sexta-feira, 29 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Há algo de assombroso no percurso curricular de Graça Falcão, um condecorado com a Torre e Espada que irá ver o seu nome bem maltratado, no campo dos negócios, das relações políticas e sociais, pouca gente merecerá tanta hostilidade na Guiné como ele. Está ligado a um grande desastre no Morés, de onde escapou por uma unha negra. Como responsável pelo presídio de Farim, elaborou duas cartas topográficas que, assegura António Carreira no estudo que aqui é referenciado, é um documento memorável e indispensável para estudar aprofundadamente as rotas da expansão da islamização na Guiné.

Um abraço do
Mário



Graça Falcão, uma das figuras mais espantosas que passaram pela Guiné

Beja Santos

Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016. Tivesse eu condições e metia-me a estudar algumas figuras de traços mirabolantes ou com elevada carga enigmática: Graça Falcão, Marques Geraldes, Rafael Barbosa ou Osvaldo Vieira. Graça Falcão, alferes, é transferido de Angola para a Guiné em abril de 1892, em cumprimento de uma medida disciplinar determinada pelo Governador-geral de Angola. Alferes da Bateria de Artilharia de Montanha, é graduado em tenente a 1 de maio de 1894 e em 23 de maio é nomeado Comandante do Presídio de Farim. Será nessas funções que elaborará duas cartas topográficas (1894-1897), com alto significado, pois dão alguma compreensão à expansão do islamismo no rio Farim, António Carreira publicará um estudo alusivo, aqui se fará referência. Em abril de 1895, a pedido dos Balantas de Barro, Graça Falcão vai a esta localidade, solo que nunca tinha sido pisado por autoridade alguma portuguesa, deixa a bandeira e lavra o competente auto de vassalagem. Em 22 de setembro de 1896 é Cavaleiro da Torre e Espada pelos serviços prestados ao reaver três embarcações em poder dos gentios do Biombo e da ilha de Jata. Será louvado por Portaria Régia pelo bom resultado de uma expedição ao Oio. Em 1897, dá-se uma desastrada incursão de Graça Falcão no Oio, ele andara por aqui no ano anterior. O Tenente Herculano da Cunha relatará as peripécias como Graça Falcão conseguiu escapar vivo, andou sozinho fugitivo, embora Herculano da Cunha, nos seus relatórios, o desse por morto. Irá ressuscitar, abandona a vida militar, entrega-se a negócios, suscita ódios, são histórias dignas do mais vibrante romance de aventuras. Encontrei correspondência do responsável do BNU na Guiné considerando-o homem de mau caráter e mau pagador. Postos estes episódios de uma carreira mirabolante, vamos ao documento de António Carreira.

Ele começa por afirmar que a Guiné esteve sempre sujeita à influência dos movimentos desencadeados pelos dirigentes islâmicos, tanto do Futa-Toro como do Firdu e do Futa-Djaló. E faz uma resenha histórica:
“A luta travada em África pelos povos islamizados com vista à submissão dos animistas à doutrina do Alcorão data de há cerca de nove séculos. Nesse decurso de tempo, conheceu fases de progresso, de estagnação ou mesmo de retrocesso, e fases de grande e espetacular progresso.
Sabe-se com segurança que os povos de Sonin e de Mandé atingiram a área da nossa Guiné nos séculos XIII ou XIV. Admite-se como certo que estes dois grandes grupos, ao fixarem-se no Alto Geba (no Cabo, N’Gabu ou N’Gabu-El, como era então conhecido) e no Brasso (ou Berassu), eram, ainda, na sua totalidade, animistas.

No início do século XVIII, nesta área, só existia um culto: o animista. Os povos que o seguiam estavam distribuídos da seguinte forma:
1.º Nas duas margens do Casamansa: Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e Balantas (os atuais Diolás dos Franceses), Soninqués, Mandés e Fulacundas (os nossos Fulas-Forros);
2.º No Futa-Djaló: a) Os denominados Djaló-Nkas, os mestiços de Mandés, sobretudo Sossos; b) Os descendentes de camadas de origem peul ou pulô, que em data imprecisa, mas por volta de 1500-1511, invadiram o Futa. Os parentes mais próximos destes Pulis existiam em estado de relativa pureza étnica na primeira vintena deste século no Ferlo e no Futa-Toro, mas, tal como os de Futa-Djaló, muitos ainda inteiramente animistas”
.

A islamização acentuou-se no Futa-Toro, e encontrou sérias resistências no Futa-Djaló. Houve lutas terríveis que duraram até ao final do século XVIII ou mesmo no início do XIX. Foram dados como submetidos e dominados os animistas do Futa-Djaló e então os Fulas dividiram o território numa espécie de províncias religiosas. António Carreira disserta sobre esta organização religiosa e o seu controlo. E diz mais adiante que em cerca de 1900 se deu a penetração do Casamansa, na Guiné Portuguesa e no Futa-Djaló de Marabus procedentes da Mauritânia. A expansão islâmica espalhou-se por uma boa parte da colónia. “O Boé, designadamente a povoação de Dandum, passou a ser um dos principais refúgios dos familiares e partidários de Alfá Iaia. Muitos deles encaminharam-se, através da nossa Guiné, para o Casamansa e Gâmbia”. Estava consumada a islamização da região Leste e também de Farim.

Carreira, que publica este trabalho em 1963, recorda que percorrera as duas margens do rio Farim a pé há mais de quarenta anos, fizera ali vários recenseamentos fiscais. Nessa época, os Balantas só em mínima parte se tinham deixado mandinguizar, ou seja, islamizar. E é muito interessante o que escreve a seguir:
“Em outro trabalho já publicado tive a oportunidade de esclarecer que a designação Balanta-Mané deriva da junção do etnónimo Balanta do apelido, de origem mandinga, Mané. Parece que foram os cristãos que o difundiram com o intuito de individualizar os Balantas integrados na cultura Mandinga e para não se confundirem com os que se conservavam apegados às tradições próprias do grupo. Como o apelido Mané era o mais generalizado no setor Mandinga confinante com os Balantas, estes, quase em massa, mal se mandinguizavam, adotavam-no espontaneamente como segundo nome. Portanto, o sinal mais concludente da integração do Balanta na cultura Mandinga era o uso deste apelido”.

Depois de ter feito referência às confrarias islâmicas do Senegal e do Futa-Djaló e a sua influência no território da colónia, alude ao estudo da difusão do islamismo entre os povos da Guiné. Diz que falta documentação adequada. E é então que informa que Teixeira da Mota lhe facultara duas cartas topográficas da região de Farim elaboradas pelo oficial do Exército Jaime Augusto da Graça Falcão. Diz que o conheceu e o apreciou e que estes documentos revelam esboços topográficos que dão uma imagem bastante exata do que era, então, a distribuição da população pelas duas margens do rio Farim. Segue-se uma enumeração exaustiva e interpretativa dos dois mapas e conclui vaticinando que este modesto subsídio sirva para despertar a ideia da elaboração de um estudo sistemático do processo da islamização das gentes da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23460: Nota de leitura (1468): “A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial”, por Fátima da Cruz Rodrigues, na revista Ler História, n.º 65 de 2013 (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Verifica-se que os africanos assimilam o que aparece.

Pela minúscula área geográfica da Guiné Bissau com tantas etnias intrometidas e tantas influências islamistas, cristãs, e ultimamente comunistas, e todos os pluralismos políticos impostos peas Nações Unidas e quejandos, tudo imposições muito estranhas aos habitantes originais, podia muito bem a Guiné Bissau servir para os africanos fazerem um estudo para resolverem muitas das peculiares dificuldades de países africanos.

Resolverem os seus problemas sem imposições europeias, chinesas, árabes ou asiáticas.

Nunca se devia colonizar povos uns por outros, mas o africano assimila o que aparece.

Nas americas os indios não aceitaram nada, o efeito é outro, vão desaparecendo.

Valdemar Silva disse...

"Em abril de 1895, a pedido dos Balantas de Barro, Graça Falcão vai a esta localidade, solo que nunca tinha sido pisado por autoridade alguma portuguesa, deixa a bandeira e lavra o competente auto de vassalagem."

Quer dizer que só 400 anos depois, Barro e toda aquela região passaram a pertencer à Guiné Portuguesa?
Então o que nos ensinavam na escola não estava correcto ou não se conhecia aquela realidade?

António Rosinha os índios "vão desaparecendo" ou foram desaparecendo por serem os donos das terras e não quererem ser escravos. Os índios da América do Norte evidentemente.
Na América do Sul foram escravizados pelos espanhóis e agora vivem separados por muros nas grandes cidades.
"Em Lima, capital do Perú, foi construída uma barreira que separa a zona mais pobre da cidade da zona mais abastada por "razões de segurança".
O muro tem dez quilómetros de comprimento e três de altura, e está a ser alvo de grande contestação dos bairros mais pobres, que se queixam de discriminação."

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, os índios da América do Norte desapareceram, existem alguns em reservas, mas na América dos Sul onde estive no Brasil em Estados enormes a trabalhar em obras enormes com milhares de brasileiros, só vi um Indio ao vivo.

Eu e milhares de brasileiros, apenas viram um Indio, que teve que ser retirado do local da obra (na Baía), porque a obra enorme parou, tudo largou os seus trabalhos para ir ver um (1) Indio que apareceu lá, trazido com trabalhadores do nordeste.

Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Baía ver apenas um único Indio em 5 anos?

Não foi John Wayne que os matou, foram os brasileiros que ajudaram a faze-los desaparecer do mapa.

Não foram só os portugueses, como os brasileiros dizem que os portugas os fizeram desaparecer.

A Europa não devia colonizar nem indios nem africanos, localizá-los no mapa sim, mas mais nada.

Agora anda o Papa a pedir desculpa, mas os anglicanos e luteranos e quejandos encolhem-se.

Valdemar Silva disse...

António Rosinha, no Brasil vemos e, também, noutros países da América latina milhões de pessoas com fisionomia de índio sem ser no interior da Amazónia ou "olha um índio", e até há Presidentes da República. Veja-se a fisionomia da população dos Estados de Acre, Amazónia, Pará com milhões de origem índia, e não são os nus ou de tanga da floresta.
Nos Estados Unidos não vemos ninguém conhecido nas diversas actividades de origem índia, ninguém, o que não acontece com os de origem africana. Estes, de origem africana, a não ser no futebol e na música também não vemos ninguém no Brasil. Em tempos, e mesmo agora, faz confusão aos brasileiros que por cá se fixaram verem um "negão" descer o Chiado agarrado a uma loira.
Mas a razão da quase extinção dos índios americanos tem origem na ocupação da terra, que os primeiros colonos diziam ser terra de ninguém, ou os mais religiosos ser 'a terra prometida', e se apareciam os "selvagens" eram mortos ou presos em reservas. E em menos de cem anos os índios quase que foram extintos.
Uma das razões da compra de escravos africanos para trabalhar na América foi por estes nunca poder reclamar que aquela terra lhes pertencia, o que não acontecia com os índios e, até, com o que podia acontecer com trabalhadores/colonos de vindos da Europa.
No Brasil passa-se a mesma coisa com a Amazónia, milhões de hectares sem dono desde que não haja índios.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz