terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22852: In Memoriam (421): Jorge Pedro de Almeida Cabral (Lisboa, 1944- Cascais, 2021), ex-al mil at art, cmd Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71), advogado, professor de direito penal no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, nosso colaborador permanente e autor da impagável série "Estórias cabralianas" (de que se publicaram cerca de uma centena de postes)






Jorge Pedro de Almeida Cabral, advogado, professor de direito penal,
alferes mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71) 
(Lisboa, 1944 - Cascais, 2021)

com 4800 amigos. Com a devida vénia aos seus autores...



1. Deixou-nos hoje, o Cabral (*). Aos 77 anos (**). Cansou-se de brincar às guerras, morreu na única guerra que ele verdadeiramente temia, o cancro do pulmão... "Estou a morrer, estou a morrer", dizia-nos ele a alguns de nós por estes dias, por estas semanas... Não o levávamos a sério, a princípio ... Um humorista não morre. O "alfero" Cabral, o nosso anti-herói,  não podia morrer!

Estou em Vila Nova de Gaia, telefonou-me o Benjamim Durães a dar-me a funesta notícia... À hora do almoço... Sei que era uma morte anunciada,  mas a família, e sobretudo os amigos,  acabam sempre por ser surpreendidos, s
obretudo  quando se  está mais longe, quando chega o "carteiro da morte".  

Depois  já  não dava para mantermos a ilusão de que ia "correr tudo bem"... Não correu, ele vinha desanimado do hospital de Cascais onde estava a ser tratado. Tornou -se penoso telefonar-lhe. A conversa, "do outro lado da linha", era lacónica e não deixava antever nada de bom. Havia já sinais  de que o sopro da vida se estava a apagar. 

Mesmo assim, a festa que as suas antigas alunas (as suas "almas" ou "almas peregrinas",) do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa lhe fizeram, no seu último aniversário (6/11/2021) deixaram-no extremamente emocionado. "Chorei", confessou-me ele, nesse dia, já ao fim da tarde (***).

2. O nosso blogue deve-lhe muito. Foi um dos nossos históricos. Colaborador permanente, e sobretudo autor de uma série absolutamente "impagável", as "estórias cabrialianas" (, de que publicou em 2020, em livro, com o mesmo título, o 1.º volume, sonhando ainda  lançar um 2.º, quando entretanto o seu editor também adoeceu de cancro...). Fiz questão de lhe escrever o prefácio, gesto que o sensibilizou.

Tem cerca de 230 referências no blogue. E eu não hesito em dizer, como já aqui disse, que ele foi uma das estrelas da nossa Tabanca Grande.  

Escrevo "a quente", quase em cima do joelho... Vou a caminho de Candoz, onde a Net nem sempre se apanha com qualidade e velocidade... Mas quero fazer-lhe, por estes dias,  uma bonita homenagem de despedida no blogue. Como acontece nestas ocasiões, quando se perde alguém que muito se ama ou se estima, queria dizer-lhe tantas coisas que nunca há tempo, em vida, para se dizer...

Confesso que estou desolado, perdi/perdemos um bom amigo e camarada. Não creio que ele tivesse inimigos. Por onde passou deixou a "peugada" de um grande ser humano, um homem bom, um professor venerado e sobretudo amado. Ao seu filho, neto e irmão (que não conheço pessoalmente), aos seus amigos e amigas do peito, às suas "almas",  transmito a nossa dor e o nosso preito de homenagem.

Aos nossos leitores, e nomeadamente aos amigos e camaradas da Guiné, peço que nos mandem fotos e pequenos depoimentos sobre o Jorge Cabral, criador da figura do "alfero Cabral". Com ele, morreu também o nosso "alfero", o único, o inimitável, cujo voz ainda ecoa pelos matos do Cuor: "Não fujam não tenho medo... É o alfero Cabral... E Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"...

De resto, ele nunca escondeu que tinha um "grãozinho de loucura", coisa que fazia parte dos genes dos ilustres Cabrais, mas sempre modesto, definia-se como simples "escrivinhador"...  Pessoalmente, considerei-o como um dos melhores escritores do "teatro do absurdo da guerra" que nos calhou em sorte. Ninguém poderá falar do nosso quotidiano, nos quartéis do mato, na Guiné, de 1961 a 1974, sem evocar a figura do "alfero Cabral".

Mais do que ninguém ele soube dar-nos (ou devolver-nos) o seu/nosso lado mais solar, alegre, romântico, maroto, brejeiro, provocador, irreverente, desconcertante, descomplexado, histriónico, humorístico, burlesco, pícaresco, saudavelmente louco, da nossa geração,  o lado próprio próprio dos verdes anos (contrabalançando o outro lado mais negro da nossa história de vida,  quando os gerontocratas da Pátria nos mandaram para a guerra: afinal, são jovens que matam e morrem nas guerras)... 

Enfim, para o "alfero Cabral" a guerra não foi só "sangue, suor e lágrimas"... (Curiosamente, poucos sabem que ele tinha passado, se bem que efemeramente,  também pelo Colégio Militar, foi uma das "ratas" de 1955...).

Mestre do microconto, da "short story", senhor de uma ironia fina, foi responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. E, como eu já lembrei, é pena que os os "periquitos" da Tabanca Grande, os que entraram mais recentemente,  não o conhecessem. De facto,  de há meia dúzia de anos a esta parte, tinham vindo tinho a  rarear as "estórias cabralianas",  série que chegou quase à centena de postes.

Saibamos honrar a sua memória e o seu talento... Ele iluminou a nossa "caserna" com o seu humor desconcertante... Vamos sentir a sua falta.  

Luís Graça, em nome da nossa equipa de editores e colaboradores.
 ___________

(**) Vd. poste de 16 de outubro de 2007 > Guiné 63774 - P2180: Blogpoesia (5): O vigésimo sexto aniversário de um gajo nada sério, Missirá, 6 de Novembro de 1970 (Jorge Cabral)

(...) Aniversário

por Jorge Cabral

Vinte e seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos,
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda – prisioneiro
Bebo, fingindo em alegria, a Dor.

Hoje faço anos… e continuo inteiro.

Missirá, 6 de Nov. 1970 (...)

34 comentários:

Anónimo disse...

Até já Jorge

Só agora me dei conta que já partiste para outra "aventura".

Quero lembrar as muitas histórias que nos fomos contado mutuamente, mas sobretudo o teu humor tão especial, a tua alegria de viver, a tua amizade franca e sincera.

Percorremos caminhos idênticos pela "nossa" Guiné e muito conversámos sobre isso.

És um homem bom, Jorge, e os homens bons deixam sempre um vazio que só é preenchido pela gratidão de os ter conhecido.

E eu estou muito grato por te ter conhecido e contigo ter recordado tanta coisa, até um pequeno laço familiar que nos ligava.

Este ano, mesmo antes de fechar ainda me leva mais um amigo.

Até já camarigo!

Até já Jorge!

Joaquim Mexia Alves

paulo santiago disse...

Tinha uma especial ligação ao Cabral,talvez por ambos estarmos ligados a Pelotões de Caçadores Nativos.
Via tlm,fui-o acompanhando nestes meses,e ía-me falando do tormento da doença.No início,havia momentos,fugazes,em que ainda lhe saía uma piada,mas esses momentos acabaram.Nos primeiros dias de Novembro,liguei-lhe a convidá-lo para um almoço no restaurante "Estrela do Bico" em Massamá.Eu,ele,o Armando Pires,o Matos Gomes,já tínhamos ido lá umas quatro vezes,era mais uma.Disse-me que não. Na passada 5ª feira,telefonei,senti que se estava a apagar,fiquei deprimido.
Descansa em paz,Jorge Cabral.

P.Santiago

Nota-o restaurante que menciono é do filho do Ten Cor. Polidoro Monteiro ao qual,o Cabral,o Armando e eu tivemos ligação na Guiné.

Anónimo disse...

Todos os dias a roda vai andando. Agora foi o Cabral.

V. Briote
_____________

Valdemar Silva disse...

E assim a vida, mas quem esteve na guerra da Guiné bem merecia estar por cá mais uns aninhos.
O alfero Cabral esteve na guerra da Guiné e também se encontrou com Prometeu no Jardim Constantino, local que eu bem conheci quando em criança mudei do Minho para Lisboa.
Mas o alfero Cabral não furtou o fogo divino e nem sequer arranjou planos ardilosos para enganar os deuses olímpicos. O alfero Cabral apenas nos fazia rir com o seu grande sentido de humor nas "Estórias cabralianas".
Não o conheci pessoalmente.

Sentidos pêsames
Valdemar Queiroz

Antonio Marques Lopes disse...

Saudades de ti, do teu espírito. Mas lá nos encontraremos (onde não sei).


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cheguei a Candoz e felizmente consigo vir aqui e já li os comentários anteriores que me sensibilizaram. Espero bem que apareçam mais. O Cabral bem merece um último adeus, mesmo daqueles que não o conheceram pessoalmente.

Zé Manel Cancela disse...

Até qualquer dia,Alfero Cabral.
Vamos ter saudades das tuas histórias.....

PILAO2511966 disse...

Deste Alf. de Angola, que se sente pesaroso. Nunca nos relaciona-mos bem, mas, de-mos uns bacalhaus, 2 ou 3 vezes no 10 de Junho em Belém. Seguia-te nos "post" em barrigadas de riso, fazias-me lembrar um camarada Peruano do meu tempo na Legião que se finou, também cedo demais, no Tchad.
Sit Tibi Terra Levis camarada.

Hélder Valério disse...

Nestes tempos mais próximos a "ceifa" tem sido pródiga.
Muitos dos nossos amigos e conhecidos tem partido.
Alguns da "doença da moda", outros por via do que se convencionou "doença prolongada", "doença incurável", etc.
O que é certo é que, por força de fatores que nem sempre se explicam, acabamos por interagir mais com uns do que com outros, desses amigos que nos vão deixando.
Do Jorge Cabral as suas características são tantas e tão diversas, como o Luís descreveu no artigo, que é difícil não nos identificarmos com várias delas.
Recordo alguns momentos que passei com ele, conversando como ele sabia fazer e cimentando a amizade.
Sei que este "destino" é o que nos está reservado também, mas sempre custa saber dele.
O melhor que se pode fazer é lembrar o Jorge nas suas múltiplas facetas, valorizar o bom e honrar a sua memória.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Não tive o grato prazer de te conhecer, meu caro Cabral, mas sinto a tua partida como de alguém que me fosse muito próximo. Não sei como explicar. Talvez a explicação esteja no facto de me deliciar com as partes do livro que li no blogue. O humor alcança mais longe…
Joaquim Costa

Mário Migueis disse...


Não sabia da gravidade do estado de saúde do Jorge Cabral. Convenci-me de que, após a intervenção cirúrgica, estava a caminho da recuperação. Fico com muita pena pela sua partida, para mim inesperada.
Restar-me-á, agora, a recordação da sua imagem e do seu enorme talento.
Mário Migueis

antonio graça de abreu disse...

Falei com o Jorge Cabral há uns quinze dias atrás. Pelo telefone, a voz titubeante, o desânimo, nada anunciavam de bom. Descansa em paz, meu Amigo.
Recordo um encontro a três, no Maxime, em Lisboa, há uns sete ou oito anos. Luís Graça, o Jorge Cabral e eu. Tocava a banda do João Graça, filho do Luís. O entretenimento pleno. Numa mesa ao nosso lado sentava-se a Soraya Chaves e recordo o entusiasmo do Jorge Cabral com a moçoila, então mais jovem e em ascensão. "Que mulher, que mulher!"
Um dia acabam todos os prazeres da vida. Se existe Céu, tenho a certeza que o Jorge Cabral, já se hospedou por lá, numa nuvem cintilante. Bem merece.
Saudade, meu Amigo.

António Graça de Abreu

João Carlos Silva disse...

Quando me juntei a todos vós por via deste blogue, lembro-me bem de seguir com prazer as “Estórias Cabralianas”. Lamento muito esta triste notícia.
Sentidos pêsames aos familiares e amigos e que o Jorge Cabral descanse em Paz.

Carlos Vinhal disse...

Serão poucas as pessoas que conseguem a unanimidade.
O Jorge Cabral é sem dúvida uma dessas pessoas. Afável, calmo, bem-humorado e, na boca, quase sempre, um desconcertante discurso. Para ele, tudo e nada eram pretextos para fazer graça simples e nunca ofensiva.
Quem segue o facebook apercebe-se facilmente da sua popularidade entre os antigos alunos, principalmente entre as alunas, não por ser engraçado mas por ter graça e por também ser uma “alma”, a Alma Mater de todas as Almas que o conheceram, lhe passaram pela vida e que lhe estão gratas.
Entre nós, aqui no Blogue, foi sem dúvida um dos melhores. Perdemos mais um amigo especial. Palavras circunstanciais mas que com ele têm todo o cabimento. Quantas vezes se terá rido de nós quando nos “zangamos” por coisas insignificantes, quando na vida o que conta é a amizade e a camaradagem.
Lá para onde foi, e para onde iremos todos, estará já a provocar o caos, tirando do sério até aquelas almas mais circunspectas, com as suas estórias cabralianas.
Até sempre, Jorge Cabral.
À família enlutada deixo o meu sentido pesar pela perda do seu ente querido.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Anónimo disse...

Tinha sido um dia bom para mim: tinha acordado duma anestesia depois duma pequena cirurgia num hospital em Nova Iorque; e logo depois tinha sido informado que tudo tinha corrido bem e podia voltar para casa no mesmo dia.
Voltei contente e feliz mas só ao fim do dia me senti com forças para abrir o computador para, nos três departamentos que visito todos os dias== correio digital, blogue Luís Graça e camaradas da Guiné e pois a CNN=== me inteirar das últimas notícias.
Mas logo deparei com a notícia da morte do nosso camarada, numa mensagem do Luís Graça: <>
Que balde de água fria! Pouco sabia dele antes de ler o seu livro que através dum amigo consegui receber aqui . Mas a partir daí nunca mais deixava de ler no blogue as suas façanhas que > no dizer de Luís Graça, mas que eram sempre todas tão humanas, por vezes evidenciando um grande coração. Quantos de nós nos lembramos durante as nossas férias na metrópole de fazer ou trazer connosco algo para os nossos amigos/as guineenses? Pois o nosso Cabral nao hesitou em comprar e levar dúzias de “corpinhos” para as bajudas das tabancas onde estava estacionado…
Lembro-me de ao ler isto ter partido a cuca a rir, para logo dizer com os meus botões: "mas ele pelo menos lembrou-se de fazer alguma coisa… coisa que nunca me passou pela cabeça!”
As suas “ Estórias Cabralianas” foram/eram de grande interesse para mim pois que muitas delas se tinham passado em Missirá e outros lugares onde alguns anos antes dele eu tinha vivido a minha experiência na Guiné. E isso de alguma maneira fazia dele "um camarada especial”!
Parei tudo, e com tristeza e saudade dei largas à minha memória e imaginação; passados minutos sabendo que naquele momento muitos dos meus camaradas estariam também sentindo a sua partida , associei-me a todos esses camaradas , crentes ou não, da maneira que eu como crente encontrei a melhor, encomendando-o ao Senhor. Mas fazia-o também em agradecimento, lembrando os muitos e bons momentos e alegrias que o nosso Cabral soube proporcionar aqueles que o conheceram ou dele ouviram falar.
João Crisóstomo, Nova Iorque

José Marcelino Martins disse...

É sempre assim.
Sabemos que vai acontecer, só não sabemos quando.
E por mais que queiramos, nunca estamos preparados.
Até um dia!

Anónimo disse...



Alfero Cabral partiste antes do tempo mas a morte não espera. Para todos nós partiste cedo, neste tempo cinzento de inverno e pandemia, queríamos mais crónicas tuas para alegrar os dias. Acredito que foste feliz, enquanto a doença não te minou a saúde, tinhas razões para isso, Professor distinto com um óptimo percurso profissional, mestre do humor, com muito talento, o êxito da tua escrita não deixava ninguém indiferente. Foste amado pelas bajudas da Guiné e pelas tuas alunas, foste estimado e admirado pelos homens, teus camaradas e amigos. Tiveste uma vida cheia, na hora da despedida quero dar-te os meus parabéns, embora cedo demais.
A tua recordação perdurará para sempre entre todos os que te leram e conheceram.
Sentidos pêsames a toda a família e amigos.

Francisco Baptista

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Peço, desculpa, o Jorge tinha 77 anos feitos em 6/11/2021. Nasceu portanto em 1944 (e não em 1945, como inicialmente indiquei), tal como o nosso querido Torcato Mendonça, que, também ele, nos deixou neste maldito ano de 2021.

Fui recuperar um poste, já muito antigo, de 2007, em que o Cabral publicou um poema, datado de Missirá, 6 de novembro de 1970, data em que fazia 26 anos, e de que lhe fora enviada uma cópia por um "camarada de pelotão", com a seguinte nota:

(...) "Escreveu-me um Camarada do Pelotão insurgindo-se contra este 'consertador de catotas, engatatão de bajudas, anfitrião da putaria, oferente de soutiens, e pai de todos os meninos da Tabanca', dizendo para eu escrever 'à séria'. E, surpresa das surpresas, manda-me um Poema que eu fiz, no dia do meu vigésimo sexto aniversário. É este, que ora te envio. Garanti-lhe que estou reformado das bajudas e que não me tem aparecido nenhuma 'catota' para consertar, embora pense não ter perdido o jeito…

"Grande Abraço

P.S. - Conta com este gajo 'nada sério', sexta-feira no Cinema [ Tínhamos encontro marcado na Culturgest, no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, para a estreia do filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, "As Duas Faces da Guerra", dia 19 de Outubro, às 23h, no Grande Auditório...]

(...) Aniversário

por Jorge Cabral

Vinte e seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos,
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda – prisioneiro
Bebo, fingindo em alegria, a Dor.

Hoje faço anos… e continuo inteiro.

Missirá, 6 de Nov. 1970


... E eu comentei:

"Jorge Cabral, que as circunstâncias obrigaram a ser comandante de um pelotão de caçadores nativos e chefe de tabanca, malgré-lui - entre muitos outros papéis sociais - foi talvez aquele de nós, milicianos, que nunca se levou a sério... Acho que isso o ajudou muito a manter em equilíbrio dinâmico a sua saúde mental... Talvez um dia alguém o eleja como case study das técnicas de sobrevivência em teatro de guerra...

16 DE OUTUBRO DE 2007
Guiné 63774 - P2180: Blogpoesia (5): O vigésimo sexto aniversário de um gajo nada sério, Missirá, 6 de Novembro de 1970 (Jorge Cabral)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/10/guin-63774-p2180-blogpoesia-5-o-vigsimo.html

Mário Beja Santos disse...

Meus estimados confrades, quando cheguei a Bambadinca, em agosto de 1968, o Pel Caç Nat 63 era comandado pelo Almeida, fazia a intervenção, o mesmo é dizer toda a serventia, que será reservada ao Pel Caç Nat 52 a partir de novembro de 1969. O Almeida partiu e veio o Jorge, recebi a notícia através do 1º cabo Nhaga Macque: "Chegou novo alfero para o 63, como eu também fuma canhoto". Se Nhaga fumava cachimbo, a novidade trazida pelo novo alfero era um cachimbo digno de Sherlock Holmes, recurvado, sempre encostado no lado direito, seguro por mão sólida, mesmo quando o nosso alfero estava em dia de chalacear, já que ele era bem parcimonioso. Vivíamos desencontrados, eu venho para Bambadinca e ele parte para Fá, irá substituir o Pel Caç Nat 54 em Missirá, manteve-se a distância, os encontros esporádicos eram sobretudo operações no Xime, houve mesmo um patrulhamento conjunto, ele do lado do Cuor e o Pel Caç Nat 52 a percorrer Mero, tabanca em duplo controlo. E tínhamos o ritual dos encontros do BCaç 2852, era a nossa unidade comum. Trocámos picardia quando visitei a Guiné, em 2010, ele pediu-me se eu visitava Finete e apurava quanto lhe custaria uma morança com chão cimentado e ligação à casa-de-banho e cozinha. Se ele pensava que a pilhéria ficava impune, enganou-se. Fui falar em Finete com o senhor Biloche, construtor conceituado, apresentou-me um projeto com os requisitos necessários, entreguei-lhe o documento na Rua Passos Manuel, era o nosso ponto de encontro, tinha ali escritório e eu visitava a livraria Assírio, riu-se a valer do meu trabalho e agradeceu-me outra incumbência, trouxe-lhe a relação de todos os seus homens, fotografei o autor dessa relação, está tudo publicado no blogue, sei como ele se comoveu imenso. Escuso de referir o que ele me disse ao telefone, tinha poucas ilusões sobre o seu combate, era uma comunicação lancinante. Além de um camarada, perco um companheiro de lides em locais onde passámos perigos e num tempo em que nos fizemos homens. Estou a vê-lo à entrada do céu a pedir licença a S. Pedro e este, bem risonho, a dizer: "Entra, Jorge, tu não precisas de pedir licença, tanta foi a bonomia que deixaste lá em baixo". Saudações para todos, Mário

Alberto Branquinho disse...


Jorge,

Não há nada que mais doa a quem escreve do que não ser publicado (em livro, pois que aqui, neste blogue, estão todas).
Vou tentar contactar o teu filho (através do meu irmão) para ver se (com tempo) consegue localizar a "estrutura" que terias preparada para a publicação da segunda parte das "Estórias Cabralianas". A doença e a morte não te deixaram tempo para isso. E a pandemia também complicou. Veremos.

Adeus.
Alberto Branquinho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Camaradas e amigos, caros/as leitores/as: prometo fazer uma antologia (e republicar) algumas das melhores "estórias cabralianas" publicadas no blogue (e parcialmente em livro)... Em homenagem ao talento do Jorge Cabral, e sobretudo à sua grande humanidade, e à amizade e à camaradagem com que nos honrou e privilegiou em vida... Custa muito a aceitar a brutal realidade da morte dos homens bons e das pessoas especiais...

Subscrevo, inteiramente, o que, entre outros, aqui escreveu o nosso sempre generoso e incansável companheiro e camarada Carlos Vinhal:

(...) "Serão poucas as pessoas que conseguem a unanimidade. O Jorge Cabral é sem dúvida uma dessas pessoas. Afável, calmo, bem-humorado e, na boca, quase sempre, um desconcertante discurso. Para ele, tudo e nada eram pretextos para fazer graça simples e nunca ofensiva. (...) Entre nós, aqui no Blogue, foi sem dúvida um dos melhores. Perdemos mais um amigo especial. Palavras circunstanciais mas que com ele têm todo o cabimento. Quantas vezes se terá rido de nós quando nos 'zangamos' por coisas insignificantes, quando na vida o que conta é a amizade e a camaradagem." (...)

admor disse...

Morreu o Jorge Cabral, mas "Cabral só há um o de Missirá e mais nenhum". Esta frase em mim nunca morrerá enquanto eu viver.
Tenho muita pena de nunca ter conhecido pessoalmente o nosso Alfero.
Será sempre lembrado por nós e pelos melhores motivos.
Descansa em paz Camarigo e até um dia onde quer que seja, havemos de nos encontrar.

Adriano Moreira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Alberto Branquinho, mano do António Branquinho, furriel mil do Pel Caç Nat 63:

Infelizmente, o seu editor, o José Almendra, adoeceu também, de cancro, e nem sei se está vivo. Não conheço ninguém da família, sei que tinha um filho (que o "obrigou", para sua segurança, a sair do apartamento do Campo Grande, para outro no Monte Estoril, mais perto de si...), um neto e um irmão, mais novo, economista ou engenheiro-agrónomo (não sei ao certo), de quem ele falava com ternura...

Foi sempre reservado, o Cabral, nunca ou raramente me falava da família ou dele próprio... Teve um grande desgosto, isso, sim, quando "perdeu" o escritório de advogado, que era a sua "morança", o seu refúgio, e onde deverá ter escrito a maior parte das suas "estórias cabralianas"...

Branquinho, vês se consegues desencantar o "manuscrito" do 2º volume...Escreves-lhe o prefácio e o filho, por certo, arranjará maneira de lhe encontrar uma boa editora... Sei que o filho é fiscalista famoso, tendo inclusive exercido funções governamentais, como Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ou coisa parecida.

Mantenhas. Boa saúde para ti e um melhor ano para todos. Luís

J. Armando Almeida disse...

Profundamente desolado com esta notícia, se bem que, infelizmente, já esperada.

Tive, como muitos de nós, o privilégio de o ter conhecido,com ele convivido e de contar com a sua amizade.

Um abraço sentido a todos os seus familiares e amigos.

Até breve, Alfero!

J. Armando Almeida

José Botelho Colaço disse...

Alfero Cabral de quem tive o grato prazer de conhecer, conviver e ser amigo desta Alma, nos comentários seja no Blogue no facebook nos sites todos são unanemes em descrever o ser humano que era Jorge Almeida Cabral, por esse motivo carece por defeito tudo o que possa dizer de bem sobre o Sr. Jorge Cabral. Um até logo amigo como dizem lá na minha terra.Colaço.

José Teixeira disse...

Conheci o Jorge Cabral pelas suas estórias cabralianas que ao longo do tempo foi escrevendo no nosso Blogue. Estórias que faziam rir ás bandeiras despregadas ao mesmo tempo que me punham ma pensar. Espelhavam o estado de espirito de alguém que vivia livre como um passarinho, mas atento às realidades e sobretudo uma pessoa aberta, atenta e disponível. Não havia barreiras que não ultrapassasse, mas era uma porta aberta. Que o digam os seus alunos e alunas.
Tive a grata oportunidade de o encontra no lançamento do Livro "Pai Tiveste medo" da Catarina Gomes e pudemos conversar um pouco. Adorei aqueles breves momentos porque pude confirmar a imagem que tinha dele.
A humanidade perde um grande valor. Um Homem bom que se escondia atrás do seu cachimbo.
Ao filho e demais família os mais profundos sentimentos de pesar.

José teixeira

Anónimo disse...

Jorge

Foi com muita tristeza que tive conhecimento da tua partida, mas desta vez não foi do Cais da Rocha de Conde de Óbidos.
Fica-me a saudade e as recordações dos nossos encontros, bem como, das tuas "Histórias Cabralianas" que muito me fizeram rir até chorar.
Descansa em paz amigo e camarada
As minhas condolências à família enlutada neste momento de dor.

Carlos Silva

Anónimo disse...


Conheci o Jorge Cabral nos Encontros Nacionais onde tivemos algumas trocas de impressões. A sua afabilidade evidenciou-se. Estão descritas a suas qualidades por quem melhor o conheceu. Telefonei-lhe há cerca de três semanas. A forma como falou foi indiciadora da sua "desistência". A lista de sobreviventes está cada vez mais reduzida.
Que descanse em paz.
As minhas condolências à família.
Ernestino Caniço

Alberto Branquinho disse...

Luís

O meu irmão era furriel do pelotão do Jorge Cabral. Se era o Pel. Nat. 63 não sei. Chamavam-se por "irmão", apesar de terem irmãos.
Conheci o pai e a mãe muito superficialmente quando ele ainda morava com os pais.
Conheci a mulher (de quem estava separado ou divorciado) e o filho (que não vejo há muito) há mais de trinta anos.
Creio que o meu irmão terá o contacto do filho, mas não quero falar-lhe disso agora, porque ontem, quando me deu a notícia, estava muito comovido. E virá, para todos, o tempo oportuno.
Ou manuscrito ou, talvez, dactilografado deverá haver um 2º. volume das "Estórias". A tempo verei através do meu irmão, se o filho o encontra, até porque os direitos de autor lhe pertencem. É que o Jorge mudou de casa depois da saída do 1º. volume.

Cumprimentos
Alberto Branquinho

Eduardo Estrela disse...

Partiu o homem fica a memória e a saudade nos nossos corações. " Conheciamo-nos" há pouco tempo pois só me apresentei ao " Alfero " no dia do seu aniversário conforme sugestão e pedido do Luís Graça.
As tropas desmobilizados mas activas
vão a pouco e pouco perdendo efectivos.
Para a família do " Alfero Cabral " as minhas condolências.
Eduardo Estrela

Patricio Ribeiro disse...

Amigos
Quando no blogue se publicavam artigos do Jorge Cabral, eu não os queria perder, sabia que me iria rir do humor do Jorge, das suas conversas sobre a sua tabanca.
Quem teve o privilégio de por lá andar, dará maior sentido à sua escrita.

Todos nós agora, andamos no fio da navalha, mas já não são as minas da picada, são as da vida…
Abraço,

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Condolências

Anónimo disse...

Nada mais nem melhor posso dizer, para além daquilo que muito justamente foi referido pelos camaradas que me precederam, evocando a memória do nosso grande camarada Jorge Cabral. Uma única vez tive o privilégio de trocar com ele algumas palavras, numa circunstância em que o rodeavam inúmeros camaradas ávido da delícia das suas finas tiradas jocosas. Nunca mais se proporcionou qualquer outro reencontro, mas as suas criativas curtas estórias, amplamente divulgadas neste muito valioso blog, tornaram-no conhecido e apreciado por todos os combatentes, em quem deixou uma marca imperecível do seu fino humor e do seu grande caracter. Enquanto ainda vivo, deixo aqui o meu testemunho de muito apreço e estima por este combatente de grande categoria e à família a minha comunhão com a sua dor.

Carvalho de Mampatá

Juvenal Amado disse...

Esta é uma notícia que nos arrasa sempre. Partiu mais camarada.o nosso Jorge Cabral era um fenômeno social e camaradagem . Vamos sentir a sua falta aqui no blogue, nos encontros, no Facebook onde as suas publicações eram de estilo inconfundível e muito apreciadas. Falei com ele no fim do mês de novembro sobre pretexto que me autografasse o seu livro. Ficou combinado para dezembro. Telefonei-lhe á dois dias , já não atendeu. Deixa saudade. Descanse em paz.