BCAÇ 238 (1961/63).




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873
 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, 
docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963:   
 EM BUSCA DAS "PEÇAS" DO PUZZLE 

1.   - INTRODUÇÃO

A publicação das últimas narrativas relacionadas com o comerciante Mário Soares, de Pirada, suscitaram-me um particular interesse, neste tempo de confinamento prolongado, devido à pandemia de COVID-19.. Encontrei em todas elas "assunto", mais do que suficiente, para aprofundar todas as dúvidas e interrogações emergentes em cada uma delas, particularmente a partir das "pontas" ou dos "pontos" que o camarada Luís Graça deixou em aberto.

Desde logo o P20927 abriu o caminho sobre o caso do "ataque a Pirada em 28/5/1965". No P20867, síntese do P4879: «Gavetas da Memória», série de episódios da autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66, a questão principal era: "Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie de praceta, com um pequenino monumento [?] e tudo". 

Que monumento seria esse? Pois é o que se indica na foto 1, inaugurado em Maio de 1945. Finalmente, o P20927, o último desta série até á data, coloca-nos em frente de uma nova "picada", agora em direcção ao "ataque a Pirada em 15 de Julho de 1963" de que resultou (está escrito) a morte de 1 soldado europeu" (?).

É sobre esta "peça" da história que trata este fragmento.  

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO MILITAR DA ZONA LESTE, COM DESTAQUE PARA PIRADA

Ao Batalhão de Caçadores 238 [BCAÇ 238], mobilizado pelo BC 8, de Elvas, foi-lhe atribuída a responsabilidade da Zona Leste, com fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri, e para oriente da linha Cambajú-Xime-Rio Corubal, após a sua chegada a Bissau, em 06 de Julho de 1961, 5.ª feira, sob o Comando reduzido do Major Inf José Augusto de Sá Cardoso.

Em 19Jul61, esta Unidade assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com sede em Bafatá, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Nova Lamego (CCAÇ 90) e Bafatá (CCAÇ 84) e pelotões de reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Contuboel, Piche e sucessivamente, a partir de 16Ago61, por Pirada [3.ª CCaç (RL) e 1 Sec/CCAÇ 84], Buruntuma [2 Sec/CCAÇ 84], Canhamina, Sare Bacar, Paunca, Bajocunda, Canquelifá, Enxalé, Bambadinca e Saltinho.

2.1   - INÍCIO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA REGIÃO DE PIRADA

Segundo a literatura Oficial, em particular o livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974); Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; "as actividades subversivas, atribuídas ao PAIGC, tiveram início no final de Junho com diversas sabotagens na região de Pirada-Sonaco".

3.   - O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963 - DOCUMENTOS ANALISADOS

Ainda que não tenha obtido registos de prova, quanto ao modo como decorreu o ataque a Pirada e suas consequências, mesmo que ele tenha sido executado, é possível garantir que não produziu quaisquer baixas nas NT, quer sejam de origem africana ou europeia.
Para melhor análise e interpretação do seu valor factual, damos conta abaixo, por ordem cronológica, dos diferentes conteúdos reportados à correspondência trocada entre remetentes e destinatários, conforme se indica no quadro.



3.1   - PIRADA, 09 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NOME DE GUERRA DE NORBERTO ALVES]

Pirada, 9 de Julho de 1963 (3.ª feira) – (tradução do francês)
Caro camarada Yaya Koté.

Gostava que esta carta chegue pelo menos a tempo, encontrando-o com saúde, assim como os outros camaradas. O objectivo da carta é informar que dois dos nossos guerrilheiros abandonaram a luta por falta de resistência necessária aos desempenhos físicos e morais da luta, de acordo com os seus próprios testemunhos. Eles vão-lhe contar tudo minuciosamente. Por outro lado, fizemos uma boa viagem e começámos hoje os actos de sabotagem, para depois iniciarmos a luta armada. Esta será em breve!

Com os meus melhores cumprimentos, termino com muita amizade por ti. Saúde. Kanfrandi Ká - Norberto Alves.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36861

3.2   - PIRADA, 10 DE JULHO DE 1963; ASSINAM: AREOLINO CRUZ E KANFRANDI KÁ

Pirada, 10 / Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires.

Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie.

Tentámos fazer explodir a ponte do rio Bidigor, entre Pirada e Bafatá, metemos na acção 700 g de plástico mas da explosão só resultou um buraco na dita ponte. É uma ponte bastante resistente. Cortámos os fios telefónicos numa distância de quase 300 metros. Na região de Pirada é difícil de trabalhar, pois que não foi mobilizada; nela só há um responsável (?) mas ele tem medo de contactar connosco e até de nos alimentar. Passamos dias seguidos sem comer e por isso dois fulas que vieram connosco recusaram a continuar. Precisamos de dinheiro para a alimentação, precisamos de explosivos TNT e balas de calibre 7,75.

Após a sabotagem os fulas da região [3.ª CCAÇ] mobilizaram-se e entraram para o mato à nossa procura. O Borges pode melhor contar-te a situação. Diz ao senhor Bebiano que o Kouko já chegou e foi cá recebido com grande entusiasmo. A escassez de explosivos deixa-nos uma falta terrível.

P.S. - Espero que não te esqueças de me enviar as botas de lona e as calças americanas. O responsável quer também 1 par de calças. Para mim manda-me o cobertor do Caetano que ele não vem agora.

Sempre esperando, Areolino Cruz e Kanfrandi Ká (Norberto Alves)  



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865.

3.3   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo) – (tradução do francês)

Caro irmão e companheiro de luta Yaya Koté.

Neste momento decisivo da história de nosso povo, onde surgem dificuldades de todos os lados, a acção de cada um de nós é essencial para o triunfo, pois os nossos companheiros já derramaram o seu sangue.

Na última carta que lhe enviei, destaquei as dificuldades que nos cercam, mas até agora não nos conseguimos livrar delas ou, pelo contrário, estão aumentando dia-a-dia. Para isso, é necessário partir sem demora para Dakar para entrar em contacto com a Direcção, expondo concretamente a nossa situação a fim de estudarmos juntos e decidirmos como nos livrar desse impasse. Irmão deve deixar tudo para cumprir esta missão, que é tão importante, caso contrário tudo estará condenado ao fracasso.

Em anexo está uma carta em português para ser entregue à Direcção. Ela transmite tudo o que precisamos aqui e ainda a nossa situação concreta.

Devemos adverti-los de que, para atender às necessidades urgentes no campo de equipamentos, já enviei 40 jovens a Koundara para receber os equipamentos para a região. O seu irmão para sempre - Chico Té [Francisco Mendes]



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36869.

3.4   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo)

Ao Secretariado-geral – Bureau de Dakar

Boa saúde. Nós por cá estamos todos bons apesar de estarmos rodeados de dificuldades que tentamos transpor para o triunfo urgente da nossa causa.

Essas dificuldades são as seguintes: devido à grande pressão em que se encontra o povo desta região, a fome coloca-se em primeiro lugar, porque sem alimentação um combatente não pode pegar em armas para fazer combate. Encontramos nesta situação desastrosa. Desde que entrámos no país sentimos falta de alimentação o que obrigou à deserção de vários camaradas fulas. A fome é tão maior que não podemos fazer nenhum combate e resolvemos unicamente defender a nossa pessoa contra os ataques dos colonialistas e dos régulos fulas. Na fronteira a cotização rareia devido à situação económica dos militantes.

A outra dificuldade é a falta de munições que no princípio não era suficiente porque para cada metra só havia munições para os carregadores.

Os medicamentos que alistei na presença do camarada Bebiano e que ele prometeu que desde que chegasse a Dakar faria todo o possível para que cheguem às nossas mãos, tal não aconteceu. A decisão dele era simplesmente para se desembaraçar de nós. Há camaradas que saiem por falta de comprimidos para febre ou outra crise parecida.

O Yaya Koté exporá tudo quanto nos é preciso aqui pois a fome não me deixa prolongar a carta. Até breve. Chico Té.

Para responder às necessidades da luta já enviei 40 jovens para Koundara com o fim de receber material para a Região porque estamos num momento difícil para nós. O camarada Koté explicará tudo. Chico Té. 



  
Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36873.

3.5   - PIRADA, 15 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Comunicado

Na madrugada do dia 15 de Julho de 1963, 2.ª feira, um grupo de guerrilheiros do nosso Partido, comandados pelo camarada Kanfrandi Ká, atacou por força o quartel de Pirada. Do ataque resultou da parte inimiga um morto. Não puderam os guerrilheiros apoderar-se da arma do inimigo morto por aquele se encontrar nas traseiras do quartel que é rodeado de arame farpado. Kanfrandi Ká (Norberto Alves)



Citação: (1963), "Comunicado [Região 4]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40527.

3.6   - PIRADA, 17 DE JULHO DE 1963; ASSINA: AREOLINDO CRUZ

Pirada, 17 / 7 / 63 (4.ª feira)
Caro [Pedro] Pires~

Saúde é o que te desejo. Nós vamos indo menos mal. Há dias escrevi-te uma carta tendo por portador um camarada doente, o Borges.

Já não vale a pena enviares as minhas correspondências pois que elas podem extraviar-se. Terei alguma carta do Fernando? Não estará ele já em África?

Na madrugada de 15 deste mês [Julho], 2.ª feira, fizemos um ataque ao quartel de Pirada e incendiamos a casa de um tipo da Pide. Morreu 1 soldado europeu. Os soldados têm agora medo de sair à noite e mesmo depois das 6 da tarde. Formaremos de agora em diante um só grupo comandado pelo Chico Té [Francisco Mendes] com aproximadamente 22 homens. Com saudações imensas, Areolind
o Cruz-

Cumprimentos ao Paulo, Caetano, José Araújo, e Bebiano. Quando o Borges tiver de voltar, dá-lhe o que tiveres para mim. Obrigado.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881.

3.7   - PAUNCA, 20 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Paunca, 20 / 7 / 63 (sábado)

Camarada Yaya Koté

Desejo-te saúde e felicidades em companhia de todos.

Comunico-te que o Chico Té [Francisco Mendes] está mal, 10 dias sem comer e não sabemos o paradeiro dele, chegou cá o Umaro, onde ele informou o estado dele. Ele teve que vir à frente, porque ele confessou que não podia resistir, e alguns dos camaradas fugiram. Comunico-te que dos meus camaradas alguns desistiram e alguns doentes.

Tive que vir colaborar com o Domingos, que é para trabalhar melhor, é único plano.
Comunico-vos que de facto o camarada Pulo desistiu da luta, onde que ele disse que não podia aguentar a maçada do mato, fui informado mesmo pelos militantes do Domingos e alguns responsáveis. Dos meus camaradas são 3 doentes e dois que desistiram. Vocês que arranjem dinheiro para nós de alimentação e para mandar ao Chico Té e mandar uma pessoa à sua procura.

Manda dinheiro urgente, estamos mal, não temos apoio do povo principalmente em Pirada, passamos 5 dias sem comer.

Tive que procurar o camarada Domingos, o Demba [será o criado do Mário Soares, P20904?) e o Cruz, foram para Açadung (?) porque eles estão doentes.

Comunico-te que o camarada Umaro chegou fraco. Veja se arranja um montiador [caçador] que conheça bem o mato para ir à procura do Chico Té, porque ele não pode ficar a padecer dentro do mato.

Diga ao Bebiano que nós aqui estamos no meio de dois inimigos: Colonialistas e fulas. Estamos com faltas de munições e da alimentação. À noite quando fizemos emboscada para Colonialistas, de dia os fulas também fizeram as suas emboscadas contra nós. Manda procurar o Chico no mato na área de Contuboel na Tabanca Sama.

Sou, Canfrandim Cá.




Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36885, co m a devida vénia.

► Em resumo:

1.    Em função da análise documental, não é possível confirmar a execução do ataque ao quartel de Pirada, no dia 15 de Julho de 1963 [informação de Kanfrandi Ká (Norberto Alves), simultaneamente autor do comunicado e comandante do ataque].

2.    Quanto ao incêndio provocado na casa de um elemento da PIDE, em Pirada, na sequência do ataque indicado no ponto anterior, e referido por Areolindo Cruz na carta enviada a Pedro Pires dois dias depois, também não foi possível confirmar. Não se entende, porém, como é que o comandante da missão se tenha "esquecido" de o mencionar no seu comunicado.

3.    Há "peças" que não encaixam neste "puzzle".

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04MAI2020
___________

13 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro Jorge,

Estas cartas mostram, se duvidas existissem, quao dificil foi iniciar a luta na zona Leste, pois eles (os guerrilheiros) estavam mais aterrorizados do que as populaçoes civis a quem deviam terrorizer e meter medo e, tinham que passar todo o tempo escondidos no mato, porque se fossem detectados pela populaçao eram presos e apresentados as autoridades coloniais.

As cartas sobre o ataque e sabotagens, provavelmente, nada seriam do que (BLUFF) mostrar a direcçao superior do partido, alguma acçao no terreno, porque na verdade tinham imensas dificuldades de movimentaçao e abastecimentos e nao podiam contar com o apoio da populaçao local. Esta situaçao de desespero criou no partido o sentimento anti-fula que resultou depois no genocidio dos lideres desta etnia no pos-independencia.

Onde transcreves Areolindo, deve ser Areolino Cruz, pois é considerado heroi nacional e actualmente o antigo estadio (Sarmento Rodrigues) leva o seu nome. Parece que morreu num bombardeamento em Morés, nos anos seguintes. Desse grupo de guerrilheiros, penso que so o Tchico Té assistiu a independencia em 1974.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Cherno Baldé disse...

Correcçao:

O Areolino Cruz foi professor numa escola da regiao de Cubucaré (Sul do pais) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964, dia festejado na GBissau como o dia do Professor em homenagem a sua morte.

Cherno AB

Anónimo disse...

Quanto ao Yaya Koté, a grafia do seu nome indica que é natural ou naturalizado no Senegal, podendo ser descendente de pais de origem Guineense, pois a grafia portuguesa na Guiné-portuguesa seria Iaia Coté, portanto diferente. Seria daqueles aventureiros que se juntaram ao movimento contando com a rápida independencia do território, mas que depois se afastaram em virtude das dificuldades encontradas no terreno ???...Fazia de elo de ligação com os elementos de Dakar, facto que confirma a sua facilidade de movimentos no Senegal.

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno, pelas tuas sempre preciosíssimas notas... Já corrigimos: não é AREOLINDO, mas Areolino Cruz... Escapou ao autor e editor...

Quanto ao Demba, não me parece que fosso o jovem criado do Mário Soares (sobre o qual, de resto, não há uma única referência no Arquivo Amílcar Cabral). Estes documentos de 1963 são bem elucidativos das tremendas dificukdades por que passou a guerrilha do PAIGC no chão fula, em especial no Gabu... Pirada (e não só) era um sítio hostil...Já em Bambadinca e Xime havia importantes núcleos balantas... como Nhabijões, Samba Silate, Poindom...

Anónimo disse...

Caro Luis Graça,

Não se trata do mesmo Demba, criado do Mário Soares, este ninguém o tirava da mesa do M. Soares, muito menos para ir morrer de fome no mato. Se calhar morreu depois da partida do patrão em 1974/75.

O Demba mencionado na carta, fazia parte do grupo dos poucos fulas que, no inicio, conseguiram mobilizar para a guerrilha no Senegal, mas que, de seguida, abandonariam o barco devido as dificuldades e a feroz perseguição a que foram alvo no Chão fula.

Cherno AB

Anónimo disse...

Caro Luis,

Contrariamente ao que se possa pensar, em Bambadinca e Xime a semente da rebelião não estava na população Balanta (vítima do seu caracter rebelde e belicoso), mas sobretudo entre os ponteiros mestiços e assimilados (Guinéus e Caboverdianos) das familias dos Semedos e Pereiras que detinham grandes extensões de terras agricolas e que utilizavam os Balantas como mão de obra nas suas pontas (as tais pontas do Inglês entre outras). No inicio as autoridades militares não conseguindo fazer uma leitura correcta da situação, perseguiram e massacraram muitos inocentes apanhados ao meio e assim conseguiram empurrá-los pra o lado da guerrilha.

Cherno AB

Valdemar Silva disse...

Parece pelo tipo de letra, (-'Saúde...') que algumas cartas/comunicados são escritos pela mesma pessoa, embora indicando outros signatários como sendo o relator do acontecimento.

Valdemar Queiroz

Jorge Araujo disse...

Caro Cherno Baldé,

Antes de mais, os meus agradecimentos pelas informações complementares ao meu texto acima. São sempre achegas oportunas e relevantes, que ajudam à compreensão do(s) contexto(s).
Quanto ao nome do Areolino Cruz, ao qual lhe acrescentei mais o “d”, baptizando-o de «Areolindo», é daquelas gafes que jamais a ia detectar, pois assumi esse “erro” desde o início da narrativa. É como aquela velha expressão do mundo do futebol, quando uma equipa, estando 80 minutos ao ataque, não consegue marcar um golo…

Agora, outro assunto, este relacionado com a morte do Areolino Cruz (nome correcto):

1 - Referes que:
“Foi professor numa escola da região de Cubucaré (Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964 [último dia do I Congresso do PAIGC], dia festejado na GBissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte”.

2 - Porém, em consulta aos meus apontamentos, verifico que:
Em 17 de Junho de 1964, ou seja, quatro meses depois, Amílcar Cabral manda-o apresentar ao Nino Vieira, com uma guia de marcha, onde consta:

“Vai o camarada Areolino CRUZ apresentar-se ao camarada João Bernardino Vieira (Nino) na zona 11, para ser integrado nos serviços de instrução (ensino) no chão dos Nalus.
O camarada Areolino CRUZ, que era estudante e tomou parte activa no complot contra o Partido, está sujeito a uma sanção suspensa de expulsão do Partido. Por isso, não tem quaisquer direitos de membro do Partido e deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis.
Deve ser enviado um relatório mensal sobre a sua conduta, ao Secretário-Geral.”

http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40246

Será que se trata da mesma pessoa?

Obrigado pela atenção.

Saúde… cuidado com o vírus.
Um abraço, Jorge Araújo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mito ou não, o Areolino Cruz é descrito, na “hagiografia” do PAIGC, como um professor que perdeu a vida ao tentar salvar os seus alunos durante o bombardeamento de Cubucaré, no dia 17 de Fevereiro de 1964...

É um dos heróis nacionais, "combatente da liberdade da Pátria"... E os guineenses, como todos os povos, "precisam de heróis". de exemplos inspiradores... Tem nome de ruas, de estabelecimemtos de ensino, etc.

Mas o que passou realmente com este Areolino ?

Também já tinha dado conta, no Arquivo Amílcar Cabral, do "anacronismo" apontado pelo Jorge Araújo...

Ele morre, estranhamente, no último dia do Congresso de Cassacá, no Cubucaré, em 17/2/1964... E em 17 de junho do mesmo ano, Amílcar Cabral manda-o, de castigo, com "guia de marcha! para o sul, para ser "reeducado" pelo 'Nino' Vieira ? Qfinal, onde é que ele estava ?

Pode ser um erro de dactilografia, um erro no ano... Mas podia ser 17/6/1963 ? Nessa altura está em Pirada e é co-autor da carta de 10 de julho de 1963, trabscrita pelo Jorge Araújo...


Já agora, de que chão seria o Areolino Cruz ? Manjaco ?

No portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, encontrámos o seguinte documento, da época colonial (1933), que faz parte hoje do arquivo do INEP / Bissau, e que fala de um "arrolador" (recenseador) de nome Areolino Cruz, talvez um antepassado do homónino, combatente do PAIGC... Pai ? Avô ? Bisavô ?.


Instituição:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau
Pasta: 10426.215
Assunto: Solicita envio dos elementos do arrolador Areolino Cruz.
Remetente: António Pereira Cardoso, 1.º oficial, Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas
Destinatário: Administrador da Circunscrição Civil de Canchungo
Data: Sexta, 3 de Novembro de 1933
Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas
Tipo Documental: Correspondencia
Cota Original: C1.6/13.215


http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10426.215

Cherno Baldé disse...

Caro Jorge Araujo,

Pode haver algum problema com a data oficial da sua morte em Cubucaré, que nao sei explicar, é bem provavel que tenha sido um ano depois, em 1965.

De notar que, alguns meses depois da sua passagem por Pirada e arredores documentada pelas cartas publicadas neste Post, o Areolino (Lopes) da Cruz seria enviado a URSS para continuar seus estudos e em finais de 1963 (Setembro e Outubro) ele escreve aos irmaos Cabral (Luis e Amilcar) da cidade de Leningrado (Arquivo da Casa Comum) onde estava a frequentar a Faculdade preparatoria da lingua Russa. Todavia, sabe-se que depois houve problemas no seio dos estudantes sobre questoes politicas, nomeadamente sobre a dificil questao da luta no interior e sobre a unidade Guiné/Cabo-Verde.

Tudo leva a pensar que se trata do mesmo individuo que, infelizmente, terao mandado regressar e transferido para uma escola do Sul, na zona 11, como referiste na nota, para ser cuidadosamente observado, tipico dos métodos Stalinistas usados pelo Paigc durante e apos a luta.

Cherno Baldé

Jorge Araujo disse...

Caro Cherno Baldé,

Obrigado pelas notas supra.

Algumas delas já estavam incluídas nos meus apontamentos, pois fazem parte do espólio documental do arquivo de Amílcar Cabral, disponível na CasaComum, onde a sua consulta é pública.

Perante a ausência de informações concretas, sobre as questões em aberto, significa que este dossier não ficará fechado, aguardando por novos/outros desenvolvimentos. Até breve.

Um abraço, Jorge Araújo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita". Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11), há uma informação detalhada sobre "guerrilheiros caídos no campo da honra"(Parte V). São duas dezenas, entre eles o Areolino Cruz.

Diz o entrevitado, na pág. 242: (...)"pertencia a uma família bem conhecida em Bissau. Indivíduo bastante instruído, foi para a luta e o seu desejo foi sempre o de trabalhar no domínio da educação. Era responsável pelo setor de educação no Sul (...). Ocupava-se do enquadramento e da educação dos jovens na escola primária. Morreu durante um ataque inimigo apoiado pela aviação. Foi violento".

Não diz o o local e a data.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno:

Muito interessante o teu ponto de vista sobre o papel dos "ponteiros" no início da mobilização e luta armada do PAIGC, no triângulo Xime / Bambadinca / Xitole...


15 DE OUTUBRO DE 2008
Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)




Temos aqui, no blogue, um apontamento sobre o Inácio Semedo Júnior:


65 anos (em 2008), natural de Bambadinca, filho de Inácio Semedo.

A família tinha propriedades na região, segundo ele mesmo me disse ao telefone. Nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana. Costumava comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...). Trocava aguardente por arroz. O arroz do sul, do celeiro da Guiné, era o melhor. A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia.

A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. O filho, Inácio Semedo, está a ver se ainda hoje recupera parte do património da família em Bambadinca... (Não consigo localizar essa ponta, propriedade dos Semedo: vi uma referência a uma casa em Gã Beafada, não tenho a certeza onde seja...).

Aos 16/17 anos veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou em Bambadinca).

Em 1964 vamos encontrá-lo na guerrilha, no sul (Quitafine ?), sob as ordens do comandante Saturnino. Nunca andou na sua terra natal, a orientação do PAIGC era pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à Independência trabalha no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. É nesta época que o Inácio conhece o arquitecto suiço Berry Lusher, de quem se torna amigo. Uma das suaS funções era então receber, encaminhar, apoiar, acompanhar e tutelar centenas de cooperantes, estrangeiros, incluindo portugueses.

Vive hoje em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tem um filho bancário. Confessa que não conhece o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tem endereço de e-mail mas é o filho que o ajuda a gerir a caixa de correio.

Continua ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Neste momento está a mobilizar e angariar apoios e contactos, tendo em vista as eleições do próximo mês de Novembro.
Prometemo-nos voltar a contactar lá para o final desse mês, quando haverá maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da nossa Guiné (onde o Inácio Semedo continua a ir regularmente, a última vez em Junho passado...)