quinta-feira, 14 de abril de 2022

Guiné 61/74 – P23165: Memórias de Gabú (José Saúde) (97): Gabu, região com história que me fora particularmente familiar na guerrilha da Guiné (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

As minhas memórias de Gabu

Gabu, região com história que me fora particularmente familiar na guerrilha da Guiné 

Somos antigos combatentes numa Guiné onde as histórias, e as suas hilariantes estórias onde a camaradagem entre o pessoal proliferava, se conservarão armazenadas em “esqueletos” que, por ironia de um destino nos vai por ora contemplando como seres viventes ao cimo deste planeta chamado Terra, permanecerão hirtos em memórias que jamais se apagarão no limbo do esquecimento da nossa existência.

Somos, também, pequeníssimos sopros de vento que se diluem facilmente na infinidade de um horizonte, onde a perceção de confronto com o além parece, por enquanto, distante. Todavia, somos, no fundo, pessoas com uma mente privilegiada para recordar, com saudade, camaradas que o evoluir dos tempos ousou separar, algo que, em meu entender, naturalmente se aceita.

A imagem que exponho dos “piriquitos” na “5ª Avenida de Nova Lamego”, assim como o texto seguinte, são conteúdos que fazem parte do meu livro “Um Ranger na Guerra Colonial 1973/1974 Memórias de Gabu”, lançado a público pelas Edições Colibri.

Piriquitos desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, eu, José Saúde, Operações Especiais/Ranger, o Santos, Minas e Armadilhas, Freitas e o Rui, Operações Especiais/Ranger.

Antiga Nova Lamego

Denominada como Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a Norte com o Senegal, a Leste e a Sul com as regiões de Tombali e a Oeste com Bafatá.

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Gabu é, igualmente, a pátria do chão fula (79,6%), existindo ainda a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona, mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

No plano territorial Gabu possui uma área de 9.150 kms2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país.

Introduzo como credível uma nota de rodapé que após a independência do país Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial.

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

As temperaturas rondam normalmente os 30/33 graus durante o dia e os 18/23 à noite. As estações anuais definem-se como as das chuvas que vai de maio a novembro e a de seca de dezembro a abril. Dezembro e janeiro são considerados os mais frescos. Por outro lado, a economia assenta no comércio, agricultura e pecuária.

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” obrigatório nessa zona e na qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 45 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando por lá prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz e um pouco das vivências tradicionais das suas gentes.

Aliás, num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, pessoas simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos, assim como as memórias que nós combatentes incessantemente recordaremos.

Um abraço, camaradas 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

9 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 – P21341: Memórias de Gabú (José Saúde) (96): A fé na guerra (José Saúde)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Caro Zé Saúde
Isto sim, isto é que é prosa e da boa.
'...se conservarão armazenadas em “esqueletos” que, por ironia de um destino nos vai por ora contemplando como seres viventes ao cimo deste planeta chamado Terra, permanecerão hirtos em memórias que jamais se apagarão no limbo do esquecimento da nossa existência.'

Um pormenor interessante, nos teus escritos aparecer sempre em grande destaque o Operações Especiais-Rangers.
No meu tempo, 1969/70, na minha CART.11, excepcionando o Armas Pesadas, Vagomestre, o Mecânico, o Enfermeiro e o Transmissões, todos os restantes furriéis eram Atiradores, com dois que, depois, frequentaram um curso em Minas e Armadilhas (Santa Margarida) e um em Operações Especiais (Lamego), e era assim em todas as Companhias.
Pelos vistos, no teu tempo seria diferente com Pelotões especializados em acções de combate muito específicas: atacar alvos de grande importância, destruição de defesas aéreas inimigas, infiltração em território inimigo para resgate e salvamento, destruição de pontes e outras instalações militares do inimigo.
Quer dizer que havia a necessidade de dar combate a um patamar da guerra com o PAIGC já instalado e dominando parte do território da Guiné?
Se assim foi, é uma grande novidade para todos nós.

Abraço, saúde da boa e Páscoa feliz
Valdemar Queiroz