Guiné > Cartaz de propaganda do exército português. No tempo de Spínola (1968/73), a máquina de propaganda - a APSIC - vai-se tornar mais sofisticada e poderosa, ao serviço de política da
O PAIGC ver-se-á obrigado a responder com uma escalada a nível político, militar, organizativo e diplomático (LG).
(2005) . Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, coronel DFA, na situção de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (
Guiné > Bissau > Brá > 1965 O General Schultz (à esquerda)
1. E-mail enviado pelo Afonso Sousa em 28 de de Novembro de 2006 ao Leopoldo Amado , especialista em historiografia do PAIGC e da guerra de libertação contra o domínio português na Guiné, e membro da nossa tertúlia:
Caríssimo Doutor Leopoldo Amado.
Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos. Através do Luis Graça, foi-me dado a conhecer o seu magnífico trabalho, visando a dissecação daquele que se poderá chamar de massacre do chão manjaco.
Dele saem respostas precisas sobre as muitas interrogações que o assunto tem originado e ainda suscita. São respostas que ficam como um contributo precioso para a história deste conflito e deste acontecimento, em particular.
Estas perguntas são pertinentes para uma mais fácil compreensão da origem, evolução e contornos deste trágico acontecimento para as hostes portuguesas. Numa resenha, temos:
1) Qual o objectivo destes encontros, entre beligerantes ?
2) De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
3) Este encontro era o último. A que se destinava ?
4) O que falhou do lado do exército português ?
5) Qual o local exacto ou presumível do encontro ?
6) Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?
7) Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?
8) Onde se realizou o 1º desse encontros ?
9) Que outros encontros são conhecidos ?
10) Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?
11) Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?
12) Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do Encontro ?
13) O desenlace deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?
14) Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco ne apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo ?
15) A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?
16) Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê ?
17) O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?
18) A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?
19) Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?
20) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, no dia seguinte ? A família de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração.
21) Será que este dado é correcto, ou apresenta-se deturpado ?
22) Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
23) Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?
Como muito bem diz, uma ou outra resposta não serão a realidade cem por cento concreta mas abordagens muito próximas dela. São hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido e constituem-se como um relevante e precioso subsídio para a história. Estou a coligir todas as respostas. Subsistem dúvidas ou não há ainda resposta para as questões 2), 4), 5), 15), 16), 17), 20), 21).
Para além do seu magnífico contributo, realço também as utilíssimas informações de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos (*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. Deles destaco o João Tunes, o Luis Graça, o João Varanda, o Júlio Rocha e o João Godinho.
Ficamos na expectativa de mais algum esclarecimento seu, principalmente aquele que se prende com a questão Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê e que resulta das suas investigações em arquivos (de ambos os lados).
Um sincero agradecimento pelo seu inestimável contributo e pela sua apreciada gentileza.
Um abraço. Afonso Sousa.
2. Depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, que optou por responder de forma global às questões do Afonso. Vamos reproduzir esse depoimento em três partes, devido à sua extensão (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue):
I Parte - De Schultz a Spínola
O consulado de Arnaldo Schultz (1964-1968)
A guerra colonial na Guiné criou sempre imensos problemas ao exército português. Assim, nos 17 primeiros meses da guerra o comando militar foi substituído quatro vezes até a chegada do general Arnaldo Schultz, em Março de 1964. Mesmo com este, a situação era de tal forma difícil que, em Portugal, iniciou-se espontaneamente um debate em que já se discutia de forma clara a hipótese de simplesmente se abandonar a Guiné, dado o elevado custo material e humano que a guerra exigia, agravado ainda pela falta de recursos do território. Porém, o sector conservador do regime, incluindo Salazar, não anuiu a essas ideias e optou-se pela continuidade da guerra, no convencimento de que o abandono da Guiné retiraria a Portugal a justificação para continuar a guerra noutros territórios de África.
A acção de Arnaldo Schultz, como o próprio reconhece, era a de "(…) conquistar uma área de terreno, destruir o inimigo e tirar-lhe a vontade de combater, mas na guerra subversiva não existe nenhum destes objectivos, o que há que fazer é ganhar simpatias, mas a formação militar desse tempo era outra, ou seja, a de alcançar objectivos, em lugar de conquistar vontades. De forma que a nossa actuação não se ajustava ao que se pretendia. A estratégia que pus em prática consistia em ter e controlar áreas determinadas, para que era necessário que as nossas forças conquistassem um terreno e ficassem ali para que outras forças, na mesma área, se ocupassem a procurar o inimigo” (1).
Fundamentalmente, Arnaldo Schultz tentou controlar o Centro-Oeste do território, perdido desde o início da guerra com acções de grande envergadura em Como, Cantanhede, Quitafine, etc., mas que redundaram num tremendo fracasso (2).
Na realidade, a situação militar com Arnaldo Shultz piorou consideravelmente, apesar do aumento significativo de efectivos que passou de 1000 homens em 1960 para cerca de 25 000 homens em 1967, deteriorando-se ainda mais nos primeiros meses de 1968. Disso se faz eco Otelo Saraiva de Carvalho, que, sem rodeios, disse que “ (…) Schultz revelou tanta incompetência militar e governativa e fez tantos disparates que quase levava o PAIGC a vitória sem grandes esforço (…)” (3).
A chegada de António Spínola
Em consequência do agravamento da situação militar para o exército português, Schultz foi substituído por Spínola, que, não obstante as dificuldades de vária ordem, inaugura um estilo novo de abordagem da guerra. Porém, ao tempo da sua chegada a situação caracteriza-se assim: o PAIGC quase controlava todo o Sul do território desde o início das hostilidades. A zona oeste estava igualmente sob o controlo do PAIGC, à excepção do chão manjaco, onde a guerrilha ainda estava na fase pré-insurrecional e só o chão dos fulas, no Leste, se mantinha mais ou menos fiel as autoridades portuguesas, pelo que Spínola imediatamente deduziu que o futuro se jogaria ali.
A estratégia consistia em encetar nessa região uma forte acção psicológica acompanhada de obras socio-económicas, com o objectivo de subtrair o apoio dos manjacos ao PAIGC e, por esta via, contagiar positivamente os papéis, em cuja região se encontra Bissau, asfixiando assim o PAIGC. Acompanhariam ainda esta estratégia acções que, no geral, tinham como objectivo manter as operações militares a um nível secundário de molde a permitir um regular funcionamento da administração, mas com as populações sob controlo das autoridades coloniais, abalar a confiança das populações na propaganda independentista, incentivar o regresso dos refugiados, pondo-os sob a protecção das autoridades coloniais e explorar até ao limite todas as contradições existentes nas fileiras da guerrilha, essencialmente entre os cabo-verdianos e guineenses. Estas acções, no seu conjunto, passaram a constituir o maior desafio político-militar ao PAIGC depois da chegada do general Spínola, nomeado governador em 1968.
Na realidade, este tinha negociado antecipadamente poderes alargados e a sua estratégia político-militar afrontou seriamente o PAIGC, sobretudo pela hábil manipulação de ingredientes políticos e étnicos. A partir de 1969, o general começou por criar uma infra-estrutura de representação política, com poderes consultivos, atraindo para ela um sector importante das elites étnicas, ao mesmo tempo que desenvolvia infra-estruturas sociais e de saúde. Por outro lado, não descurou a vertente étnica no interior do PAIGC e na sociedade guineense, criando e apoiando organizações nacionalistas anticaboverdianas, e utilizando algumas figuras históricas da fundação do partido, como Rafael Barbosa.
Na vertente étnica interna, Spínola e a sua elite jogaram com algum sucesso na promoção dos fulas e de outras etnias menos receptivas à guerrilha. Apesar da adopção a partir de 1969 desse novo conceito no contexto global da guerra, era conferida maior destaque às actividades socio-económicas e psicológicas junto as populações, a ponto de a mesma influir, de certo modo, na estrutura de comando e controle e no dispositivo militar do exército português no teatro de operações.
Porém, a menor extensão geográfica do território, a boa organização e crédito internacional de que gozava o PAIGC, a extensão da fronteira terrestre, a característica alagadiça de grande parte da superfície, com a consequente dificuldade de movimentação, e um inimigo composto por tropas bem armadas e eficientemente enquadradas foram factores determinantes para que, na Guiné, o exército português tenha enfrentado ameaças de vulto, entre outras razões, por que a densidade de ocupação militar era muito elevada e, mesmo assim, sempre se colocou o problema de economia de efectivos (4).
A política da Guiné Melhor e a APSIC
Do lado do PAIGC, o período que se estende de 1964 à 1968 correspondeu a fase de consolidação, aquela em que se dá o alastramento da guerra às outras regiões, atingindo toda a estrutura militar do partido a situação-limite de evolução e exigindo, consequentemente, a passagem a formas de intervenção militar mais elaboradas, mais intensas, ao estilo das guerras convencionais. Foi igualmente neste período de consolidação que largos sectores militares do PAIGC, mesmo as chefias militares, deram mostras de um certo desfalecimento perante a guerra, mercê da intensa e eficaz campanha psicológica (política da Guiné Melhor) desenvolvida pelo general Spínola.
Com a nomeação de António de Spínola, em 1968, para governador e comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné conseguem as forças portuguesas alguns êxitos, principalmente no campo económico e social, retirando ao PAIGC a possibilidade de controlar certas populações, que passaram a estar reagrupadas em aldeamentos protegidos por contingentes mistos. A par da política de reordenamento da população é tentado o desenvolvimento socioeconómico. Realizam-se importantes trabalhos públicos e a presença das tropas portuguesas injecta vigor numa economia enfraquecida Aliás, poucos meses após a chegada de Spínola à Guiné, as hostes do PAIGC ressentiram-se consideravelmente das suas primeiras acções, na medida em que, a partir de Outubro de 1968, muitos dos dirigentes desdobravam-se em acções de reanimação dos combatentes, essencialmente no Sul, onde até alguns comandantes, que estavam desmoralizados com os bombardeamentos, ameaçavam abandonar a guerra.
Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica. É nessa região que ocorreu, na sequência dos esforços centrados no chão manjaco, mais concretamente em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo) a morte dos três majores.
Nesta última localidade, após a instalação do principal elo de coordenação dos Serviços de Informação e Acção psicológica do exército Português na Guiné, a manobra de guerra passou a ser eficazmente apoiada por uma manobra psicológica que garantir a mentalização e a integração efectiva de todas as forças que lutavam contra o PAIGC na tarefa essencial de conquistar as populações.
Mais de 11 mil armas distribuídas pelo exército à população
Por outro lado, essa conquista assentava mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no controlo físico, privilegiando a manobra psicossocial os seguintes eixos principais: dar prioridade, no âmbito da APSIC, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e consolidação da sua adesão à causa portuguesa (entenda-se colonial) para a aceitação dos reordenamentos e autodefesa. Actuar psicologicamente sobre as populações em situação de duplo controlo, de forma a conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda do PAIGC junto dela, com vista à sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação. Nessa altura, havia pelo menos um total de 11 163 armas distribuídas pelo exército português à população (5).
Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.
Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes.
A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.
A arma da rádio, em crioulo e nas principais línguas nativas
Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forcas Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné. Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: Colóquio, África em Foco, Tua Terra é Notícia, Sete Dias em Foco.
Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.
Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através das revistas Panorama da Guiné e a Voz da Guiné.
Africanização do exército colonial
Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.
Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.
Libertação de presos políticos
Ainda do ponto de vista da acção psicológica, um despacho de Spínola, datado de Dezembro de 1968, mandou restituir à liberdade quase todos os presos políticos guineenses que se encontravam na colónia penas da ilha das Galinhas. Acto continuo, desencadeia um processo que viria a culminar na libertação, no dia 3 de Agosto de 69, de quase uma centena de outros tantos presos políticos guineenses encarcerados em Bissau e na colónia penal de Tarrafal em Cabo Verde, ao mesmo tempo que anunciava para breve à restituição a liberdade de 16 detidos que se encontravam em Angola. Entre os presos políticos libertados encontrava-se Rafael Barbosa, até então presidente do Comité Central do PAIGC. E essa gigantesca cerimónia é realizada publicamente em frente ao Palácio do Governador, e Spínola, faz um discurso emotivo transmitido em directo pela rádio, aludindo até ao massacre de Pindjiguiti (6), que considera um episódio “dum triste passado que não desejo nem quero recordar”. Mais à frente, acentua uma das suas tónicas preferidas, a do aliciamento psicológico: “Sinto as angústias do bom povo da Guiné, sinto os seus legítimos desejos de uma vida melhor, por isso compreendo os que julgaram bater-se pelo ideal do povo – o ideal do actual Governo da província” (7).
Dentre os presos que usaram da palavra figuram Pascoal D'Artagnan Aurigema, anteriormente libertado Raul Nunes Correia – em representação dos presos da colónia penas da ilha das Galinhas, António Ilídio Lima Silva Ferreira, de Cabo Verde, e Rafael Barbosa, até. Aliás, em Agosto, a Subdelegação da PIDE-DGS de Bissau envia ao director, em Lisboa, uma nota em que assegurava que “ (...) a esta Subdelegação afigura-se de grande relevo a restituição de Rafael Barbosa à liberdade, porquanto a detenção do mesmo servia à propaganda externa do PAIGC para o apresentar como mártir do partido e em liberdade não tem, no presente, qualquer utilidade para o “movimento (.)” (8).
Após municiosa elaboração pelos serviços do Gabinete do comando-chefe e da PIDE-DGS de um texto que Rafael Barbosa deveria ler em público, este acabou por fazê-lo (9), afirmando: “Excelência, aproveito esta oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, felicitando o primeiro magistrado da província pela sua nomeação como general do exército português e pela sua conduta como guia e chefe de todos os portugueses nestas paragens do continente africano, tão assediado pelo inimigo vindo do estrangeiro. Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guine Portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas dos “ventos da História”, se deixou conduzir e desviar do recto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e de amargura, de ilusão.
Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e de reconhecer o meu erro. Bem haja, pois, Vossa Excelência, pela bela atitude que, neste momento, carregou sobre os seus ombros, ao libertar estas dezenas de homens que, iludidos nas promessas vãs daqueles que, a soldo dos países estrangeiros, se lançaram na rebelião contra a Pátria portuguesa, do que estou certo, hoje em dia, se confessam arrependidos. Bem haja, pois, Senhor Governador, pela sua clemência, pela sua dignidade de chefe e, com a ajuda de Deus, eu lhe prometo que serei tão bom português como Vossa Excelência. O futuro confirmará.
Bissau, 3 de Agosto de 1969” (10).
(Continua)
__________
Notas de L.A.:
(1) Cervelló, Josep Sánchez, La Inviabilidade de Una Victoria portuguesa en la Guerra Colonial: el Caso de Guinea-Bissau, entrevista do general a Josep Sanchez Cervelló em 30 de Junho de 1986, Separata da Revista de História, Tomo XLIX/173, Madrid, 1989, p. 1025.
(2) Fabião, Carlos, Descolonização na Guiné-Bissau, Spínola a Figura Marcante da Guerra na Guiné, Seminário 25 de Abril, 10 Anos depois, s. 1., Lisboa, Associação 25 de Abril, 1984, pp. 305 e ss.
(3) Carvalho, Otelo Saraiva de, Alvorada em Abril, 2ª edição., Amadora, Bertrand, 1977, p. 51.
(4) Cf. Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 78.
(5) “Relatório do Comando”, comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, 1971.
(6) O massacre de Pindjiguiti ocorreu a 3 de Agosto de 1959. Para o PAIGC essa era uma data importante, razão pela qual Spínola escolheu justamente esse dia para procurar retirar ao PAIGC a primazia da celebração.
(7) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT.
(8) Ofício n.º 994/69 - R.R. de 3 de Agosto de 1969, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT, Proc. 4194 S-R, fls. 93 à 101.