quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25889: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte VII: Depoimento 3. Albino Von Doellinger vê morrer o seu conterrâneo e amigo Artur da Costa Neves.



Guião do BART 3881, "Bravos e Sempre Leais" (que inblui, além do comando e CCAS, as CART 3538, 3539 e 3540  (Angola, 1972/74) (Cortesia da sua página do Facebook)



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhpos e depoimentos recolhos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] (pp.  74/75)


Parte VII: Depoimento 3. Albino Doellinger vê morrer o seu conterrâneo e amigo Artur.



O 1.º cabo Albino Mendes Von Doellinger vê morrer o seu conterrâneo e amigo, o soldado Artur da Costa Neves, natural da freguesia de Fafe, filho de Manuel Pereira Neves e Rosa da Costa Pimenta, que faleceu em 7 de julho de 1972, afogado no rio Luanguinga, no Leste de Angola. Ambos pertenciam à CART 3538 / BART  3881 (1972/74), com sede no Lucusse.

Recolhi o seu depoimento no dia 18.11.2013, durante o qual me relatou que o acidente ocorreu no destacamento sediado no Luanguinga, onde ambos prestavam serviço. 

O Albino era cozinheiro e o Artur estava destacado num grupo de combate que fazia proteção à Junta Autónoma das Estradas de Angola e que estava a abrir uma estrada perto do aquartelamento. 

Como sempre, o pessoal operário da Junta Autónoma precisava de proteção militar para poder efetuar os trabalhos. Nesse dia 7 de julho de 1972, pelas 11.15 horas, um mês depois do início da Comissão, o grupo do Artur foi destacado para ir ao quartel buscar o almoço. 

Às 12.15 horas, conta o Albino, saíram do quartel com o almoço para os colegas que estavam na picada a fazer a proteção e regressaram, de novo, pelas 14.30 horas para levar o jantar. 

É nessa altura que o Artur pede ao Albino para trocar a sua faca de mato, ajudando este a transportar e a lavar as panelas no rio, como era habitual, situado em frente à cozinha e mais ou menos a 100 metros. É neste preciso momento que, estando o Artur com os pés metidos dentro da água e de costas para o caudal do rio a lavar as panelas, desmaia, cai para trás (talvez com uma congestão, diz o Albino) e é arrastado pela forte corrente do rio, vindo a ser recuperado vinte minutos depois junto a uma ponte.

Conta o Albino, que a família não teve direito a receber a concessão da pensão de sobrevivência, em virtude de a morte não ter sido considerada em combate.

Perguntamos nós:

- Que país é este que obrigou um jovem, que era o ganha-pão dos pais, a servi-lo na Guerra, vindo a morrer no cumprimento do seu dever, ao executar uma das tarefas próprias de apoio à manutenção da guerra, e, depois, este mesmo país vem dizer aos pais: O acidente não foi considerado em combate. Se ele era o vosso sustento, amanhem-se como quiserem. Isto não é nada connosco. Azar dele!

Comentários?! …


(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)

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3 comentários:

Anónimo disse...

" que país é este..... "
Uma vergonha meus amigos!!!
Como é possível este tipo de argumentação?
Só gente com mente imunda decide assim.
Abraço
Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo, o Artur era "soldado apontador de morteiro", não tinha nada que "andar a cheirar" pela cozinha... Não sabemos o que diz o auto de averiguagões,mas possivelmente lá está a razão por que a sua morte foi simplesmente considerada como "acidente por afogamento": no fundo, estava "desenfiado", devia estar junto do morteiro e não a lavar pratos no rio...

A gente esquece-se que o Exército é uma burocracia no sentido weberiano do termo (tal como as demais instituiçoes das sociedades modernas, da igreja à empresas, dos hospitais à universidade, dos tribunais aos sindicatos : a sua organização e funcionamento deve funcionar segundo a "racionalidade legal".... Claro que depois há "exceções" à regra, porque quem decide, com base na informação apurada e tratada, não é uma "inteligència artificial" mas um ser humano com galões em cima dos ombros... Claro que há coisas que nos chocam, porque reveladoras de grande "hipocrisiai instititucional": quando um oficial se suicida com um tiro de Walther na cabeça, o assunto fica arrumado com a classificação do caso como "acidente com arma de fogo"... E podemos todos dormir de consciència tranquila...

Valdemar Silva disse...


"É nessa altura que o Artur pede ao Albino para trocar a sua faca de mato..."
Para quê esta observação da troca da faca de mato?
E tudo tem que ver como foi levantado o auto do acontecimento, com os
superiores a fugir com a não autorização do apontador de morteiro ir lavar a loiça
ao rio.
Então e se morresse atropelado quando se dirigia para o quartel?
De resto, bastava ter sido mobilizado para ir para a guerra que qualquer acidente
que se verificasse seria sempre 'morto na guerra do Ultramar'.
Valdemar Queiroz