Querido Amigo!
Obrigado pela tua preocupação. Estou vivo, mas cada vez mais à margem deste tempo, no qual passámos de cidadãos a hiper-consumidores. Quem me dera voltar à minha Tabanca…
Pelos vistos, a fome deu em fartura. Teremos Guerra todos os dias (1). Oxalá, não se exagere. Por mim já tive a minha dose…
Escreveu-me um Camarada do Pelotão insurgindo-se contra este "consertador de catotas, engatatão de bajudas, anfitrião da putaria, oferente de soutiens, e pai de todos os meninos da Tabanca", dizendo para eu escrever "à séria". E, surpresa das surpresas, manda-me um Poema que eu fiz, no dia do meu vigésimo sexto aniversário. É este, que ora te envio. Garanti-lhe que estou reformado das bajudas e que não me tem aparecido nenhuma "catota" para consertar, embora pense não ter perdido o jeito…
Grande Abraço
P.S.: Conta com este gajo "nada sério", sexta-feira no Cinema (2).
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Aniversário
por Jorge Cabral
Vinte e seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos,
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda – prisioneiro
Bebo, fingindo em alegria, a Dor.
Hoje faço anos… e continuo inteiro.
Missirá, 6 de Nov. 1970
2. Comentário dos editores:
O Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. É autor da série Estórias Cabralianas (3), cuja publicação no nosso blogue já vem do princípio de 2006. É preciso (re)ler estas estórias para se perceber o que o Jorge Cabral quer dizer quando diz que é um gajo nada sério... Não tomem isso à letra...
Jorge Cabral, hoje jurista e professor universitário, não é mais o mesmo Cabral que nós conhecemos em Fá Mandinga, Bambadinca e Missirá, entre 1969 e 1971... O slogan mais célebre da guerra no leste foi justamente o seu célebre grito de guerra, iconoclasta e provocador, típico de um homem do non-sense, de um actor do teatro do absurdo: Cabral, só há um, o de Missirá e mais nenhum!
Jorge Cabral, que as circunstâncias obrigaram a ser comandante de um pelotão de caçadores nativos e chefe de tabanca, malgré-lui - entre muitos outros papéis sociais - foi talvez aquele de nós, milicianos, que nunca se levou a sério... Acho que isso o ajudou muito a manter em equilíbrio dinâmico a sua saúde mental... Talvez um dia alguém o eleja como case study das técnicas de sobrevivência em teatro de guerra... (LG).
_______Notas dos editores.:
(1) Possível referência à série de documentários, A Guerra, que estreia amanhã, dia 16 de Outubro de 2007, na RTP1, às 21h00. Argumento: Joaquim Furtado. Sinopse Geral:
Moçambique…Angola…Guiné…Até onde nos levou a Guerra Colonial. Recorrendo a imagens de arquivo nunca antes vistas, esta é uma página da nossa história com muito por revelar.Mais de três décadas depois, Joaquim Furtado foi ao terreno ouvir os dois lados do conflito.Na primeira pessoa, o relato fiel dos acontecimentos.Os traumas que não se esquecem, as feridas físicas e psicológicas que teimam em não sarar. (Fonte: RTP 1).
(2) Temos encontro marcado na Culturgest, no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, Rua Arco do Cego (vd. localização), para a estreia do filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, "As Duas Faces da Guerra", dia 19 de Outubro, às 23h, no Grande Auditório (cerca de 650 lugares)...
Quem quiser e puder chegar mais cedo, lá estarei à entrada da portaria ou no hall do Grande Auditório, por volta das 22 horas, para dois dedos de conversa... Há 15 convites para os amigos e camaradas da Guiné, por gentileza da co-realizadora Diana Andringa...
Além de mim, Luís Graça, e do Jorge Cabral, conto com mais alguns camaradas que já manifestaram a intenção de vir: o Mário Fitas, o Gabriel Gonçalves, o Luís R. Moreira, o José Martins, o Vitor Alves (ex-Fur Mil Vaguemestre da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/73, que vem de Santarém com mais amigos, prescindindo por isso do convite)... O Paulo Santiago também gostaria de poder vir, embora more longe (Águeda)... O Virgínio Briote prefere ir à sessão de 2ª feira, no Cinema Londres... O Humberto Reis, idem aspas, embora admita poder vir no dia 19. Contactem-me, se for necessário: Telemóvel > 93 281 0872. (LG)
(3) Vd. lista (re)ordenada das Estórias Cabralianas:
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba
13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)
18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)
0 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)
24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)
12 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1752: Estórias cabralianas (22): Alfa, o fula alfacinha (Jorge Cabral)
5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)
19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)
29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)
27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)
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