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Timor Leste foi o único território ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951) que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1941 e setembro de 1945): tropas anglo-australianas e holandesas, primeiro, e japonesas depois).
Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp. |
(i) O autor estava em Bacau, onde tinha tomado posse do cargo de autoridade de saúde. (Em 1941 havia 4 médicos para cerca de 435 mil habitantes !).
Bacau estrava a mais de 120 km da capital, Díli. Ficava na parte oriental do território. E era conhecida, na época, por "Vila Salazar". Daí ter-se socorrido de outras fontes, como o livro do deportado dr. Cal Brandão (1906-1973), "Funo: guerra em Timor" (Porto, 1946).
O admistrador da circunscrição de Bacau era o tenente Manuel Pires, que se irá depois destacar como um dos heróis da resistência contra os japoneses. Era um homem igualmente nascido no Porto, como Cal Brandáo.
Contrariamente à invasão e ocupação dos japoneses, dois meses depois, o contingente australiano-holandês (menos de 1600 homens) instalou-se em Díli aparentemente sem dar um tiro. Mas a decisão dos Aliados, violando a neutralidade portuguesa, ao desembarcar tropas no território para proteger a costa norte da Austrália, irá ter consequências trágicas para os timorenses: cerca de 60 mil (15% da população) morrerá devido à fome e à violência dos invasores e ocupantes (os japoneses e os seus aliados, c. 20 mil, que vieram da parte ocidental da ilha, as temíveis "colunas negras" que semearam o caos e a morte na colónia portuguesa).
(...) A 17 de dezembro de 1941, muito cedo, o cônsul da Inglaterra, sr. David Ross, deslocou-se ao palácio do governador, em Lahane, pedindo-lhe para receber, às oito horas, um delegado do Comando Aliado, que solicitava uma conferência (1)
O governador dirigiu-se, a essa hora para a secretaria da administração civil em Díli e aí recebeu o tenente-coronel Stressmann, do exército holandês, que se apresentou como comandantes das forças aliadas que deviam desembarcar e fixar-se em Díli, imediatamente, conforme ordens superiores que ele recebera e que impreterivelmente teria de cumprir até às nove horas.
O governador convocou uma reunião dos oficiais da guarnição de Díli e mais o coronel Castilho, concluindo unanimemente que era impossível resistir pela força a esta prepotência dos Aliados, cujos aviões sobrevoavam a cidade e tinham dois navios de guerra à vista.
Deste modo, o desembarque aliado fez-se sem luta após o governador ter energicamente protestado contra a invasão e ordenado que se hasteasse permanentemente a bandeira nacional em todas as repartições e edifícios públicos da colónia e mandando comunicar o acontecido às circunscrições.
Para vincar a atitude de neutralidade para com os beligerantes, que recomendou a todas as autoridades administrativas, recclheu-se à sua residência e ali, por livre determinação, se considerou prisioneiro (1).
Entraram assim em Timor trezentos e oitenta oficiais e soldados australianos, comandados pelo major Spencer, e mil e duzentos soldados do exército holandês, quase todos naturais de Java, enquadrados por alguns oficiais e sargentos europeus (1).
Os australianos bivacaram no campo de aviação e, depois, transferiram o seu acampamento para a montanha de Nai-Suta, cerca de quinze quilómetros para o interior. Os holandeses instalaram-se na casa da Ásia Investment Company, representada pelo alemão, sr. Max Sander que aí residia (1) .
As tropas holandesas iniciaram, em Díli, os trabalhos de entrincheiramento, ao longo da praia, construindo redutos para as metralhadoras anti-aéreas e sarilhos de arame farpado para, no momento próprio, fechar as ruas e estradas. Todas estas obras militares eram levadas a efeito, na melhor ordem, sem afrontar ou prejudicar quem quer que fosse (1).
«Logo no dia da sua chegada, a polícia militar holandesa, sob o comando do major Hagerbeck, que ao rebentar da guerra viera para Díli, a título de comprar cereais, procedeu à captura de alemães e japoneses» (1) .
O cônsul nipónico, com sua família e pessoal, ficou detido na sua residência, e os outros ficaram em regime de prisão nos escritórios da sua Companhia de Aviação (1) .
(ii) A única força militar portuguesa, no território, era a Companhia de Caçadores de Timor, comandada pelo cap inf Freire da Costa (e tendo como adjunto o tenente Liberato). foi forçada a desçlocar-se para o interior, para o quartel de Maubisse.
A população civil refugiou.se nas montanhas (Aileu, Liquiçá, Maubara). As escassas centenas de portuguesesww que lá vivia, (funcionários públicos, missionários e deportados) alimentavam a secreta esperança do socorro de uma força militar portuguesa que teria partido de Moçambique. Mas em vez dos portugueses, quem desembarca em 20 de fevereiro de 1942 são... os japoneses.
(...) No dia 18 de dezembro, o tenente-coronel Van Stratten, comandante das forças aliadas, avistou-se com o Governador e comunicou-lhe as informações que possuía, segundo as quais os oficiais da Companhia de Caçadores de Timor projectavam um golpe de força contra as tropas estrangeiras. Embora com mágoa, ver-se-ia obrigado a desarmar a Companhia (2).
O Governador, não conseguindo demover o tenente-coronel da sua decisão, resolveu, para evitar o vexame, afastar da capital a Companhia de Caçadores de Timor, ficando no quartel de Taibessi somente um destacamento sob o comando do tenente Ramalho (2).
Assim, seguiu a Companhia para o quartel de Maubisse, recentemente acabado de construir, levando o seu comandante, capitão Freire da Costa e o tenente Liberato como oficial subalterno, tendo chegado ao seu destino na noite de 19 de dezembro (2).
A população civil de Díli com exceção de alguns funcionários, abandonou a capital e foi viver para o interior, sobretudo para Aileu, Liquiçá e Maubara.
Os funcionários distribuiram-se por pequenas «repúblicas» que a ausência da família obrigara a organizar (3), sendo alguns deles carinhosamente acolhidos na Missão de Lahane, pelo Padre Jaime que generosamente a todos hospedou.
Os muito poucos portugueses que se mantiveram em Díli, entre os quais o dr. Cal Brandão, iam fazendo a sua vida usual, convivendo com as forças estacionadas em Timor, cujo porte correto e simpático havia arredado toda a ideia de ocupação (1).
Assim, os dias decorreram sem que qualquer incidente viesse prejudicar a convivência amigável entre os estrangeiros e alguns elementos da população europeia. O Governo, porém, dera instruções aos funcionários n sentido de manterem com as forças ocupantes uma atitude correcta mas sem qualquer espécie de familiaridade ou colaboração (2) .
«Tudo parecia indicar um breve regresso à normalidade. Algumas famílias preparavam-se para regressar à capital. Dizia-se que, em virtude de um acordo assinado entre os governos português e inglês, as tropas aliadas abandonariam o nosso território após a chegada de um contingente de forças portuguesas que, a bordo do João Belo, comboiado pelo aviso Gonçalo Velho, partira de Lourenço Marques com destino a Timor. Em Díli trabalhava-se afanosamente no arranjo do alojamento para as tropas e as culturas intensificavam-se em toda a colónia.
"As forças expedicionárias estavam já em comunicação direta com Timor e aguardava-se a sua chegada para 21 ou 22 de Fevereiro de 1942. Escolhera-se para seu desembarque a costa de Baucau a fim de evitar possíveis conflitos com as tropas estrangeiras que ocupavam a capital. Corria que estas tropas já estavam a enviar, para o território holandês, parte do seu material» (2).
Com inevitável ansiedade procurávamos, em Baucau, encontrar no mar sinal dos nossos tão almejados navios, quer de dia, quer de noite, pois já era tempo da sua chegada.
Mas, na manhã do dia 20 de fevereiro de 1942, surgiu a mais tremenda desilusão. Um telefonema do tenente Pires deu-me a brutal notícia. Quem desembarcara em Díli, haviam sido os japoneses!
Compreendi eu, então, que as três dezenas de aviões que no dia anterior tinham passado sobre Baucau, voando a grande altitude, não pertenciam às forças aliadas.
Eram, de facto, aviões japoneses e dirigiam-se para Port Darwin onde reduziram os edifícios a escombros e afundaram os navios encontrados na majestosa e magnífica baía militar, fazendo este raide de surpresa para proteger o seu desembarque em Timor (1).
(iii) Vd., aqui o dramático discurso de Salazar, na Assembleia Nacional, em 19 de dezembro de 1941, e que a Emissora Nacional acompanhou:
RTP> Arquivos > Discurso de Salazar sobre Timor > 1941-12-19 00:36:09 (Ficheiro áudio, com a devida vénua...)Fonte: Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05768.032.08295 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6853 | Ano: 21 | Data: Sexta, 19 de Dezembro de 1941 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa |
Recorte, com a devida vénia
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-7-23)
Notas do autor:
(i) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.
(2) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor,Portugália, Lisboa.
(3) Informação a mim prestada, directamente, pelo senhor Moreira Rato.
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Nota do editor:
Último poste da série > 14 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941
7 comentários:
Olá Camaradas
Sabemos muitíssimo pouco sobre o que se passou em Timor antes das invasões e durante as ocupações e já "perdemos o contacto" com os que andaram metidos naquelas misérias. Poderemos ler os livros de alguns que por lá passaram. Que será que dizem os documentos que ainda andam por aí (Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Histórico Militar e nos processos individuais dos participantes). Mas uma coisa é certa: Portugal fez um papel mais que miserável. De qualquer modo era bom que fôssemos procurando e "encontrando" elementos sobre o sucedido. E o que dirão os holandeses e os japoneses nos seus arquivos?. As traduções serão difíceis, mas certamente dirão algo sobre o sucedido. Será que as embaixadas poderiam orientar a pesquisa? O que dirão as "nossas" universidades sempre prontas a investigar?
Um ab.
António J. P. Costa
Olá, Tó Zé.. E será que há curiosidade em saber?...
" Em Díli (1940) não havia energia elétrica, água corrente, ruas pavimentadas, telefones públicos, instalações portuárias (cais de carga)."
Do Minho a Timor, em aldeias do Minho e noutras do interior por todo o país também era assim em 1940.
Valdemar Queiroz
Olá Camaradas
Pelos dados que acabamos de ler Portugal não era para a potência administrante do território... Para tal era necessário que houvesse algo para administrar e numa confusão e desorganização que se descreve tal não acontecia. Se fizéssemos uma lista de portugueses brancos - os responsáveis - poderíamos ter uma ideia do que eram capazes de fazer. E os graduados (liurai, etc) também poderiam ser analisados e tirar algumas ideia quanto à organização. "social" que existisse. E os presos e homiziados como era? O que faziam? administrativamente? Politicamente? Enfim, uma miséria que só esperava as duas invasões que se deram... É impossível saber o que ali se passava...
Um ab.
António J. P. Costa
O atraso era total!!!
Do Minho a Timor as pessoas viviam desgraçadamente numa luta constante pela sobrevivência. Em Cacela a luz só chegou no início da década de 70 e aqui não é interior. No interior mesmo, só muito mais tarde a electricidade chegou.
As estradas eram de terra batida como na Guiné. Ainda me lembro de só haver na vila 3 automóveis. Motorizadas (cuciollos e outras), contavam-se muito poucas.O mesmo para pedaleiras estas também poucas.
Uma vergonha num país da Europa.
Sem infraestruturas e onde o povo não tinha acesso às mais elementares
necessidades básicas .
E depois mandaram-nos combater para defender o império.......da CUF.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Estrela, em 1941 Timor ainda era "a possessão portuguesa de Timor" nem sequer era uma colónia por que não tinha colonos, portugueses só tinha deportados contra o salazarismo.
O celebre piloto Sarmento de Beires, que fez a primeira viagem de avião Vila Nova de Milfontes - Macau e por fazer parte de uma revolta contra Salazar foi condenado ao desterro e exílio Timor no ano de 1933 só regressando no fim do ano de 1955.
Boas cervejolas frescas e loiras
Valdemar Queiroz
Por estar muito "gralhado", eliminamos o nosso comentário de 23/7/2024, 14:39, e voltamos a reproduzi-lo, com informação adicional... LG
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Da entrada sobre "Timor", no "Dicionário de História de Portugal" (ed. lit, António Barreto e Filomena Mónica, vols. VII a IX, Porto, Figueirinhas, 2000), pode ler-se, no Vol IX, Suplemento P/Z, a pp. 5i5-517, e do livro de memórias de José dos Santos Carvalho que temos vindo a recensear, recolhemos a seguinte informação, de natureza socioeconómica e demográfica:
(i) de 1926 a 27 de fevereiro de 1942 (data do desembarque japonês), Timor conheceu "um período de abandono e estagnação" (sic);
(ii) 200 fncionários civis e 300 militares (a maior parte indígenas) garantiam a soberania portuguesa;
(iii) mais de 90% dos c. 470 mil timorenses de então vivia nas zonas rurais governados pelsos seus próprios régulos (os "liurais);
(iv) a economia, de base agrícola, era de subsistência (milho, introduzido pelos portugueses no séc. XVII, e arroz de sequeiro), tendo alguma importância o café (que eera exportado), a criação de gado e o artesanato;
(v) em Díli,a atividade comercial era dominada por uma elite de mestiços e chineses;
(vi) 80% das exportações eram representadas pelo café, de alta qualidde (700 toneladas exportadas em 1938);
(vii) na ausência de receitas próprias, Lisboa tinha que suportar as despesas de administração do território;
(viii) em Díli, em 1940, não havia energia elétrica, água corrente, ruas pavimentadas, telefones públicos, instalações portuárias (cais de carga);
(ix) apenas cerca de um milhar de crianças frequentavam a escola primária;
(x) havia 4 médicos (segundo o testemunho de José dos Santos Carvalho, médico de saúde pública) e uns tantos enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
(xii) os direitos civis, reconhecidos em 1822, na sequência da revolução liberal, foram revogados pela nova política colonial do Estado Novo (Ato Colonial de 1930);
(xiii) os assimilados ou civilizados eram uma minoria de 2% de timorenses (os que tinham instrução e bens próprios);
(xiv) pelo Ato Colonial de 1930, praticava-se o "trabalho forçado" (obras públicas, etc.);
(xv) o território (a c. 20 mil km de distância da "metrópole") continuava a ser local de deportação e encarceramento (deportados "políticos" e "sociais");
(xvi) a Igreja Católica era influente mas só 13% dos timorenses eram então católicos praticantes;
(xvii) a assiantura da Concordata e do Acordo Missionario entre o Vaticano e o Estado Novo tinha-se traduzido na criação de uma diocese em Dili (Timor até então dependia de Macau);
(xviii) não havia rádio nem jornais;
(xix) os únicos professores eram os missionários;
(xxx) o sistema de saúde resumia-se praticamente a um pequeno hospital, uma "farmácia de Estado"!, e três delegacias de saúde pública, para um território de 15 mil km quadrados.
São dados que estão longe de serem lisongeiros para a potência administrante do território... (A colonização efetiva data do início do séc. XVIII, com a imposiação de um primeiro governador português.)
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