Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > Da direita: para a esquerda, o cap mil cav Vasco da Gama, o general Spínola, o cap inf José Malheiro, da CCaç 3399, de Aldeia Formosa, e o comandante do BCaç 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Spínola visitiu três vezes a CCAV 8351 (em Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá).
Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. É uma boa história, um bom naco de humor de caserna, que nos ajuda a compreender melhor a personalidade e a conduta do gen Spínola enquanto foi comandante-chefe e governador geral da Guiné, entre meados de 1968 e meados de 1973.
(...) Terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril de 1973, a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha. (...)
Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano.
No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:
A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la.
Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)
[ Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]
A expressão "a palavra que imortalizou Cambronne" (neste caso, "merde") é um eufemismo, um figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis ou as palavars grosseiras por meio de expressões ou palavaras mais suaves...
Foi contada aqui há mais de 13 anos pelo comandante dos Tigres do Cumbijã, cap mil cav Vasco da Gama, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), os bravo de Nhacobá.
Visita do General Spínola a Cumbijã em 14 de abril de 1973
por Vasco da Gama
Vasco da Gama |
No dia 14 de Abril de 1973, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.
Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano.
Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República, após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974 – , este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.
No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:
Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:
− Neste buraco?… Sou miliciano.
Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:
− Tudo |
− Tudo, o quê?
Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando:
Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando:
- cimento para construirmos casernas;
- chapas de bidão cortadas;
- apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente;
- arcas frigoríficas a petróleo, pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca;
- um gerador;
- e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia Formosa, não tenho a certeza.
A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:
A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la.
O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne (***), apesar da minha presença.
Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.
Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)
___________
(**) Último poste da série > 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23221: Humor de caserna (54): O anedotário da Spinolândia (V): fardamento para pessoal de Bissum, "by air mail" (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 , Binar, Bula e Capunga, 1969/71)
(***) Pierre Jacques Étienne Cambronne (1770 – 1842), francês, general de brigada do Primeiro Império, 1º Visconde de Cambrone, ficou célebre pelas palavras que terá proferido na batalha de Waterloo, em 1815, à frente dos granadeiros da Velha Guarda de Napoleão. Em inferioridade numérica, cercado pelas pelas tropas do general inglês Charles Colville, quando instado a render-se, com honra, ficou na história com a sua réplica: "La Garde meurt et ne se rend pas!" (A Guarda morre e não se rende!)... E terá acrescentado: "Merde!", um típico vocábulo vernáculo dos gauleses...
Notas do editor:
(*) Excerto do poste de 20 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3765: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (7): A visita do General Spínola
(**) Último poste da série > 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23221: Humor de caserna (54): O anedotário da Spinolândia (V): fardamento para pessoal de Bissum, "by air mail" (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 , Binar, Bula e Capunga, 1969/71)
5 comentários:
Eufemismo por eufemismo à portuguesa;
é só substituir o "merde" por "foda-se"
ab
C.Martins
Melhor ainda, à Pinheiro de Azevedo, que não era general, mas foi contra-almirante, se não erro:
Berdamerda!
interjeição
3. [Calão] Expressão usada para indicar desagrado ou repulsa.
"bardamerda", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/bardamerda [consultado em 13-06-2022].
Confesso que não conhecia o... Cambronne. Afinal, o "fanfarrão" não se rendeu nem morreu... Gravemente ferido, foi feito prisioneiro pelos ingleses... Morreu na cama, em 1842...
https://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Cambronne
Repare-se que Spínola vai, de heli, a Cumbijã, a 14 de abril de 1973, em plena crise provocada pela entrada em cena do míssil Strela...A FAP está desorientada e há inclusive pânico em alguns pilotos... Ainda ninguém sabe como dar a "volta ao texto"... A verdade é que nenhum heli AL III foi atingido pelo Strela...
Nem de propósito: estava eu a ler, no bar da praia, o "Kaputt", de Curzio Malaparte, escrito entre 1941 e 1943, e publicado em 1944 (um dos mais "brutais" documentos sobre a barbárie europeia da II Guerra Mundial...), quando deparo com este diálogo:
Diz o autor, jornalista, correspondente de guerra do "Corriere della Sera", com "livre trânsito" para acompanhar o avanço as tropas nazis na Europa de Leste:
(...) "Nessa altura achava-me em segurança na Finlândia e, naturalmente, respondera-lhe snap [ao Reichsminister Frank, governador-geral da Polónia ocupada ].
- Se estivesse no teu lugar - interveio Foxá [conde Agustin Foxá, ministro de Espanha em Helsínquia ], em francês - ter-lhe respondido "merda".
- Ora aí está uma palavra difícil de pronunciar, em certos casos - observou Westmann [ninistro da Suécia].
- Quer dizer que me julga incapaz de responder a um alemão o que Cambronne, em Waterloo, respondeu a um inglês ? - perguntou Foxá com dignidade" (...).
Fonte: excerto de "Kaputt", de Curzio Malaparte, Círculo de Leitores, 1977, pág. 213.
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