quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21452: (Ex)citações (374): Colunas militares e populações civis como escudo contra minas e emboscadas, na zona leste, no "chão fula" (Cherno Baldé / Manuel Oliveira Pereira / Carlos Vinhal)



Ponte de Lima > 2019 > 50º aniversário da missa nova de José António Correia Pereira, aqui sentado, na primeira fila [nº 4], ex-alf mil capelão, BCAÇ 3884 (Bafatá,  1972/74): é o terceiro a contar da esquerda para a direita.

O primeiro da ponta é o nosso camarada Manuel Oliveira Pereira [nº 3]. Os restantes são amigos, ex-colegas e ex-camaradas do homenageado. 

O Cherno Baldé, que é um arguto observação e tem uma memória de elefante,  identificou o Manuel Mendes Sampedro [, nº 1], ex-capitão, e o Deus [nº 2], ex-furriel mil, ambos da CCAÇ 3547 , "Os Repteis de Contuboel, tal como o ex-fur mil Manuel Oliveira Pereira [nº 3]. E mais: em comentário da este poste, já acrescentou mais um elemento, do BCAÇ 3884, o Altamiro Claro, ex-alf mil. CCAÇ 3548, que estava em Geba. (Era um craque da bola; foi presidente da CM de Chaves e é o atual provedor da Misericórdia de Valpaços).

Foto (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P21433 (*)

(i) Cherno Baldé

Caros amigos,

O Capelão do BCAÇ 3884 [, José António Correia Pereira,]ia com frequência ao aquartelamento de Fajonquito, depois de Contuboel, e a nossa curiosidade de crianças não deixava nada escapar no quartel e arredores. A pequena Capela situava-se fora do arame farpado, pelo que as missas decorriam sob os nossos olhares atentos de crianças.

Um facto curioso que nos saltava à vista, era o número muito reduzido de participantes nessas missas dominicais, comparado com o numero de soldados presentes no quartel e/ou ao reboliço que provocavam as festas de Natal e do Ano Novo.

Na imagem vé-se o [Manuel Mendes Sampedro, que vivia em Fajonquito com a esposa e um filho pequeno] (Capitão da companhia 3549 que substituiu o Patrocinio],  na segunda fila ao meio [, nº 1] e o ex-Furriel Deus (o mais alto da segunda fila de óculos) [nº 2], que entre a população nativa era uma espécie de desmancha-prazeres quando chefiava as colunas para Bafatá, pois não raras vezes, talvez por razões de segurança, era obrigado a reduzir a lotação dos carros e os visados (sempre civis) viam-se assim privados de viajar até Contuboel ou Bafatá. 

Note-se que, na altura, a coluna era um dos poucos, senão o único meio, de as pessoas se deslocarem a uma distância de mais de 30 km nas zonas de guerra.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

9 de outubro de 2020 às 13:07  (**)



Emblema da CCAÇ 3549 / BCAÇ 3884, "DExós Poisar" (Fajonquito, 1972/74)

(ii) Carlos Vinhal

Caro Cherno, de Mansabá para Mansoa, o único transporte que havia para os civis eram as colunas, não me lembro se de Mansoa para Bissau havia alternativa, mas pelo menos havia coluna diária.

Algumas vezes, principalmente quando vínhamos de Mansoa para Mansabá, o pessoal civil, vindo talvez já de Bissau, aproveitava o trajecto para comer alguma coisa. Eles descontraídos a merendar e nós, tensos, principalmente na zona do corredor da morte, que, vindo de leste, atravessava Mamboncó em direcçção ao Morés. Ali perdemos o Manuel Vieira e o José Espírito Santo Barbosa.

Passa bem
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

(iii) Manuel Oliveira Pereira

Meu caro Cherno Baldé, meu amigo, mais uma vez, estou a contradizer as tuas "verdadeiras" observações,e porquê? Porque eu, quando possível, e enquanto comandante de Destacamento ou de "coluna", "apostava" nas viagens acompanhado pelo maior número de "civis", fazendo-os, por razões tácticas e operacionais, "inscrever-se de véspera".

Assim, excluia (uma certeza?) a probalidade de uma emboscada ou mina na picada. Usei esta metodologia, em Galomaro, Dulombi, Sonaco para Gabú, Bafatá ou Massajá. Nesta última, recordo uma "reunião de Homens Grandes" para, presumo, escolher aqueles que iriam em peregrinação a Meca. 




Guiné > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Sonaco e Mansajã, na estrada para Pirada (fronteira com o Senegal). Distância entre Sonaco e Mansajã: cerca de 10 km. Pirada ficava a nordeste (c. 50 km) e Nova Lamego a sudeste, mais ou menos à mesma distância.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Em Sonaco fui contactado pelo Farim (capitão de milicia) no sentido de transportar estas figuras importantes a Mansajã [vd. mapa de Sonaco]. Disse ao Farim serem muitos e eu não dispor de uma segunda viatura para fazer a escolta. Respondeu-me que não seria necessário, bastava o "condutor". Perante o desafio, disse-lhe "então serei o condutor!" . Estupefacto, abre ao máximo os olhos e diz-me: "seria uma honra".

"Pois então eu levo-os", disse eu! Acrescentei: "Se me acontecer coisa, ficam instruções para arrasar as vossas tabancas".

Com um sorriso, diz-me: "Muito obrigado, Alá será a sua proteccão!..". 

Fui e regressei sozinho. Não consigo, ainda hoje, por palavras, dizer o que senti naquela " longa" viagem de retorno a Sonaco.

Abraço.





(iv) Cherno Baldé

Caro amigo Manuel Pereira:

Ao tempo da CCAC 3549 ["Deixós Poisar"], eu teria 13/14 anos e estava permanentemente no quartel [de Fajonquito]. Do que disse sobre as colunas a Bafatá não inventei nada, os acontecimentos aparecem na minha memória como fotografias guardadas num arquivo. O Furriel Deus, na altura, era um jovem de uma enorme cabeleira que ele gostava de exibir e que raramente cortava.

Não posso contradizer aquilo que tu dizes, todavia a observação que posso fazer é para dizer o quanto vocês estavam mal informados sobre a população fula de Leste.

A realidade da guerra no Sul, onde os guerrilheiros eram familiares da população civil e existiam laços fortes de entreajuda entre os dois lados não era a mesma na zona Leste onde, sem excluir a possibilidade de informadores secretos, não existiam laços de parentesco com os homens do mato, quase todos pertencentes a outros grupos étnicos e quase sempre as aldeias fulas eram o alvo privilégiado dos guerrilheiros e sempre com muitas vítimas.

Não havendo ligações e cumplicidades entre os dois lados (população e guerrilha), não vejo qual seria a vantagem de levar civis para se protegerem de eventuais ataques e/ou colocação de minas. No contexto da guerra as populações do Leste, maioritariamente de etnia fula, eram consideradas como colaboradores dos "Tugas" porque eram contra a guerra movida pelo PAIGC.

Abraços,

Cherno AB.11 de outubro de 2020 às 19:51

____________

Notas do editor:


(**)  Último poste da série > 5 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 – P21417: (Ex)citações (373): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné. Abutres.(José Saúde)

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No setor L1 (Bambadinca), essa questão não se punha... As populações civis integravam-se nas colunas (logísticas ou outras) que fazíamos entre as principais tabancas, aquartelamentos e destacamentos, nos diferentes regulados (Badora, Cossé, Xime, Corubal, Cuor, Enxalé...). No Cuor e no Enxalé, tínhamos pouca população, em geral, familiares de milícias... A mais populosa era Badora: a política de Spínola, "Por uma Guiné Melhor", obrigava-nos a colaborar em tarefas civis como o transporte de produtos agrícolas e de alimentação (arroz, mancarra...) ou a evacuação de doentes... Como havia população deslocada em Bambadinca, davamos boelia para diferentes como Bafatá ou até o Saltinho... As colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho tinham riscos (sobretudo minas), mas havia um bom esquema de segurança montado pelas companhias de quadrícula ao longo dos 60 km... A CCAÇ 12 (africana) montava segurança às viaturas, muitas delas civis, de comerciantes da região, europeus e libaneses...

A populaçao de Badora era de uma grande lealdade às NT. Os militares da CCAÇ 12, do recrutamento local, eram muitos deles daquele chão...que defenderam com unhas e dentes.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bom dia, Manuel Pereira:

Creio que é a primeira vez que eu leio o topónimo Mansajâ... Consegui localizar a tabanca, no mapa de Sonaco, na estrada p+ara Pirada (e não para Nova Lameho). Escreve-se Mansajá e não Massajá.

Tu, que conheceste bem a zona de Sonaco, diz-me a razão por que fizeste esse percurso, Sonaco-Mansajã-Sonaco, no transporte de "homens grandes", fulas, que iam a peregrinação a Meca-

Diz-me qual a importância que tinha a localidade. Era a apenas um ponto interméido na viagem de Somaco até Pirada ? Os peregrinos saíam da Guiné por Pirada (fronteira) ou Nova Lamego (avião). Uma vez que Mansajã fica na estrada Sonaco-Pirada, tudp indica que era apenas um ponto intermédio no percurso. Alguém depois, malta de Pirada, vinha depois buscá-los a Mansajã. Foi isso ? Talvez o Cherno Baldé também nos possa dar uma explicação. De qualquer o troço Sonaco-Mansajã era "pacífico", uma vez que fostes, sozinho a conduzir, sem escolta...

Vê aqui a localização de Mansajã no mapa da província da Guiné (1961) (escala 1 7 500 mil):

https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial10_mapageral.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A distância hoje, entre Mansajá e Pirada, são cerca de 50 km, de automóvel
óvel. Mas de Sonaco a Mansajã é mais curta, pouco mais de 10 km (, na época, era muito).

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Luis Graça,

O Topónimo Mansajã é uma grafia portuguesa do mandinga “Mansadjan” que é uma palavra composta por Mansa (rei/chefe) e Djan (aqui/local). Deve ter sido uma localidade importante nos tempos auréos do império Kaabunké. Está situada perto de Kansalá, a antiga capital, que com a vitoria dos fulas na segunda metade do séc. XIX, passou a ser habitada por estes, mantendo o nome antigo, a semelhança do que aconteceu em toda a extençao das regioes de Gabu e Bafata.

Expeculando sobre a viagem dos homens grandes, o mais provavel é que o objectivo tenha sido a participaçao numa cerimonia religiosa «Ziara» das muitas confrarias por ai existentes. As peregrinaçoes a meca, na altura, eram pouco concorridas porque muito caras para a totalidade da populaçao guineense, mergulhada na miséria devido as inumeras guerras e conflitos associados aos condicionalismos da administraçao colonial e ao sistema de exploraçao agricola que puxava sempre os rendimentos pra baixo. E, nesses casos, o percurso normal seria Sonaco-Gabu ou Sonaco-Bafata/Bambadinca para chegar a Bissau e nunca seria via Mansajã, uma localidade sem importancia logistica.

De notar que os regulados de Mancorse (Contuboel), Tumana (Sonaco), Sama (Paunca) e Sama Ierondin (Guiro Iero), situados entre Contuboel e Gabu, até 1974, ainda eram zonas sem vestigios de guerra.

E para terminar, dizer que, para a legendagem, o homem sentado do lado esquerdo do Manuel Pereira é o Ex-Alferes Altamiro da CCAC 3548 sediada em Geba e que foi, ha alguns anos, Presidente da Camara da sua terra, Chaves e que, na altura, fazia parte da formidavel equipa de futebol dos Panteras de Geba. O Batalhao estava recheado de bons jogadores de futebol em todas as companhias o que, de resto era apanagio dos portugueses da época, mas na minha opiniao, Geba tinha a melhor equipa do Batalhao 3884. Uma equipa de estrelas como nunca voltei a ver jogar. Hoje em dia nao vejo futebol, salvo alguns jogos de seleções nos campeonatos do mundo.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé

Carlos Vinhal disse...

Caro Cherno, não me lembro se já falámos sobre a origem do nome Mansabá.
Dizes que "Mansa" designa rei ou chefe. Tenho a ideia de quando a minha lavadeira, a Binta, tentava ensinar-me a língua mandinga(?), me ter dito que "bá" seria o mesmo que grande. Se não estiver errado, traduzindo livremente, Mansabá quererá dizer Grande Chefe ou Rei Grande, pessoa importante ou muito venerada/considerada?
Grande abraço
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já pedimos ao Manuel Pereira para ver este poste e responder às nossas questões, nomeadamente se foi aquela a primeira vez que ele foi a Mansajã (e não Massajá) e, já agora, em que data.

E o Sampredo, por onde andará ele ? Quando é que ele integra a nossa Tabanca Grande e publica fotos dele e da CCAÇ 3547? O Cherno lembra-se bem dele, da esposa e do puto, em Fajonquito.

O Sampredo foi com o Manuel Pererei ao nosso primeiro encontro nacional, em 2006, na Ameira... Histórico!... Temos fotos de grupo...

Pedimos para convidar também o ex-furriel Deus a integrar a Tabanca Grande.. Ainda temos poucas referências a este batalhão e às suas unidades de quadrícula.

O Altamiro Claro também é membro da Tabanca Grande, mas tem poucas referências... É naturalmenet um home ocupado, esatndo agora à frente da Santa Casa da Misericórdia de Valpaços.

Um alfabravo para todos. Luís

Anónimo disse...

Caro Carlos,

Sempre com saudades da tua Mansabá, o teu raciocínio é correcto. A língua mandinga, da qual compreendo um pouco, mas de que não sou falante, infelizmente, é linda e estimulante e, ao mesmo tempo uma lingua colorida e tango ou quanto boçal once predominam a bravata e a bajulaçāo artistic a dos Djidius (Griots tradicionais). Assim, os Mansabás oh Mansadjās tango pod em fazer referencia a Una pessoa, o soberano, como podem referir-se à "bravura" dos seus habitantes que consideram imbatíveis. De notar que Mansoa também a mesma raiz o que nos induz a pensar que a lógica da construção é a mesma, tendo-se perdido algumas partes que a tornam incompreensível. De notar que a área geográfica de Mansos é habitada por Balantas convertidos a cultura mandioca e que hoje são conhecidos por mansoancas.

Abraços,

Cherno AB

Anónimo disse...

Errata: Onde está mandioca, queria-se dizer Mansos. Acho que compreenderam.

Cherno