O vosso Blog Luís Graça e Camaradas da Guiné
Caro Luís Graça,
Tenho seguido com interesse o teu blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Sou um pouco mais velho do que tu, (fiz 75 este ano). Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Entre outros camaradas de curso e bons amigos de hoje e, claro, reformados: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho, António Caetano, Coronel João Soares, (famoso pelo seu blog Do Miradouro), Coronéis Costa Martinho, Maurício Silva, e tantos outros.
Servi na Guiné de 26 de Maio de 1961 a 26 de Maio de 1963.
Nesses tempos as coisas não começaram a aquecer até princípios de 1962.
Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 , comandada pelo Capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a Capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ªCCaç. Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade.
Hoje vivo nos Estados Unidos da América, há já 40 e tal anos.
Vou a Portugal todos os anos onde me encontro com velhos amigos do meu curso e com família chegada que ainda felizmente se encontram bem.
Aqui seguem 3 fotos, duas do ano de formatura em 1955 e uma actual tirada no passado mês de Maio em Lisboa.
Com os meus amigos e antigos camaradas Hugo dos Santos e Antonio Rodrigues Areia. Eu estou na frente do lado direito da foto. O meu primo Marcel Mexia está atrás, no lado direito.
O meu Diário da Guiné
Como história, transcrevo partes de um diário que encontrei no meio de papelada antiga numa gaveta da minha secretária. A primeira entrada no diário foi no dia 31 de Janeiro de 1963 e a última, no dia 28 de Maio do mesmo ano.
Aqui vai:
31/1/63:
Ataque de terroristas aos Fulas de Emberém [Iemberém]. Mataram o chefe da tabanca e outros 6 Fulas.
2/2/63:
Acção em Boche Falace pelas minhas forças de Emberém. Um grupo de terroristas balantas em fuga deixou grande quantidade de arroz cozido (!).
6/2/63:
O nosso destacamento em Salancaur foi atacado às 00:30. Tivemos baixas: um furriel e um soldado foram mortos do nosso lado e vários terroristas foram abatidos. Nesta mesma noite, também atacaram o nosso destacamento em Cacine, mas felizmente não houve baixas a assinalar.
8/2/63:
Fui a Bissau tratar de vários assuntos da Companhia [4ª CCaç].
9/2/63:
Volta de Bissau. Manga de trabalho em atraso devido as acções dos últimos dias. Recebemos informação de que vários terroristas passaram ao largo, vindo de Catió para a zona de Cacine. As instalações da Ultramarina foram assaltadas e o encarregado europeu foi morto.
10/2/63:
Lista de material extraviado em combate: 1 capacete em Chugué, 1 espingarda Mauser e1 pistola-metralhadora em Emberém.
Esta madrugada as instalações da Gouveia em Salancaur foram atacadas. Os terroristas levaram cerca de 10 toneladas de arroz e outros géneros de comida.
11/2/63:
Efectuámos acções em Emberém, Salancaur e Cadique. Vários elementos terroristas que tinham tomado parte no assalto aos Fulas de Emberém foram aprisionados e enviados para a sede do Batalhão.
12/2/63:
Um alfaiate mandinga, Mamude Djassi, que tinha sido aprisionado em Chacual pelos terroristas e que passou vários dias num dos seus acampamentos, conseguiu fugir e apresentou-se ao nosso destacamento do Chugué. Foi transportado para o nosso quartel em Bedanda. Enviei um rádio para o Batalhão para que este Mandinga possa ser aproveitado como guia na acção que está a ser preparada pelo Batalhão.
13/2/63:
Enviei um pelotão para Salancaur para proteger o embarque de arroz da Ultramarina e da Gouveia.
14/2/63:
Patrulhamento feito em Emberém e Cadique. Nesta última povoação tivemos contacto com terroristas Balantas que puseram alguma resistência mas acabaram por fugir. Três foram abatidos.
15/2/63:
O nosso quartel em Bedanda foi visitado por 3 directores da CUF, procurando informações do que se está a passar na região. Nessa mesma altura, terroristas rebentaram um pontão na estrada de Catió junto de Timbo. Houve também grande tiroteio em Chugué e algumas explosões na estrada próxima da área. Os 3 directores ficaram bem informados do que se está a passar...
16/2/63:
Chegou o Pelotão de acompanhamento da Companhia 273. Uma patrulha das nossas forças do Chugué foi atacada por um grupo armado de pistolas-metralhadoras. Não sofremos baixas mas 2 terroristas foram abatidos.
Regressou à base o Pelotão destacado em Salancaur. Foi rendida por novas forças a Secção que se encontrava destacada em Emberém.
17/2/63:
Continuaram a chegar mais elementos da companhia 273.
18/2/63:
Reconhecimentos feitos a Salancaur, Emberém e Cadique. Aprisionámos alguns dos elementos que tinham atacado o nosso destacamento de Salancaur.
22/2/63:
Fomos visitados aqui em Bedanda pelo Comandante Militar e pelo Major Mira Dores, durante a altura em que tínhamos começado uma acção no mato de (Nhairom?), com 2 pelotões da CCaç 273 e 1 Pelotão da minha Companhia.
23/2/63:
Regresso da acção. Pobres resultados. Foram encontrados vários acampamentos terroristas, abandonados mas com indícios de terem sido ocupados recentemente. Foi rendida a secção de Emberém.
25/2/63:
Reconhecimento feito em Salancaur e Mejo. O Capitão Delfino, comandante da Companhia que substituiu a CCaç 74, visitou-nos, para discutirmos colaboração.
26/2/63:
Outra visita pelo Comandante Militar e o Comandante da Força Aérea, para discussão sobre a colaboração da FA na próxima operação que iremos executar. Pormenores foram discutidos em detalhe.
27/2/63:
O Capitão Relvas veio da sede do batalhão visitar-nos em Bedanda. Aparentemente, o comandante do Batalhão está chateado por não ter sido consultado nos detalhes de apoio pela FA. e tomou a decisão de fazer a operação sem esse apoio. (Incompreensível!).
A acção começará esta noite a partir das 00:04.
A acção terminou pelas 15:00 do dia 28/2/63. Os resultados que poderiam ter sido bastante satisfatórios, foram praticamente nulos, pois vários grupos de terroristas conseguiram, (devido a configuração e extensão do terreno de acção), fugir e dispersar. Se a FA tivesse colaborado os resultados teriam sido tremendos, pois o número de terroristas que conseguiram infiltrar-se entre as nossos forças foi considerável. (Esta foi a opinião de todos os comandantes de pelotão directamente envolvidos na acção. Na área onde a minha companhia actuou, notamos exactamente os mesmos resultados).
É evidente que os terroristas foram avisados da operação a tempo de poderem debandar. Nada me admira, pois temos um número considerável de soldados nativos, incluindo Balantas...
(...)
Tenho ainda mais algumas histórias para contar, (entre os primeiros dias de Abril, até a altura em que fui rendido, 20 de Maio de 1963).
Um abraço,
George Matias Freire
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Notas de vb:
1. Caro George Freire:
Cabe-me mandar tocar a "ombro arma" à tua entrada. E aguardo que dês ordem para nos mantermos em sentido, enquanto agradecemos a "oferta" do teu espólio. São muito poucos os Camaradas desses anos do início da nossa Guerra na Guiné. Escreve sobre aqueles princípios da década de 60 e envia imagens desse tempo, se as tiveres.
Cabe-me mandar tocar a "ombro arma" à tua entrada. E aguardo que dês ordem para nos mantermos em sentido, enquanto agradecemos a "oferta" do teu espólio. São muito poucos os Camaradas desses anos do início da nossa Guerra na Guiné. Escreve sobre aqueles princípios da década de 60 e envia imagens desse tempo, se as tiveres.
2. Último artigo da série em 20 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3656: Tabanca Grande (105): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71)