1. Mensagem de 10 de Outubro de 2007 do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada (1968/70)
Ainda acerca do texto do Idálio Reis (1).
Numa das fotos estão 28 minas que foram levantadas no dia 4 de Maio de 1969, conforme texto que escrevi no Meu Diário, que anexo.
As Companhias Operacionais estavam desfalcadas devido a mortes e evacuações ao que se aliava o cansaço provocado pelo desgate do trabalho diário, saídas em contínuo para a estrada e patrulhamentos, o que originava baixas constantes. Então desenvolvíamos acções em conjunto.
Na coluna deste dia, havia pelotões da minha Companhia e da 2317 no terreno.
Creio que também a 2382 esteve envolvida com a montagem de uma emboscada na zona onde normalmente havia festa ou seja a Bolanha dos Passarinhos. O ataque deu-se um pouco atrás num local conhecido pela Curva do Vilaça (*).
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Fotos: © José Teixeira (2007). Direitos reservados
2. Texto do meu diário
por José Teixeira
Buba, 5 de Maio de 1969
Outro domingo inesquecível. Foi o Miguel como poderia ter sido outro.
Pisou uma anti-pessoal, ficando sem o pé esquerdo e com a perna toda esfacelada.
Saíram de madrugada com destino a Nhala para levar mantimentos.
Depois da Curva do Vilaça (*) detectaram-se três minas anti-pessoais. Os nossos homens puseram-se em posição de defesa e o Sapador preparou-se para as levantar, quando o Miguel se decide avançar um pouco e pisa uma terceira que estava dissimulada junto a um tronco de palmeira.
O IN que estava emboscado no local a assistir ao levantamento, abriu fogo de imediato, mas nada mais aconteceu de grave.
Rapidamente assistido pelo Catarino, debaixo de fogo, o Miguel foi transportado em seguida para Buba de onde o héli o levou até Bissau, enquanto a coluna seguiu o seu destino.
Foram detectadas mais duas minas e uma armadilha com arame de tropeçar, e um cemitério (em cenário) com pedidos para voltarmos para a Metrópole, deixando o povo da Guiné gerir o seu destino. As ameaças de morte, de que o falso cemitério era exemplo, era o que nos esperava se continuassemos a fazer guerra. A Companhia 2317 ficou no local a levantar um campo de 38 minas anti-pessoais.
No dia sete contava partir para a Metrópole em gozo de férias, pois tinha arranjado maneira de ludibriar o Comandante com a ajuda do Alferes Barbosa. Também não era a minha vez de sair, pois tinha regressado no dia anterior à noite de uma patrulha, de um dia, pela área onde se deu a emboscada.
Como o Catarino ia ficar sozinho no Destacamento, ofereci-me para fazer esta coluna. Preparei-me, mas à última da hora lembrei-me que "voluntário na tropa, só para comer ". Pedi desculpa ao Catarino e ele teve de avançar, compreendendo como sempre a minha posição.
Uma hora depois da sua partida sentimos o chocolate a cair e pensei:
- Escapei de boa.
Acompanhámos via rádio a situação e pouco depois chega a viatura com o ferido que assisti, até chegar o héli.
A situação do Miguel e a sua reacção chocou-me muito. Parece que não tinha dores apesar de estar sem um pé e garrotado abaixo do joelho. Só gritava agarrado à fotografia da namorada:
- Já não posso casar.
Pegou numa estampa de Nossa Senhora e disse:
- Nem Tu me salvaste.
No regresso da coluna os colegas contaram que quando se detectaram as minas, houve ordem, como de costume para se baixarem e ficarem em posição de fogo. O Miguel levantou-se e disse que ia ver o que se passava, começando a caminhar em cima do tronco de palmeira. Quando chegou ao topo e pôs o pé em terra, tinha a mina à sua espera. Um descuido que ficou caro.
O Catarino portou-se como um herói, secundado pelo Valente, pois arrancaram debaixo de fogo para junto do Miguel, correndo o risco duplo de serem atingidos pelas balas inimigas ou por alguma mina que pudesse lá estar. Foram encontradas no local 41 minas.
Disseram os meus colegas que o IN formou com terra, campas de mortos, no local da armadilha para os intimidar com frases do género "Branco vai para a tua terra".
J.Teixeira
(*) Nome do Furriel que comandava o Pelotão de Engenharia, que para fugir a uma linha de água que condicionava o trajecto, fez um pequeno desvio, não previsto no mapa. Daí o nome Curva do Vilaça.
______________
Nota de CV:
(1) Vd. Post de 10 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (FIM)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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