sábado, 19 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3073: O Nosso Livro de Visitas (20): António Rodrigues, Angola; João Reis e Ferreira Gomes, Guiné

1. Em 27 de Junho de 2008, recebemos esta mensagem de António Rodrigues, Marinheiro, que cumpriu a sua comissão de servço em Angola.

É por vós que vou passando o meu tempo na Delegação da Área Metropolitana do Porto, da A.P.V.G.
Sois formidáveis, eu já vou tarde.
Servi a Marinha Guerra nos Patrulhas da costa de Angola. Hoje as histórias verdadeiras que oiço fazem arrepiar, é verdade, hoje os nossos governantes querem-nos ver todos mortos, somos um peso na historia de Portugal, outros há que dizem que nós fomos assassinos.

A.R.
Com muita saúde.

2. Resposta de CV

Obrigado camarada pelas tuas palavras. Cabe-nos a nós ex-combatentes a missão de nos mantermos vivos e fazê-lo ver a quem nos acha descartáveis.
A esmagadora maioria de nós foi obrigada a ir fazer uma guerra que não compreendia.
Não fomos mercenários, não ganhámos chorudos ordenados, não tínhamos mordomias e não tínhamos Ministros nem CEMs nas despedidas dos embarques.
Éramos abandonados à nossa sorte sob climas hostis, em territórios que eram desconhecidos nos gabinetes do ar condicionado e do Terreiro do Paço.
Não ocupámos nenhum país estrangeiro, combatemos em territórios considerados portugueses na altura, mal ou bem, onde existiam naturais com sentido patriótico tão ou mais forte que o nosso.

Mais 20 ou 30 anos e ficarão só os heróis da era do telemóvel, da internete e das reportagens das TVs.

Mais uma vez obrigado pelo teu contacto que muito nos sensibilizou e desculpa o atraso temporal da resposta.

Um abraço do
CV
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3. Em 16 de Julho de 2008, recebemos para conhecimento, de João Reis esta mensagem dirigida originalmente ao nosso camarada Mário Beja Santos:

Para: Beja Santos
Assunto: Missirá

Exmo. Sr.
Sou o ex-Furriel Miliciano João António Duarte Reis. Estive em Missirá antes do senhor chegar. De Outubro de 67 a Junho de 68.

O seu livro Diário da Guiné trouxe-me à memoria o tempo em que lá vivi e recordei muitas das pessoas de quem fala e conta historias.
Obrigado por isso e parabéns.

Não sei se há encontros ou convívios anuais com pessoas que tenham passado por Missirá. Se há e se for possível dar-me os contactos agradecia.

Os meus cumprimentos.

4. Resposta de CV

Caro camarada, independentemente do que o ex-Alf Mil Mário Beja Santos te possa dizer, posso acrescentar que na nossa página, naquele espaço em branco destinado a pesquisas no Blogue, escrevendo lá a palavra Bambadinca ou Missirá, encontrarás muita coisa para leres.
Com respeito a convívios, ainda em Junho passado houve, em Torres Novas, um Convívio de ex-combatentes que passaram por Bambadinca.

Já agora deixo-te o convite para aderires à nossa Tabanca Grande, onde poderás colaborar com as tuas estórias e fotos.

Para seres admitido, terás cumprir a difícil missão de mandares uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, contares algo sobre ti, a tua Unidade e outros pormenores que aches relevantes.

Para ficares a conhecer melhor o nosso blogue, tens do lado esquerdo da página as nossas 10 normas de conduta e outras informações importantes.

Em nome da tertúlia, deixo-te um abraço.
CV
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5. No dia 18 de Julho recebemos do nosso camarada Armando Gomes a seguinte mensagem:

Camarada,

Em primeiro lugar - Parabéns pelos conteúdos que tive a oportunidade de ir desbravando.
Em segundo lugar - Lamentar só agora ter tomado conhecimento desta janela aberta.
Em terceiro lugar - Disponibilizar-me para trazer à assembleia outros contributos.

Sou
Armando Miguel Ferreira Gomes e resido no Porto
os meus endereços electrónicos são:
particular amgomes@netcabo.pt
profisiional armando.gomes@cem.pt

Fui combatente no CTIGuiné, de Maio de 1968 a Maio de 1970 como 1.º Cabo - Apontador de Armas Pesadas.

Fiz parte de uma das companhias independentes (CCAÇ 2383) que após o treino operacional em Fá Mandinga, área adida ao COP5 de Bafatá e que mais tarde se deslocou para Nova Lamego com destino a Cabuca, ali junto da ilha de Seli, entre o Senegal e a Guiné Francesa.

Gostava de me juntar a todos vós e poder fazer parte da família

Um enorme abraço
Armando Gomes

6. Resposta de CV

É sempre com enorme prazer que recebemos na nossa Tabanca Grande mais um camarada que se quer juntar a nós. Como a porta está sempre aberta, entra, instala-te e começa a contar-nos as estórias que ainda recordas. Serve-te das fotos que tenhas aí por casa, para as ilustrar e manda-as para cá devidamente legendadas.

Para não repetir o que disse em cima ao nosso camarada Duarte Reis, lê a resposta que lhe dei, onde estão as indicações de como saber o que somos e como nos devemos comportar no nosso Blogue.

Para ti vai um abraço em nome dos tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
CV

Guiné 63/74 - P3072: Convite (7): Homenagem a todos os militares que morreram em África (José Pinto)

1. No dia 18 de Julho de 2008, recebemos de José Pinto uma mensagem dando conta das homenagens que se vão fazer aos malogrados Pára-quedistas Lourenço, Peixoto e Vitoriano e, a todos os combatentes que morreram em África, que ainda ali se encontram sepultados.

Homenagem a todos os militares que morreram em África, de armas na mão, e que ainda ali se encontram sepultados.

Sábado, 26 de Julho, comparece!



O Lourenço, o Peixoto e o Vitoriano, mortos em combate na Guiné em 1973, estão finalmente em Portugal e vão ser entregues às suas Famílias.

Os portugueses que o desejem, em especial os antigos combatentes e sobretudo os pára-quedistas, vão homenagear todos aqueles militares que morreram em África, de armas na mão, e que ainda ali se encontram sepultados.

10h00, na Igreja da Força Aérea em S. Domingos de Benfica - Lisboa;

14h00, na Escola de Tropas Pára-quedistas, em Tancos;

17h00, no funeral do José Lourenço em Cadima – Cantanhede;

18h00, no funeral do António Vitoriano em Castro Verde;

19h00, no funeral do Manuel Peixoto em Gião, Vila do Conde.

Em Lisboa, na Igreja da Força Aérea, a missa será celebrada pelo Bispo Castrense auxiliado por antigos capelães pára-quedistas, na presença das urnas dos três militares agora trasladados da Guiné e das suas famílias.

Em Tancos, na Escola de Tropas Pára-quedistas, junto ao Monumento aos Mortos em Combate terá lugar a cerimónia do “Último Adeus dos Pára-quedistas”, após o que as urnas seguirão para as localidades de origem dos três militares.

Em Cadima, Castro Verde e Gião, de onde saíram há 35 anos, terão lugar, com honras militares, os funerais do Lourenço, do Vitoriano e do Peixoto.

Estes camaradas de armas são os últimos pára-quedistas mortos em combate a serem devolvidos às suas famílias, mas também os primeiros militares portugueses sepultados em África que regressam à Pátria

Sábado, 26 de Julho, comparece!


Mais esclarecimentos:
União Portuguesa de Pára-quedistas e Pára-Clube Nacional «Os Boinas Verdes»: Telefone 249 711 449; fax 249 711 161; email: pcnbv@sapo.pt

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3071: Os nossos regressos (11): Guiné, 1970/73. Porra, é muito tempo. (Germano Santos).

A ida e o regresso do BCaç 3832

Germano Santos

ex-1.º Cabo Operador Cripto
CCaç 3305/BCaç 3832
Mansoa 1971/73
__________

Tudo começou a 19 de Dezembro de 1970 quando manhã cedo os putos e os menos putos, sendo que na maioria eram mesmo putos, nos pusemos a subir as escadas que nos conduziam ao barco que nos iria levar.
Grande estreia em viagens marítimas e de tão grande distância para quase todos nós.

O destino era Bissau. O destino era a Guerra.

O "Carvalho Araújo" também não queria ir



O transporte era horrível, nada mais nada menos que o "Carvalho Araújo", barco que simultaneamente com o transporte de militares para África, servia também para o transporte de gado dos Açores para o Continente.
Os aposentos então, eram uma pequena "maravilha". Tudo ao molho e fé em Deus porque o cansaço por certo apareceria e para dormir qualquer lado havia de surgir.
Lá arrancámos, mas as coisas não começaram bem. Então não é que o "Carvalho Araújo" não queria navegar e resolveu parar ali mais ou menos sob a ponte. Já não me recordo se foi na noite desse dia ou na manhã seguinte que ele resolveu abrir caminho para abraçar e nos pôr também a abraçar essa maravilhosa terra africana.
Viagem de amotinados ou coisa parecida foi o que me pareceu ser a viagem nos primeiros dias, tantos eram os vómitos, tantas eram as bebedeiras.

Para compensar o facto do nosso barco navegar muito depressa e por essa razão nos ter feito passar o Natal dentro dele, lá fomos presenteados com uma manhã no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde.
Creio que uma grande parte de nós terá comido pela primeira vez batatas fritas, mas doces. Eu comi e estranhei imenso.

Seguimos viagem e eis-nos em Bissau a 29 de Dezembro. Julgo que terá sido batido o record marítimo Lisboa-Bissau, nada menos nada mais que dez dias. Um espectáculo.

Depois seguiu-se o Cumeré para uns, o Quartel-General para outros e, mais tarde, cerca de um mês, a zona de intervenção do Batalhão para todos.

De volta no Uíge

O regresso, o ansiado regresso deu-se em Janeiro de 1973, aos dias 6 desse mês e num barco a sério (para quem tinha ido no Carvalho Araújo) o "Uíge". Cinco dias, apenas cinco dias, metade do tempo gasto na ida, foi quanto demorámos a regressar.

Para além da felicidade que foi o regresso, as condições não tinham nada a ver com a ida.
Melhores acomodações. Melhor comida. Menos vómitos. Menos bebedeiras, mas muita, muita alegria.

Duas situações ocorreram nesta viagem que demonstram claramente como alguns de nós crescemos em África e também como alguns de nós já embarcámos algo crescidos.
Num espectáculo levado a efeito numa das noites da viagem, espectáculo todo ele concebido e realizado por nós militares, praças, cabos, sargentos e oficiais, a certa altura ia actuar, creio que declamar poesia, um alferes, mais concretamente o alferes Farinha (actualmente no Brasil).
Todo o comando do Batalhão e do navio estava a assistir ao dito espectáculo. Vai daí o apresentador do mesmo anunciou que o camarada Farinha ia actuar.
Foi o bom e o bonito, o comando do Batalhão chamou de imediato o apresentador para o informar que termo camarada tinha-se esgotado na Guiné, agora os oficiais tinham de ser apresentados pela sua patente.
O apresentador desceu ao palco e informou o alferes Farinha que o espectáculo deixava de ter apresentador.
Confesso que já não me lembro se o espectáculo continuou ou não, penso que sim, mas não comigo.

Uns dias antes de embarcarmos, alguns de nós que em Bissau, no Café Pelicano, aguardávamos pelo transporte de regresso, começámos a falar sobre a "porra" do tempo que tínhamos estado na Guiné. Achávamos nós que tinha sido muito tempo, de Dezembro de 1970 a Janeiro de 1973. Para nós eram três anos de calendário, embora soubéssemos que de facto tinham sido mais ou menos 25 meses.
Vai daí decidimos arranjar um lençol no qual escreveríamos qualquer coisa parecida com isto:

Guiné 1970 – 1973 – Porra é muito tempo

A ideia era prender o lençol onde fosse possível e apenas no dia do desembarque em Lisboa, para que todos soubessem o que pensávamos da nossa guerra em terras da Guiné. Se melhor o pensámos melhor o fizemos.
E, na verdade, no dia do desembarque, lá no alto do "Uíge", preso aos botes de salvação, lá estava o nosso lençol, muito esticadinho para que se pudesse ler bem o que nele escrevemos.

Com o que não contávamos é que nesse dia, manhã cedo, Lisboa iria acordar com um denso nevoeiro no Cais da Rocha e nem tão pouco com a pronta resposta da Polícia Militar.
O que o lençol dizia só se começou a ler quando o barco atracou, mas foi mensagem de pouca duração, dado que a Polícia Militar entrou pelo navio dentro e deu cabo da nossa saudação.
Creio que ainda tentaram saber quem tinham sido os engraçadinhos, mas julgo que acabaram por desistir e deixaram-nos ir em paz, não para casa, mas sim para Abrantes a fim de fazermos o espólio.

E pronto, acabou-se a minha história sobre a ida e o regresso do Valoroso Batalhão de Caçadores 3832.

Um abraço para todos.
Germano Santos
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Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73

16 Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz, Pepito)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, hoje com 87 anos (*).

Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.




Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J.P.Garcia de Carvalho (Desenho de A.Teixeira da Mota)






PROJECTO ECOGUINÉ > Notas breves sobre o povoamento humano da zona de Cantanhez (versão preliminar) (**)


Texto (e infografia) : © Carlos Schwarz (2008). Todos os direitos reservados.


Bissau, Julho de 2008



Ao Aladje Salifo Camará
Régulo do Reino Nalú de Cadique,
que me adoptou como seu filho




À memória de meu pai,
Artur Augusto da Silva,
que me ensinou a compreender
e a amar a cultura dos Homens Grandes
a Guiné-Bissau



Advertência

O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez.

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso, entre os quais se destacam, como sempre, os dados fidedignos coligidos por René Pélissier na sua História da Guiné (1841-1936), sendo ele próprio a reconhecer a pouca documentação existente referente ao período colonial:

“… o continente, ao sul do Rio Grande de Buba, é amplamente ignorado pelos europeus. Terras pouco amenas ao marinheiro, porque couraçadas por imensos bancos de Iodo, a sua topografia é praticamente desconhecida na época e consideram-na habitada pelos Nalús, quando o seu povoamento é muito mais complexo.”

Socorremo-nos por isso do trabalho efectuado por J.P. Garcia de Carvalho, em 1946, Nota sobre a distribuição e história dos povos da área do Posto de Bedanda, que procura sintetizar a distribuição e história de alguns dos povos do actual Cubucaré.

Os estudos realizados por Artur Augusto Silva, nomeadamente Arte Nalú em 1955 e Apontamentos sobre as populações oeste-africanas segundo os autores portugueses dos séculos XVI e XVII, permitiram compreender melhor a história da chegada dos Nalús a Cantanhez.

Igualmente o documento Tawoulia ou Tawel, Famille regnante du pays Nalou au Rio Nunez, Perfecture de Boke de 1820 a 1952, da autoria de Elhadj Sankoumba Camará ilumina muito sobre a história do povo Nalú na sua zona de concentração inicial, em Boké, actual Guiné-Conakry.

Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração, o que permite a eventualidade de que algumas das informações não poderem ser consideradas absolutamente fidedignas, sendo bem possível que a sua transmissão possa ter sido erodida nalguns casos ou mistificada noutros, fruto de conjunturas de momento e de rivalidades étnicas.

De valor incalculável foram as informações fornecidas por Abubacar Serra, Director do Programa Integrado de Cubucaré, especialmente sobre a distribuição actual das principais etnias em todo o território de Cantanhez.

Este pequeno trabalho é o contributo de alguém que, não sendo historiador mas simples agrónomo, apenas pretende que as informações agora divulgadas permitam compreender melhor as dinâmicas de desenvolvimento económico, as revindicações territoriais em tempos em que os regulados voltam a emergir como elementos incontornáveis, ou mesmo determinantes, para a gestão do espaço e território do Parque Nacional de Cantanhez.


1. O Período Pré-colonial

Teve-se muita dificuldade em obter informações seguras referentes a este período, pelo que nos socorremos da história transmitida oralmente pelos mais velhos.

Os Nalús e os Bagas terão povoado a região do Futa Djalon na actual Guiné-Conakry por volta do século VIII, aos quais mais tarde, no século XI, se vieram juntar os Jalonkés. No século XII esta região integrou o império do Ghana e do Mali.

Nessa altura crê-se que a zona de Cantanhez era um território muito pouco habitado, tendo provavelmente a chegada dos Nalús ocorrido no século XV, vindos da Guiné-Conakry, pressionados pelos Tilibós, chefiados por Samodoi que pretendia conquistar todo o território até ao oceano.

Os Nalús, chefiados por Manga Tauliá, decidiu partir para a região de Bafatá, actual Guiné-Bissau, onde criou a tabanca de Bigine, aguardando que todos os Nalús fugidos do Futa Djalon lá chegassem. É então discutido e decidido o rumo a tomar e o local final de destino, o qual é toda a região compreendida entre os rios Tombali e Boké.

Em função das sub-divisões dos Nalús, sobretudo de ordem linguística, embora todas submetidas ao mesmo chefe, acabam por se concentrar em cinco zonas:

- uma parte entre os Rios Tombali e Cumbidjan (actual sector de Catió), onde foram encontrar os Beafadas estabelecidos em Cubisseco, Buba e Fulacunda. Estes pretenderam submeter os Nalús o que levou estes últimos a refugiarem-se na Ilha de Como;

- outros, entre os Rios Cumbidjan e Cacine (actual sector de Cubucaré), primeiramente chefiados por Manga Iura, descendente de Manga Tauliá, e depois por Saiandi que lhe sucedera;

- outra, no actual sector de Quitafine;

- uma parte, na tabanca de Cacine;

- e outra, entre os Rios Cacine e Boké.

2. Período Colonial


No século XV, os portugueses, com as caravelas de Nuno Tristão, foram os primeiros europeus a percorrer a costa da Guiné e a entrar em contacto com as populações locais, instalando feitorias e praticando o comércio de especiarias, óleo de palma, ouro, marfim e mais tarde o tráfico de escravos. Cerca de quarenta anos depois, chegam os franceses que, ultrapassando os portugueses, estenderam a sua zona de influência desde a costa atlântica até ao Futa Djalon e à Alta Guiné-Conakry.

A primeira referência à presença dos Nalús, no final do século XV, na região sul da actual Guiné-Bissau, encontra-se no Esmeraldo de Duarte Pacheco. Mais tarde, em 1669 e 1684, os geógrafos-roteirista portugueses Álvares de Almada no seu Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde, e Francisco de Lemos Coelho nas suas memórias sobre a Guiné, pronunciam-se de forma mais desenvolvida sobre a vida dos Nalús.

Nas Duas Descrições Seiscentistas da Guiné, Lemos Coelho assinala: “Toda a mais terra que fica daqui da boca deste rio (Rio Grande de Buba) até à boca do rio de Nuno, que pela costa são mais de trinta léguas, tudo são Nalús”.


2.1. NALÚS, os donos do Chão

O primeiro chefe do Reino Nalu foi Boya Salifo que reinou durante 3 anos, de 1837 a 1840, ano da sua morte (Foto à direita).


Parece pois indiscutível que os Nalús eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

Normalmente a habitarem as zonas ribeirinhas pelo maior acesso ao palmar e à extracção do óleo e vinho de palma, praticavam sobretudo um sistema de produção de sequeiro, baseado na fruticultura e na produção de culturas alimentares de sequeiro. Só muitos séculos depois é que, por volta dos anos 1920, com a chegada dos Balantas a esta zona é que começam a praticar um sistema de produção misto: de bolanha e de sequeiro.

Segundo Camará (2), a principal tentativa para a criação de um Reino Nalú, remonta aos anos de 1780, na tabanca de Caniop, zona de Boké, na que é hoje a Guiné-Conakry. Tudo começa com o casamento entre Tokhoye e Boya do qual nascem 4 filhos varões, por esta ordem: Salifo, Lamine, Youra e Carimo.

Nesta altura todas as tabancas Nalús funcionavam de forma autónoma, não havendo nenhuma autoridade superior que as unisse.


Com a morte do pai Tokhoye, em 1837, Boya Salifo, o primogénito, assume a liderança de um processo com vista à união de todos os Nalús à volta de uma só autoridade, representada por ele. Para isso contou com o apoio dos outros 3 irmãos que se desdobraram em visitas e contactos a todas as tabancas habitadas por Nalús, especialmente em duas zonas: na baixa do Rio Nuno e entre os rios de Cacine e Tombali. O processo é coroado de sucesso, tendo o Reino dos Nalús tido 4 chefes durante toda a sua existência:

O primeiro foi Boya Salifo que reinou durante 3 anos, de 1837 a 1840, ano da sua morte.

A ele sucedeu-lhe Boya Lamine que chefiou os nalús durante 17 anos, de 1840 a 1857, igualmente ano da sua morte (Foto à esquerda).


Segue-se-lhe, Boya Youra Tawel, o qual reina durante 28 anos, entre 1857 e 1885, tendo dividido o Reino Nalú em quatro províncias: Socoboli, Tonkima, Caniop e Cacine. Em 1860, com as etnias Landumas e Mikiforés a desentenderam-se, Youra começa a conquista de novos territórios para preservar a segurança das suas fronteiras contra as intenções expansionistas do chefe do Futa. Em 1863 dispunha de um grande território e reino. Nomeia então chefes para cada província. Para Cacine foi designado Saiondi, filho de Boya Salifo.

Com a morte deste último, em 1857, o primeiro filho de Salifo Boya, Diná Salifo, assume a chefia para um reinado de cinco anos que termina com a sua prisão pela França e respectiva deportação para Saint Louis, no Senegal, onde acaba por falecer em 1897 (Foto à esquerda).

A sua prisão prende-se com o seu completo desacordo com a França, decorrente da elaboração da Convenção Franco-Portuguesa de 1886, em que se procede a uma nova delimitação das suas respectivas possessões, na qual a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.

O Reino Nalú ficava assim sem uma parte significativa do seu território, Cacine. Dá-se o desmoronamento do Reino Nalú e as principais tabancas tornam-se de novo autónomas. A França necessitou de 37 anos (1890 a 1927) para desarticular completamente o Reino Nalú, que levou 70 anos (1820-1890) a ser construído.

Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalús contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalús começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalús para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalús que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalús.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
- Regulado de Guiledje: tabanca de Cafun’aque (8 pessoas)
- Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
- Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, A.A.Silva , recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3.009 Nalús.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez.


2.2. FULAS, os islamizadores

A tradição oral narra que alguns caçadores Fulas terão chegado acidentalmente ao país dos Nalús. Mais tarde um grupo de Fulas cativos, oriundos da parte francesa do Boé e chefiados por Turá-Iá, imigraram para esta zona atraídos pelos seus bons solos e fundado primeiramente a tabanca a que puseram o nome de Guiledje, para logo de seguida criarem a tabanca de Salancaur de Fulas. Rapidamente dominaram toda a região mantendo os Nalús confinados às Ilhas de Melo e de Como, sabendo estes que se fossem apanhados seriam imediatamente feitos escravos e enviados para o Forreá.

A segunda avalanche de imigração Fula para o Chão dos Nalús, dá-se com os Fulas-Pretos. Em 1891 verifica-se uma forte desavença entre os Fulas do Foreá e os Fulas-Pretos, o que leva a que um novo grande contingente de Futa-Fulas, chefiados por Suleimane Djaló, Bacar Dambuia, Bela Coulibali e Mutaro Galissa, se deslocassem para Cantanhez e fundassem a tabanca de Iemberém, logo seguida da de Madina.

Com a morte de Turá-Iá em 1918, foi nomeado régulo de Guiledje, Alfa Mamadú Seilú, a quem as autoridades coloniais doaram o território deste regulado, como paga pela sua colaboração com Abdul Indjai, na chamada guerra de pacificação da colónia. De referir que esta compensação se deveu ao facto de ele ter recusado receber o dinheiro que o Governo lhe oferecia.

Em poucos anos este regulado desenvolveu-se, tendo sido criadas as tabancas de Medjo, Bomane, Um-Siré, tandá, Banco-Bunge, Banhege, fazendo ele valer o seu poder ao chefe de Cantanhez, Suleimane Djaló, que a ele se submeteu voluntariamente. Estendeu a sua autoridade a Quebo e ao território de Cabedú. Acaba por morrer em Mansoa quando organizava em 1921 uma revolta contra os portugueses.

Sucedeu-lhe o seu filho Amadú Uri, deposto três anos depois, tendo herdado a chefia do regulado o seu irmão Mamadú Seilú que morre cinco anos depois. Como quem o devia substituir, Mamadú Saliu, ainda era uma criança, ninguém foi nomeado régulo, tendo cada tabanca designado o seu chefe.

Em 1937, Adjibo, padrasto do herdeiro legítimo, é nomeado régulo, depois de uma forte divergência entre os dois, acabando por ser deposto menos de um ano depois por ser considerado pela população como um usurpador. Só 4 anos depois, em 1941, é que Mamadú Saliu acaba por ser nomeado régulo, transferindo a sede para Salancaur.

Em 1946 havia 1.295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes.


2.3. BALANTAS, os últimos a chegar

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalús que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbidjan, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7.165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

2.4. SOSSOS, os donos da língua

Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos.


2.5. TANDAS, de Iemberém

Relatos orais dão os Tandas como originários de Kindou, na região de Tambacunda, Senegal oriental, de onde se terão deslocado inicialmente para Badjar, região de Koundura, actual Guiné-Conakry, à procura de bons solos para a prática da agricultura. Mais tarde foram para Kakalidi, zona de Boké, onde começaram a negociar com os Nalús a concessão de terras, tendo-lhes sido atribuído uma área onde fundaram a sua primeira tabanca na Guiné-Conakry: Madina.

Na actual Guiné-Bissau, Gassimo Camará criou a primeira tabanca que foi designada de Lamoi, na área de Quitafine. Seguiu-se Cambraz, fundada por Danim Marena, igualmente em Quitafine. Já em Cubucaré, Adulai Cumpon criou Bomani, a que se seguiu Madina, na área de Guiledje, por Umarú Nangacum. Caboxanque Tanda, em Quitafine é fundada por Umarú Galissa.

Acabam finalmente por chegar a Iemberém, em 1930, através de um grupo de seis pessoas, constituído por Umarú Camará, Pedjedibi Camará (pai de Umarú), Issufo Galissa, Mutaro Galissa, Mamadú Nhabali e Alfa Galissa. Por último, Umarú Galissa funda a tabanca de Cambeque, na linda mata com o mesmo nome.

De todas estas tabancas apenas existem actualmente quatro: três em Cubucaré (Iemberém, Cambeque e Cambraz) e uma em Quitafine (Caboxanque Tanda).

No seu seio os Tandas têm seis sub-grupos: Aiendja, Aban, Abangar, Assóssó, Aiés, Abucul e Adjar.


3. Período Pós-Independência

Se nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973) a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico.

O aumento do número de população tem sido feito à custa da vinda dos povos do leste, especialmente de Fulas do Gabú, à procura de novas áreas de cultivo e fugindo à clara diminuição a queda pluviométrica e dos solos de baixa fertilidade, consequência do uso prolongado de sistemas de produção baseados na cultura da mancarra e do algodão, fortemente penalizadoras da riqueza nutritiva destes solos.

Os eixos rodoviários Mampata-Guiledje e Guiledje-Faro Sadjuma são os que mais têm registado o aumento do número de novas tabancas e o uso de sistemas de cultura baseados na desmatação extensiva.

Paralelamente, nos últimos 5 anos têm-se intensificado igualmente o estabelecimento, por vezes temporário, por vezes permanente, de “nanias” vindos do outro lado da fronteira da Guiné-Conakry.

Aproveitando os brandos costumes guineenses na aplicação da Lei Florestal em vigor, deslocam-se para as áreas junto à linha da fronteira Balana-Bendugo onde praticam uma cultura itinerante de migração, desmatando enormes áreas florestais para, na maior parte dos casos, a abandonar nos anos seguintes, ocupando outras, novas e mais férteis. A cultura nómada destes povos faz com que a floresta não tenha nenhum significado especial, preferindo viver em zonas abertas e desmatadas.

Qualquer destes sistemas, dos fulas do Gabú ou dos Nanias da Guiné-Conakry, está a causar perdas consideráveis no património genético vegetal e animal, em particular nos dois grandes corredores de animais selvagens de Balana e Bendugo.


4. Os Regulados de Cubucaré


Existem actualmente quatro regulados em todo o sector.

- Regulado de Cabedú, tendo sido empossado em 2008 o novo régulo Bubu Camará, por morte em Fevereiro deste ano do anterior Aliu Turé.

- Regulado de Cadique, sendo régulo Aladje Salifo Camará

- Regulado de Medjo, sendo régulo Umarú Djaló

- Regulado de Iemberém, sendo régulo Adriano Sulai Djaló


Carlos Schwarz [, Pepito,]
Julho de 2008


Bibliografia

(1) Anginot Ethiène, 1988. Approche de la diversité des systèmes agraires du secteur de Bedanda, Région de Tombali, Guinée-Bissau: Zonage utilitaire pour la recherche et le développement. Bissau, Ministério do Desenvolvimento Rural e Pescas, DEPA.

(2) Elhadj Sankoumba Camará, 1999. Tawoulia ou Tawel, Famille regnante du pays Nalou au Rio Nunez, Perfecture de Boke de 1820 a 1952. Conakry.

(3) Garcia de Carvalho, J.P. 1946. Nota sobre a distribuição e história dos povos da área do Posto de Bedanda. Bissau, Boletim Cultural da Guiné-Portuguesa, nº 14.1949

(4) Pélissier René, História da Guiné: Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936). Lisboa: Editorial Estampa. 1997

(5) Silva, Artur Augusto, 1959. Apontamentos sobre as populações oeste-africanas segundo os autores portugueses dos séculos XVI e XVII. Bissau, Separata do nº 55 do Ano XIV do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa

(6) Silva, Artur Augusto, 1956. Arte Nalú. Bissau,
__________

Anexo 1

Tabancas Nalús em 1945


A. Regulado de Guiledje

• Cafunaque 8 pessoas

B. Território de Cantanhez

• Catomboi 5
• Camecote 15
• Camarempo 15
• Sogoboli 25
• Catchmaba Nalú 30
• Caiquene 25

C. Território de Cabedu

• Cafine 60
• Calaque 50
• Cafal 100
• Fonte Iamusa 20
• Cai 10
• Cassintcha 40
• Catombakri 40
• Cabedu 200
• Catesse 50
• Catifine 50
• Cabante 20
• Ilhéu de Melo 40

Total Nalús 910


Anexo 2

Nomes dos filhos de nalús islamizados por nascimento


FILHOS FILHAS

Primeiro > Salifo
Segundo > Lamine
Terceiro > Youra
Quarto > Carimo


Nomes dos filhos de nalús não-islamizados por nascimento


FILHOS / FILHAS

Primeiro > Titcho / Boya
Segundo> Toho / Tcha
Terceiro > Samani / Kenan
Quarto > Bakeni / Finia
Quinto > Tia (filha)
Sexto > Botia (filha)

__________


Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(**) 24 de Abril de 2008 > sGuiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3069: Ser solidário (13): Projecto de angariação de sementes (APAG / Zé Carioca)

Guiné-Bissau > Bissau > Simpósio Internacional de Guileje > Presidência da República da Guiné-Bissau > 6 de Março de 2008 > Audiência do Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira > Entre a comitiva (portuguesa e de outras nacionalidades), dois Gringos de Guileje: o Zé Carioca e o Abílio Delgado, respectivamente, ex-Fur Mil Trms e ex-Comandante, Cap Mil, da CCAÇ 3477 (Guileje, Nov 71/ Dez 72) (*).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.















Mensagem, originalmente sob a forma de slides (aqui convertidos em imagens em formato jpg) do José António Carioca, ex-Fur Mil Trms e Cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje (1971/72) (1), com data de 8 de Maio, e que enviou ao Pepito, director executivo da AD - Acção para ao Desenvolvimento, com conhecimento aos editores do blogue, em 21 de Junho último (**):

Amigo Pepito:

Segue para já a apresentação que fiz em PowerPoint, e que uma vez que concorda vou também enviar para o pessoal da Tabanca Grande. Eu estou a tratar de legalizar a APAG aqui em Portugal. A mensagem está pronta para ser enviada com os anexos de ficheiro ou ligação que se seguem:Projecto para angariar sementes.



Infografia: © José António Carioca (2008). Direitos reservados.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(**) Sobre a série Ser Solidário, vd. os últimos postes:

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3006: Ser solidário (12): Método cubano de alfabetização... em português

23 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2975: Ser Solidário (11): Sugestões de colaboração (José Teixeira)

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2849: Ser solidário (10A): Campanha Sementes para as Mulheres Grandes de Cabedu (José Teixeira)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2835: Ser solidário (10): A AOFA (Associação dos Oficiais das Forças Armadas) apoia a ADFA (A. Marques Lopes)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2834: Ser solidário (9): Sementes para a população de Cabedu, Cantanhez, Região de Tombali (Zé Carioca)

Guiné 63/74 - P3068: Blogoterapia (61): Chorar faz bem... (Jorge Félix)

1. Em 30 de Maio, recebemos, para nosso conhecimento, esta mensagem de Jorge Félix, o nosso Piloto Aviador, dirigida ao nosso camarada António Marques Lopes, Coronel na situação de Reforma:

Caro Marques Lopes: Tenho o privilégio de conviver contigo às quartas-feiras e poder compartilhar emoções que são de dificil transcrição.

Poderia esperar por o próximo encontro e esclarecer pessoalmente aquilo que, depois de ler a tua mensagem, pretendo dizer.

Como me envias uma mensagem pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, vou fazê-lo pela mesma via com primeiro conhecimento à tua pessoa. Há pouco, quando acabei de ler a tua mensagem, disse para comigo:
- E agora como é que vou sair desta? Não posso olhar para o lado, como fazemos, quando uma lágrima teima atraiçoar-nos, naqueles instantes em que recordamos bravuras.

Falar, como fazemos, parece mais fácil do que ter que escrever. Narrar as tais emoções é muito complicado.

É dificil esquecer, mas quando se tem que recordar é penoso. E tu, na mensagem obrigaste-me a ler o que te disse (num sentimento de: É pá, isso não tem importância que eu também já fiz o mesmo !), quando eu já tinha a ideia, que só transportávamos, a más horas, algum material.

Eu queria continuar a dizer que transportei muita malta, que convivi com gajos bestiais, que tudo fiz para lhes tornar a vida mais risonha, mas não queria ter que olhar para os instrumentos ou assobiar para o lado, ignorando o que se passou à minha frente, e a minha memória felizmente anda a apagar.

Caro Marques, o incidente que eu relatei, com a não identificada traiçoeira lágrima, só se destinava a falar de um almoço onde convivemos, mas feliz ou infelizmente transbordou para outros horizontes. Para ti foi bom, como dizes, sempre que possível, para mim foi uma experiência que já não sei definir e não quero voltar a ter.

Lentamente, e se me permites Marques Lopes, vou levantando voo e com amizade me despeço até á próxima quarta.

Vamos falar, falar, falar, para termos muito pouco para escrever.

Pode ser que alguém pergunte a alguém:
- E a tua comissão como é que foi? - e alguém responda:
- A minha foi boa, senão não estava aqui.

Caro Amigo Marques Lopes, um grande abraço.
Jorge Félix

2. Dizia Marques Lopes a Jorge Félix (1)

Caro amigo:

Chorar fez-me bem, porque alimenta esta dor que eu não consigo (nem quero) apagar. Contei-te que tive de matar uma professora em Samba Culo e, como sempre que o faço, tive de chorar.

Porque nunca quiz matar, porque fui obrigado a matar.
Já disse uma vez, e é verdade que tentei ao longo da minha vida banir esta mágoa, mas sem o conseguir.


Muitos copos bebi para tal, mas, como viste, por mais copos que beba não consigo. Disseste-me que, como piloto de helicóptero, também mataste com certeza. Também eu te disse que, nas emboscadas, se calhar tinha matado também, assim como eles mataram dos meus. Nunca sabemos. Mas esta soube. Era eu que estava à frente dela e fui eu que disparei. E não queria.

Reavivou-me a dor, mas esta catarse do nosso encontro permitiu-me manifestar esta mágoa.
É bom, sempre que possível.
Obrigado.
A. Marques Lopes



3. Comentário de Carlos Vinhal:

Estes e outros desabafos contam-se e ouvem-se nos encontros da minitertertúlia de Matosinhos, todas as quartas-feiras, normalmente reunida à mesa da Casa Teresa.

Ontem, dia 16 de Julho, tive o prazer de conhecer o nosso camarada Jorge Félix, Piloto de Helicópteros na Guiné entre 1968 e 1970, que me chamou a atenção para uma mensagem dele que, sendo continuação de uma conversa com o nosso outro camarada da tertúlia de Matosinhos, António Marques Lopes, não tinha sido publicada. Assumo culpas pessoais e apresto-me a repôr hoje mesmo a legalidade.

Estes convívios espontâneos onde cabe sempre mais um, venha o camarada de onde vier, é uma forma salutar de catarse como fica demonstrado por esta e outras trocas de correspondência.

Umas vezes é mais fácil falar, outras escrever, para expressar o que vai na alma de um combatente que tem recalcamentos com dezenas de anos. Ninguém o compreende a não ser outro combatente, que viveu ou viu de perto situações semelhantes.

Tive a oportunidade de agradecer ao Jorge Félix o quanto ele e os seus camaradas pilotos da Força Aérea Portuguesa fizeram por nós. Eles eram os nossos verdadeiros anjos da guarda. Como em tudo na vida, quando na terra ninguém nos pode valer, olhamos para o céu.

Deixo aos nossos leitores esta foto curiosa, tirada pelo Jorge Félix, brilhante fotógrafo, num dos convívios de Matosinhos.



Foto © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.


Aproveito a oportunidade para realçar a presença, ontem em Matosinhos, do meu ex-capitão Jorge Picado que se deslocou propositadamente de Ílhavo para conviver com esta espectacular tertúlia e do José Manuel, da Régua, que pelos vistos também se deixou arrebatar por este grupo de bons camaradas.
Quando demos conta, estávamos 18 à mesa e apenas duas pessoas não eram ex-combatentes.
CV
____________

Nota de CV:

(1) - Vd. Poste de 29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2900: Blogoterapia (54): Chorar faz bem, chorar fez-me bem, camarada Jorge Félix (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74



1. No dia 12 de Julho de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada Juvenal Amado

Caros Carlos, Virgilio e Luis Graça e toda a Tabanca

Esta estória acaba por ser a história de um camarada nosso, mas acima de tudo serve para prestar homenagem a um homem bom, que em dada altura ajudou outro sem esperar qualquer beneficio. Antes pelo o contrário o ter ignorado a questão, podia ter-lhe trazido alguns problemas.

Tenho lido a série dos nossos regressos. Não li todos mas já alguns entre eles os relatos do Carlos e do Virgilio. Gostei muito. Nem eu me lembrava do que senti também quando regressei.
Possivelmente também escreverei sobre isso, mas ainda estou . Ainda não consigo regressar.

Um abraço para todos
Juvenal Amado






Caderneta Militar do Filipe



2. O longo abraço
Tem cuidado, deixa essas conversas para a Metrópole. O africano veio fazer queixa de ti.

Por Juvenal Amado

Naquele momento sentiu desabar sobre ele uma infinidade de sensações. Umas de revolta por ser tão ingénuo, outras de espanto por alguém que sendo também um oprimido, tinha feito queixa dele.

O Alferes Mota era o Comandante do Pelotão das Transmissões e por conseguinte o Oficial Superior do nosso camarada. Estava de Oficial de Dia, tinha recebido a denúncia. Após ter-lhe feito a recomendação, dirigiu-se para messe.

Meio atarantado, o Rádiomontador Filipe dirigiu-se para o seu abrigo cheio de medo e pensando:
– Desta vez não me safo - criticar o regime na nossa situação, pode ser considerado traição.

Tudo se tinha passado no Regala (*), pequena loja de utilidades que também servia uns bitoques com um tempero africano, que era de comer e chorar por mais.

O Filipe, como de costume, tinha algum prazer em iniciar as discussões. Dessa vez não foi diferente e a forma como se estava a ministrar o ensino da língua portuguesa, às crianças da Guiné, era para ele motivo de crítica. O individuo de cor chegou-se à mesa ninguém sabe bem como. Cada um pensou que ele era amigo do outro e ninguém fez reservas. Entrou na conversa sobre a escola e o ensino que estava a ser administrado nas escolas primárias.

O Filipe entusiasmou-se com a conversa e sem se aperceber de inicio, com a retirada estratégica da conversa que os companheiros de mesa fizeram, soltou tudo que pensava e quanto mais os outros se retraíam, mais ele avançava.

Mais alguns mas... da parte do negro (possivelmente professor) o Filipe, subia o nível as criticas ao Estado e à guerra, aliás assunto que já lhe tinha causado alguns dissabores e apertos. (**)

O africano levantou-se e dirigiu-se na direcção da Porta de Armas, que ficava talvez a quinhentos metros.

O Filipe que tinha caído em sí e desconfiado, seguiu até o ver entrar no Quartel.
Ficou com o coração apertado, mal disse o seu feitio de ser pouco cuidadoso com quem falava, pois ele sabia como as opiniões politicas contra o regime eram tratadas.
Mas ele era assim, quando via ou ouvia algo que lhe desagradasse, tomava partido e como era costume, raramente alguém compreendia as suas razões.

Entretanto, algum tempo depois vai para Bolama, em gozo de férias. Naquele tempo cometia-se toda casta de imprudências, desde beber por copos possivelmente mal lavados, comer marisco de proveniência duvidosa, enfim petiscos porque férias são férias.

As férias foram óptimas naquele ambiente paradisíaco e exótico.
Já perto do regresso a Galomaro, adoece e é já doente que chega ao destacamento. Está todo amarelo, é urgentemente evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Está com hepatite e corre perigo de vida.

E é lá que está, quando o Alferes Mota chega, também ele doente com hepatite. O Filipe vai vê-lo através da porta envidraçada da enfermaria dos infecto-contagiosos. É numa dessas espreitadelas que vê o enfermeiro junto à cama, com o nosso camarada já morto.

Dois dias após a sua chegada, morre o alferes Mota (***), com os parâmetros das análises mais baixas do que as do Filipe.
A morte passou por ali e fez a sua escolha.

O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.
Obrigado Alferes Mota.

Algumas notas:
(*) - O senhor Regala era um individuo de origem caboverdiana, que para além de proprietário do café, também faziam colunas de reabastecimento connosco. Homem bem falante e lúcido, quanto aos problemas da sua terra. Dizia-se que tinha relações privilegiadas com a guerrilha e por isso, coluna onde ele fosse nunca era atacada. Galomaro também beneficiava dessa protecção, o que veio provar-se ser mentira, uma vez que fomos violentamente atacados.

(**) - Em dada altura que o Filipe, assistiu à saída de camaradas para os postos avançados e patrulha nocturna, desatou a fazer barulho e a protestar contra o facto. O barulho chegou aos ouvidos do Comandante, que mandou averiguar o que se passava. Dessa vez o anjo protector chamou-se Dr. Pereira Coelho, que abraçando-o, disse-lhe ao ouvido que se fingisse bêbado e assim o salvou.
Por vezes O Filipe, era mal compreendido e se não vejamos o episódio das bajudas; Ao fim da tarde, os soldados iam ter com as lavadeiras, que se acercavam do destacamento. Eram momentos em que os soldados, davam por vezes largas a alguma falta de respeito para com as lavadeiras. Alguns por graça e para as ouvir dizer de uma enfiada só, todos os palavrões que conheciam em português e no seu dialecto. Apalpavam-nas e diziam-lhe que não lhes pagavam, por elas lhes terem partido os botões todos, ao lavarem as camisas como hábito, batendo com as ditas em pedras pois sabão, era coisa que não entrava nos seus apetrechos.
Tínhamos chegado a Galomaro, quando o Filipe se insurgiu contra uma dessas cenas, que verdade se diga não eram muito dignificantes, pois algumas bajudas eram muito novas. Resultado foi ele se envolver em briga, com um dos participantes dessa tertúlia, indo parar ao chão com o estalo que recebeu.

(***) - O Alferes Mota era um oficial miliciano, antigo seminarista, bastante culto, muito correcto para com os seus subordinados.
Morreu se não estou em erro no dia 26 de Novembro de 1972 com hepatite e não com paludismo como escrevi na minha estória O Ultimo Natal em Galomaro.

PS: Esta estória resulta da correspondência que tenho mantido com o Filipe há já algum tempo.

Juvenal Amado
09.07.08

Foto 1 > O Filipe com a lavadeira

Foto 2 > O Filipe com o Esofe que se juntou à Resistência

Foto 3 > O Filipe em Galomaro

Foto 4 > O Filipe na esplanada do Regala com dois camaradas do STM e Centro de Operações

Foto 5 > O Filipe no HM 241 de Bissau

Fotos © Juvenal Amado(2008). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2938: Estórias do Juvenal Amado (11): Galomaro, Bambadinca, Cancolim e Gabu (Juvenal Amado)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3066: Mulher(es) (2): O trabalho em Mansoa (César Dias)

Guiné> Região do Oio> Mansoa > Foto enviada pelo César Vieira Dias, ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá de Maio de 1969 a Março de 1971.

Guiné> Região do Oio> Mansoa > Foto enviada pelo César Vieira Dias, ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá de Maio de 1969 a Março de 1971 > A mulher na lavra do arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher a caminho da lavra do arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher pilando o arroz...


Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher joeirando o arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher cabeleireira...


Guiné> Região do Oio> A mulher balanta com um balaio à cabeça e um filho às costas...

Fotos: © César Dias (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do César Dias:

Olá amigos e camaradas

Envio-lhes estas fotos para ilustrarem alguns postes que certamente vão aparecer sobre este tema. Juntamente com estas gostaria de vos enviar também uma do homens Guineenses que passavam o dia sentados naquelas cadeiras feitas de barris, mas já vasculhei tudo e não encontrei.

Um abraço
César

Guiné 63/74 - P3065: Mulher(es) (1): O PAIGG e a condição feminina (João Dias da Silva)

Capa da revista PAIGC - Actualités, nº 36, Dezembro de 1971... Edição francesa. "Durante muito tempo submetida à opressão colonial e social, marcada pelos duros trabalhos do campo, temperada pela luta difícil mas exaltante do nosso povo em prol da libertação e do progresso, a mulher do nosso país como esta jovem mandinga é hoje, na dignidade recuperada, mais bela que nunca"...

Foto: ©
João Dias da Silva (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem de João Dias da Silva, Ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4150 (Cumeré, Bigene e Guidaje1973/74):


Ao ler o poste Guiné 63/74 - P3062: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (3): O Dia da Mulher (Luís Graça / Paulo Santiago), lembrei-me de passar os olhos pelos três números do PAIGC actualités (n.º 36 Decembre 1971; Special Avril-Aout 1973 e n.º 54 Octobre 1973), os únicos que me passaram pelas mãos, na esperança de encontrar algo sobre a MULHER.

Apenas no primeiro daqueles desdobráveis (a configuração destes boletins informativos) encontrei uma curta referência na primeira página, quase toda ela ocupada por uma fotografia de mulher, meio corpo e de perfil, sem qualquer desenvolvimento posterior.

No entanto é uma bela homenagem à mulher e à sua beleza: "LA FEMME DE NOTRE PAYS COMME CETTE FILLE MANDINGUE EST AUJOURD'HUI DANS LA DIGNITÉ RETROUVÉE, PLUS BELLE QUE JAMAIS" (a mulher do nosso país como esta jovem mandinga é hoje, na dignidade recuperada, mais bela que nunca, numa tradução livre).

Anexo apenas esta primeira página do n.º 36.

Noutra ocasião farei chegar-vos as restantes páginas e os outros números que, para além de apresentarem notícias curtas, têm algumas reportagens curiosas (independência, congresso do povo, ataque a Guiledje, ...) e que, sobretudo, nos dá a visão do outro lado da paliçada.

Um forte abraço para todos
João Dias da Silva

Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

Valentim Oliveira, soldado condutor nº 784/63,
CCav 489/BCav 490
1963/1965

Assunto - A minha ida e volta

Sendo eu um leitor assíduo, isto é, não passa uma palavra escrita, seja por quem for, no Blogue da Tabanca Grande, que eu não leia e é através das mesmas que eu me revejo no sentido da palavra como amigo e camarada de todos os ex-combatentes da guerra na Guiné.

É certo que, no contexto e segundo o que é dito e escrito pela maioria dos participantes, esta guerra não era o nosso hóbi. Fomos atirados para a mesma, sem que tivéssemos uma pequena vontade de participar na mesma, mas por força do regime governamental que tínhamos na época, não nos era permitido recusar e a ordem era marchar em frente! E vai daqui o EU poder expressar-me sobre a minha ida e o meu regresso da tão malfadada guerra, que tantas maleitas deu, a quem por lá passou.

(i) Mau mar num mau navio


Lisboa ficou para trás no mês de Setembro de 1963. O Alfredo da Silva foi o meio de transporte que cruzou as águas do Atlântico rumo á Guiné. Eu e todo o contingente de condutores-auto e alguns oficiais lá fomos integrar-nos no Batalhão de Cavalaria 490, que já tinha saído em Julho no paquete Niassa com destino a Moçambique e que só por sorte malfadada foi desviado para a Guiné.

A minha viagem foi muito atribulada pela conjuntura das tempestades e do mar turbulento. Muitos dos meus Camaradas só sentiram paz quando saíram do navio. Paz que durou poucos dias, porque de seguida a conversa começou a ser outra...Isto foi a integração na Guiné.

(ii) Bom mar, no Niassa


O meu regresso. Bem, o regresso foi mais ou menos como todos os outros que se faziam na década de 60. Não vínhamos de avião, mas sim de barco. Por sorte foi um pouco melhor no regresso do que na ida, isto em termos de viagem. E porquê?

Porque para lá fui num cargueiro adaptado, para transportes das nossas tropas. E para cá rumo a Lisboa, viemos no Niassa, com condições melhoradas. E como a tropa manda desenrascar, eu lá me desenrasquei a comer do bom e do melhor na messe ou seja, no salão, onde se banqueteavam os oficiais, mas como pagamento tinha que servir e fazer limpeza ao salão. De qualquer maneira não dei por mal entregue esse meu trabalho.

Foram aproximadamente seis dias a cruzar as águas...e por fim, Lisboa á vista, novamente a 15 de Agosto de 1965.

Não fui nenhum sortudo, porque não tinha ninguém á minha espera. Saí do barco! Claro, houve a formatura de praxe. De seguida fomos conduzidos nas Berliets com a respectiva cobertura de lona, até parecia que estávamos novamente na Guiné.

Daí seguimos para outra doca, para entrarmos nos cacilheiros, com destino ao Barreiro. Um comboio esperava-nos, com destino a Estremoz e ao RCav 3, a unidade mobilizadora. Chegou-se a Estremoz a altas horas da noite, mas tudo estava preparado, para nessa mesma noite fazer o espólio, receber a guia de marcha e fora do quartel, que já não és cá preciso. Nem sequer disseram a simples frase: "Tens Fome? "

É evidente que a fome era a de sair de lá, quanto mais depressa melhor. Não fossem eles mandar-nos para trás novamente... Já de madrugada lá fui eu para a estação dos caminhos-de-ferro. Apanhei o primeiro comboio até ao Entroncamento, seguindo-se um outro até Pampilhosa e ainda mais outro até Viseu. Claro todos eles com horas de seca para os apanhar.

Cheguei a Viseu ás 22 horas da noite e a essa hora já não tinha transporte para a minha aldeia e nestas circunstâncias tinha ainda 18 km para chegar a casa dos meus pais, que nem sequer sabiam, que eu estava tão perto. Valeu-me os pesos convertidos em escudos, que eu trouxe da Guiné, para pagar o táxi, que me levou até casa.

Deviam ser aproximadamente 23 horas, quando bati á porta da casa dos meus pais, com uma pequena mala na mão, mala essa que me foi oferecida pelas senhoras do Movimento N. Feminino.

Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!

Foi num ápice de segundos que a minha velhota saltou da cama e se agarrou a mim com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos, mas eram lágrimas de alegria.

E é assim que eu relato o meu regresso á pátria mãe, porque a Guiné é dos Guineenses!




Um abraço para todos Tertulianos e Camaradas da Guiné.

Valentim Oliveira
Companhia de Cavalaria 489
Batalhão de Cavalaria 490
Oio,Como
__________

Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

Guiné 63/74 - P3063: Notícias da CCAÇ 555 (Cabedu, Out 1963/ Out 1965) (Norberto Gomes da Costa)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > Restos (arqueológicos...) do antigo destacamento de Cabedu... Por aqui passaram, em 1963/56, os valorosos e esforçados militares portgueses da CCAÇ 555, comandados pelo Cap Inf António Ritto e de que fazia parte o Fur Mil At Inf Norberto Gomes da Costa, hoje mestre em história, e que passa a integrar a nossa Tabanca Grande.

Foto: © José Teixeira(2008). Direitos reservados.



1. Mensagem do Norberto Gomes da Costa:

Amigo Luís,

Cumpri o serviço militar, como furriel miliciano atirador, na Guiné (Cabedú, localidade próxima de Catió e Bedanda), de Outubro de 1963 a Outubro de de 1965. Foram dois anos de guerra permanente e intensa, como compreenderás.

Acompanho com muito interesse as notícias do teu blogue, desde há uns tempos a esta parte. Há cerca de meio ano escrevi um trabalho, que penso editar, a que dei o título: MEMÓRIAS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 555 (50 páginas A4) e que gostaria de partilhar com todos os amigos que fizeram a guerra na Guiné, provavelmente, através do teu blogue. Agradecia que me dissesses como fazê-lo, já que não domino as técnicas bloguistas.

Acrescento a isto a informação de que sou Mestre em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, aceita um abraço do
Norberto Gomes da Costa


2.
Comentário de L.G.:

Meu caro Norberto:

Não nos conhecemos pessoalmente, mas é como se fossemos velhos amigos de há quarenta anos. Não estive na Guiné, no teu tempo nem nunca fui a Cabedu. Estive lá perto. Alguns camaradas do nosso blogue (o Zé Teixeira, o Zé Carioca...) estiveram lá, em 2 de Março de 2008, no âmbito de uma visita ao Cantanhez por parte da comitiva (portuguesa e de outras nacionalidades) que participou no Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008)(*).

Mas já aqui se falou no teu nome bem como da tua ex-unidade, que esteve destacada em Cabedu (*).

Vd. poste de 15 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2763: Bibliografia de uma guerra (27): A geração do fim e a CCAÇ 555, Cabedu, Cantanhez, 1963/65, do Cap António Ritto (Miguel Ritto)

(...) "Mensagem do Miguel Ritto, filho do então Capitão António Ritto que esteve a comandar a CCaç 555 em Cabedú, Cantanhez, entre 1963 e 1965.

(...) "Já há bastantes dias que não visito o seu blogue (caso não se recorde, eu sou o filho do Capitão António Ritto que foi um dos oficiais que escreveu no livro Infantaria - A Geração do Fim um capítulo sobre a sua experiência a comandar a CCAÇ 555 de 1963 a 1965 na mata do Cantanhez).

(...) "Voltei a olhar para o seu blogue porque o meu pai me pediu para rever um excelente texto que convenceu o Sargento Norberto Gomes da Costa a escrever contando a sua experiência na CCAÇ 555 na Guiné entre 1963 e 1965. O texto foi escrito para divulgação no encontro anual dos elementos desta Companhia.

"Não sei se posteriormente será proposto para publicação em livro, juntamente com crónicas de outros autores, mas se não for esse o caso, não hesitarei em sugerir que lho apresentem para incluir no blogue, se assim o entender. Em questões de história, sempre adorei conhecer os relatos de ambos os lados" (...).


Como vês, meu caro Norberto, já estávamos à tua espera há um bom par de meses. Estou muito curioso em ler os teus escritos, eu e os restantes camaradas e amigos da Guiné que integram este blogue (mais de 250). Senta-te aqui ao pé de nós e conta-nos a tua história e dos teus camaradas da CCAÇ 555, que estiveram no mítico Cantanhez. Sabemos muito pouco de Cabedu e da guerra nessa época (1963/65).

Vamos publicar, com todo o gosto e apreço, o teu texto numa nova série, em partes, se possível acompanhada com algumas fotos da época, devidamente legendadas. Podes mandar-me um texto em word. E as fotos em formato jpg. Eu ou um dos nossos co-editores (os camaradas Carlos Vinhal e Virgínio Briote) iremos publicar regulamente (semana a semana, por exemplo) o teu texto, como temos feito com todos os outros depoimentos, mais ou menos extensos, que aqui nos chegam. Tu próprio me dirás como queres fazer a partição do texto. Os direitos de autor continuarão sempre a pertencer-te, como é norma da nossa tertúlia.

Felicito-te por, sendo mestre em história pela prestigiada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tenhas decido salvar do esquecimento a tua própria experiência de guerra, tua e dos teus camaradas da CCAÇ 555. De resto, é para isso mesmo que serve este nosso blogue, que é assumidamente um blogue colectivo (ou de um colectivo de que tu fazes parte, de pleno direito direito)...Quero, de resto, que sintas em casa...

Como vês ainda são bem poucas as referências à tua companhia e a Cabedu (*). Para já deixa-me saudar-te como novo membro da nossa Tabanca Grande. Se puderes, manda-nos depois duas fotos tuas, tipo passe, uma do antigamente e outra mais actual, que é para a gente te pôr na nossa fotogaleria (que está em reorganização). E sobretudo para a malta te reconhecer, um dia destes, na rua ou num dos nossos encontros periódicos.

Um Alfa Bravo (abraço) do Luís Graça

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. referências a Cabedu e à CCAÇ 555 (1963/65) no nosso blogue:

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2849: Ser solidário (10): Campanha Sementes para as Mulheres Grandes de Cabedu (José Teixeira)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2834: Ser solidário (9): Sementes para a população de Cabedu, Cantanhez, Região de Tombali (Zé Carioca)

7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2816: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (5): Água, fonte de vida para as gentes de Cabedu

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

12 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

(...) Os três homens riram efusivamente. Mas o alferes baralhou tudo, quando solicitou a Quêba para perguntar se conhecia Caboxanque. Pami, sempre atenta, disse que sim. E aqui começou uma autêntica caça nas perguntas e respostas:
- Quantas vezes esteve no Cafal?
- Diz que passou uma vez lá, quando foi a Cabedu, mas não conhece.
- O que é que os militares fizeram em Flaque Injã?
- Não sabe! Mas ouviu falar que tropa queimou morança e escola. E matou pessoal.
- Ela fazia conversa giro só com militar ou com outro pessoal!? (...).


23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)