domingo, 11 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21442: Fotos à procura de... uma legenda (134): Em maio de 1969, ao tempo do BCAÇ 2852, a Cilinha terá pernoitado em Bambadinca?


 Foto n.º 1  
 


Foto n.º 2
 

Foto n.º 3
 

Foto n.º 4


Foto n.º 5

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Maio de 1969 > Parada do quartel de Bambadinca: visita da presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto (1921-2011), mais conhecida por "Cilinha" (Fotos nº.s 4 e 5) e atuação do conjunto musical  "Os Bambadincas"  (Fotos nºs 1, 2 e 3), junto ao edifício, em U, onde ficavam as messes e os quartos dos oficiais e sargentos. (*)

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não é que isso seja relevante para a História com H grande, no âmbito da Guerra na Guiné (1961/74)... Mas na foto n.º 1,  já tirada ao anoitecer (e, por isso, de muito fraca resolução), vê-se um vulto, que parece ser uma figura feminina, de saia-calça azul, a falar com um dos elementos da banda. 

Hoje pomos a hipótese de ser a "Cilinha"...

O autor das fotos, José Carlos Lopes (**), não tem ideia de ela ter pernoitado no "resort" de Bambadinca. Falámos, em 2013,  ao telefone, a esclarecer este ponto: o mais provável, para ele,  era ser uma das senhoras que viviam em Bambadinca (por ex., a esposa do tenente Pinheiro, chefe da secretaria, a esposa do dr. David Payne, alf mil médico, ou outra: julgo que o ten cor Pimentel Bastos, comandante do batalhão, também lá tinha a esposa; mas estas senhoras tiveram que recolher a Bissau depois do ataque ao quartel de 28/5/1969).

Esta visita, da presidente do MNF - Movimento Nacional Feminino, dá-se talvez duas semanas antes do ataque a Bambadinca. No dia anterior ou no dia seguinte ela estava de visita ao Olossato, visita essa documentada no nosso blogue, (***)

Na visita ao Olossato, em 11 de maio de 1969, ela veio expressamente de Bissau, de helicóptero, acompanhada da sua secretária, e do comandante da CCAÇ 2402,o cap inf Mário José Vargas Cardoso. Foi, nessa ocasião. "graduada" em capitão do Exército Português.


Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAÇ 2402 (1968/70) > 11 de maio de 1969 > Visita da "CIlinha" e da sua secretária. À sua esquerda, o cap inf Vargas Cardoso.


Foto: © Vargas Cardoso / Raul Albino  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Da leitura do livro de Sílvia Espírito Santo ("Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacional Feminino". Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008), deduzo que a dirigente do MNE - uma mulher poderosa até à morte de Salazar e que detestava o Marcelo Caetano - tenha estado na Guiné, pelo menos 4 vezes. 1964, 1966, 1969 e 1974... 

 Diz ela, na pág. 116: "Eu fui a quase todo o lado [da Guiné]. com excepção de Guerrilhe [, Guileje ?], Medina (sic) do Boé e Gadamaela [, Gadamael ?]. Não me venham dizer a mim que a Guiné estava toda tomada, por amor de Deus". 

Foi também da sua iniciativa convidar artistas na moda, como a Florbela Queirós ou o conjunto "João Paulo" para atuar, no Ultramar, no mato (pp.143 e ss.).

Mas há contradições nas suas declarações a respeito da Guiné e dos sítios aonde foi. Por exemplo, em entrevista à  revista "Combatente", da Liga dos Combatentes, em 16/7/2005, terá declarado o seguinte: "

(...) "A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema e sendo ela perdida, seria muito complicado para o resto. A Guiné foi grave. A minha 'Guinezinha', como eu costumo dizer, tão pobrezinha... Olhe que tenho a camisola amarela de zonas de intervenção visitadas. Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. Muitas vezes ia à frente das colunas e cheguei inclusivamente a 'picar' a estrada." (...)

Na última visita à Guiné, em finais de fevereiro e primeira quinzena de março de 1974, sabemos que ela (e possivelmente a secretária que a acompanhava) dormiu pelo menos duas vezes no mato: em Gadamael (segundo informação do nosso camarada Carlos Milheirão ****) e em Bafatá, segundo relato do então já major de infantaria Vargas Cardoso (***).

Comentando a visita a Bambadinca,  que deve ter sido antes ou depois de 11 de maio de 1969, o nosso camarada Ismael Augusto escreveu-nos o seguinte, em 26 de setembro passado:

(...) "O oficial ao lado da Cilinha [, Foto n.º 4,[ não é do batalhão [, BCAÇ 2852,], logo não é o tenente coronel Pimentel Bastos.

Devo dizer-te e tanto quanto me recordo, que [a Cilinha] foi recebida com curiosidade, mas sem nenhum entusiasmo pela parte dos milicianos. Era no entanto uma figura com alguma popularidade e apresentava-se de forma muito simpática.

Grande abraço e boa saúde para ti e para todos os nossos Camaradas da Guiné neste ano dos 50 do regresso do BCaç 2852. Tenho umas fotos que tirei na saída de Bambadinca e a caminho do Xime que irei enviar. " (...)

É de recordar (e de esclarecer) o seguinte a respeito das visitas da presidente do MNF ao CTIG, à sua "Guinezinha":

(i) muitos militares não apreciavam a sua visita aos aquartelamentos e destacamentos do mato, e sobretudo a sua integração em colunas auto, na medida em que isso representava um acréscimo de mobilização de meios e medidas de segurança;

(ii) era uma mulher poderosa até à morte de Salazar, mas em relação ao sucessor deste,  Marcelo Caetano, a antipatia era mútua;

(iii) devido às boas relações com Spínola e à esposa, Helena, em 1969, a "Cilinha" ainda pôde dispor de algumas "mordomias", como helicóptero às ordens (, uma aeronave cuja operação era cara: o helicanhão, por exemplo, custava na época quinze contos por hora, o equivalente, a preços de hoje, a 4600 euros!);

(iv) a "Cilinha" nunca foi enfermeira diplomada: frequentou o 1.º ano do curso de enfermagem da Escola de Enfermagem de São Vicente de Paula, entre outubro de 1941 e junho de 1942; para ser enfermeira, teria, na época, que abdicar de casar;

(v) pelo menos em fevereiro / março de 1974, terá pernoitado mo mato, pelo menos duas vezes, em Bafatá (***) e em Gadamael (****);

(vi) de resto, as suas visitas só poderiam realizar-se no tempo seco (, de preferência entre fevereiro e maio);

 Enfim, pode ser que alguém ainda possa (e queira) acrescentar algo mais a estas fotos (*****).
 (**) Vd. poste de 23 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (8): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969


(...) "Na 4ª e última comissão (Mar72 a Jul74), fui oficial de operações do BCAÇ 3884, responsável pelo sector de Bafatá, e a partir de Nov73 já major, acumulei com o Comando de Batalhão.

Em data que não consigo precisar (final de 73 princípio de 74) [, fins de fevereiro e primeira quinzena março de 1974] a Cilinha visitou Bafatá e algumas unidades do sector, tendo pernoitado uma noite na cidade.

Após o jantar, foi convidada para uma sessão de fados em casa do Capitão Médico, a qual se prolongou noite fora, num agradável e moralizante serão, com muitos oficiais e sargentos da guarnição.

Todo o “mundo” militar, sabia das qualidades de “fadista” da Presidente do MNF.

No dia seguinte, a nossa visitante, seguiu viagem para NOVA LAMEGO, com escolta do meu Batalhão, sendo apresentada ao Comando de Agrupamento.

Soubemos dois dias depois, que a coluna militar que a escoltava em visita à guarnição de Canquelifá (se a minha memória não me falha), fora emboscada pelo PAIGC.

Em resultado desse contacto, a “Cilinha", como enfermeira (que era) da Cruz Vermelha, procurou ajudar um dos nossos feridos, o qual terá falecido nos seus braços. (...)


(...) Comentário:

C. Martins: Relativamente ao post sobre a D. Cilinha e contrariando-o um pouco, tenho quase a certeza de que ela pernoitou em Gadamael. De resto, se bem me lembro, ia acompanhada de uma outra senhora de que não me lembro o nome. Já pela noite dentro, encontrando-nos nós no Bar da messe de oficiais, entrou um soldado completamente "pirado" com uma granada descavilhada na mão e a gritar que "f...a aquela m...a toda". A D. Cilinha, aparentando muita serenidade, abeirou-se dele e lá conseguiu acalmá-lo. Também me lembro de termos sido flagelados enquanto ela lá estava e que foi a única pessoa que permaneceu no seu lugar, tendo todos nós corrido para os abrigos. Após o ataque, o capitão Patrocínio (com quem aprendi a fazer ski-aquático na bolanha), perguntou-lhe porque é que ela não se tinha ido abrigar, tendo-lhe ela respondido que não valia a pena porque "só se morre uma vez".

Abraço. (Carlos Milheirão) CCAÇ 4152,  13 de junho de 2013 às 16:18 (...)

(*****) Último poste da série > 10 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21437: Fotos à procura de... uma legenda (127): Levantamento de um campo de minas A/P: chão felupe, setembro de 1974, uma notável sequência fotográfica do António Inverno (ex-alf mil Op Esp / Ranger, 1º e 2ª CART / BART 6522 e Pel Caç Nat 60, São Domingos, 1972/74)

13 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Não posso garantir, mas parece-me que a senhora de blusa branca seria a representante do MNF em Bissau e simultâneamente responsável pelo balcão do turismo, Mariana Mayer de Brito.
Em Dezembro de 1968 tinha estas funções.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, reproduzo aqui um comentário teu, já antigo:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
A Guiné pré-guerra.

Quantos mais número desta revista terão saído relativos à Guiné? E o turismo que nessa altura dava os primeiros passos na Metrópole onde estava ele na Guiné?

Ainda conheci (1968/69) uma senhora - Mariana Mayer de Brito - que trabalhava no "Turismo da Guiné", uma pequena loja com porta para aquela rua que corria paralela ao porto e cujo nome esqueci.

Essa senhora trabalhava em acumulação no MNF. Quando a procurei, em 1971, não a encontrei nem num sítio, nem no outro. Era uma pessoa simpática que "já vinha da Índia" onde tinha conhecido o meu capitão e que seria familiar de militares.

Qual seria a reacção dos "crescidos" (nós éramos miúdos) ao lerem aquela revista que hoje temos de considerar uma radiografia bastante nítida da Guiné?

Se calhar achavam gira e punham-na para o canto. O que é que "aquilo" interessava?
Um Ab.

António J. P. Costa

22 de janeiro de 2015 às 11:22


22 DE JANEIRO DE 2015
Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão

Anónimo disse...

Terá a Sra. Supico Pinto dormido ou não em Bambadinca???

Vamos aguardar com infindáveis angústias,expectativas e suspenses ansiosos,por uma resposta esclarecedora.

Abraço do J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Afinal... foi a "Passionara da guerra do Ultramar"... E houve até um culto da personalidade da Cilinha...À sua volta teceram-se "lendas e narrativas"... E esta de dormir no mato era uma delas... A sua biógrafa diz inclusive que chegou a dormir com a G3 ao lado... Pode perguntar-se: para que queria ela a G3 ?...

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Estava para não comentar mas alguma coisa me impele a fazê-lo.
Li os excertos das loas à Cilinha e não há dúvida que acho que o Luís Graça tem razão quando considera haver uma espécie de "culto da personalidade" com várias "visões" sobre a sua heroicidade, a de dormir no mato, a de "picar a estrada" (terá tido alguma veracidade, em particular para alguma fotografia), a de dormir com a G3 ao lado (para quê, se entra assim em contradição com as firmações de soberania plasmadas nos tais excertos?), etc.

Mas aqui devo também dizer que as preocupações do Luís sobre isto não "ser relevante para a História com H grande" podem ser compensadas com os esclarecimentos que se vierem a conseguir para tranquilizar o espírito, sempre inquieto, do J.Belo.

Hélder Sousa

Anónimo disse...

A tão humilde G-3 na cama da Sra. de Supico Pinto???

Demorou quase cinquenta anos mas “vale mais tarde que nunca”!
Que me sejam desculpadas estas limitações (também!) de quase meio século de assuecamentos feitas.
Finalmente consegui compreender o que o teatral revolucionário queria dizer com a sua frase HISTÓRICA :
“As G-3 estão em...boas mãos!”

Chamar a Senhora de Supico Pinto de...Passionara?
Tal figura Histórica da guerra civil espanhola não cairia bem nos meios muito especiais em que a Sra. de Supico Pinto tão bem se movimentava.
Como também não “passaria” entre os admiradores de Dolores Ibarruri.
Feitios.

E,surge nova ansiosa pergunta sobre a nossa História:
Terá sido em “Bambadinca by night” que a G-3 dormiu na cama da Senhora?

Mais um abraço respeitoso.
J.Belo

Anónimo disse...


Manuel Pereira (por email)

domingo, 11/10/2020, 21:51

Assunto - Visitas da Cilinha à Guiné

Caro Luís, as minhas saudações.

Serve o presente email, para acrescentar mais umas linhas sobre o tema em questão, e tendo em consideração que muitos - e são muitos - dos leitores do teu/nosso blogue, não utilizam o "facebook", logo perdem algum outra informção divulgada em " Tabanca Luis Graça". Foi o caso. Assim, penso que as informações mesmo que "filtradas/cortes" poderiam, quando, acrescentassem algo, ser incluidas num e noutro espaço.

Li, também, sobre o mesmo tema um comentário do meu "mano velho" - ele trata-me por "mano novo" -, Sr. Coronel Vargas Cardoso, oficial de operações e na parte final de comissão CMD do meu B.CAÇ.3884, que parece existir um equívoco quanto ao ano da "visita" da Cilinha. Amanhã, irei telefonar-lhe e depois te darei notícias.

Quanto à presença da presidente do MFA a Nova Lamego, sei que a mesma esteve - tenho a certeza - em Madina Mandinga e nesta Companhia (1 CART/BART 6523). Para o efeito, vou confirmar com o Manuel Monteiro e Joaquim Rafael, ambos Furriéis desta Companhia. Ainda sobre a Cilinha, segue, em anexo a este mail, vai uma fotografia do Cmd da 1° Cart. Cap.Mil° José Luis Borges Rodrigues, falecido em 2019, anfitrião desta visita.

A terminar, dizer que não necessitas de publicar esta mensagem.

Abraço,
Manuel OLIVEIRA PEREIRA

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Zé Belo, régulo da tabanca de gelo da Lapónia:

Passionara, a Cilinha ?... Sabes que a História repete-se duas vezes, uma como tragédia, outra como comédia...Foi um dos fundadores da sociologia que o disse... Um velho tonto, como eu.

António J. P. Costa disse...

E eu acrescento e repete-se um terceira vez sob a forma de uma "Ópera Bufa". Ópera bufa não é isso que vocês estão a pensar, é uma forma de teatro da renasceça.
E aquela da Dolores Ibarruri... Oh meus amigos, é o mesmo que comparar a Sé de Braga com o olho do K

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro Camarada

Qualquer dos meus amigos lapöes perguntaria:

-Qual delas será a Sé de Braga?

E,mais um abraço do J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não confundir a Cecília Supico Pinto, que não tinha filhos, muito menos na guerra, com as nossas mães, algumas das quais pertenceram ao MNF - Movimento Nacional Feminino. Bem como algumas madrinhas de guerra.

Nâo queremos ferir os sentimentos de ninguém, muito menos das mulheres portuguesas que estiveram genuina, silenciosa, empaticamente, ao lado dos seus homens (filhos, maridos, namorados,irmãos, vizinhos, amigos...) naqueles anos todos, dolorosos... Sem alardes, sem as luzes da ribalta sem cinismo...

Temos que separar as águas. Infelizmente, o MNF foi instrumentalizado...Basta ler as suas publicações Presença e Guerrilha... onde era manifesto o culto da personalidade da Cecília Supico Pinto.

De resto, o nosso primeiro poste, já lá vão mais de 16 anos, começava assim:

23 DE ABRIL DE 2004
Guiné 63/74 – P1: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

Trinta e cinco anos depois.
No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.
Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.
Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.
Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.
Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.
Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.
Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.
E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra. (...)



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Confesso que nunca tive contactos com as "senhoras" MNF...(Curioso, não se dizia "mulheres", mas "senhoras")... E as "poucas e roucas" que vi foi no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em 24 de maio de 1969, quando embarquei no Niassa a caminho da Guiné... Escrevi, entretanto, um longo poema sobre essa "cena" (como dizem hoje os nossos putos);


(..:) Coitadas das mães que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho.
subindo o portaló,
o cadafalso,
com um nó na garganta
mal disfarçado,
os lenços brancos
como em Fátima no 13 de maio.
Algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos não são
de exaltação
patriótica.
O hino
canta-se em voz de cana rachada,
em disco riscado
por senhoras,
poucas e roucas,
do Movimento Nacional Feminino. (...)


23 DE MAIO DE 2015
Guiné 63/74 - P14651: Manuscrito(s) (Luís Graça) (57): Quando o Niassa apitou três vezes... Foi há 46 anos, a 24/5/1969, ias tu a caminho de Bissau, com mais 1734 camaradas, incluindo o soldado condutor auto da PM Jerónimo de Sousa...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Instrumentalizado o MNF? "Essa só contaram para si"!, como dizem os brasileiros. O MNF cumpriu um papel histórico (como já deixei dito) como acontece em todas as guerras. As mulheres apoiam a guerra e auxiliam os combatentes. E muito mais em Portugal onde o regime tinha de apresentar aquele apoio e auxilio. Nada do que o MNF fez, deixava de ser feito pelas autoridades militares/civis, se quisessem fazer.
A(s) senhora(s) tinha(m) que se justificar e assim, formou-se uma espécie de saprofitismo entre o regime e o MNF: ambos se apoiavam e justificavam e assim ambos "ganhavam". O "Movimento" nunca teve grande implantação e militância e acabou identificado com a presidente e esta com aquele.
É um facto Histórico e incontornável, mas tê-lo como algo de muito válido e imprescindível é exagero. Uma das provas de que assim foi são os dois últimos Natais da guerra: o do disco e o dos livros RTP. No disco, procurem a intervenção da Hermínia Silva que começa com: "AH rapazes! Gostava de ser bruxa, salvo seja, para saber o que cada um de vocês disse ao receber um disco. Mas para que raio quero eu um disco se eu até não tenho pique up?" E depois é que vem a parte interessante...

Um Ab.
António J. P. Costa