sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Guné 61/74 - P22944: Memória dos lugares (435): Missirá, regulado do Cuor, Sector L1 (Bambadinca), 23 de dezembro de 1966 (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)

Foto nº 1

Foto nº 2

Foto nº 3



Foto nº 3A

Foto nº 4



Foto nº 4 A

Foto nº 5


Foto nº 5A


Fpoto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 7A


Foto nº 8


Foto nº 8A


Foto nº 9



Foto nº 9A


Foto nº 10


Foto nº 10A


Foto nº 11



Foto nº 11A



Foto nº 11B


Foto nº 12


Foto nº 12A


Foto nº 13


Foto nº 13A


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadic«nca) > Missirá > CCAÇ 1439 /1965/67) e Pel Caç Nat 54 (1966/68) > 23 de dezembro de 1966...  Algumas legendas: 

Foto nº 1: sítio do Unimog, debaixo da 'cabaceira'; 

Foto nº 8 / 8 A: Alguns elementos do Pel Caç Nat 54 e da CCaç 1439, fotografados num cenário de destruição, na sequência do ataque do PAIGC;

Foto nº 9 ( 9 A: alf mil Marchand (Pel Caç Nat 54), comandante do destacamento, a avaliar os estragos do ataque de 22/12/1966, três dias antes da noite de Consoada;

Foto nº 10 /10A: José António Viegas (Pel Caç Nat 54); 

Foto nº 11 / 11A: morança dos furriéis (Pel Caç Nat 54)  alf mil Freitas (CCAÇ 1439), que comandou uma coluna de socorro a partir do Enxalé;   

Foto nº 12 / 12 A: a messe que escapou, por milagre, ao ataque, com balas incendiárias;

Foto nº 13 / 13A: a  morança do comandante do destacamento, que também não foi atingida.

Fotos (e legendas): © José António Viegas (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1.  [ Foto à esquerda:  José António Viegasex-fur mil art, Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vivehoje  em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem meia centena de referências no nosso blogue].

Estas fotos, que acima se reproduzem (de 1 a 13), foram tiradas pelo nosso camarada e amigo José António Viegas, e são reveladoras da violência da guerra em finais de 1966. Neste caso, do ataque do PAIGC ao destacamento e tabanca de Missirá, a norte do rio Geba Estreito, no regulado do Cuor, Sector L1 (Bambadinca), região de Bafatá. zona leste. Foram reproduzidas há muitos anos, na série "Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique  Matos)" (*)

O ataque começou por volta das 22h30 do dia 22 de dezembro de 1966, três dias antes da Consoada. 

O destacamento e a tabanca eram defendidos pelo Pel Caç Nat 54,  comandado pelo alf mil Marchand  (, foto à direita,) e por um pelotão de milícia, comandado pelo alferes de 2ª linha e régulo da tabanca, Malan Soncó.  O destacamento pertencia ao subsector atribuído à CCAÇ 1439, que estava então no Enxalé  (**)

O fur mil Viegas ainda era periquito: tinha partido para o CTIG em rendição individual, em 30/7/1966.  Completaria 25 meses de comissão, tendo regressado a casa em 22/9/1968. 

2. Ele já  descreveu aqui o aconteceu nessa noite (***):

(...) 22 de Dezembro 1966. 22h30 da noite estavam os 3 furriéis conversando á espera do sono, eis que atravessa a palhota uma saraivada de balas incendiárias, tracejantes, explosivas, um pouco acima dos mosquiteiros.

Fui pegar na G3, meio vestido, a caminho do abrigo. A palhota já ardia, no caminho duas morteiradas certeiras entram no depósito de géneros alimentícios, acertando no bidão de óleo e de azeite o que provocou um fogo de artifício.

Já no abrigo ajudo o meu cabo a municiar a MG [42, a célebre metralhadora do exército alemão na II Guerra Mundial], no meio daquele fogacho ele diz que ouve falar espanhol, presume-se que estavam lá Cubanos .

O ataque já ia avançado e as nossas munições escasseando, o único Unimog que tínhamos estava debaixo de um embondeiro [, "cabaceira", em crioulo] e caiam morteiradas junto, com as palhotas na maioria a arder.

Parecia Roma vista de Bambadinca , o condutor da CCAÇ 1439 arranca debaixo de fogo e põe o Unimog a trabalhar para o retirar da zona de fogo. Como ele estava a escape livre, a barulheira foi muita e o IN, pensando que eram reforços, retirou. Este soldado condutor foi condecorado com a cruz  de guerra de 4ª classe. 
[ Soldado, condutor auto, nº 5406064, António dos Santos Campos ].

Tendo ido montar emboscada em Mato Cão, já calculando que a CCAÇ 1439, sediada em Enxalé, viria em nosso socorro, o que aconteceu, e como tal caíram debaixo de fogo, não havendo feridos do nosso lado. Houve um tiro caricato no Furriel Monteirinho, do Pel Caç Nat 52, do Alf Matos [, o açoriano Henrique José de Matos Francisco] , que lhe passou no meio das nádegas deixando somente queimaduras.

Ao nascer do dia, feito o balanço, tivemos dois mortos na população  
[, quatro mortos, segundo relatório da CCAÇ 1439, ] (**)   e alguns feridos ligeiros e muitas palhotas destruídas, alguns de nós ficaram só com a roupa que tínhamos no corpo.

Aproximava-se a véspera de Natal, e para o rancho pouco havia... O meu cabo nativo Ananias Pereira Fernandes sugeriu que ia tentar caçar qualquer coisa e caçou, arranjou óleo de chabéu e arroz e cozinhou uma maravilha que todos na messe gostaram, mas quando chegou a altura de mostrar o troféu, a cabeça do macaco cão, houve quem não aguentasse o estômago... Guardei essa caveira do macaco por anos.

E foi este o primeiro Natal na Guiné do Pel Caç Nat 54. (...) 
 (***)

Num tipo de guerra como  esta ("subversiva", diziam as NT; "de libertação", dizia o PAIGC), não se fazia, de um lado e do outro, uma clara distinção entre alvos civis e alvos militares...A "militarização" (, sistema de autodefesa e formação de milícias, ) do povo fula, aliado tradicional das autoridades portuguesas de então,  teve consequências como estas, com todo o seu cortejo de mortos, feridos, casas incendiadas, víveres destruídos, dor e ódio: muitas tabancas fulas eram atacadas "com fúria e em força", de noite, com armamento pesado e balas incendiárias...  (****)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


15 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excelentes fotos, Viegas. Presumo que foi o teu batismo de fogo, não ? Ab, Luis

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Tenho dificuldades em perceber a motivaçao subjacente a algumas das fotos tiradas nos escombros de casas incendiadas pelo IN, com a malta a desfilar-se como se fosse motivo de alegria ou numa festa, num cenario que mostra, caso fosse necessario, a incapacidade e/ou fraqueza das tropas portuguesas em defender suas posiçoes ou, como gostam de dizer, as populaçoes civis sob a sua proteçao. Tirar fotos so por si nao seria chocante, mas os desfiles eram dispensaveis, acho eu, mas quem sou eu para julgar.

Por outro lado, considero infeliz o ultimo paragrafo do texto que destaca a etnia fula num acontecimento e numa regiao que nao tem nada a ver com a etnia em questao nem respeita, devidamente, a verdade sobre os numeros sobre a africanizaçao da guerra na Guiné quando fala so de fulas, ignorando os outros protagonistas da guerra e sobre uma regiao povoada por outras etnias que nao fulas.

"Num tipo de guerra como esta ("subversiva", diziam as NT; "de libertação", dizia o PAIGC), não se fazia, de um lado e do outro, uma clara distinção entre alvos civis e alvos militares...A "militarização" (, sistema de autodefesa e formação de milícias, ) do povo fula, aliado tradicional das autoridades portuguesas de então, teve consequências como estas, com todo o seu cortejo de mortos, feridos, casas incendiadas, víveres destruídos, dor e ódio: muitas tabancas fulas eram atacadas "com fúria e em força", de noite, com armamento pesado e balas incendiárias".

Na realidade, os numeros sobre a africanizaçao da guerra sao outros e incluem todos os grupos da populaçao guineense, incluindo voluntarios da zona urbana de varias origens, como se mostra no quadro em baixo.

ETNIA CCAC_NATIVOS DATA FORMACAO
Fula: 11-12-18-21 1969/72
Balanta: 13-15-17 1969/72
Mandinga: 14-19 1970/72
Manjaca: 6 1970/72
Mistas: 4-20 1967/69/73

Em todos os momentos e circunstancias, é importante pautarmos sempre pela verdade historica e nao distorcer os factos.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé


Candido Cunha p disse...

Amigo Cherno Baldé . Tinha-mos 20 anos .Também agora não gostei dos "desfiles " nos escomboros ,mas foram há cinquenta anos.Obrigado pelos numeros das outras etnias que eu mesmo desconhecia (CART11/cç11) até ontem, à porta do Mini-Preço ,quando a pretexto de nada meti conversa com um jovem alto,quase meu vizinho (Quinta da Lomba) que me diz para minha surpresa que o pai Balanta fez parte das nossas tropas Abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ó Viegas, deves ter ouvido a malta de Bambadinca dizer que, visto do alto de Bambadinca (, em mandinga, "a cova do lagarto"), o incêndio de Missirá parecia, salvo as devidas proporções, a grande Roma no tempo de Nero...

Bambadinca estava numa cota mais elevada, o que dava para ver e ouvir, à noite, muitos ataques do PAIGC, num raio de muitos quilómetros... e as NT ripostar com a artilharia, nomeadamente.

Faziam-se apostas no meu tempo...Xime ou Porto Gole ? Mansambo ou Xitole ? Taibatá ou Dembataco ? Candamã ou Contabane ?

Humor de caserna, humor negro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, tomei boa nota dos teus reparos e reservas em relação às fotos que, quanto a mim, têm interesse documental, até para mostrar a violência da guerra, que não poupava alvos civis, velhos, mulheres e crianças...

Todas as fotos são "ambíguas",sem legendas, sem contexto... Em relação à foto nº 8, em particular, eu acho que aqueles "putos" apanharam foi um cagaço na noite anterior... Se calhar foi o seu "batismo de fogo"...Mas o Zé Viegas é que pode explicar melhor, ele é que tirou as "chapas"... Mantenhas, Luis.

Anónimo disse...

PS:

Ainda sobre as CCAÇ, as primeiras 4 companhias (3-5-6-20), segundo dados de CECA, consultados por Marques Lopes (CCaç 1690_1967/69), eram mistas e foram formadas antes de 1968.

Cherno AB

Valdemar Silva disse...

Sejas bem aparecido, meu grande amigo Cândido Cunha.
Acho muito natural terem tirado aquelas fotografias, com certeza com a intenção de ficar um registo fotográfico do que aconteceu, como que a testemunhar 'a tabanca ficou assim depois do ataque'.
Havendo mais máquinas fotográficas em todos as tabancas/aquartelamentos com certeza que haveria milhares de imagens como estas de Missirá.
Temos muitas descrições de ataques, emboscadas, minas...guerra, como p.ex. a extraordinária descrição de um ataque feita por Luís Lomba, o que não seria haver um fotógrafo a registar o acontecimento com imagens.
Fotos destas, tenho uma tirada em Canquelifá com a nossa messe destruída por um ataque, que por acaso, a partir do reforço dos nossos "Lacraus" da CART11 pararam os ataques à tabanca.
Não entro na questão de quem era mais amigo dos portugueses se fulas, mandingas, balantas, manjacos, dos papeis não se falava, mas parece que os fulas eram mais nossos amigos.
A propósito do encontro com o jovem alto teu vizinho, filho de pai balanta que fez parte da nossa tropa, eu quando ia ao Pingo-Doce daqui falava com o um jovem Jaló, segurança de serviço, que tinha nascido cá e os pais eram naturais da Guiné. Rapaz de pouca conversa mas com uma observação interessante 'pois essa guerra no tempo colonial' e se a conversa continuasse dizia sempre 'pois no tempo colonial'.
Grande Cunha, extraordinárias fotografias de tua autoria estão publicadas neste nosso blogue, mas já chegou a altura de tu entrares com postes das "Aventuras do Velho Lacrau" ou "Aventuras do cor.mil Lukas Titio" com anexos de muitas das tuas fotografias. Vá lá, ainda só temos 77 aninhos.

Grande abraço, saúde e comprimentos à mãe.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pedi, a meio da tarde, ao Zé Viegas para dar uma vista de olhos a este poste e aos comentários...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/01/gune-6174-p22944-memoria-dos-lugares.html

Queres responder ao Cherno Baldé, que acha que a malta "posou para a fotografia" sob os escombros, o que para ele seria dificilmente "aceitável" =... (Vd. em especial a foto nº 8).

Tu é que tiraste as fotos e deve ter sido, julgo, o teu batismo de fogo este ataque a Missirá... Todas as fotos são "ambíguas", sem legendas, sem contexto... Mas, quanto a mim, estas têm particular interesse documental... daí eu as ter "repescado".

Já agora, qual era a composição étnica: (i) do teu Pel Caç Nat 54; e (ii) das milícias e população de Missirá em 1966 ?...

Outra coisa: o que é feito do Marchand ?

Ab, fica bem, saúde. Luís

Anónimo disse...

José António Viegas (by email)
28 jan 2022 16:39

Caro Cherno Baldé:

Não consigo ver a tua indignação pelas fotos , mas aceito. Aquele foi um período mau da nossa juventude. Tenho visto fotos de arrepiar o que não considero estas.

Caro Luis:

A composição étnica do nosso Pel Caç Nat 54: Era Fulas , Futa Fulas, Mandigas, Papel e um Olof.

O meu baptismo de fogo foi em Setembro de 1966 na zona de Mansabá, nunca me hei de esquecer, eu que era periquito, quando os homens da CCAÇ 1421 fizeram o golpe de mão, a seguir à primeira bazucada... Se não fosse o meu Cabo nativo Ananias, já com experiência de guerra, não sei como me teria safado no meio do fogacho intenso.

Mas o que mais me impressionou foi, depois do assalto, a rapinagem que os soldados nativos e milícias fizeram às palhotas, aquilo eram esteiras, cabeças de máquina de costura... e até cerveja de Angola havia lá.
E eu para os meus botões: "a guerra é isto?"

Em relação ao Marchand, falo várias vezes com ele, já não se consegue movimentar desde que aqui há alguns numa excursão a Petra, na Jordânia, partiu as ancas e pesadão como ele estava nunca mais ficou com conserto .

Um abraço,
Viegas


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, está na altura de publicarmos as fichas de unidade de todas as "companhias de caçadores", ditas "africanas", compostas por quadros e especialistas "metropolitanos", e praças do recrutamento local,desde a 1ª CCAÇ I (que deu origem, em 1967, à CCAÇ 3) até à CCAÇ 21, que teve pouco mais de um ano de vida ( 5 jun 73 / 18 ago 74), e que foi comandada pelo Ten Grad Cmd Abdulai Queta Jamanca...Vários graduados da "minha" CCAÇ 12 transitaram para esta companhia, que era composta só por pessoal da etnia fula...

Mas, tens razão, havia companhias "mistas" ou "multiétnicas" (CCAÇ 20, CCAÇ 14, que tinham mandingas, manjacos felupes, CCAÇ 6, CCAÇ 5, CCAÇ 3), e outras só (ou predominantemente) de "mandingas" (CCAÇ 19), "fulas" (CCAÇ 21, CCAÇ 18, CCAÇ 12, CART 11 / CCAÇ 11), "balantas" (CCAÇ 17, CCAÇ 15, CCAÇ 13), "manjacos" (CCAÇ 16)...

A chamada "nova força africana" é um conceito do "spinolismo", e inclui naturalmente a formação do Batalhão de Comandos Africanos... Foi no CIM Contuboel mas também em Bolama que se começaram a formar essas novas companhias (da CART/CCAÇ 11 à CCAÇ 21)...

Mas sabemos menos dos Pel Caç Nat e das milícias... NO sector L1 (Bambadinca) nunca vi milícias balantas ou sequer soldados balantas... Nem as tabancas balantas (como os Nhabijões) eram atacadas pelo PAIGC...

Concordo contigo: é preciso ter uma visão de conjunto, não generalizar,e ter mais rigor no que se escreve... O Cuor não era, de facto, "chão fula", mas quem sabe isso muito melhor do que eu é o Beja Santos e outros comandantes do Pel Caç Nat 52, que andaram por ali...e nomeadamente em Missirá.

Mantenhas. Luis


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, Viegas e demais comentadores:

Estas imagens, incluindo aquelas em que aparecem militares brancos, quer do Pel Caç Nat 54 (o Viegas, o Marchando, a foto de grupo) quer da CCAÇ 1439 (o Freitas) podem ter leituras diversas e até contraditórias...

Com exclusão da foto nº 10 (grupo em que a malta "parece estar" na galhofa, na brincadeira..., e está!), os rostos dos graduados indiciam preocupação, consternação, apreensão, mas também cansaço e... orgulho. Estão a pensar com os seus botões: "Aguentámos isto, um ataque de 75 minutos, com armas pesadas e balas incendiárias, o nosso bravo 54 e as milícias do Malan Soncó... E, mesmo assim, tivemos sorte, não houve baixas a lamentar entre os defensores, apenas na pobre população civil... Houve bastante estragos materiais, é verdade, mas os gajos podiam ter riscado Missirá do mapa!"...

Anónimo disse...

Meus caros Luis Graça, Cherno Baldé, Candido Cunha e demais bons amigos/ camaradas da Guiné,

Fiquei surpreendido pelos comentários acima sobre estas fotos e outras semelhantes tiradas durante a nossa estadia na Guiné. Custa-me a aceitar ( embora a natureza humana e as personalidades muito diferentes de cada possam explicar muito diferentes reações e atitudes para um mesmo facto) que alguém tivesse feito ou tirado fotos numa atitude menos sombria do que esses momentos impunham. Mesmo que aparentemente essa fotos possam parecer de desfile ou de ocasião de festa. Lamento que tenha dado azo a tais muito subjectivas impressões.
Não posso falar por outros, mas quero crer que no respeitante a tirar fotografias o nosso fim era o mesmo: ficarmos com um lembrete das situações e tempos bons ou maus aí passados. Nada mais. Mesmo conscientes de que mesmo os melhores momentos na Guiné jamais poderiam ser considerados momentos de festa e de alegria na nossa vida. O facto é que seriam/eram parte da nossa vida também. E como tal tínhamos interesse em ficarmos com um comprovativo/lembrança do que tinha sido essa realidade.
Quando fui para a Guiné levei comigo uma velha maquineta ( eu amava-lhe a minha máquina arqueológica!) e quando tinha ocasião e era possível fazê-lo eu tirava umas fotos. Como não tinha meios de revelar esses rolos fui deixando para quando fosse de férias. Entretanto um sargento, cujo nome não me lembro mas sei que veio de uma outra unidade quando já estávamos na Guiné, foi a Bissau e eu pedi-lhe para ele levar os rolos para revelar. Fiquei frustrado e mesmo furioso com ele quando este voltou de Bissau e me disse que tinha perdido os rolos. E mais ainda porque me pareceu que ele não estava nada chateado com o que tinha sucedido, como se fosse coisa sem qualquer importancia.
Mas comecei a tirar fotos outra vez; as fotos que tenho hoje foram todas tiradas já na segunda metade e mais para os fins da minha estadia. E sim, eu lembro-me que fazia questão então de pedir em certas ocasiões para "posarem para a foto", não porque eu considerava esses momentos de festa, mas simplesmente porque, depois de ter perdido tantas fotos que eu tinha muito interesse em guardar como provas e lembranças desses meses até aí vividos, queria ter a certeza de ficar recordações que me não deixassem esquecer esses tempos.
Como foi o caso do ataque a Missirá. Durante muito tempo eu até cheguei a pensar que tinha havido confusão com as minhas fotos e outras tiradas pelo Viegas. Pareciam as mesmas. Depois verifiquei que haviam algumas que eu tinha a certeza não eram minhas. Compreendi então que tínhamos tirado fotos aos mesmos objectos e pessoas talvez no mesmo momento. Daí a minha confusão. Mas lembro bem que era com muita tristeza e dor que fazia essas fotos. Eu tinha estado em Missirá alguns tempos antes do Marchand com o seu pelotão de milícias 54; como tinha sucedido com o Alferes Henrique Matos e o seu pelotão de nativos 52 em Porto Gole. Onde eu tirei muitas fotos também. De pessoas que eram ou tinham sido meus amigos. Independentemente dos momentos, de difíceis a menos difíceis, por vezes quase amenos, nunca as minhas fotos foram tiradas com qualquer outro fim que o de guardar para a posteridade o que foi essa minha experiência.
Por minha parte lamento que tenham dado azo a uma impressão tão diferente do que eu jamais poderia querer dar.
Um grande abraço para todos.
João Crisóstomo

Anónimo disse...

Faço minhas as palavras do luís Graca neste seu último comentário. Não me lembro de ter pensado exactamente com essas palavras, mas a admiração pelos que tinham defendido e conseguido salvar Missirá e todos os que lá se encontravam estavam sem dúvida no subconsciente de cada um de nós:
<>
João Crisóstomo

Anónimo disse...

8Caros amigos,

Quero esclarecer que não sou nem nunca fui contra as imagens, fotos, pois como disse alguém "uma imagem vale mil palavras", e o que seria deste Blogue que reune a sua volta veteranos de uma guerra que aconteceu faz muito tempo, quando eu ainda nem tinha dentes na boca.

Mas, convenhamos, que a postura de alguns soldados nestas fotos não devia orgulhar ninguém e tenho dúvidas que sejam os mesmos que estiveram debaixo do fogo IN durante o ataque. Tenho dúvidas, porque em condições normais deviam ter fortes motivos para se preocupar com o futuro, sabedores da forma quase milagrosa como se safaram desta vez, graças ao ruido de um velho Unimog. E isto falar do facto de ter havido 2/4 mortos entre a população civil da mesma aldeia e a destruição que se viu.
Na minha opinião, deviam e podiam mostrar algum respeito pelo que aconteceu, só isso. Que me desculpem se estou a ser moralista, mas não acredito que têm a noção clara do que estava em jogo nesse ano crítico e crucial daquela guerra e, se calhar importavam-se pouco com aquilo, inclusive aquelas populações que era suposto defender.

Vé-se bem a diferença de posturas e de atitudes com os graduados. Não é isso que eu ponho em causa, nem o facto de tirar fotos e registar o momento dos acontecimentos.

Obrigado pelas diferentes opiniões e pontos de vista, a verdade é sempre multiforme, dependendo do lado em que nos posicionamos.

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Cherno Baldé tem todo o direito de se "indignar", nós é que não, pelas regras do nosso blogue, uma das quais é tácita, mas é bem aceite entre os antigos combatentes: evitamos fazer "juizos de valor" sobre o comportamento dos nossos antigos camaradas, quer do ponto de vista operacional, disciplinar, militar, etc., quer a nível inclusive ético, moral, humano...

Mas o Cherno não é um "camarada", embora, enquanto "djubi" em Fajonquito, possa ser um "companheiro de picada"... É sobretudo um grande amigo e irmãozinho nosso, que eu pessoalmente muito prezo.

E escreveu ele:

"(...) convenhamos, que a postura de alguns soldados nestas fotos não devia orgulhar ninguém e tenho dúvidas que sejam os mesmos que estiveram debaixo do fogo IN durante o ataque. Tenho dúvidas, porque em condições normais deviam ter fortes motivos para se preocupar com o futuro, sabedores da forma quase milagrosa como se safaram desta vez, graças ao ruido de um velho Unimog." (...)

Deverá referir-se à foto nº 8... E está a sugerir que estes nossos camaradas não eram do Pel Caç Nat 54 mas da coluna de socorro que veio do Enxalé, seguramente debaixo de grande tensão também...

Não importa quem são, é uma pose de "decontração", de "desopilanço", no fundo um forma de lidar com o medo, a ameaça, o risco, a tensão, dissimulada muitas vezes em ritos ou comportamentos de bravata... O ser humano é complexo, para mais em situações-limite como a guerra...

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bra·va·ta
(italiano bravata)
nome feminino
1. Ameaça feita de modo arrogante. = INTIMIDAÇÃO

2. Dito ou atitude de fanfarrão. = BAZÓFIA, FANFARRONICE

3. Pretensa valentia.


"bravata", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/bravata [consultado em 28-01-2022].