quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25890: Historiografia da presença portuguesa em África (438): O anuário turístico da Guiné, 1963-1964 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Assim que vi referência a este anuário turístico da Guiné, com o nº1, o que leva a supor que haveria o início de uma coleção, reportado a 1963-1964, fui a correr ao vendedor, folheei estas 100 páginas ricamente ilustradas com perfis de mulheres e homens, danças e penteados, fotografias de praias, de estátuas de artérias urbanas, não encontrava resposta para uma publicação desta natureza redigida em português, francês e inglês, em 1964, o conflito atingir tais proporções que qualquer um daqueles aliciantes turísticos era inviável. Muito provavelmente aconteceu que o espírito desta coleção nasceu antes da luta armada, seria de profundo mau gosto enviar para as chamadas Casas de Portugal (agências turísticas junto das nossas embaixadas) este anuário. Mas que ele foi distribuído na Guiné, a prova clara é que o exemplar traz uma assinatura, diz Guiné, 1967. Acontecimento editorial insólito, sem margem para dúvida, impensável não dar aqui esta notícia da sua existência.

Um abraço do
Mário



O anuário turístico da Guiné, 1963-1964

Mário Beja Santos

Este anuário turístico é uma verdadeira surpresa, a guerra na Guiné já começou e desenvolve-se e faz-se um livrinho de 100 páginas em português, francês e inglês, oferecendo-se a quem aqui arriba os elementos geográficos mais pertinentes, dados sobre o relevo e hidrografia, clima, população, governo e administração; segue-se o esboço histórico, dados sumários sobre a missionação e a Prefeitura Apostólica da Guiné, como se processa a educação e o ensino, o grau de assistência sanitária, os organismos da assistência social (Lar de Santa Isabel da Santa Casa da Misericórdia da Guiné, o Asilo da Infância Desvalida de Bór com creche e o internato de Bór). Aspeto bem curioso passa pelos dados económicos, a palmeira de azeite estudada pela Brigada de Estudos Agronómicos da Guiné, os viveiros de bananeiro no posto agrícola de Pessubé, onde também foram introduzidas sementes de cacaueiro, refere-se a importância das exportações de amendoim, noticia-se que há um pequeno campo de viveiros de ananás e no tocante à indústria salienta-se a grandiosa obra da SACOR em Bandim; quanto às exportações florestais, destacam-se o poilão, o bissilão, o pau-ferro, a calabaceira, a palmeira, a farroba, as acácias, a tamarindeira e o pau-sangue. Dão-se informações sobre o terceiro plano de fomento e quais as obras de fomento em curso: troço da estrada Bafatá-Nova Lamego, acessos à nova ponte sob o rio Cacheu, remodelação das obras de arte correntes do troço Safim-Buba, etc. No final de 1962 fora inaugurada a nova central telefónica automática de Bissau. Sumaria-se o que está a acontecer na energia elétrica e dedica-se um capítulo às finanças, o Banco Nacional Ultramarino tem a sua filial edição.

Apesar da guerra não há nada como saber que a Guiné tem os seus atrativos turísticos, exalta-se o quadro da natureza, as estradas de bom piso que sulcam o território em todos os sentidos, a vegetação variada, os campos lavrados, os extensos alagadiços de arrozal, o mangue da beira-rio e há as ilhas, um verdadeiro Éden com os seus palmares. Não se esquece a referência ao Macareu, aos rápidos do Saltinho e alicia-se o potencial turista com os seguintes dizeres:
“Ao viajante em breve digressão, mais patente, o pitoresco das casas circulares, primitivas, de estacaria e capim, paus a pique (estacaria e barro) ou da casa retangular, de adobes, mais recente, de influência europeia, umas e outras de cobertura palhiça com ingénuas pinturais murais exteriores, de colorido vermelho nos Felupes, da região fronteiriça do Norte litoral, ornamentações geométricas brancas, de conchas do mar, nos Biafadas; exuberantes e policromas pinturas exteriores e interiores, de vivas colorações, nos Bijagós, tão misteriosos e ensimesmados)".

Dá-se um quadro sobre os costumes, guerreiros ou pacíficos, batuques e cerimónias, vestuário e atitudes, tão dissemelhantes do Felupe ao Balanta, dos Manjacos aos Bijagós, dos Nalus aos Fulas e Mandingas e outros – os muçulmanos solenes, em suas largas e brancas, ou de cor, bordadas ou lisas, vestimentas e babuchas; os exíguos saiotes de ráfia dos ilhéus; a transição indumentária, sobretudo dos Papéis, mais em contacto de permanência com o europeu; o terçado rude e o arado em remo dos agricultores da baixa Guiné; os alfanges e punhais embainhados em couro trabalhado das gentes pastoris e seareiras da zona interior. Tece-se uma exaltação da paisagem humana que completa a paisagem natural e que faz de uma visita à Guiné um prazer turístico. E os aliciantes turísticos são denunciados:
“A Guiné Portuguesa oferece ao turista e visitante o atrativo de caça que, embora não seja tão variada como nos territórios portugueses de Angola e Moçambique, tem muitas espécies como o hipopótamo, a boca-branca, o sim-sim, porco-do-mato, o elefante raro, a onça, a gazela de lala, a garça, o búfalo, o onbi, a galinha-azul, e animais nocivos como leão, leopardo, lince, hiena, cão-do-mato, chacal, cinécefalo, crocodilo, cobras e serpentes, aves de rapina, etc. As reservas de caça existentes: Mata de Cantanhez (na área do posto administrativo de Bedanda, concelho de Catió), Lagoa de Cufada, na circunscrição de Fulacunda e zona abrangendo uma faixa de 5km em volta do parque da praia de Varela".

Há lugares dignos de menção em Bissau, Bafatá, Bolama, Bijagós, S. Domingos e Fulacunda, o visitante tem monumentos para contemplar, com destaque para a fortaleza de S. José de Bissau, mas há monumentos em Bolama, em Bafatá, em Mansabá (ao alferes Figueira, morto nas guerras de pacificação), em Bubaque, monumento a Gomes Baleeiro (descobridor e explorador do arquipélago dos Bijagós), bem como os padrões comemorativos do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, em Bissau, Cacheu e Farim; são recomendadas visitas a várias pontes e põe-se ênfase nas praias (Varela, Tor, no Biombo, Nova Ofir, em Bolama, Bruce, em Bubaque, Tropical, na área do posto de S. João); indicam-se ainda duas piscinas, em Farim e Bafatá, destacam-se as vias de comunicação, os transportes aéreos e os portos; faz-se também menção à emissora provincial da Guiné Portuguesa; à biblioteca do Museu da Guiné, com um acervo de 14 mil volumes, à imprensa existente (Boletim Oficial, O Arauto, O Bolamense, o Boletim Cultural da Guiné e o Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné; não se discura a referência a grupos ou clubes, a casa de espetáculos e a oito hotéis localizados em Bissau, Bolama e Bafatá.

A iniciativa deste anuário turístico foi do Centro de Informação e Turismo da Guiné Portuguesa, pergunta-se, com efeito, quem seria o seu destinatário quando em 1964 a Guiné já sofrera uma poderosa separação de águas, era totalmente impensável estar a propor a quem quer que seja tais aliciantes turísticos. Fica-se com a convicção de que este projeto datava de tempos anteriores a 1963, quando foi editado o anuário seria simplesmente macabro imaginar aliciantes turísticos desde a caça a muitas daquelas viagens por meios rodoviários e até ao desfrute de valiosos recursos naturais como a Lagoa de Cufada.

Daí o enigma (aparentemente irresolúvel) desta edição.


Descoberta da Guiné, tapeçaria de Renato Torres, Fábrica de Tapetes de Portalegre
Vista parcial de um dos jardins do Palácio do Governador
_____________

Nota do editor

Último post da série de 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25864: Historiografia da presença portuguesa em África (437): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

"A Guiné Portuguesa oferece ao turista e visitante o atrativo de caça .............. tem muitas espécies como o hipopótamo...... elefante raro, a onça, o búfalo......e animais nocivos como leão, leopardo, lince, hiena, cão-do-mato, chacal, cinécefalo, crocodilo, cobras e serpentes, aves de rapina, etc. ...."
Quem é que ia pra Guiné caçar hipopótamos, crocodilos, macacos, cobras e aves de rapina, já que leões e leopardos seria difícil encontrar.
Valdemar Queiroz