Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1974 > O crucifixo, em bronze (ou liga de bronze), dos anos 60/70, que trouxe, do destacamento, depois da sua entrega ao PAIGC em agosto de 1974... Alguém, um graduado, deixou-o na morança onde eu pernoitava.
Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (202'). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. Comentário do Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74), e que vive presentemente na Lourinhã (*)
Obrigado, Zé Viegas, por partilhares estas memórias.
O Pelotão Caçadores Nativos 52 foi desmobilizado em Missirá. Vivemos o 25 de Abril de 1974 neste destacamento e a esperança num regresso rápido a Portugal nasceu nesta tabanca.
As imagens que tenho não são muito diferentes das agora publicadas embora a destruição que apresentam as várias edificações tenham sido reparadas. O depósito de géneros que também era depósito de material de guerra também ficou "destelhado" no período da permanência do Pel Caç Nat 52, não devido a uma flagelação porque nada sofremos aqui, mas nas chuvas, um tornado descontente com a arquitetura do edifício levantou o chapeado de zinco por inteiro e depositou-o com o estrondo de uma queda de 10 metros no meio do que seria a parada.
Com a guerra a arrefecer depois do 25 de Abril, o nosso quotidiano não era exigente e as tarefas militares limitavam-se à segurança do destacamento que o Pelotão partilhava com o grupo de milícias local e todas as acções no exterior foram suspensas.
Foi em Missirá que me foi pedida autorização para elementos do PAIGC visitarem a tabanca para o que dei de imediatamente o meu acordo. (**)
A guerra estava terminada e tinha a grande preocupação do que seria o futuro dos meus camaradas soldados portugueses (infelizmente esquecidos) do recrutamento local e procurei assim que se adaptassem a uma nova realidade para a qual não estavam preparados.
Com a minha juventude e capacidade de sonhar também espectava que o conhecimento pessoal com os antigos inimigos amenizasse o que seria o relacionamento futuro com a nova ordem social.
Recebemos então uma delegação do PAIGC, partilhámos bebidas e trocámos de armamento para as fotografias que imortalizam o momento. Posteriormente combinámos um jogo de futebol com o ex-inimigo, agora adversário no jogo da bola e como o resultado não estava a nosso favor e não admitia perder muito menos naquelas circunstâncias fui para a baliza e invertemos e resultado embora tenha ficado com algumas mazelas.
Também fomos convidados a assistir a um grande comício do PAIGC e estivemos presentes. Recordo com mágoa as lágrimas do Jalique Baldé, guia extraordinário que nos livrou de cair numa emboscada a 24 de Dezembro de 1973 em Mato de Cão. Detetou o IN no trilho pelo qual nos deslocávamos e que vinha na nossa direcção. Caíram eles na emboscada imediata que montámos.
De Missirá mantenho ainda, apesar de agnóstico, um cruxifixo que alguém deixou na morança onde pernoitava, que trouxe para Portugal e que mantenho na cabeceira.
As imagens que tenho não são muito diferentes das agora publicadas embora a destruição que apresentam as várias edificações tenham sido reparadas. O depósito de géneros que também era depósito de material de guerra também ficou "destelhado" no período da permanência do Pel Caç Nat 52, não devido a uma flagelação porque nada sofremos aqui, mas nas chuvas, um tornado descontente com a arquitetura do edifício levantou o chapeado de zinco por inteiro e depositou-o com o estrondo de uma queda de 10 metros no meio do que seria a parada.
Com a guerra a arrefecer depois do 25 de Abril, o nosso quotidiano não era exigente e as tarefas militares limitavam-se à segurança do destacamento que o Pelotão partilhava com o grupo de milícias local e todas as acções no exterior foram suspensas.
Foi em Missirá que me foi pedida autorização para elementos do PAIGC visitarem a tabanca para o que dei de imediatamente o meu acordo. (**)
A guerra estava terminada e tinha a grande preocupação do que seria o futuro dos meus camaradas soldados portugueses (infelizmente esquecidos) do recrutamento local e procurei assim que se adaptassem a uma nova realidade para a qual não estavam preparados.
Com a minha juventude e capacidade de sonhar também espectava que o conhecimento pessoal com os antigos inimigos amenizasse o que seria o relacionamento futuro com a nova ordem social.
Recebemos então uma delegação do PAIGC, partilhámos bebidas e trocámos de armamento para as fotografias que imortalizam o momento. Posteriormente combinámos um jogo de futebol com o ex-inimigo, agora adversário no jogo da bola e como o resultado não estava a nosso favor e não admitia perder muito menos naquelas circunstâncias fui para a baliza e invertemos e resultado embora tenha ficado com algumas mazelas.
Também fomos convidados a assistir a um grande comício do PAIGC e estivemos presentes. Recordo com mágoa as lágrimas do Jalique Baldé, guia extraordinário que nos livrou de cair numa emboscada a 24 de Dezembro de 1973 em Mato de Cão. Detetou o IN no trilho pelo qual nos deslocávamos e que vinha na nossa direcção. Caíram eles na emboscada imediata que montámos.
De Missirá mantenho ainda, apesar de agnóstico, um cruxifixo que alguém deixou na morança onde pernoitava, que trouxe para Portugal e que mantenho na cabeceira.
Desconheço a razão porque o faço e considero ser pouco racional este hábito e até pensei levá-lo na minha missão de voluntariado em 2018,mas como a ideia era deixá-lo em Missirá onde aliás não cheguei a ir, procurei deixá-lo em Portugal.
Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu.(***)
____________Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu.(***)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 22 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21675: O meu Natal no mato (46): Depois do ataque a Missirá, na noite de 22 de dezembro de 1966, pouco havia para consoar... O meu caçador nativo Ananias Pereira Fernandes foi à caça, e fez um arroz com óleo de chabéu que estava divinal... O pior foi quando, no fim, mostrou a cabeça do macaco-cão... (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá e Ilha das Galinhas, 1966/68)
(*) Vd. poste de 22 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21675: O meu Natal no mato (46): Depois do ataque a Missirá, na noite de 22 de dezembro de 1966, pouco havia para consoar... O meu caçador nativo Ananias Pereira Fernandes foi à caça, e fez um arroz com óleo de chabéu que estava divinal... O pior foi quando, no fim, mostrou a cabeça do macaco-cão... (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá e Ilha das Galinhas, 1966/68)
(**) Vd. postes de;
3 comentários:
talismã | s. m.
ta·lis·mã
(francês talisman)
nome masculino
Figura, medalha ou objecto a que se atribuem virtudes ou poderes sobrenaturais. = AMULETO
"talismã", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/talism%C3%A3 [consultado em 23-12-2020].
Luís,
Quem nunca usou figas, cruzes de David, sino-saimão, chaves, elefantes com a tromba para baixo ou para cima, trevos, ferraduras, quartos de lua, porcos, patas e cornos de animais, imagens de santos/as em fios de ouro ou prata, etc. ?
Amuletos de proteção e sorte, geralmente pendurados ou presos no corpo, pescoço, pulso, tornozelo, mas também agora nas orelhas, nos lábios, etc. Ou escondidos, pelas nossas mães, na roupas... E as tatauagens, que são outra variante dos amuletos tradicionais...
Na Guiné, todos (ou quase todos) usávamos algum tipo de amuleto, cristãos, muçulmanos, animistas, ateus, agnósticos... Nós e os guerrilheiros do PAIGC... O "senhor engenheiro" bem lutou contra o "pensamento mágico" dos seus "homens do mato"..., mas eles andavam carregados de mezinho contra "bala do tuga"... Morreu quem teve o azar de morrer...
Camarada Luís Morato
Ao ler o teu testemunho das lágrimas que viste nos olhos do militar que servia a bandeira portuguesa na Guiné trouxe-me à memória um episódio que recentemente foi aflorado aqui a insubordinação da 12 em Bambadinca em Março de 1973.
Hoje acredito que eram os primeiros sinais do fim da capitulação do exército português naquela longa e desgastante guerra.
A Bambadinca, na companhia de Spínola, chegaram para "resolver o assunto" 3 oficiais africanos garbosamente fardados de camuflado e galões reluzentes, que vieram para credibilizar o empenho do Governador e Comandante Chefe.
Depois da 12 o meu destino foi Bolama e lá, entre os oficiais subalternos, era evidente o tema do livro Portugal e o Futuro. Spínola vem a Lisboa e não regressa. Otelo, Almeida Bruno e Otelo já tinham regressado. No final de 73 regressam Salgueiro Maia e Luís Moura, meu capitão na 3404 em Cabuca e pouco conhecido, mas foi ele que veio de Estremoz a comandar a coluna que se juntou no Carmo na rendição de Marcelo.
Tudo bem pensado e organizado e o correcto. Fazer, o que tinha que ser feito o Golpe de Estado.
Quem não entrou na equação foram os africanos que juram bandeira e a defenderam ao nosso lado.
Foram, sem o mínimo pudor, depois de desarmados, deixadis ao Deus Dará para serem vítimas de violenta chacina.
Quando será que todos nós nos retratamos por termos assistido de braços caídos e em silêncio?
João silva
Ex- furriel mil at. inf.
Cabuca, Bambadinca, Xime, Bolama, Abril de 72 a Maio de 74.
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