terça-feira, 26 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23201: 18º aniversário do nosso blogue (6): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte II: 29 de agosto de 1972: no mato com Spínola, "a simpatia como arma de guerra"




Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17847, Ano 52, Terça, 29 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5495 (2022-4-25)

Cortesia de Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26101 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17847 | Ano: 52 | Data: Terça, 29 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Economia" |b Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


DL / REPORTAGEM, pp. 12/13

2. GUINÉ: CRÓNICA IMPERFEITA

A SIMPATIA COMO ARMA DE GUERRA


















(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23200: 18º aniversário do nosso blogue (5): Roteiro da nossa saudosa Bolama (Antonio Júlio Emerenciano Estácio, luso-guineense, nascido em 1947, e escritor)

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dois contos em 1972 eram o equivalente, a preços de hoje, a 483,56 €... Se tivermos em conta a diferença "cambial" de 10% que havia entre o escudo metropolitano e o "peso" da Guiné, temos qualquer coisa como 435 euros... Foi o valor que o Spínola mandou dar aos "prisioneiros civis" de Gampará, em meados de 1972, julho ou agosto...

A população balanta, refugiada ao longo das margens, direita e esquerda, do rio Corubal, desde o princípio da guerra, tinha apesar de tudo noção do valor do dinheiro, ao manterem contactos, através dos parentes (por exempo, em Nhabijões),com o comércio local (por ex., Bambadinca) onde se abasteciam de coisas tão essenciais como redes mosquiteiras, tabaco em folha ou tecidos...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Infelizmente, a "simpatia" veio tarde demais... Os balantas tornaram-se presa fácil da demagogia do PAIGC, e rapidamente a sua "carne para canhão"... Mas tiveram todo o sistema colonial (e o passado das "campanhas de pacificação) a empurrá-los para o "mato": os comerciantes, os administradores, os cipaios, os régulos, os missionários, a PIDE, o exército...

Como diziam os meus soldados da CCAÇ 12, "um balanta a menos, era um turra a menos"... Nunca ninguém quis saber por que é que os balantas foram presa fácil da "cantiga do bandido"...

Valdemar Silva disse...

'......"um balanta a menos, era um turra a menos"... Nunca ninguém quis saber por que é que os balantas foram presa fácil da "cantiga do bandido"...'

E por que não seriam eles mesmos os "bandidos"?
Desde as campanhas de pacificação de Teixeira Pinto, os balantas, "os resistentes", sempre tiveram grandes dificuldades em ser governados e sempre foram alvo de grande repressão pelos portugueses sendo eles dos primeiros a juntarem-se ao PAIGC.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Amílcar Cabral diabolizou os fulas (muçulmanos, vivendo num sociedade patriarcal, teocrática e semi-feudal) e glorificou os balantas (animistas, "comunitaristas", e quiçá "comunistas", "sem estado", ou sem seja, "sem poder político")... O balanta era o "bom selvagem" da Guiné para o revolucionário romântico que era o Amílcar Cabral...

E foram sobretudo os balantas quem pagou o "imposto de sangue" na guerra de libertação... Quantos balantas, guerrilheiros e população, não foram mortos, feridos ou aprisionados ?! Quantos balantas não viveram, na miséria, durante anos, nas "zonas de libertação", sob o medo constante das nossas bombas, dos nossos assaltos, mas também das prepotências dos comissários políticos e dos combatentes do PAIGC ?

Nós (eu, não, mas os meus antepassados colonialistas da monarquia, da república, da ditadura militar e do Estado Novo) "subjugaram" os fulas, deram-lhes algumas benesses, procuraram respeitar minimamente, por conveniência, a sua identidade étnico-religiosa e fizeram deles seus aliados para o resto da sangrenta "campanha de pacificação" (que só terminaria oficialmente em 1935-36, em Canhabaque, a "ilha Roxa", nos Bijagós, o avô do Cherno andou lá...).

É preciso chamar os bois pelos cornos, como diz o nosso povo...

Unknown disse...

A colonização portuguesa falhou em todos os sentidos na Guiné de escravidão de atraso da desehumanizacão,pelo tempo que fizeram lá podiam fazer algo pela aquela população. Uma estratégia perigoso que podiam acontecer era criar Guerra étnica entre os balantas e fulas

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Não concordo com a expressão "subjugaram" utilizada por Luis Graça para caracterizar a aliança tácita entre portugueses e fulas no espaço do que será, mais tarde, a Guiné-portuguesa. Portugal sempre foi uma "potência" de poucos recursos, tanto materiais como humanos e, como costuma dizer o veterano Rosinha, a colonização portuguesa foi conseguida graças a utilização inteligente das contradições dos próprios indígenas uns contra os outros bem como da ambição e bravura de mercenários tais como o Abdul Injai.

Na região, os centros de poder fula, no pós Kaabu (após a derrota dos soninquês) situavam- se ou no Senegal com o Alfa Molo , apoiado sub-repticiamente pelos franceses e no Estado Teocrático de Futa-Djalon.

Todavia, os pequenos regulados dirigidos por fulas de Gabu, não estavam interessados em depender nem de um nem de outro, pelo que só lhes restava tecer uma aliança com os portugueses a fim de fazer face a este duplo desafio para a sua relativa independência e foi o que aconteceu, pois com os portugueses e sua sempiterna e bem reduzida presença militar podiam gozar de uma maior autonomia política, social e religiosa.

Se exceptuarmos a batalha de Buba (1881) entre partidários do Almame de Futa-Djalon e um destacamento militar português (com poucos portugueses de origem) e alguns desentendimentos com o régulo de Gabú e Forréa, Bacar Guidali, nos anos subsequentes, todas as batalhas em solo guineense e em nome de Portugal foram feitas conjuntamente com os régulos fulas e Biafadas (travestidos de mandingas) desde os tempos do Ten. Marques Geraldes e Cap. Sousa Lage até ao periodo do intrépido Cap. Teixeira Pinto, mesmo se, oficialmente, nunca foram devidamente valorizados, pois tudo o que se dá gratuitamente pouco valor se lhe dá.

Mas, atenção, tudo no seu devido tempo e contexto, não se pense que eram favas contadas, pois estes povos pastores, físicamente frágeis, sem garbo para soldados (como dizia o Calvet Magalhães, administador do presídio de Geba na altura) que tinham atravessado o imenso Sáhara para chegar ali, eram homens de grande tempêro, de paciência e resiliência ilimitada, facto que os tinha permitido reverter a situação da opressão e do
domínio mandinga/soninquê após mais de 3/4 sêculos de trabalho quase escravo, de sofrimentos e, não fosse a chegada dos Europeus e o impacto das decisões saida da Conferência de Berlim (1884/85), teriam dominado e feito a sua lei no espaço de toda a Senegâmbia a partir dos centros de poder situados no Futa-Toro (Senegal) e Futa-Djalon (Guinée-Conakry). Mas, a história não se faz com "ses".

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé





Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, concordo com a tua observação, se calhar o verbo "subjugar" não é o mais apropriado...

Não sei, não sou especialista da história da colonização da Guiné, tu és muito mais entendido do que eu nesta matéria, a tua análise é muito mais fina e subtil... E é verdade, temos que contextualizar, não podemos ver o passado com os olhos de hoje...