Guiné > Região do Oio > Farim > Bairro de Nema > s/d > Cortesia de Carlos Silva, publicado, a preto e branco, no livro do Amadu Bailo Djaló, na pág. 61-
Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e K3
Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farincó e Fambantã, a norte de Farim, e junto à fronteira com o Senegal.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
1. Continuamos a reproduzir, aqui no nosso blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp., capa a seguir, à esquerda). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações. (*)
Não é demais sublinhar que se trata de um documento autobiográfico, único (até à data nenhum dos antigos militares que integraram o Batalhão de Comandos da Guiné publicou as suas memórias), indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe.
Membro da Tabanca Grande desde , tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).
Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (futa-fula, nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro.
Depois da sua paisagem por Bedandam, nosul, na região de Tombali, onde esteve na 4ª CCAÇ como condutor, desde dezembro de 1962 a junho de 1963, e que não lhe deixou saudades, o Amadu Djaló conseguiu ser colocado na 1ª CCAÇ, em Farim, junto à fonteira com o Senegal. Este execrto é o relato dos seus primeiros dias por lá.
Colocado em Farim, na 1.ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim (pp. 58-64)
por Amadu Djaló
Quando regressei a Bissau [, vindo de Bedanda] (**), apresentei-me no dia seguinte, pelas 7h00, na CCS do QG e a novidade que tive foi que a 1.ª CCaç já não se encontrava em Bissau [1]. Entreguei a guia de marcha ao comandante da companhia que ma devolveu por eu não pertencer à CCS. Como não via forma de ver a minha colocação resolvida, ainda me lembrei de ir à 4ª. Rep, outra vez ao major Simões, mas não chegou a ser preciso.
Na 1ª. Repartição entreguei a guia de marcha ao 1º. sargento, que depois de a ler, disse ao sargento Ribeiro que tinha aqui um homem. Mandaram-me apresentar no dia seguinte, com a minha bagagem. Ia para Farim, junto à fronteira norte com o Senegal. Esta conversa curta com o sargento Ribeiro, um bom homem, foi o início de uma amizade.
Então no dia e hora acertados, encontrei, junto ao portão do QG, uma camioneta coberta de lona e junto a ela, o 1º sargento Ribeiro, o condutor, um 1º cabo de etnia papel e um soldado balanta, militares que eu não conhecia. Coloquei a minha bagagem na camioneta, que ia com um carregamento de conservas de sardinha, atum, cavalas, leite condensado, manteiga, margarinas, óleo e azeite.
– Subam e acomodem-se o melhor possível – disse-nos o sargento.
Saímos de Bissau, pouco passava das 8h00 da manhã e chegámos a Farim por volta das 12h30. Para me prevenir precavi-me com um saco de conservas de sardinha e outro de leite condensado.
Com a bagagem na mão, dirigi-me para a caserna e coloquei-a em cima de uma cama que me disseram estar vazia. Depois fui tomar um banho que bem estava necessitado. Mudei de farda e fui dar uma volta pela tabanca.
Depois do jantar seguiu-se um jogo de bisca, para distrair um pouco. Como tínhamos de substituir companheiros que estavam de serviço, saí da caserna para respirar um pouco de ar puro, quando vi três oficiais a dirigirem-se na minha direcção.
– Onde estão os condutores?
– Eu sou condutor!
– Não dormimos no quartel e queremos ir dormir. E a viatura não pode ficar fora do quartel. Se arranjarmos um condutor para regressar com o jeep, já podemos entrar.
Ofereci-me. Um dos alferes pegou no volante e conduziu até aos quartos. Satisfeitos, agradeceram e entregaram-me o boletim da viatura devidamente assinado.
No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, fui entregar o boletim da viatura e soube que a distribuição das viaturas já tinha sido feita pelo 2º sargento mecânico. Quando lhe entreguei o boletim, ele perguntou-me se eu era condutor.
– Claro que sou, meu sargento!
– Então, quantos condutores temos cá? Aguentem, ninguém sai daqui!
Foi ao 1º sargento esclarecer-se e informaram-no de que tinha vindo um condutor de Bedanda, que era mais antigo e que, portanto, tinha direito a uma viatura.
Nova forma, um dos novos vai ter que esperar por viatura, até que haja alguma acabada de reparar. Era o António, o soldado condutor mais moderno, a quem lhe tinham entregue uma GMC e que veio para as minhas mãos. Distribuídas as viaturas, arrancámos para a minha 1ª saída rumo a Fambantam, com passagem por Farincó.
Eu nunca tinha conduzido uma GMC. Estranhei, com o acelerador a fundo, não passar dos 30 a 40 kms/hora. Quando cheguei a Fambantam, cheirava a queimado.
Um 1º cabo, negro, mais antigo na vida militar e na companhia, aproximou-se e disse:
– Parece que tens alguma coisa ligada, está a cheirar muito a queimado!
Subiu para ir verificar e descobriu que os redutores estavam ligados.
– Faltou pouco para queimar o disco – arriscou ele.
Pois, no regresso andei bem, sem mais problemas, embora me tenha ficado a dúvida se teria sido alguém que tenha ligado os redutores, quem sabe para me comprometer.
No meu terceiro dia em Farim, fui dar uma volta pelos bairros. Ainda não conhecia o Adulai Djaló, que era familiar meu no bairro de Nema, muito perto do aquartelamento e que viria a ser meu companheiro.
No caminho encontrei uma moça, aí de 20 anos, e pus-me a falar com ela. Chamava-se Aissata Djaguete Djaló e tinha um bebé com menos de um ano. Era órfã de pai e mãe e divorciada do chefe do bairro de Sinchã, chamado Mode Sore Djare Djaló. Para além do bebé tinha a seu cargo três irmãos mais novos e era ela quem tomava conta deles.
Era uma história triste e vi que precisava de ajuda. Eu era soldado, o meu vencimento rondava os 120 e poucos escudos [cerca de 50 euros, a preços atuais], pouco podia fazer por ela. Convidei-a para minha lavadeira e continuei o meu passeio em direcção a Sinchã. Neste bairro noventa por cento da população era futa-fula.
Junto a uma casa vi duas raparigas, uma a fazer tranças no cabelo da outra. Nunca tinha visto uma cena com tanta beleza. Fiquei ali a fazer-lhes companhia.
Uma chamava-se Fatumata Bamba Djaló, a outra Mariama Juto Djaló. Fatumata estava casada com um homem de meia-idade. O pai tinha-a forçado a casar-se, apesar de não ser essa a vontade dela. A outra, a Mariama, ia casar-se no Senegal, dali a duas semanas.
Depois de termos passado a tarde inteira a conversar convidei a Fatumata a ir comigo ao cinema. Se não tinha dinheiro, como ela disse, eu pagava o bilhete. Combinámos encontrar-nos em casa de Aissata Djaguete, que a Fatumata disse ser sua conhecida.
Despedi-me delas por uma tarde tão bem passada e dirigi-me a casa de Aissata.
– Conheces Fatumata Bamba? Convidei-a a ir comigo ao cinema e ela ficou de vir aqui encontrar-se comigo. E tu, Assumata, queres ir também?
Que sim, que gostava muito.
Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, caçador e empresário do cinema ambulante, com a sua velha Ford de matrícula nº G 05, segundo informação do Amadu Djaló que, por volta de junho de 1963, assistiu, acompanahdo de duas bajudas, a uma sessão de cinema,
Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Um senhor chamado Manuel Joaquim percorria todas as vilas e cidades num carro, o nº 5 [2] de matrícula da Guiné, a passar filmes e nesse dia encontrava-se em Farim.
No refeitório já estava todo o pessoal a jantar. Comi muito pouco, estava muito alvoroçado, ia encontrar-me com uma rapariga com uma beleza que eu nunca tinha visto. Quase a correr dirigi-me para casa de Aissata, mas a minha convidada de honra ainda não tinha chegado. Vi uns rapazitos por perto e pedi a um que fosse dizer a Fatumata que eu estava à espera dela, mas que fizesse tudo para que o marido dela não soubesse. O rapaz encontrou-a, ela vinha a correr na nossa direcção.
No refeitório já estava todo o pessoal a jantar. Comi muito pouco, estava muito alvoroçado, ia encontrar-me com uma rapariga com uma beleza que eu nunca tinha visto. Quase a correr dirigi-me para casa de Aissata, mas a minha convidada de honra ainda não tinha chegado. Vi uns rapazitos por perto e pedi a um que fosse dizer a Fatumata que eu estava à espera dela, mas que fizesse tudo para que o marido dela não soubesse. O rapaz encontrou-a, ela vinha a correr na nossa direcção.
Juntos os três dirigimo-nos para o salão de cinema, comprei os bilhetes e cada uma sentou-se, comigo no meio delas.
Do filme não guardo recordação, mas lembro-me que, no intervalo, quando as luzes se acenderam, reparei que o capitão, meu comandante de companhia, estava sentado atrás de nós. Com ele estava também o Alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá[3], que estava destacado em Farim e que me fez um sinal. Mal o filme acabou, peguei nelas e arranquei dali. Depois levei Fatumata a casa.
Demorei-me um pouco e, no regresso, encontrei na estrada de Nema para o quartel o jipe do capitão. O que vou fazer? Fugir, esconder-me? Decidi ficar onde estava, na berma da estrada, até o jipe parar um pouco à frente.
– O que andas a fazer aqui, a esta hora?
Demorei-me um pouco e, no regresso, encontrei na estrada de Nema para o quartel o jipe do capitão. O que vou fazer? Fugir, esconder-me? Decidi ficar onde estava, na berma da estrada, até o jipe parar um pouco à frente.
– O que andas a fazer aqui, a esta hora?
– Fui ao cinema, meu capitão.
– O cinema já acabou há muito! Tem cuidado em andar sozinho a esta hora. Sobe!
Foi um fim-de-semana inesquecível. Mais tarde quis casar com ela, mas o pai não deu o consentimento, disse que me autorizava a casar com a irmã mais nova, chamada Mariama Bamba Djaló.
__________
Notas do autor ou do editor literário, Virgínio Briote ("copydesk")_
[1] Desde 1 Julho 1963 instalada em Farim.
[2] G-05
[3] EREC 385. Em 2ago62, rendeu o EREC 54, em Bafatá, ficando integrado no dispositivo do BCaç 238 e depois do BCaç 506. Teve um Pelotão destacado em Farim, na dependência, primeiro do BCaç 239, depois do BCaç 507 e finalmente do BCav 490. Tomou parte em diversas acções de patrulhamento e de contacto com as populações, tendo actuado, a partir de 18mar63, em diversas regiões, nomeadamente em Poidom-Ponta do Inglês [Xime], Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá, entre outras, e destacou diversos efectivos para guarnecer diversas localidades, como Xitole, Camamudo e Geba. Em 22jul64 foi substituído pelo EREC 693 e recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso. Fonte: História da Unidade.
[1] Desde 1 Julho 1963 instalada em Farim.
[2] G-05
[3] EREC 385. Em 2ago62, rendeu o EREC 54, em Bafatá, ficando integrado no dispositivo do BCaç 238 e depois do BCaç 506. Teve um Pelotão destacado em Farim, na dependência, primeiro do BCaç 239, depois do BCaç 507 e finalmente do BCav 490. Tomou parte em diversas acções de patrulhamento e de contacto com as populações, tendo actuado, a partir de 18mar63, em diversas regiões, nomeadamente em Poidom-Ponta do Inglês [Xime], Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá, entre outras, e destacou diversos efectivos para guarnecer diversas localidades, como Xitole, Camamudo e Geba. Em 22jul64 foi substituído pelo EREC 693 e recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso. Fonte: História da Unidade.
[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
___________
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963
15 comentários:
Ficha de unidade > 1.8 Companhia de Caçadores
Identificação 1.8 CCaç I
Cmdt (a): Cap Inf Arnaldo Manuel Serra Gomes
Cap Inf Helder Fernando Pires Ataíde Ribeiro
Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire
Cap Inf Carlos Alberto Alves Viana Pereira da Cunha
Cap Inf Laurénio Felipe de Sousa Alves
Cap Inf António Lopes de Figueiredo
Cap Inf António Lourenço
Cap Inf João Manuel Martins Maltez Soares
Cap Inf Joaquim Tavares Cristóvão
Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques
Cap Art Samuel Matias do Amaral
(a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de OlJan61
Início: anterior a OlJan61
Extinção: 01Abr67 (passou a designar-se CCaç 3)
Síntese da Actividade Operacional
Era uma unidade da guarnição normal, com existência anterior a OlJan61 e foi constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, estando enquadrada nas forças do CTIG então existentes.
Em OlJan61, estava colocada em Bissau, com um pelotão destacado em Nova Lamego, onde foi transitoriamente instalada, na totalidade, em 03Abr61, com pelotões destacados em Sedengal e Cacheu e depois em S. Domingos.
Após a reorganização do dispositivo de 23Ago61, foi substituída em Nova Lamego, por troca, pela 3." CCaç, regressando a Bissau, tendo destacado efectivos para várias localidades da zona Oeste, nomeadamente em Ingoré, Enxalé, Susana, Mansabá e Bigene e também, na zona Sul, em Cabedú.
A partir de OlJu163, foi colocada em Farim, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 239, com pelotões destacados em S. Domingos e Ingoré e secções em Susana, Mansoa, Mansabá, Bigene e Barro, tendo depois ainda deslocado efectivos para Bissorã, Cuntima, Olossato, Binta, Guidage, Canjambari, Porto Gole e Enxalé, sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões que assumiram a responsabilidade do sector de Farim.
Em 270ut66, foi colocada em Barro, onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, então criado na área do BCaç 1887 e transferido, em 03Nov66, para a zona de acção do BCaç 1894, mantendo, no entanto, dois pelotões destacados no anterior sector, em Binta e Canjambari, este último deslocado para lumbembém, a partir de meados de lan67.
Em 01Abr67, passou a designar-se CCaç 3.
Observações - Em diversos documentos, esta subunidade era muitas vezes designado por 1.-
CCaç I.
Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 621/ 622
Pormenor engraçado: a distância entre Bissau e Farim é hoje de cerca de 150 km, e o tempo estimado de um percurso automóvel entre os dois pontos é de 3h45...
Em junho de 1963, já no início do tempo das chuvas, o Amadu Djaló fez essa viagem, em viatura militar, e gastou pouco mais de quatro horas... 'Saímos de Bissau, pouco passava das 8h00 da manhã e chegámos a Farim por volta das 12h30'..
Deve ter sido a sua última viagem, direta, entre Bissau a Farim, atravessando pacificamente o Morés... A guerra vai incendiar o Óio... E muitas ligações de Bissau com o interior ficam interditas... Mas o velho africanista Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o pai da nossa amiga Lucinda Aranha, lá estava em junho de 1963,com a sua velha Ford de matrícula G 05 e a sua máquina de projetar, indiferente aos ventos da história...
Luís
Convivi muito de perto com o Amadu Djaló, pois encontrava-o quase diàriamente em Bissau II/Rossio onde sempre trocávamos uns "dedos de conversa ".
O Amadu era um homem calmo, honesto, bom conversador.
Contribuí para o seu livro com várias fotos a pedido do nosso amigo e camarada Virgínio Briote que estão publicadas no seu interior e a contracapa é de um slide meu que o Virgínio gostou muito.
Estive no lançamento do livro que foi nas caves do Museu Militar.
Paz à sua alma
Abraço
Carlos Silva
Carlos, eu sei, e apreciei muito o teu gesto de camaradagem e de amizade. Um abraço fraterno, Luis
Julgo que em 63 o alcatrão ia só até Mansoa, quando muito até Cutia. Daí para cima era preciso picar a estrada toda. Ter também em atenção que a zona de Mamboncó era atravessada pelo corredor da morte que ligava ao Morés, muito perigosa onde todo o cuidado era pouco. A quantidade de vidas que ali se perderam.
No meu tempo o alcatrão ia até perto de Bironque, sendo o tapete levado até ao rio Farim (Cacheu) em meados de 1971.
O Amadu pode ter-se equivocado quanto ao tempo que demorou a fazer o percurso.
Também não acredito que hoje se demore quase 4 horas de Bissau a Farim a menos que haja mais buracos que estrada. A CART 2732 fez poucas colunas directas a Bissau e volta pelo que não me lembro do tempo que se demorava. Uma coisa é certa, de Bissau a Mansoa era sempre a abrir se levássemos só 404 e Berliets.
Carlos Vinhal
Concordo com a análise do Carlos Vinhal.
Presumo que o nosso saudoso camarada Amadu Djaló se tenha equivocado relativamente ao tempo gasto na viagem Bissau/Farim. A estrada não estava toda alcatroada e em terra batida a velocidade reduzia substancialmente, mesmo na época seca.
De Cuntima a Farim são cerca de 40 kms e a coluna levava pelo menos 2 horas ou mais, dependendo duma série de circunstâncias.
Eduardo Estrela
Vejam no Google > Distância Bissau - Farim ?
Resposta: "3 h 46 min (148,3 km) através de Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria"
Repare-se que em meados de 1963 não havia estradas alcatroadas... mas também não havia ainda minas nem emboscadas... A guerra tinha começado no sul, nas regiões de Quínara e Tombali...
E em 1963 ainda era preciso a autorização do pai da noiva para um homem se poder casar... E hoje, já mudarm muitos as mentalidades bem os usos e costumes, Espero que os jovens guineenses já se casem por amor... QAfinal, para que servou a indpendência ?
Vamos perguntar ao nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé que term testemunhado essas mudanças... E que casou por amor. Mas sabemos que ainda hã muitos casamentos "forçados"... Ab, Luís
Os amores (infelizes) do jovem Amadu Djaló em Farim fizeram-me recordar o soneto do Camoes, uns dos mais belos peomas de amor em língua portuguesa, "SEte anos de pastor Jacob servia"... O soneto baseia-se numa história conhecida da Bíblia (Gênesis, capítulo 29. Jacob era filho de Isaac e irmão de Esaú...
O nosso Amadu conta que, "mais tarde", quis casar com a Fatumata Bamba Djaló, a mulher mais linda que ele jamais vira e que levara com ele ao cinema do "Manel Djoquim", porém ela era já casada com outro homem... O pai não deu o consentimento, disse-lhe que o autorizava a casar com a irmã mais nova, chamada Mariama Bamba Djaló...
Sete anos de pastor Jacob servia
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
começa de servir outros sete anos,
dizendo:-Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.
Luís de Camões
https://www.escritas.org/pt/t/2510/sete-anos-de-pastor-jacob-servia
VOA - Voz da América | maio 08, 2021
Lassana Cassamá
https://www.voaportugues.com/a/casamentos-precoces-na-guin%C3%A9-bissau-tradi%C3%A7%C3%A3o-cultural-em-choque-com-direitos-humanos/5883108.html
Casamentos precoces na Guiné-Bissau: tradição cultural em choque com direitos humanos
(...) Um estudo da organização não-governamental PLAN Internacional, divulgado em 2018, concluiu que quase 40% das guineenses menores de 18 anos estão casadas.
(...) Estudos recentes apontam que “o casamento infantil é um fenómeno que tem contribuído para que as pessoas, principalmente as meninas, não tenham um futuro promissor”.
A prática está enraizada há séculos, tendo como protagonistas chefes de tabancas, religiosos e régulos.
Na lista das vítimas do casamento precoce, fomos buscar Adamawa Djaló, que aos 15 anos de idade experimentou a aventura forçada de se casar com um homem de mais de 40 anos.
Ainda com algum receio para falar, Djaló começou por recordar os dias difíceis que teve durante o “cativeiro” a que foi submetida, porquanto partilhava o mesmo tecto com um homem que não fazia parte dos seus sonhos.
(...) Sendo algo capaz de atrasar e distorcer o crescimento psicológico e físico da vítima, segundo especialistas, “o casamento precoce na Guiné-Bissau tem uma explicação tradicionalista muito forte”, disse, por sua vez, o antropólogo guineense Fodé Mané:
“Por vezes as pessoas se conhecem no dia do casamento porque não há contrato entre elas. É uma aliança entre as famílias. Não tem aquele pendor estritamente livre das pessoas poderem escolher com quem querem casar e quando. Só que antigamente havia um conjunto de rituais que tinha que ser feito. As pessoas tinham que passar por diferentes etapas até se casarem, não obstante o casamento é arranjado”, explica Mané.
Aquele antropólogo explica que uma menina, desde a infância, é prometida a um homem que, por vezes, é mais velho e que não conhece, mas tinha que passar por diferentes rituais: desde a iniciação, a outras cerimônias tradicionais até atingir uma determinada fase.
(...)Se dantes esperava-se que a menina atingisse a idade dos 17 ou 18 anos para que fosse submetida ao casamento, “ultimamente as coisas mudaram”.
Já não se espera pela maturidade da "vítima", suprindo, assim,alguns rituais que fazem parte da cerimónia.
“Muitos rituais não são feitos. Então não havendo estes rituais e havendo antecipação de dote dado pelo marido, então a tendência dos familiares do homem é sempre pedir mais cedo que sejam dadas a mulher para se casar. Neste caso, os familiares da mulher não tem como resistir, abdicando-se de diferentes etapas e consequentemente não a menina não atinge a maturidade. O que leva os maridos a pedirem o casamento nas idades de 13 e 14 anos”, acrescenta Mané.
(...)Entretanto,a Associação dos Amigos das Crianças (AMIC) diz que, se a situação já era preocupante, o quadro de casamento precoce associado ao casamento forçado piorou com a pandemia de Covid-19, “devido ao agravar da situação socioeconómica dos pais”.
(...)Na conversa com a VOA, Adamawa Djaló, considerada um exemplo de resiliência, recuou no tempo para partilhar mais um episódio dos seus difíceis dias que ela mesma considera de “cativeiro”.
“O período mais difícil naquela altura com o meu ex-marido, foi no próprio dia do casamento. Uma pessoa que eu nem conhecia. Aliás, o conhecia só de vista, nunca convivi com ele. E tive de fazer o acto sexual com ele, sem estar preparada psicologicamente”, lembra, o que, segundo ele, teve sérias consequências.
São sequelas que jamais apagarão da memória deAdamawa Djaló que diz que depois da separação teve de enfrentar outro desafio: afirmar-se como mulher independente. (...)
Maravilhas estes textos do Amadu Djaló. Quando no blogue somos brindados, dia sim dia, não, com a sequência dos trezentos e oitenta e quatro textos (talvez mais!) do Mário Beja Santos sobre a esplendorosa Bruxelas, que nos valha, falar a sério, perto do coração, o Amadu Djaló, na sua e nossa, tão precária e inesquecível Guiné.
Abraço,
António Graça de Abreu
Durante o curso participei numa boa meia dúzia de acções na zona do Oio e inevitavelmente arrancávamos para Mansoa. Daqui partíamos em direcção a Bissorã ou Cutia. O alcatrão acabava em Mansoa. E até Out66, que me lembre, a pavimentação não se alterou.
V. Briote
______________
distância entre Cuntima e Farim cerca de 30 Kms
Caro Luís e amigos veteranos,
A Guiné-Bissau é precária sim, mas fazendo parte do mundo, inexorávelmente, não escapa a dinámica das suas mudanças. E num periodo de quase 60 anos, muita água passou debaixo da ponte.
Eu casei-me por opção e escolha pessoal porque nasci homem e tive a sorte de ter um pai que, sendo muçulmano, foi muito tolerante para comigo, sorte que as minhas irmãs não tiveram. Depois, frequentei a escola portuguesa em detrimento da coránica, também por opção pessoal quando tinha menos de 9 anos de idade e ainda tive a sorte de convíver no meio da tropa metropolitana, coisas que muito poucos da minha comunidade se podem orgulhar. Resumindo, posso dizer que sou um homem de muita sorte.
Sobre os casamentos hoje em dia e diante da realidade vigente, a minha opinião não é tanto ou quanto paradoxal porque dividida quanto aos resultados esperados. Se as meninas hoje têm maior liberdade de escolha, não se pode dizer que os resultados são excelentes, longe disso, pois a dita liberdade está assombrada com o surgimento de maior irresponsabilidade e prostituição generalizada ao arrépio do que se considerava antes o respeito pela honra e bom nome da família. Como explicou o Sociólogo Fodé Mané, estes comportamentos considerados como desvios e contra a moralidade são a causa principal que faz aumentar as práticas de casamentos precoces que não se observavam nos tempos passados, caso para dizer, nem sempre a liberdade da escolha produz os melhores resultados.
Ainda é preciso dizer que o ritmo das mudanças é mais acelerado nas zonas urbanas onde também se observa maior nível de escolaridade entre as camadas jovens e,bem especial a feminina, mas nas zonas rurais também não estão imunes e é onde aparecem as mais chocantes denúncias porque os progenitores ainda são mais conservadores e mais facilmente influênciados pela tradição vs religião.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Lucinda Aranha (by SMS, 16 out 2022, 20h54, enviado ao editor):
Luís: pelos vistos, o nosso Amadu era muito namoradeiro. Não perdia tempo. Bjs
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