segunda-feira, 11 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23158: Humor de caserna (46): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte III (António J. Pereira da Costa / Luís Faria / José Afonso / José Borrego): (vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica; (vii) Mensagem-relâmpago: Quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado? (viii) Informo Vexa que Sexa passou na mecha


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971. A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, os tornados, nem muito menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... Até à natureza estava contra eles...

Foto (e legenda): Fernando Barata (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuamos  a recompilar histórias do (ou atribuídas ao) cap art José Joaquim Vilares Gaspar, o primeiro de três comandantes que teve a CART 3330 (Nhamate e Bula, 1970/72), entretanto promovido a major: ainda  no CTIG, seria 2.º cmdt do BA 7 e  faria uma breve passagem pelo COP 6, em Mansabá, antes de ser evacuado para a Metrópole, alegadamente por problemas psiquiátricos. (Vd. aqui os comentários ao Poste P23156, dos nossos camaradas António J. Pereira da Costa,  Carlos Vinhal e Francisco Baptista,) (*)

No CTIG ficou conhecido pelo "nick name" Gasparinho, sendo um oficial querido entre a sua tropa e até entre aqueles que o conheceram. Apesar de (ou talvez por) as suas "excentricidades". Faleceu por volta de 1977.

O António J. Pereira da Costa comentou (*):

(...) Fui amigo do major Gaspar. Procurarei fazer umas rectificações. Creio que foi em princípios de 1972, que o major Gaspar tomou o comando do COP 6, onde se demorou pouco tempo (talvez um mês). Efectivamente, numa ida a Bissau, ele e outro camarada, terão andado aos tiros à Bandeira, à passagem por Nhacra (?) , após o que foi evacuado para a Metrópole, com problemas psiquiátricos.

Do que sei dele vi que era um frequentador de bares. Porém tinha atenuantes pois andava naquela vida desde a passagem pelo Estado da Índia Portuguesa. Casou lá, com uma senhora indiana (inglesa) de quem se terá divorciado, em poucos anos.

Não esteve prisioneiro, mas a vida correu-lhe mal, por lá. Na Guiné, andaria, pois "destroçado e enojado" e eu acrescento cansado e saturado, sendo um homem inteligente e frontal, a vida que levava era-lhe penosa. Em Bissau na companhia do tal camarada que veio com ele de Mansabá, fez alguns distúrbios.

Conheci-o na EPA (Escola Prática de Artilharia), num curso que frequentámos com diversos camaradas e vi que estava claramente perturbado. As histórias que dele se contam têm (muitas) um fundo de verdade.(...) 

Eis mais um depoimento sobre ele, e mais uma história,  desta feita pelo nosso saudoso Luís Faria  (1948-2013), ex-fur mil inf MA,  CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (Vd. poste P4657, de 8/7/2009).


Histórias pícaras > Gasparinho
 
(vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica

(...) Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o quem julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. 

Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz! (...)

Luís Faria
 
O José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAV 3420 (Bula, 1971/73), a companhia do Salgueiro Maia, já aqui outra variante desta  história: vd. (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar (**).

A história seguinte também foi aqui contada pelo José Afonso:


(vii) Mensagem-relâmpago: quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado ?


(...) Em Nhamate (, sede da CART 3330, 1970/72), como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. 

Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. 

Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:
- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo,) (...)

Há uma outra variante desta história, aqui conta pelo José Francisco Robalo Borrego (Poste P4628 de 2/7/2009);

(...) A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. 

Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: "Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem" (...) 

José Borrego

A história seguinte também já foi contada pelo José Afonso:


(viii) Informo Vexa  que Sexa passou na mecha!

(...) Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. 

Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:
- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:
- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA. (...)



[ Seleção / Revisão / Fixação de textos e títulos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
___________


(**) Vd. poste 9 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23154: Humor de caserna (44): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte I (António J. Pereira da Costa / José Afonso): (i) Siga a marinha; (ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"!; (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar; (iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

14 comentários:

António J. P. Costa disse...

Oh Luís! Então agora temos "rajas" de G3 em vez de pica?
Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, as minhas gralhas já davam não um poste mas um balaio de postes, mes
mo uma série como a do Gasparinho... Obrigado por estares atento. Estou no Norte, aqui a Páscoa é a festa maior do ano... Boas amêndoas. Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Grão a grão vamos enchendo o saco
... Hoje já temos muito mais informação sobre o major Gaspar. Estamos a reunir textos e a produzir novos comentários... que irão dar origem a novos postes.

Antº Rosinha disse...

Informo Vexa que Sexa passou na Mexa, Chato do Xissa.

(Recordações da Casa Amarela, blog)

História muito conhecida de gente antiga de Angola. O chefe posto de nome Chato num posto na região de Malange com o nome de Xissa.

A descontração deste oficial Gaspar é muito característica de gente que foi criado ou viveu grande parte da vida no Ultramar.

Muitos oficiais do Quadro, e principalmente se foram pupilos do exército , eram filhos de militares que vaguearam e tiveram os filhos no Ultramar, se verificarem até os capitães de Abril, dos mais ativos e descontraídos eram ultramarinos (caso Otelo).

Valdemar Silva disse...

Essa da picagem com tiros de G3 é das melhores, nunca tinha ouvido. Provavelmente seriam tiros para as marcas suspeitas deixadas em cima de rodados gravados na picada. Ouvi falar de uma ideia superior de se utilizar raquetes de ténis para devolver as granadas de mão do IN.
Fora da época das chuvas, numa zona da estrada para Cabuca, em que acabava a picagem saída de Nova Lamego, mas nunca fiando, a nossa GMC rebenta-minas da frente levava dois soldados sentados no para-choques que em velocidade reduzida detectavam visualmente qualquer "novidade" no rodado marcado na estrada. Eram soldados fulas nascidos na região que conheciam a estrada como as suas próprias mãos. Comigo aconteceu por duas vezes e sempre ganhávamos tempo, ida-volta, por causa da picagem.
Escusado será dizer, e logicamente, as minas A/C eram montadas na zona marcada pelo rodado deixado pelas viaturas.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aos "desalinhados" (já não falo dos contestatários...), os que saíam da linha, para além do RDM, da disciplina e justiça militares, havia sempre o recurso (não menos temível) da psiquiatria e dos seus instrumentos de coerção... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Humor corrosivo, o deste homem. Devia estar no final dos 30 quando chegou a major.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Para alguém que, na Índia, seria tenente eu diria que o Gaspar estava bem avançado nos trinta anos quando chegou a Major. O que era comum.
Sendo um homem muito inteligente e que observava bem o meio que o cercava só tinha duas hipóteses: ou actuava contra a "instituição" ou fechava-se em si e procurava afastar-se dela ou eventualmente "passar entre os pingos da chuva" o que nem sempre é possível. Para mim cometeu um erro - mas cada um é como é - que foi afrontar a "instituição" sem se desviar.
Estava muito "queimado" pela vida militar e psicologicamente muito afectado. Não era necessário ser psicólogo para o confirmar. Provavelmente, se a sua contestação fosse feita sem envolver humor, mantendo-se dentro da fraseologia e não levando a as situações ao absurdo, seria difícil fazerem-lhe mal ou perseguirem-no.

Um Ab.

António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Os oficiais do Quadro que foram apanhados no princípio da guerra em 1961 (Angola) na casa dos 28, 29, 30 anos, principalmente capitães, que já estavam em Angola, foi uma desorientação muito complicada devido principalmente a todos os militares terem vivido sempre na-paz-de-deus.

A cima de majores ninguém os via, de maneira que eram os capitães o pião das nicas, alguns até choravam no regimento de Luanda, pois nem sabiam como dar ordens naquela desordem total.

Aqueles que não tinham vocação de militar, foi aquela lástima.

Eu já disse aqui, que o melhor comandante que eu, furriel, tive, foi um primeiro cabo, e não digo isto a brincar.

Capitães que não nasceram para aquilo vi vários, talvez o "nosso" Gaspar fosse um desses.

Fernando Ribeiro disse...

Este major Gasparinho, segundo li algures, era de Quibaxe, Angola. Esta vila de Quibaxe (que na verdade pouco mais era do que uma rua, como muitas outras vilas em Angola) era pomposamente chamada "Capital dos Dembos" e foi uma das localidades onde a UPA cometeu mais massacres em 1961. Muito provavelmente, o Gasparinho estaria na Metrópole por altura dos acontecimentos, mas podemos legitimamente imaginar que muitas pessoas que ele conhecia, incluindo familiares seus e amigos de infância, terão sido mortas pela UPA. O desiquilíbrio mental dele pode ter começado aqui.

Eu fui a Quibaxe uma vez. Era a vila mais próxima do local onde eu estava aquartelado, Zemba, a cerca de 100 km de distância para norte. Quibaxe era pouco mais do que uma rua, como escrevi, atravessada perpendicularmente pela pista de aviação da vila. A guerra estava a poucos quilómetros de Quibaxe, que apesar de tudo gozava de uma relativa paz por via da rivalidade que opunha os dois movimentos independentistas ativos na zona, a UPA/FNLA e o MPLA. Quibaxe ficava mais ou menos na fronteira entre as áreas de atuação dos dois movimentos.

Muito perto da vila passava a chamada "Estrada do Café", que ligava a cidade de Carmona a Luanda e onde era interdita a circulação de civis. No entanto, de vez em quando um civil mais afoito fazia-se sozinho à estrada, que era asfaltada e tinha bom piso, confiante em que uma alta velocidade o livraria de cair em alguma emboscada. Não livrava. A estrada tinha muitas curvas, que obrigavam a reduzir a velocidade, e aí estavam os guerrilheiros emboscados. Em média, poderei dizer que em cada semana morria um fazendeiro ou um comerciante nessa estrada, sobretudo no troço entre Quibaxe e Vista Alegre.

Fernando Ribeiro disse...

Correção: desequilíbrio e não desiquilíbrio.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Creio que o Maj. Gaspar era da área do Porto e não Angolano. A tal cena em que ele se intitula Gasparinho de Quibaxe, sempre ouvi contar que se teria passado em Angola no início da guerra (1961/2(?).
Um Ab.
António Costa

Antº Rosinha disse...

Encontrei isto na internet, procurando apenas por este nome.

Não sei se se trata da pessoa em questão.(?)

Cap. José Joaquim Vilares Gaspar
Data de nascimento: 01 Maio 1935
Local de nascimento: Elvas, Portalegre District, Portugal
Falecimento:
Família imediata:
Filho de Cap. João Gaspar e Silvia Vilares
Marido de Maria Teresa Areu Pereira Coutinho

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Creio que se trata da pessoa de quem falamos, tanto pelo nome completo, data de nascimento (de admitir como exacta) e pelos apelidos da esposa.
Confirma-se que não era angolano.

Um Ab. e Boa Páscoa
António J. P. Costa