1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de julho de 2024:
Queridos amigos,
Peço particular atenção à súmula apresentada seguramente pelas autoridades oficiais sobre a Guiné Portuguesa, em 1878, é explícita quanto à exiguidade da presença portuguesa. Entramos agora em novo Boletim Oficial, já existe a província da Guiné.Como se fez referência aquando da leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, um Boletim Official é uma das muitas ferramentas de que se mune o investigador, carece de cruzamentos com outras fontes. No caso vertente, sugiro sem nenhuma hesitação, o levantamento apreciável que Armando Tavares da Silva fez no seu livro monumental "A Presença Portuguesa na Guiné, História política e militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, logo os dois primeiros capítulos, referentes aos estabelecimentos portugueses no Distrito da Guiné em 1878 e à atividade do primeiro governador da Guiné, Agostinho Coelho, entre 1879 e 1881, revelam-se de grande importância.
Um abraço do
Mário
A Guiné Portuguesa em 1878
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1880 e 1881 (1)
Mário Beja Santos
Preparava-me para começar a leitura do Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa quando dei pela existência de uma brochura onde fazia o ponto da situação das colónias portuguesas numa edição em língua francesa, Imprensa Nacional, 1878. É um texto de síntese, mas que permite ao leitor confirmar o que era a exiguidade da presença portuguesa naquela porção da Senegâmbia. Diz o autor que até perto dos finais do século XVI Portugal possuía ainda todo o território que se estendia do Cabo Verde (ponto continental) até à Serra Leoa, numa extensão de costa de 450 milhas. Durante o domínio filipino Portugal perdera todo o território ocupado a norte do Cabo de Sta. Maria e a sul do Cabo Verga. A Guiné Portuguesa compunha-se de três municipalidades: Cacheu, Bissau e Bolama, esta última compreendendo a Ilha das Galinhas. Todo o Distrito da Guiné é muito insalubre, sobretudo de junho a dezembro; as chuvas começas perto do fim de maio e duram até ao fim de setembro. O ardor do sol e a humidade das noites são bastante danosas para a saúde, sobretudo de quem acaba de desembarcar. Uma doença chamada no país por carneirada pode provocar muitas moléstias, os todos os que resistem a estas situações penosas passaram a gozar de uma excelente saúde. A Guiné Portuguesa contém 1386 fogos e 6154 indivíduos, da metrópole há 37 homens e 3 mulheres, provenientes de outras províncias ultramarinas 419 homens e 217 mulheres, mais 56 estrangeiros e 6 estrangeiras. O autor passa em revista as três municipalidades.
Cacheu compões de Casa Forte e compreende a população dos arredores do rio S. Domingos, do presídio de Bolor, Ziguinchor e Farim. Estas feitorias têm cerca de uma milha quadrada de extensão cada uma. A agricultura reduz-se sobretudo à produção de arroz. Cacheu fornece uma espécie de arroz chamado arroz de Gâmbia, que é muito apreciado na Europa e se pode comparar ao arroz da Carolina. Abundam a cera, o marfim, o óleo de palma ou de dendém; há igualmente algodão branco em abundância e incenso. Os portos de Cacheu, de Bolor e Ziguinchor estão bem abrigados.
Bissau compõe-se do Forte de S. José e dos presídios de Fá e de Geba no interior, no território dos Mandigas. A extensão de cada uma destas feitorias é semelhante ou aproximada às feitorias de Cacheu bem como os tipos de produção. O Forte de S. José está praticamente envolvido por seis povoações que são governadas por régulos, dependentes do rei de Intim. O porto de Bissau tem em frente o Ilhéu do Rei ou dos Feiticeiros; à semelhança de Farim e Ziguinchor, são os pontos que alimentam o comércio de Cacheu, Geba fornece a Bissau os principais artigos do seu comércio.
Bolama compreende a Ilha das Galinhas, o arquipélago dos Bijagós, na embocadura do Rio Grande. As produções daqui são geralmente as mesmas que as das outras municipalidades da Guiné. No entanto, Bolama produz mancarra de muito boa qualidade; a pesca é muito produtiva e abundam as tartarugas nas águas destas ilhas. A ilha de Bolama foi cedida a Portugal em 1607 pelo rei de Guinala. O autor depois explica a tentativa de apropriação por parte dos ingleses e verte o texto da sentença do presidente dos Estados Unidos Ulisses Grant, versão inglesa.
O autor informa que o Governador Geral de Cabo Verde visita Bolama em 30 de setembro de 1870 e tomou solenemente posse da ilha em 1 de outubro; Bolama está coberta de plantações, tem excelentes madeiras e o seu clima é bastante salubre, goza de um grande movimento comercial e a fertilidade do seu solo assegura-lhe um futuro de prosperidade. A Ilha das Galinhas, dada por Damião, rei de Canhabaque, ao coronel português Joaquim António de Matos que a ofereceu à coroa de Portugal em 1830; é uma ilha bastante fértil, produz excelentes madeiras, possui água em abundância, pescam-se tartarugas de que se recolhe o âmbar; o seu melhor porto não é acessível a não ser a pequenas embarcações.
É este o essencial do que se dizia da Guiné em 1878, a um ano da sua separação de Cabo Verde, passando de distrito a província.
Concluída a leitura do Boletim Official do Governo de Cabo Verde e da Guiné, incluindo os primeiros meses de 1880, começa-se agora a folhear o Boletim Oficial da Província da Guiné Portuguesa, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Esclarece-se o leitor de que há lacunas, os primeiros números são inexistentes com reduzidos a folhas praticamente elegíveis, entra-se a sério no documento no Boletim N.º 12, com data de 25 de setembro. Há imensas parecenças com as matérias que se encontram no Boletim Oficial de Cabo Verde, informações sobre pessoal que vai em gozo de férias, quais os papéis que devem ser escritos em papel selado, nomeações, transferências, embarcações que vão em socorro de outras, com os respetivos agradecimentos e louvores, arrematações em hasta pública, movimento marítimo, mensagens de gratidão, etc.
No Boletim N.º 13, de 9 de outubro, aparece a constituição de uma comissão permanente de saúde pública, visa-se melhorar as condições de salubridade, “removendo ou modificando as causas mais conhecidas das doenças que se generalizam em épocas determinadas.” É decisão tomada pelo primeiro governador, Agostinho Coelho. Mas o ponto forte deste número do Boletim é dado pelo tratado de paz feito em Buba, em 27 de setembro último, entre Sambel Tombom e Sambá Mané, subchefe dos Fulas-Pretos:
“1.º - Passa a haver paz e concórdia entre os Fulas-Pretos existentes no Forreá e os Fulas-Vermelhos do território de Buba.
2.º - Os Fulas-Vermelhos comprometem-se, para esta paz ser inalterável, a entregar as espingardas e mais armamentos tomados em Sambafim.
3.º - Logo que sejam entregues as armas, os Fulas-Pretos sairão do território de Buba e conservar-se-ão no sítio que neste tratado é convencionado.
4.º - O chefe dos Fulas-Pretos e a sua gente serão passados em embarcações para o território de Bolola, ficando por esta forma proibidos de passarem pelo território de Buba.
5.º - O chefe do Forreá, Sambel Tombom, terá sempre em Buba um filho seu representante da sua autoridade com quem o Governo se entenderá sobre as questões do interior.”
Assina Gabriel Fortes e os dois chefes em litígio, a grande novidade, conforme o leitor pode ver na imagem é o texto do tratado vir em português e na língua árabe.
Estamos agora em 1881, temos o Boletim n.º 2 de 22 de janeiro que faz referência ao estado sanitário de Gorée e dos arredores, dizendo que o estado é bom e que em S. Luiz é excelente, a última morte por febre amarela tinha tido lugar na noite de 25 para 26 de dezembro. Quem assina é o cônsul de Portugal, Jean Guiraud, que também confirma que não se verificou nenhum caso nem na cidade nem no hospital nem nos campos e nem mesmo nos navios de comércio. É uma informação curiosa, como o leitor se recordará está em aberto o contencioso com a França sobre o Casamansa, só ficará resolvido pela Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. É por isso que a apreciação do cônsul vem assinada pelo chefe de saúde em Bolama, Pereira Leite de Amorim, temos novas informações, paira sempre o espectro do regresso da febre amarela.
Mas este Boletim introduz uma novidade, a administração do concelho de Bolama publica o movimento dos presos, neste caso o referente ao mês de dezembro do ano anterior. Poderá ser ruma mera curiosidade, faz-se referência. Como o leitor poderá ver na imagem, há de tudo: embriaguez, desordens, pancadaria com ferimentos, roubos. A administração do concelho de Bolama irá repetir mensalmente o movimento dos presos.
No Boletim N.º 5, de 26 de fevereiro, a repartição de saúde informa que a Junta de Saúde recebeu tubos de linfa vacínica, e que se procede à sua inoculação todos os domingos, das 7h às 9h. No Boletim N.º 7, de 19 de março, o presídio de Geba imite o relatório referente ao mês de janeiro, nestes termos:
Sossego público – não foi alterado em todo o mês.
Estado sanitário – foi regular. O número de óbitos verificados em todo o presídio foi de quatro, sendo dois maiores de 60 ano e dois menores, um de quatro anos e outro de um, sendo a morte deste último produzida por desastre.
Agricultura – quase nula, limitando-se à cultura da cebola.
Indústria – tecidos de algodão e sabão para consumo do presídio, esteiras e cestos.
Instrução pública – tem funcionado a escola com regularidade, frequentada por 20 alunos.
Estado alimentício – bastante escasso, devido talvez à continuação das guerras.
(continua)
Bolama em 1912
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933
_____________Nota do editor
Último post da série de 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25926: Historiografia da presença portuguesa em África (440): em 1934 já se temia e discutia a transferência da capital, de Bolama para Bissau...
2 comentários:
Interessante em 1878 "Agricultura – quase nula, limitando-se à cultura da cebola.", acontecia no presídio de Geba, próximo de Bafatá.
Guiro Iero Bocari e Paunca não ficavam assim tão longe, mas as mulheres de Guiro Bocari não conheciam as cebolas e o nosso cozinheiro era "muito bem visto" por lhes oferecer cebolas.
Valdemar Queiroz
Nas duas Cartas da Província da Guiné nota-se uma grande diferença de registo de tabancas entre 1912 e 1933, e não se percebe a razão. Poderá ser que em 1912 ainda não
eram conhecidas ou, antes, não existiam e foram criadas durante esses 20 anos.
Valdemar Queiroz
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