terça-feira, 26 de julho de 2011

Guiné 63/71 - P8606: Em busca de... (173): Maurício Wilson, formando da FAU/UFRJ, Brasil, procura fotografias antigas, mapas e dados de estudos de solo da ilha de Bolama


Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Palácio de Bolama, vai cair brevemente. [Sede da antiga Câmara Municipal, onde Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai,  foi vereador em 1957. Em Bolama, em 1949, nasceu o 1º Ministro, Carlos Gomes Jr.; aqui também viveu na infância o nosso amigo Prof Leopoldo Amado, cujo pai era chefe dos correios...].

Foto : © Patrício Ribeiro (2010). Todos os direitos reservados.

1. No dia 21 de Julho de 2011, recebemos de Maurício Wilson, aluno da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universdade Federal do  Rio de Janeiro, a seguinte mensagem:

Boa tarde, senhores Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro e todos Camaradas.

Sou Maurício Wilson aqui da FAU/UFRJ [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federeal do Rio de Janeiro].

Estou a coordenar um projeto que visa a Ordenação da Paisagem na Ilha de Bolama, através do controle de ocupação e uso do solo. A proposta visa a recuperação de edifícios históricos da memória portuguesa.

Desejaria mais informações através das fotografias antigas, mapas, dados de estudos de solo para construção de porto da cidade. Caso os senhores conhecem um lugar que eu poderia encontrar esses documentos, peço que me informem por favor.

Estive em Lisboa no Arquivo Histórico Ultramarino, mas só encontrei documentos das edificações após a criação de Gabinete do Urbanismo Colonial de 1944 a 1975. Eu desejaria também os documentos de 1879 a 1941 pelo menos, o período que a Bolama foi capital.

Obrigado e um grande abraço a todos.
mauriciowcsilva@yahoo.com.br


2. No dia 25 de Julho de 2011 recebemos uma mensagem de Moacir Ximenes, Professor de História no Brasil com o seguinte teor:

Olá companheiros de Bolama, Angola. Sou professor de História no Brasil e vi nesse blog que o Palácio cairá brevemente. Fiquei com pena, é um lindo palácio. Não tem como a comunidade fazer movimentos para restaurá-lo?

Moacir Ximenes
moacirximenes@hotmail.com
Brasil, 24 de Julho de 2011


3. Comentários de CV:

(i) Caro amigo Maurício Wilson, tem no nosso Blogue algumas fotos e publicações referentes à cidade de Bolama, cujo link para aceder é http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Bolama

Se algum dos nossos leitores dispuser de elementos que possa fornecer para ajudar o nosso amigo na tarefa de Ordenação da Paisagem na Ilha de Bolama, podem contactá-lo directamente para o efeito.
Os ex-combatentes da Guiné, especialmente aqueles que passaram por Bolama,  congratulam-se pela iniciativa a levar a cabo pela FAU/UFRJ.


(ii) Quanto ao Prof. Moacir Ximenes, informamos que a cidade de Bolama não é em Angola, como certamente por  lapso escreveu, mas sim na República da Guiné-Bissau. Consulte o mapa de Bolama aqui.

Para complemento de informação aqui fica esta cronologia coligida pelo nosso Editor Luís Graça:

1. A Guiné Colonial: cronologia resumida
(Elementos coligidos por L.G. Em construção)

(i) No século XIII, chegam a esta região da costa ocidental de África os povos naulu e landurna, na sequência do declínio do império do Ghana.

(ii) É já no século XIV que esta zona passa a integrar o vasto império do Mali, vindo os primeiros navegadores portugueses a estabelecerem contacto com ela em 1446-47. Inicia-se então um longo processo de implantação do monopólio comercial na região, incluindo ouro e escravos, o qual vai ser, durante muito tempo, frequentemente e sobretudo contestado por corsários e traficantes franceses, holandeses e ingleses.

(iii) Em 1588 os portugueses fundam, junto à costa, em Cacheu, a primeira povoação criada de raiz, a qual será sede dos capitães-mores, nomeados pelo rei de Portugal, embora sob jurisdição de Cabo Verde; passa a vila em 1605.

(iv) Seguir-se-á a criação da localidade de Geba, bem no interior do continente.

(v) Em 1642, os portugueses fundam Farim e Ziguinchor (esta última cidade integrando hoje o território do Senegal), a partir da deslocação de habitantes de Geba, e dando início a uma ocupação das margens dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba, a qual se torna efectiva em 1700; passa então a zona a ser designada por Rios da Guiné.

(vi) Entre 1753 e 1775 inicia-se a construção da fortaleza da Amura, em Bissau (que era uma ilha), a partir do trabalho de cabo-verdianos, vindos especialmente das Ilhas de Cabo Verde para o efeito. É o nascimento da futura vila, cidade e capital de Bissau (a partir de 1942).

(vii) Em 1800 a Inglaterra começa a fazer sentir a sua influência na Guiné, iniciando a sua reivindicação pela tutela da ilha de Bolama, arquipélago dos Bijagós, Buba e todo o litoral em frente.

(viii) Com a abolição da escravatura no século XIX (Em Portugal, em 10 de Dezembero de 1836), sobrevém uma crise económica que tem como consequência o início da produção de novas culturas, como a mancarra (amendoim) e a borracha.

(ix) Honório Pereira Barreto, natural do Cacheu, filho de pai caboverdeano e mãe guineense, é nomeado provedor de Cacheu, por decreto de 30 de Março de 1843; em 3 de Fevereiro de 1844, domina a revolta dos Manjacos no Cacheu, com o auxílio do seu tio Francisco Carvalho Alvarenga, comandante de Ziguinchor; no mesmo ano, em 11 de Setembro, eclode a "guerra de Bissau";

(x) Honório Barreto domina a revolta dos grumetes do Cacheu, com reforços vindos de Ziguinchor; concede-lhes depois perdão, uma vez feita a paz (8 de Dezembro);

(xi) Em 1859, morre Honório Barreto na Fortaleza de São José de Bissau (Amura) (26 de Abril);

(xii) Em 1870, por arbitragem do presidente dos EUA, Ulysses Grant, a Inglaterra desiste das suas pretensões sobre Bolama e zonas adjacentes (21 de Abril); ainda neste ano, é feito um acordo com s régulos nalus, estendendo a influência portugesa no sul da Guiné até à foz do Rio Tombali (24 de Novembro);

(xiii) Com a vitória militar dos felupes de Djufunco, em 1879, no que ficou a ser conhecido na história como o “desastre de Bolol”, onde os militares portugueses sofreram uma dura derrota no confronto com as populações locais, a coroa portuguesa decide a separação administrativa de Cabo Verde e a criação da “Província da Guiné Portuguesa”, com capital em Bolama;

(xiv) Desaire militar dos fulas no ataque a Buba (1 de Fevereiro de 1881); o filho do régulo fula Alfa Iaiá reconhece o protectorado português sobre parte do Futa Djalon, por tratado de 3 de Julho desse ano;

(xv) Numa tentativa de afirmação da soberania portuguesa, verifica-se então o início de acções militares punitivas contra os papeis em Bissau e no Biombo (1882-84), os balantas em Nhacra (1882-84), os manjacos em Caió (1883) e os beafadas em Djabadá (1882).

(xii) A estratégia colonial passa igualmente por uma segunda vertente: o apoio sistemático com tropas e armamento a uma das partes dos conflitos indígenas. É o que se passa em 1881-82, com o apoio aos fulas-pretos do Forreá na sua luta com os fulas-forros.

(xiii) Os focos de contestação e a rebelião permanente e consequente dos diversos grupos étnicos fez com que o poder colonial se limitasse ao controlo de algumas praças e presídios (Bissau, Bolama, Cacheu Farim e Geba).

(xiv) Paralelamente, começa a instalação de propriedade de colonos ou de luso-africanos, em várias explorações agrícolas de grande dimensão (pontas) inicialmente dedicadas ao cultivo da mancarra.

(xv) Assinatura em Paris da convenção franco-portuguesa de delimitação das fronteiras da Guiné (15 de Janeiro de 1886); em 12 de Maio de 1886, são delimitadas as fronteiras entre a Guiné Portuguesa e a África Ocidental Francesa, passando a região de Casamansa para o controlo da França, por troca com a região de Quitafine (Cacine), no sul do país; em Sancorlá, no Geba, o tenente Geraldes vence os fulas-pretos comandados pelo célebre régulo Mussá Moló (23 a 30 de Setembro de 1886);

(xvi) A população desencadeia a partir do final do século XIX uma decidida vaga insurreccional no Oio (1897 e 1902), no chão dos felupes (1905), em Badora e no Cuor (1907-08); a Guerra de Bissau (1908) junta papéis e balantas do Cumeré; em 28 de Fevereiro de 1891, o Cumeré ataca fortaleza de São José de Bissau (Amura);

(xvii) O ministro Ferreira do Amaral transforma a Guiné, por decreto de 21 de Maio de 1892, num distrito militar autónomo;

(xviii) Em 10 de Maio de 1894, papéis e grumetes agridem (e fazem extorsões a) os comerciantes em Bissau; o governador Sousa Lage, com o apoio de duas canhoneiras chegadas de Lisboa, e de tropas vindas de Angola, Cabo Verde e Lisboa, conquista Intim e Bandim, chão papel;

(xix) Em 19 de Maio de 1899, o governador Álvaro Herfculano da Cunha obtém vassalagens voluntárias dos balantas e do régulo papel de Intim, reunindo-se com eles no Cumeré em Safim sem disparar um tiro, e pondo termo às campanhas contra as etnias animistas;

(xx) O capitão José Carlos Botelho Moniz parte do Cacheu contra os felupes de Varela que se recusavam a pagar imposto, atacando e destruindo a povoação, quebrando o mito de os brancos  (tugas) não entrarem em território felupe e desarmando os de Djufunco e Egim (10 a 16 de Março de 1908);

(xxi) O governador Oliveira Muzanty, com reforços da Metrópole, organiza a maior expedição militar na Guiné (até 1963!), vencendo a resistência dos beafadas liderados pro Unfali Soncó no Cuor e Ganturé; restabelece as comunicações entre Bissau e Bafatá (5 a 24 de Abril de 1908); a 15 de Maio, a expedição militar regressa à Metrópole;

(xxii) Segue-se um período que vai de 1910 a 1925 de resistência à forte repressão das forças coloniais as quais lhe deram o nome de “guerra de pacificação”, embora os verdadeiros objectivos das acções militares fossem o de pretender eliminar os chefes militares africanos mais combativos, impor pela força o pagamento pelas populações de impostos à administração colonial (o imposto de palhota), e aceder mais facilmente aos recursos económicos e humanos existentes no território.

(xxiii) Entre vitórias e derrotas das populações insubmissas, dois nomes emergem neste período: por um lado, João Teixeira Pinto, militar que já na época tinha uma longa carreira colonial e que, entre 1913 e 1915, ficou conhecido como o "capitão diabo", herói  campanhas do Oio (1913-14); e por outro, Abdul Indjai, que fora auxiliar de Teixeira Pinto na sua acção em Canchungo e que se revolta acabando por ser preso em Mansabá, em 1919, deportado para Cabo Verde e mais tarde para a Madeira.

(xxiv) A campanha do Oio termina vitoriosa com a criação de um posto militar em Mansabá e a captura de um elevado número de armas (17 de Junho de 1913);

(xxv) A campanha contra os manjacos termina, depois da prisão do régulo de Bassarel; são criados os postos de Caió e Bassarel e apreendidas grandes quantidades de armas (10 de Abril de 1914);

(xxvi) A campanha contra os balantas inclui a batalha de Encheia, uma das mais ferozes da história da Guiné; instalação de um posto em Nhacra (4 de Julho de 1914);

(xxvii) Decretado o estado de sítio na ilha de Bissau início da campanha contra os papéis (13 de Maio de 1915);

(xxviii) Campanha contra os papéis e os grumetes; queda de Biombo, prisão do respectivo régulo; criação de 4 postos militares: Bor, Safim, Bijemita e Biombo; concluída a a 'pacificação' e a unificação do enclave da Guiné portuguesa, com o pedido de paz do Tor (17 de Agosto);

(xxix) Apesar do poder colonial considerar como 'pacificado' e 'dominado' o território, nos anos posteriores, muitas regiões voltaram a rebelar-se e antigos focos de resistência ressurgiram, como o caso dos bijagós, entre 1917 e 1925 e dos baiotes e felupes em 1918.

(xxx) Neste período, são implantadas uma série de medidas legislativas que irão determinar durante longos anos a gestão politico-administrativa da Guiné: (a) divisão da população residente em civilizada (assimilada) e indígena; (b) legalização da prática de recrutamento de mão de obra para trabalhos obrigatórios; (c) imposição do local de residência e limitação dos movimentos da 'população não civilizada', através de cadernetas e guias de marcha; (d) tipo de relações funcionais dos titulares administrativos com os auxiliares indígenas e autoridades gentílicas (cipaios, régulos, chefes de tabanca, etc.).

(xxxi) Em 1921, com a chegada do governador Jorge Velez Caroço, ir-se-ão implementar as primeiras medidas de longo prazo nas alianças do poder colonial com os poderes locais, em particular no quadro étnico-religioso privilegiando-se as alianças com os muçulmanos, nomeadamente fulas, em detrimento das etnias animistas;

(xxxii) Entre 1925 e 1940 prosseguiram as revoltas militares dos papéis de Bissau, dos felupes de Djufunco (1933) e Susana (1934-35) e dos bijagós da ilha de Canhabaque (1935-36), os quais se recusaram a pagar o imposto de palhota até 1936;

(xxxiii) Este período é marcado igualmente pelo início da construção de infra-estruturas (estradas, pontes e alargamento da rede eléctrica), pelo desenvolvimento da principal cultura de exportação, a mancarra;

(xxxiv) Data desta época a criação ou expansão de grandes empresas de capitais portugueses, como a Estrela de Farim e a Casa Gouveia (adquirida e desenvolvida pela CUF - Companhia União Fabril), dedicadas à comercialização da mancarra e outras oleaginosas, bem como à distribuição de produtos em todo o território.

(xxxv) Verifica-se o surgimento de grandes pontas (explorações agrícolas) no Rio Grande Buba, na ilha de Bissau e em Bafatá e Gabú.

(xxxvi) A organização social colonial nessa altura tem, no topo da hierarquia, (a) um pequeno núcleo de dirigentes e de quadros técnicos portugueses; a nível intermédio, (b) funcionários públicos, maioritariamente cabo-verdianos (75%). O sector comercial é dominado por (c) patrões e empregados cabo-verdianos. A nível inferior, a imensa maioria dos guineenses são (d) trabalhadores domésticos e braçais, artesãos, agricultores e assalariados agrícolas nas pontas.

(xxxvii) Em 1942 a capital muda de Bolama para Bissau, que já então era, de facto, a “capital económica” da Guiné, e que vai conhecer um notável crescimento com o Governador Sarmento Rodrigues (1945-49);

(xxxviii) Em 1950, dos 512.255 residentes só 8320 eram considerados civilizados (2273 brancos, 4568 mestiços, 1478 negros e 11 indianos) e,  destes, 3824 eram analfabetos (541 brancos, 2311 mestiços e 772 negros).

(xxxix) Em 1959, 3525 alunos frequentavam o ensino primário, 249 o Liceu Honório Barreto (criado em 1958-59) e 1051 a Escola Industrial e Comercial de Bissau.

Bibliografia consultada:
História da Expansão Portuguesa, 4º vol. ed. lit Francisco Bettencourt e Kirti Chauduri. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998.
História da Guiné e Cabo Verde, ed. lit. PAIGC. Paris: Unesco, 1973/74.
Nova História Militar de Portugal, 3º vol. ed. lit Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira. Lisboa, Círculo de Leitores, 2003.
Vd. também Portal Guiné-Bissau, criado pela AD - Acção para o Desenvolvimento História e Dados Económicos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8600: Em busca de... (172): Adalberto Santos, ex-Pára-quedista do BCP 12, Guiné, 1967/72, procura camaradas

Guiné 63/74 - P8605: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (11): O Soldado Milhais ou O Soldado Milhão

1. Em mensagem de 11 de Maio de 2011, Belmiro Tavares, (ex-Alf Mil, CCAÇ 675 Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), recebemos esta memória:

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (11)

O Soldado Milhais
ou
O Soldado Milhão



No ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1911 foi instituído em Portugal o Registo Civil Obrigatório; até esta data os registos de nascimento eram elaborados pelos párocos no Livro de Assento de Nascimentos existente nas Paróquias.

A inscrição do neófito no dito livro era feita mais ou menos nestes termos:
- No dia – do mês – do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de – baptizei uma criança do sexo – a quem dei o nome de –; era filho (a) – natural de – e de -; seguia-se os nomes dos avós paternos e maternos. Os apelidos (sobrenomes) dos pais eram mais tarde acrescidos sem regra ao nome da criança e sem qualquer registo.

Isto serve de intróito para transmitir aos leitores que no dia 9 de Julho de 1895 nasceu em Valongo e foi baptizado na freguesia de Murça (Mirandela) um rapaz a quem o padre, segundo proposta paterna, pôs o nome de Aníbal Augusto; era filho natural de António Manuel e de Umblina Rosa de Milhais, agricultores daquela freguesia.

Os anos passaram; a criança foi crescendo até deixar de sê-lo; em 1916 o mancebo Aníbal Augusto de Milhais assentou praça na RI 19 em Chaves com o n.º 469 da 3.ª Companhia do 1.º Batalhão.

Em 23 de Março de 1917, em plena GG, embarcou para França tendo participado activamente na chamada “guerra de trincheiras”; notabilizou-se na batalha de La Lys em 9 de Abril de 1918 e no combate de Huit Maisons.

O soldado Milhais, sendo o n.º 1 da guarnição da metralhadora, retardou o avanço da tropa alemã, não abandonando o seu posto, indiferente ao perigo, senão quando, portugueses e escoceses já tinham retirado (talvez debandado) em relativa segurança.

Com a sua inaudita coragem, valentia e lusa bravura impediu que muitos companheiros fossem feitos prisioneiros ou abatidos. Houve inúmeros mortos, é certo, mas muitos mais seriam se o destemido Milhais não agisse como bravo e indómito português.

Depois da batalha, já em local mais seguro, no campo de Isberg, o comandante Ferreira do Amaral mandou formar o Batalhão; no meio da “parada” chamou o bravo soldado Aníbal Augusto e, abraçando-o calorosamente, exclamou:
- Tu és Milhais mas vales milhões!

A partir dali, o bom do Aníbal Augusto passou a ser conhecido por o Milhão ou o Milhões.

Em 15 de Julho de 1918 foi louvado porque “realizou voluntariamente a defesa do seu posto, manejando a sua metralhadora com Valor, Lealdade e Mérito, indiferente ao foco das metralhadoras e da artilharia inimigas”.

Pelos seus feitos excepcionais em combate e ao serviço da Pátria, foi condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª classe, com a Torre-e-Espada, com a Cruz Leopoldo da Bélgica, entre outras.
A condecoração Torre-e-Espada foi colocada no peito do Milhais pelo general Gomes da Costa.
Em 1919 foi-lhe atribuído um prémio de 1.000 liras por uma sociedade italiana.

Nota: Não sabemos quanto valeriam naquela época as 1.000 liras; o câmbio, certamente, não seria o mesmo do nosso tempo.

Terminada a guerra o Milhais regressou à Pátria e à aldeia que viu nascer, coberto de glória.
Creio que ele terá sido, até hoje, o único soldado a ser condecorado com a Torre-e-Espada, a mais prestigiosa condecoração nacional.

Em 1924, a cidade do Porto promoveu uma recepção triunfal para realçar o valor dos seus actos extraordinários em companhia e ao serviço da Pátria. A sua terra natal, a aldeia de Valongo, passou a partir de então a chamar-se Valongo de Milhais em honra ao heroísmo e bravura do seu filho, mais ilustre.

Durante o governo “dá outra senhora” o Almirante Tomás, então presidente da República, deslocou-se a Murça para inaugurar uma escola (não juro que era mesmo uma escola... mas isso pouco interessa). O herói, soldado milhão, retirou do fundo duma arca carunchosa a sua velhinha farda militar com cheiro acre a bafio e a naftalina; aperaltou-se com rigor para assistir, bem de perto, à inauguração da escola (ou cemitério?).

O velho almirante presidia à inauguração de tudo quanto vinha à rede; Não foi ao casamento da princesa Margarida, porque, segundo constava, de inauguração já não se trataria!

O Milhais não esqueceu as suas estrondosas, imponentes condecorações com, que fora galardoado por inauditos e inigualáveis feitos.
No meio da multidão (uns para assistir à inauguração, outros para ver o presidente e outros por tudo ou por nada) o Milhais conseguiu chegar perto do venerando presidente. Este logo reparou na estranha e velha farda envergada por um cidadão comum, de tez queimada do sol. Apercebendo-se do elevado valor das condecorações exibidas perfilou-se, empertigou-se (peito para fora, barriga para dentro, pelo menos em pensamento) e prestou a merecida e obrigatória continência; o nosso herói correspondeu... e permaneceram os dois frente-a-frente em “correcta” continência durante mais de um minuto... e assim continuariam por muito o mais tempo se um dos presentes não sussurrasse ao bom do Milhais:
- “Desfaz a continência, pá!”
Ele obedeceu.

O presidente, já trémulo e cansado, ficou profundamente grato a quem fez a tal sugestão salvadora. Se tal não acontecesse, muito provavelmente, os dois estariam ali frente-a-frente com a mão na testa... até ao fim da semana seguinte!

O presidente sabia que não devia desfazer a continência em primeiro lugar; o Milhão desconhecia que naquele momento “era superior” (a sua condecoração) ao Almirante e ao Presidente ou aos dois juntos.

Seguidamente o Presidente abraçou calorosamente, respeitosamente, o desconhecido soldado Milhão.
O nosso herói (pé rapado) faleceu em 1970; pode dizer-se que expirou no meio duma tremenda miséria a que só a morte pós termo.
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Somos de opinião que as condecorações foram instituídas para serem atribuídas a quém voluntariamente, fez por merecê-las por feitos desmesurados em combate e ao serviço da Pátria. Mas... apesar dos actos praticados... o comandante a quem cabe a atribuição das condecorações deve conhecer profundamente quem vai ser condecorado e ilucidá-lo das “paladas” a que ele (a condecoração) passa a ter direito para evitar situações embaraçosas como a que acima foi narrada.

Por outro lado é sabido que o Milhais passou grande parte da sua vida a apascentar rebanhos d’outrem, a troco dumas magras moedas; tinha também o direito de comer, diariamente, no meio do campo, um naco de broa, que levava no bolso, com um pouco de leite que subtraía à cabra ou à ovelha; era o seu lauto almoço de cada dia.
O Milhais não necessitava de tão altas condecorações... para pastorear rebanhos alheios! É caso para dizer: - o peito coberto de glória... e a barriga anexa a dar horas!

E se as condecorações, pelo menos a(s) de mais alto valor, fossem acompanhadas duma tença para que o homenageado pudesse levar uma vida mais desafogada?!

Melhor fizeram outros ao nosso grande Luís de Camões, o Épico, nos idos anos de 1500, embora não se saiba ao certo se a tença que lhe atribuíram era suficiente para viver sem grandes preocupações.

Um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém.

Lisboa, Maio de 1911
Belmiro Tavares
Ten. Mil.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8596: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (10): Oficiais não viajam em 2.ª classe

Guiné 63/74 - P8604: A minha CCAÇ 12 (19): Março de 1970, a rotina da guerra, a visita do Ministro do Ultramar ao reordenamento de Bambadincazinho... (Luís Graça)


Foto nº 1 - Alf Mil Alves Correia (Pel Caç Nat 54, Missirá, 1ª quinzena de Março de 1970)



Foto nº 2 > Fur Mil Op Esp Humberto Reis (2º Grupo de Combate, CCAÇ 12,  Missirá, 1ª quinzena de Março de 1970)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1ª quinzena de Março de 1970 > Pel Caç Nat 54 (1969/71), reforçado pelo   2º Gr Comb da CCAÇ 12 (1969/71) > Uma das raras fotos do Alf Mil Alves Correia, comandante do Pel Caç Nat 54, mais o Fur Mil Op Esp Humberto Reis, da CCAÇ 12 , assistindo ao esquartelamento de uma peça de caça (parece tratar-se de um antílope negro; a região do Cuor, despovoada,  era fértil em caça).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadincazinho (A), a sudoeste de Bambadinca, a escassas centenas de metros do aquartelamento e posto administrativo  de Bambadinca (B), sede de posto administrativo e aquartelamento das NT (BCAÇ 2852, 1968/70: BART 2917, 1970/72)... Havia outro reordenamento em curso, em Nhabijões, esse três vezes maior (em número de casas ou moranças).

No foto, em primeiro plano, a estrada nova (C) para o Xime (posteriormente alcatroada, a 'autoestrada do leste', Xime-Bambadinca-Bafatá- Nova Lamego-Piche... Buruntuma), que passava ao lado da mais a antiga, paralela à pista de aviação.... Atravessando o reordenamento de Bambadincazinho (A), seguia-se em estrada (picada...) até aos aquartelamentos de Mansambo, Xitole e Saltinho (D). Vê-se ao fundo a fértil e vasta bolanha de Bambadinca (E)...

Era em Bambadincazinho que se localizava a antiga Missão do Sono (posto médico de Combate à Doença do Sono, desactivado), em cujas instalações ficava, todas as noites, um Grupo de Combate (da CCAÇ 12, do Pel Caç Nat 52...) para velar pelo bom sono dos homens (e de algumas senhoras...) do batalhão,  que dormiam no quartel ou dentro do perímetro de arame farpado da povoação de Bambadinca, a menos de um quilómetro...


Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça


(10) Março de 1970: a rotina da guerra...


Durante o período de Janeiro a Abril de 1970, coincidindo com a época seca, a CCAÇ 12 desenvolveria uma intensa actividade operacional ofensiva, realizando: (i) 7 operações a nível de Batalhão (das quais 6 com contacto); (ii) 3 operações a nível de Companhia (uma com contacto e as outras com vestígios do IN): e ainda (iii) 10 acções, além da sempre extenuante actividade de rotina (emboscadas nocturnas, colunas logísticas, reforço a destacamentos, etc.).

Para completar o registo relativo ao mês do Março de 1970 - mês em que se destaca a participação da CCAÇ 12 na dramática Op Tigre Vadio, em 30 e 31 de Março e 1 de Abril  (*)-, aqui fica um resumo da chamada actidade de rotina de um companhia de intervenção, africana, às ordens do comando do Sector L1 e do BCAÇ 2852, cuja comissão terminaria em Maio de 1970, sendo rendido pelo BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)...









 




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > BCAÇ 2852 (1968/70) > Localização das unidades combatentes em Março de 1970... O comando do Sector L1 possuía mais de um milhar de homens em armas, incluindo duas Companhias de Milícias, a nº 1 (Pel 201, 202 e 203) e a nº 14 (Pel 241, 242 e 243).


Se excluirmos a população fula armada (nas tabancas em autodefesa, não já com mauser mas com G3...), no Sector L1 (mais ou menos equivalente à Região do Xitole ou Sector2, para o PAIGC, com exclusão da parte a norte do Rio Geba, regulados do Enxalé e Cuor), as NT poderiam ser estimadas em cerca de 1100/1200  homens (não contando com a 1ª Companhia de Comandos Africana, ainda em formação, sediada em Fá, e que estava directamente dependente do Com-Chefe), o que nos dava uma vantagem , em relação ao IN, de talvez cinco ou seis para um.

De resto, estimava-se que, no final da guerra, o PAIGG em todas as frentes não tivesse mais do que 7 mil homens em armas, cinco a seis vezes menos do que as NT. E, ao que tudo indica, cansados da guerra, esgotados, desmoralizados e... doentes. (Uma questão que, de resto,  gostaria, pessoalmente, de ver melhor documentada no nosso blogue, dissociando os factos e a propaganda, de um lado e do outro).

Em termos de populações controladas, teríamos em 1970 cerca de 15 mil indivíduos no Sector L1, enquanto a população, balanta, beafada e mandinga, sob controlo do PAIGC, era estimada pelo comando do BART 2917 em 5 mil (o que eu sempre achei um exagero), concentrada sobretudo na margem direita do Rio Corubal e na região de Madina/Belel, a norte do Rio Geba. (**)


Imagens: História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado (Desconhece-se o autor da ilustração acima reproduzida, desenhada em "stencil", a estilete).



 A partir de 1 de Março de 1970, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passa  a estar em reforço temporário a Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba. (Recorde-se que, a partir de Novembro de 1969, o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, fora subtituído, em Missirá, pelo Pel Caç Nat 54, sob comando do Alf Mil Alves Correia; Missirá era o destacamento mais a norte existente no Sector L1).


Em Missirá, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12  (Humberto Reis / Tony Levezinho, estando o Alf Mil António Carlão destacado em Nhabijões) leva a efeito patrulhamentos diários e emboscadas nocturnas na Zona de Acção (ZA) do Pel Caç Nat 54, nomeadamente na área de Aldeia do Cuor em cuja picada tinham sido detectadas e levantadas 1 mina A/C e 4 minas A/P.  O 2º Gr Comb  regressa a 15,  a Bambadinca, sede da CCAÇ 12.

Igualmente esteve destacada em Fá  Mandinga 1 secção da CCAÇ 12 durante as três primeiras semanas do mês, realizando juntamente com o Pel Caç Nat 63 (comandado pelo Alf Mil Art Jorge Cabral, foto à direita) patrulhamentos nocturnos com emboscada ao longo do Rio Geba até Bissaque, em especial nas cambanças principais.


Por informação dum elemento IN capturado em Mero, soubera-se da existência duma base em Bucol (regulado de Joladu), fora da ZA  do sector L1 (Bambadinca) mas com influência nele. De Bucol teriam partido as últimas iniciativas IN sobre Missirá e Finete e ainda sobre as populações de Canxicano e Bissaque. Admitia-se por isso a possibilidade do IN levar a efeito uma acção sobre Fá que se tornara a sede da 1ª Companhia de Comandos Africana (que tinha como supervisor o Major Leal de Almeida, como instrutor o Cap Barbosa Henriques e como comandante operacional o Cap Graduado João Bacar Jaló, os dois últimos grandes amigos do Alf Mil Jorge Cabral, que era o dono da casa).


A 9 de Março, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 que estava de intervenção, escoltou uma coluna até Mansambo (CCAÇ 2404) para recolha dum doente grave, durante a noite e sem prévia picagem do itinerário Bambadinca-Mansambo.


A 12, a CCAÇ 12 a 2 Gr Comb reforçados com forças da CART 2520 (Xime) leva a efeito um patrulhamento ofensivo conjugado com emboscadas e armadilhamentos na região compreendida entre Enxalé, S. Belchior e orla da mata até Ponta Luís (Op Mazurka Óptima). Esta operação tinha sido cancelada no período anterior.


Em 10 do mês de Fevereiro de 1970, o IN tinha atacado a tabanca e aquartelamento de Enxalé durante 40 minutos com 2 canhões s/r, Mort 82, LGFog e armas ligeiras, causando 3 feridos e incendiando 14 casas.


A 22, simultaneamente à Op Jaqueta Lisa (em que forças da CART 2520 e Pel Caç Nat 52 levam a efeito um patrulhamento ofensivo na região entre Xime, Ponta Varela, margem esquerda do Rio Geba, tarrafo da Foz do Corubal, Poindon e Xime), a CCAÇ 12 realiza uma outra operação à Ponta do Inglês, seguindo o itinerário Xime-Madina Colhido-Gundagué Beafada (Op Colete Encarnado). Acrescente-se que, no decurso da Op Jaqueta Lisa, as NT avistaram duas canoas na margem esquerda do Rio Corubal. No regresso foram flageladas em Xime 3B5-38 com Mort 60, LGFog, RGP2 e armas automáticas ligeiras, sem consequências.


Op Coelete Encarnado


Os 3 Gr Comb (1º, 2º e 3º ) saíram do Xime ao entardecer, no dia 22, mas tiveram de regressar imprevistamente após três horas de marcha devido a um caso de doença grave. Como foi, entretanto, imposto o cumprimento da missão, os 3 Gr Comb, já desfalcados de alguns elementos que mostravam sinais de esgotamento físico, voltariam a sair pelas 12h do dia seguinte em direcção à Ponta do Inglês, sempre de má memória (tanto para nós como para o PAIGC)...


Durante a noite o IN fez várias vezes fogo de reconhecimento, pelo que se deduziu que devia estar alertado da presença das NT na zona. No outro dia de manhã, verificou-se mais um caso de esgotamento. Entretanto, deparou-se com grandes extensões de capim queimado pelo IN a fim de dificultar a aproximação das NT que, de resto, já tinham sido detectadas.


Tinha-se feito um pequeno alto quando se ouviu perto um rebentamento de RPG-2. E imediatamente a seguir outros, intervalados com rajadas, para os lados da Ponta Varela/Poindon. O PCV, no entanto, deu ordem para as forças retirarem simultaneamente, apoiando-se mutuamente até ao Xime . O IN foi no encalce das forças da CCAÇ 12, tendo sido visto um elemento armado atrás dum baga-baga.


Em geral, estas operações tinham a duração de dois dias mas, devido a imprevistos como doença súbita, podiam demorar mais um dia...


Durante o mês de Março de 1970,  realizaram-se ainda 2 colunas de reabastecimento ao Xitole. Em 14 de Março, o Ministro do Ultramar, acompanhado do Com-Chefe e do comandante do Agrupamentp nº 2957 (Bafatá), visitou o Reordenamento de Bambadincazinho.  Foi montado o devido cordão de segurança por forças da CCAÇ 12 e outras subunidades. Na véspera, 

Bafatá tinha sido elevada a cidade, em cerimónia presidida pelo Dr. Silva Cunha, o homem grande de Lisboa (vd. reportagem fotográfica do nosso camarada Américo Estorninho sobre a recepção do Ministro do Ultramar por parte das autoridades e população de Bissau).

Fontes consultadas:

(i) Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito.

(ii) História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. pp. 28-29. Policopiado

(iii) História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado


(iv) Santos, Mário Beja - Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas & Debates. 2008.


(v) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I e II Séries)


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Notas de L.G.


(*) Vd. último poste da série > 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)


(**) Vd. poste de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6490: A minha CCAÇ 12 (3): A única história da unidade, no Arquivo Histórico-Militar, é a que cobre o período de Maio de 1969 (ainda como CCAÇ 2590) até Março de 1971... e foi escrita por mim, dactilografada e policopiada a stencil (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8603: Recortes de imprensa (42): Ex-combatentes da guerra colonial são grupo de risco de hepatite, alerta a SOS Hepatites Portugal (Agência Lusa / Carlos Pinheiro)





Primeira página do sítio SOS Hepatites Portugal, associação de apoio aos portadores de hepatite(s)... Recorde-se que,  no decurso da guerra colonial (1961/74), e pelo menos na Guiné, esta era uma das doenças transmissíveis que dava direito a "passaporte" para a Metrópole, ou melhor, para uma imediata evacuação para o Hospital Militar Principal, em Lisboa...

Recordo-me de ter conhecido camaradas que comiam, logo pela manhã uma  ou mais bananas, e bebiam uma bazuca  (0,6 l de cerveja) com a a crença (íntima) de que rapidamente contrairiam a milagrosa doença... que dava direito a "férias na Metrópole" ...

Sobre esta associação convirá dizer o seguinte:

(i) A Associação Grupo de Apoio SOS Hepatites foi fundada em Abril de 2005;

(ii) É uma IPSS - Instituiçãop Privada de Solidarieddae Social;

(iii) É uma Associação não governamental e sem fins lucrativos:

(iv) É  composta por pessoas infectadas e afectadas com os vírus das Hepatites;

(v) Surgiu da necessidade de "partilhar experiências, forças e esperança, com o objectivo de criar um espaço onde os doentes com hepatites virais e seus familiares encontrassem um modo de se ajudarem mutuamente, partilhando problemas comuns derivados da doença e de forma a melhorar a sua qualidade de vida";

(vi) Tem, como um dos seus principais objectivos, "a divulgação e a consciencialização da população em geral e dos profissionais da área da saúde para o problema das Hepatites Virais, os seus riscos, formas de contágio, tratamento e prevenção";

(viii) Pretende também "acabar com a marginalizarão, discriminação e ostracismo a que são votados os doentes". (Fonte: SOS Hepatites Portugal > Quem Somos) (LG).


1. O nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70;  foto actual, á direita) mandou-nos, em 25 do corrente, a seguinte peça da Agência Lusa, da autoria da jornalista Ana Rute Peixinho, que se reproduz, parcialmente, com a devida vénia:

Ex-combatentes são grupo de risco de hepatite, 50 anos depois da Guerra Colonial

Lisboa, 25 jul (Lusa) - Muitos ex-combatentes da Guerra Colonial começam agora a descobrir, quase 50 anos depois, que contraíram hepatite B ou C, doença que pode ser fatal, alerta a associação portuguesa que dá apoio aos doentes hepáticos.

"Temos hoje imensas pessoas que descobrem que estão infetadas, mas já o estão há mais de 40 anos, como o caso dos ex-combatentes", afirma à agência Lusa a presidente da Associação SOS Hepatites, nas vésperas do Dia Mundial da doença [, que se comemora a 28 de Julho] .

[Para saber mais sobre a Associação SOS Hepatites clicar aqui]

E continua o despacho da LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.:

[ A Associação SOS Hepatites ] suspeita que os ex-combatentes foram expostos ao vírus em território português, porque antes de embarcarem para África levavam, em grupo, uma vacina, que era administrada sem os cuidados necessários.

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 – P8050: Recortes de imprensa (41): Assistência religiosa ao pessoal (açoriano) da CCE 274, 1962/64 (Manuel F. de Almeida/Carlos Cordeiro)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8602: Agenda cultural (146): Reportagem, na TVI, em data a anunciar, sobre a expedição Latitude Zeroº - Rota Ingoré 2011 (24 de Fevereiro / 4 de Março de 2011)



Imagem da página principal do sítio Latitude Zero - Rota Ingoré... Webmaster:  João Brito e Faro, da Moreira da Maia.

 
1. Estava prevista para hoje, na TVI, mas foi adiada para data... oportunamente a anunciar, a exibição de uma  reportagem sobre a expedição à Guiné-Bissau 2011, organizada pelo projecto Latitude Zeroº - Rota Ingoré 2011.

 Eis o teor da mensagem que recebemos do nosso leitor António Morais, com data de 18 do corrente:

No dia 25 de Julho, depois do telejornal das 20 horas – entre as 20h30 e as 21h30 – a TVi em Portugal irá apresentar a reportagem, de 30 minutos, realizada sobre a expedição da Latitude Zeroº – Rota Ingoré 2011,  pela Guiné-Bissau.

Recordamos que durante nove dias, de 24 de Fevereiro a 4 de Março de 2011, António Vieira, jornalista, e Norberto de Sousa, operador de imagem, da TVi, acompanharam esta expedição por Bissau – Ilhandé – Buba – Nhala – Guileje – Iemberem (Parque de Cantanhez) – Mato de Lautchande – Bambadinca – Bafatá – Farim – Bigene – Ingoré – Quinhicam – Canchungo – Cabienque – Tame – Canhobe – Ponta Pedra - Ilha de Pecixe – Bissau.

Em Canchungo, na Região de Cacheu, o tema será a Bankada Andorinha e o seu projecto de promoção da Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa.


Relatos e fotos da viagem pela Guiné-Bissau: podem ser vistos aqui. A ONG Andorinha em Canchungo tem um blogue próprio, que pode ser visto aqui.

2. E a propósito, acrescente-se: A ONG Bankada Andorinha... (i) tem como objectivo promover a Língua Portuguesa e a Cultura em Língua Portuguesa (Canchungo, Região de Cacheu, Guiné-Bissau); (ii) nasceu de um programa radiofónico de promoção da Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa na Rádio Comunitária Uler A Baand e Rádio Babok em Canchungo na Guiné-Bissau; (iii) deu origem a diversas bankadas nos bairros de Canchungo, nas tabankas do sector de Canchungo, na Região de Cacheu e em Bissau, de jovens alunos e professores que se agrupam para falarem (treinarem, ultrapassarem o receio) a Língua Portuguesa e organizarem diferentes actividades (Nô Pensa Cabral!, Nô Mindjers bali pena!, Feira do Livro, sessões de sensibilização em escolas, etc).

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Nota do editor:
 
Último poste da série > 22 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8586: Agenda cultural (145): Concerto de Bubacar Djabaté, natural da mítica tabanca de Tabatô, terra de Kimi Djabaté e de outros grandes cantores e músicos, tocadores de balafon e de kora, dia 23, 6ª feira, às 23h, em Lisboa, no Arte & Manha

Guiné 63/74 - P8601: Era uma vez ... (Ernestino Caniço) (1): De burro a cavalão, ontem, em Mafra; hoje, médico de família, em Tomar...


Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca > Grande > Da esquerda para a direita, Jorge Picado (Ílhavo), Ernestino Caniço (hoje médico, em Tomar), Semião Ferreira (médico das Termas de Monte Real, e que não há meio de entrar para o blogue, apesar das nossas insistências, que são sempre amáveis,  mas pouco convincentes.  convites; esteve na Guiné como operacional) e António Estácio (Mem Martins / Sintra)... Os três primeiros conheceram-se na região do Oio (Mansoa, Cutia, Mansabá...) e estiveram em animadíssima conversa...  O Ernestino Caniço é membro da nossa Tabanca Grande desde Maio passado (*).

Foto: © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço [, foto à esquerda; comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1970/71), 


Data: 24 de Julho de 2011 22:26
Assunto: História 1


Caros camaradas

Foi com enorme satisfação que,  num encontro [, o VI Encontro Nacional do nosso blogue,]  em que a maioria dos participantes terá vivido há décadas emoções semelhantes, revi com alegria alguns camaradas como o Simeão, o Zé Luis V. Carvalho, o [Carlos] Vinhal e o [Jorge] Picado, bem como outros que conheci, nomeadamente o Luís Graça.

Apesar da minha disponibilidade estar limitada, vou tentar contar alguns episódios da minha vida militar. Desta vez referirei um,  em Mafra,  durante a recruta, que intitulo de "o burro cavalão". Desde já quero dizer, que não existe qualquer aspeto presuntivo na narrativa, mas apenas o querer mostrar a subjetividade da análise de ex-camaradas.

Um grande abraço
Ernestino Caniço


2. Era uma vez... (1) > De burro a cavalão... 
por Ernestino Caniço [, foto à direita]

Os mancebos do meu pelotão, em Mafra,  eram quase todos licenciados com exceção de dois, sendo eu um deles. Durante quatro anos, na Faculdade de Medicina de Coimbra, fiz apenas uma cadeira, na perspetiva de ir à guerra e, obviamente, não ter garantido o regresso. 

Havia,  portanto, que aproveitar bem o tempo noutras atividades. De volta, não tendo argumentos para não estudar, lá fiz as restantes 37 [ cadeiras] em 4 anos e meio.

Pelo putativo insucesso inicial, entendiam os camaradas do pelotão que eu era um grande burro. E como nos treinos chegava quase sempre em primeiro lugar, com duas ou três armas dos mais fracos, recebi o título de... cavalão.

Pois bem, na esperança que algum deles leia estas breves palavras, o tal burro é hoje: (i) médico, (ii) chefe de serviço da carreira de medicina familiar, (iii) gestor de serviços de saúde, (iv) pós graduado em direito da medicina e, por fim, (v)  formador inscrito no IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional).

Como alguém dizia: E o burro sou eu?
E esta, hein?

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 >
Guiné 63/74 - P8308: Tabanca Grande (285): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)

(i) Ribatejano, nasceu em Almeirim, em 1/12/1944;
(ii) Tirou a a especialidade de Carros de Combate M47, na Escola Prática de Cavalaria de  Santarém;
(iii) Alferes Miliciano, foi Comandante do Pel Rec Daimler 2208;
(iv) Chegou  a Bissau em Fevereiro de 1970:
(v) Esteve em Mansabá cerca de quatro meses com metade do pelotão e adido à CCaç 2403, comandada pelo Capitão Carreto Maia;  e posteriormente à Cart 2732  (onde conheceu o Carlos Vinhal, entre outros camaradas);
(vi) Mais tarde foi para Mansoa onde ficou  cerca de seis meses com a outra metade do Pelotão, dependente do BCAÇ 2885;
(vii) Findo esse período, foi desativado o Pelotão;
(viii) Foi então colocado na Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica em Bissau, até ao seu regresso à Lisboa, em Dezembro de 1971.

(**) Vd. poste de 15 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8421: Monte Real, 4 de Junho de 2011: O nosso VI Encontro, manga de ronco (9): Os apanhados pela objectiva do Manuel Resende (Parte II)

Guiné 63/71 - P8600: Em busca de... (172): Adalberto Santos, ex-Pára-quedista do BCP 12, Guiné, 1967/72, procura camaradas

1. Mensagem* de Gary B. Santos com data de 19 de Julho de 2011:

Olá Amigo,
O meu pai esteve de 67 até 72. Ele chama-se Adalberto Santos (muitos chamava mondego). Ele é dos Açores. Estou a tentar de achar os amigos dele. Ajuda por favor se pode!

Obrigado,
Gary Santos
gsantos@bu.edu


2. Foi enviada a seguinte mensagem ao nosso amigo Gary:

Caro amigo
Só com estes elementos é quase impossível encontrar os amigos de seu pai.
Envie:
Uma foto dele
Informe:
De que ilha é natural
Confirme se esteve na Guiné e onde
Companhia ou Batalhão onde foi integrado
Posto e Especialidade

Deve haver engano no tempo de serviço. Para estar 5 anos na Guiné (1967/1972) só por castigo pois as comissões iam de 21 a 24 meses. Confirme.

Já agora por curiosidade. O seu endereço é da Universidade de Boston. O seu pai ainda está nos USA? Em que cidade?

Recebam um abraço
Carlos Vinhal


3. Nova mensagem de Gary com data de 19 de Julho:

Vou tentar mandar mais informação. Sim, ele teve uns castigos!! Ele é da ilha Graciosa. Eu sei que esteve na Guiné e era da CCP 121 do BCP 12. Ele lembra-se do Capitão Durão e do Sargento Mesquita.

Sim, trabalho na Universidade de Boston e ele mora aqui ao lado de Boston em Somerville.


4. Enviei a última mensagem do nosso amigo Gary para conhecimento dos nossos camaradas açorianos: Carlos Cordeiro, Henrique Matos, José Câmara e Tomás Carneiro. Como é óbvio só obtive resposta do camarada José Câmara mais próximo geograficamente de Adalberto Santos.

Caro Carlos Vinhal,
Vou tentar entrar em contacto com o Santos.
BCP 12 só pode ser Pára-quedistas. O Hoss talvez tenha alguma ideia, a partir do apelido "MONDEGO". Os açorianos deram alguns pára-quedistas, mas não era muito normal.

Um abraço amigo,
José Câmara


5. Nova mensagem do camarada José Câmara

Carlos,
Já estive em contaco com o Santos. Confirmou que o pai era um pára-quedista. Encaminhei a informação para o Hoss. Vejamos se ele tem alguma lembrança disto.
De repente o Sargento Dâmaso também pode lembrar alguma coisa. São os páras que vejo pelo blogue.

Abraço
José


6. Comentário de CV:

Posto isto, solicitamos aos nossos tertulianos Páras: António Dâmaso, Sílvio Abrantes (Hoss) e Victor Tavares, o recurso às suas memórias para ver se se recordam do nosso camarada açoriano Adalberto Santos, "O Mondego", para o ajudarmos a encontrar os seus camaradas e amigos.
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Vd. útimo poste da série de 16 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8562: Em busca de... (171): Doutores José Luís Pinto Bessa de Melo e Jaime Francisco da Cruz Maurício, CAOP 1, 1968 e 1969 (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P8599: Notas de leitura (259): No Pincha, por Vasco de Castro (Mário de Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Era uma vez um artista plástico coroado de glória, irreverente, esquerdista. Alguém que no Maio de 1968 andou todos os dias na rua, teve a dita de ser um artista na revolução, e por causa. O artista vira entrar a Guiné na sua vida, não se lembrava bem como e quando. Depois teve uma noite de insónia, telefonou-me, referiu o episódio e prometeu passar tudo a escrito. Assim aconteceu.
O blogue tem o exclusivo de alguém que, algures em Setembro de 1969, viu um filme sobre luta de guerrilha, no seu território de eleição, Montparnasse, no fundo a sua aldeia, a um tiro da Sorbonne e do Bairro Latino.
O resultado aqui está. O manuscrito segue para o blogue, é nossa propriedade.

Um abraço do
Mário


Vasco de Castro e o documentário No Pintcha, Paris, 1969

Beja Santos

Sou amigo de peito do Vasco (de Castro), vai para mais de 30 anos, comecei por lhe admirar o talento daquele desenho satírico que fez furor em publicações como Le Monde, Le Figaro e Paris Match, ele teve sempre guarida nos principais títulos de grande circulação em França (viveu exilado em Paris entre 1961 e 1974), depois, por agradável ocaso da fortuna, fomos robustecendo cumplicidades e esgravatando intimidades. Tinha o Vasco acabado de ler “Mulher Grande”, quando me telefonou a dizer que, numa daquelas atormentadas noites de insónia lhe viera à mente o nome do Tobias Engel que, como eu devia saber, era autor de um importante documentário sobre o PAIGC, na fase acesa da luta armada. Desconhecia inteiramente o nome de Engel, e nunca vira tal documentário. Do outro lado do telefone o Vasco gargalhou, recordou-me a sua colaboração rotineira com a extrema-esquerda francesa que, aliás, veio continuar na militância que o levou a fundar o jornal Página Um, ainda bastante antes da sua colaboração durante décadas em jornais como o Diário de Notícias e o Público. Palavra puxa palavra, o Vasco acedeu a escrever esta memória para o nosso blogue. Entregou-ma ontem, quando o fui visitar a Fontanelas, onde ele se refugiou há muito tempo, é ali, na sua incrível mesa de trabalho, que saem esses portentosos “bonecos” cheios de carácter e nitroglicerina. Aqui vai, tal como ele escreveu à mão e será entregue para o arquivo histórico do nosso blogue:


No Pintcha

Naquele princípio de tarde de Setembro de 1969, espreguiçava-me na esplanada do “Select”, em Montparnasse, Paris, regressado, fresco e tostado, de praias do Sul de França. Revia caras conhecidas, recuperava praticamente o tom e o ritmo de um quotidiano familiar de que sentia a falta.
Surgiu o Tobias, excitado. Sentou-se rápido – cheguei agora da Guiné!

Vasco de Castro em exposição recente

Junho antes, o Tobias Engel, jovem actor que frequentava comigo o Dôme, o Select e a Coupole em suaves convívios, anunciava-me que conseguira contactos com o PAIGC, via Argel, e mais, os financiamentos para o projecto de um filme sobre a luta dos guerrilheiros na Guiné e de que havia muito pouca notícia.

Trazia consigo bobines a abarrotar filmes e preparava a montagem do No Pintcha. Rebentava de entusiasmo.
Dois anos antes, o Tobias, ainda estudante do liceu, iniciara uma carreira de actor com um colega que dava passos promissores como encenador, Patrick Chéreau. Estrearam-se com uma comédia de Labiche, o “Chapéu de palha de Itália”, autor e peça do século XIX em sombrio esquecimento.

O fulgurante talento de Chéreau, na fresca renovação do velho Labiche, surpreendeu. Foi um sucesso de crítica e de público.

Tobias, nas exaltações do “Maio de 1968”, deixou-se seduzir pelos ecos guevaristas que fascinavam então a intelligentsia parisiense mais disponível, seja a Cuba castrista, as guerrilhas latino-americanas, o Vietnam de Ho-Chi-Min e as colónias portuguesas em armas. Que a sedução pela acção política, directa, foi sempre apelo aceso e libertário, irresistível para alguns intelectuais e artistas, quando jovens, nos seus labirintos solitários nas sociedades ocidentais… Byron, nas lutas gregas de independência, os nossos Garrett e Herculano na guerra civil e liberal, Malraux, Hemingway e Orwell na guerra civil de Espanha, e então, o jovem universitário francês Regis Debray, nas montanhas da Bolívia, como mensageiro do mítico Che.

Camilo Castelo Branco por Vasco de Castro

Em Outubro, o Tobias tinha o seu filme montado, anunciava exibição privada numa pequena sala-estúdio, próxima da gare Montparnasse. O No Pintcha, para uma vintena dos seus amigos. Filmara os guerrilheiros do PAIGC, algures nas matas da Guiné. Filmara um desfile militar, o dia-a-dia das nascentes estruturas do novo Estado, uma reunião de quadros político-militares em mesas toscas de tábuas de madeira, um hospital artesanal de campanha, um serviço de comunicações com aparelhos-rádio, uma escola sobre ramagens de árvores, patrulhamentos a céu aberto. E, sobretudo, uma sessão solene com discurso político e militares em parada, Amílcar Cabral de olhar tenso, à frente do seu comité político e Estado-Maior Militar.

O Tobias Engel fez dezenas de cópias do seu No Pintcha que correram o mundo. Em Lisboa, um silêncio pardo fingiu nada saber. Mas a história avançava, o 25 de Abril não andava longe.

Procurei no Google França imagens do Tobias. Vem lá referências aos seus filmes e às suas actuações. O No Pintcha terá estreado em 1970. Não consegui obter imagens. E não vale a pena misturar nesta história o nome de Patrick Chéreau, nome supremo da encenação no teatro, na ópera, no cinema e no bailado.

Coube-me a honra de apresentar o mais recente livro de Vasco Montparnasse até ao esgotamento das horas, em 2008. É a narrativa de um jovem que a terra na Meca das belas artes, que vai percorrendo o seu percurso assombroso que o guindou às grandes publicações e a grandes polémicas, graças ao seu traço inconfundível; o Vasco que percorreu as vielas e travessas do exílio de muitos portugueses, que passava diariamente ao lado de alguns dos nomes sonantes de grande cultura francesa e internacional e com quem, nalguns casos, conviveu, sobretudo ao nível do desenho de humor. Esse mesmo Vasco que deitou para trás o seu nome sonante e veio militar pelas suas causas no terrunho, como bom português cheio de saudades.

A Guiné dizia-lhe alguma coisa. E naquela noite apareceu-lhe na insónia o Tobias Engel, cujo caminho se cruzou com o PAIGC. Bom seria que quem tem histórias semelhantes luso-guineenses delas aqui fizesse eco.
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Notas de CV:

- Vasco de Castro (Vila Real, 1935) é um cartunista e pintor português de referência, com pintura e desenhos expostos em múltiplos eventos e participação em antologias internacionais de humor. É sócio correspondente da Academia Nacional de Belas-Artes desde 1992. Filho do poeta trasmontano Afonso de Castro.
Extraído da Wikipédia, com a devida vénia.

Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8582: Notas de leitura (258): Caderno de Memórias, por José Manuel Villas-Boas (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8598: Blogpoesia (154): Se permaneces em silêncio e não falas/, as gerações futuras nada terão que contar (Han Shan / António Graça de Abreu)


1. Por ocasião do nosso IV Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande, há dois anos atrás, em Ortigosa, Monte Real, Leiria, o António Graça de Abreu  [, aqui na foto, à esquerda, com a sua simpatiquíssima esposa, a Dra. Hai Yan, ]teve, mais uma vez, a gentileza de me oferecer, autografado, um dos seus últimos trabalhos, o livro com a edição bilingue, chinês e português, de uma selecção dos poemas de Hans Shan. A editora é a COD, que publica também  o jornal Macau Hoje (*).

Na altura escrevi (*):

"Haveremos de falar, noutra ocasião, deste extraordinário poeta clássico, chinês, que terá vivido no Séc. VIII, Han Shan [Montanha Fria] e do laborioso, paciente e digno trabalho de tradução do nosso querido António, que é já hoje uma referência em matéria de tradução poética chinês-português... Deixem-me apenas reproduzir aqui um dos 156 poemas do livro (p. 53)" (...)

Além de transcrever um dos poemas, transcrevi também a dedicatória:

"Ao Luís Graça, homem das coisas da Guiné, companheiro e camarada no interiorizar e fluir pelos atalhos da vida, a admiração, a amizade do António Graça de Abreu. Leiria, Junho de 2009".

Passados dois, retomo a leitura (de verão) do livro de poemas do Han Shan/António Graça de Abreu... Gosto de voltar aos clássicos, no verão: o meu livro de cabeceira, na Lourinhã, este ano é a Odisseia, de Homero, essa grande obra-prima da poesia grega, e de todos os tempos.

A poesia é daquelas coisas (boas) que me acompanham nos fins de semana e nas férias de verão... Neste último fim de semana, estive a reler os poemas do poeta da Montanha Fria (Han Shan, em chinês), e de entre os meus dez a vinte favoritos tenho este (p. 77) (**), que tomo a liberdade de reproduzir, em homenagem a todos os amigos e camaradas da Guiné que se abrigam debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande (***).  Poilão que eu gostaria que fosse sempre mágico,  sábio, frondoso, inspirador, protector, mas também fraterno, símbolo de liberdade e de justiça...

Obrigado ao António, que tem o privilégio de conviver intimamente com grandes sábios e poetas chineses como Hans Shan, Bai Juyi, Wang Wei, Di Bai ... Obrigado ao António por contribuir, de maneira competente e empenhada, para pôr a poesia clássica chinesa ao alcance dos lusófonos e amantes da poesia como eu... (LG).

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Se permaneces em silêncio e não falas,
as gerações futuras nada terão que contar.
Se vives escondido no fundo da floresta,
não brilhará o sol da tua sabedoria.
Fragilidade, dureza levam a coisa nenhuma,
o vento, o gelo trazem doenças, morte.
Se com um boi lavras um campo de pedras,
jamais chegará o dia da colheita.

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Notas do editor:

(*) Poemas de Han Shan: tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Macau: COD. 2009. 176 pp.

(**) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4648: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (19): Os nossos escritores (Luís Graça)

(***) Último poste desta série > 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8572: Blogpoesia (153): Na Guiné, com a minha bajuda (Albino Silva)

domingo, 24 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 23 de Julho de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal,
O poste P8590 fez-me ir ao álbum das recordações. Nele encontrei estas preciosidades que trarão emoções fortes aos que por ali passaram.

Estas fotos foram tiradas em Dezembro de 1972 quando, já com a comissão concluída, por ali passei.

A estes monumentos falta o dedicado ao Cap João Bacar Jaló. Infelizmente o slide não tem condições para ser revelado.

Um abraço amigo para ti e para todos os nossos camaradas.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (27)

Fotos de Tite

Bolanhas de Tite a caminho de Enchudé

Tite > Bandeira nacional hasteada no interior do quartel. Também de notar o monumento na frente do edifício do Comando

Tite > O monumento referenciado no poste P8590

Tite > A esta distância no tempo não tenho a certeza de este ser o outro lado do mesmo monumento [aos mortos do BCAÇ 1860]

Tite > Monumento de requintada beleza e bom gosto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8564: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (26): A minha primeira vez

Guiné 63/74 - P8596: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (10): Oficiais não viajam em 2.ª classe

1. Em mensagem de 30 de Maio de 2011, Belmiro Tavares, (ex-Alf Mil, CCAÇ 675 Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), recebemos esta memória:

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (10)

Oficiais não viajam em 2ª classe

Em Janeiro de 1966 vim da Guiné a Portugal em gozo de férias com viagens gratuitas, porque fui agraciado com o Prémio Governador da Guiné.
Chegado a Lisboa, tomei o comboio para Aveiro, a belíssima capital meu Distrito, conhecida também como a Veneza Portuguesa. Daqui segui para a minha terra, a aprazível vila de Sever do Vouga, viajando no velho e típico “vouguinha” arrastado modorrentamente por uma negra máquina lenta, feia e barulhenta de tracção a carvão. Ainda! Fumo e foligem a rodos!
A velociadade era tal – principalmente entre Sernada e Viseu – que nós saímos da 1ª carruagem, colhíamos uvas ou figos e, nas calmas, entrávamos na terceira (e última).

Metade de um vagão destinava-se aos solitários passageiros de 1ª, pessoas, em regra, mais abastadas; os bancos de madeira eram forrados com um tecido enfarruscado que fora branco uns anos antes; naquela data estava tão sujo como pau de galinheiro! Entre a madeira e o dito tecido mascarrado havia uma camada de palha envelhecida – talvez podre – digo eu, na tentativa frustrada de tornar o assento mais confortável.
A higiene naquele local não abundava! Eu estava ali sozinho, desterrado, desconfortável!

Passei para a parte da carruagem destinada aos passageiros de 2ª classe na esperança de encontrar ali alguém conhecido com quem pudesse agradávelmente conversar durante a viagem. Deparei lá com duas moças – eram irmãs – das minhas relações; logo começámos a... contar coisas. Como eu sentia a falta duma conversa amiga (no caso era um diálogo a três) com gente sem farda!

A conversa estava animada! O revisor apareceu; pediu os bilhestes com uma afabilidade que não condizia com a pessoa; surgiram as complicações! Depois de 20 meses na Guiné a “caçar” inimigos – alguns até nem eram – não havia pachorra para suportar a caturrice absurda dum qualquer fura-bilhetes excessivamente zeloso ou com ganas de exercer a sua autoridade exacerbada.

- O senhor não pode viajar em 2ª!
- Posso sim! E viajarei em 2ª até ao fim do meu percurso!
- Oficiais não podem viajar em 2ª!
- Eu posso! Só sairei daqui no fim da viagem!
- A lei não permite que um oficial utilize a 2ª, até porque o senhor exibe título de 1ª.
- Se não houver lugares vagos em 2ª e se os houver em 1ª, um passageiro de 2ª pode ou não ocupar um lugar vago na 1ª?
- Pode! Mas não é esse o caso!
- Se os de 2ª podem transferir-se para 1ª, a contrária também é verdadeira! Ninguem vai de pé por minha causa! Só mudarei para 1ª se o senhor limpar ou mandar limpar a imundície desmedida que lá vai e trocar aquele pano nojoso que cobre os bancos! Lá, eu sei que vou ficar com a roupa suja! Aqui não me apercebo disso! Faça o que lhe aprouver mas eu não sairei daqui enquanto aquilo não estiver devidamente limpo e decente para ser ocupado! Lembre-se que eu venho da guerra da Guiné com viagens pagas... por feitos “singulares” em combate! Dentro de 35 dias voltarei àquela famigerada guerra! E preferivel largar de vez e voluntariamente o meu pé para não ser coagido a largá-lo doutro modo!

Remédio santo! O “furador” continuou o seu trabalho longe de nós! Não reapareceu antes de a minha viagem (e a das minhas amigas) estar concluída.

Toma e vai-te... curar!

Lisboa, 19 Julho de 2011
Belmiro Tavares
Ten. Mil. Inf.
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Notas de CV:

Foto do comboio retirada do Blogue A Nossa Terrinha, com a devida vénia

Vd. último poste da série de 22 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8589: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (9): Um jogo de Xadrez... muito especial