terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro* (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 29 de Abril de 2012:

Olá, uma boa tarde a todos,

Acabo de ler o poste P9823 referente à mensagem do amigo Carlos Jorge Marques Pereira, Ex-Fur Mil IOI / COP 3, Bigene / Guidage 72-74, conhecido entre o pessoal de Transmissões de Guidaje e Cop 3 por “Lobo”. Assim como li o poste P9751: FAP na guerra da Guiné, do também amigo António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, actualmente Ten Gen Ref).

O ex-Ten Pilav António Martins de Matos participou no desenrolar do assédio do PAIGC a Guidaje, alargando eu ao período de 6 de Abril a 29 de Maio de 1973. Não digo que esteve presente em todas as idas da FAP à zona operacional, não disponho de dados que o confirme…


Foto aérea, de SW, de Guidaje - 1971 numa altura em que o reordenamento já estava pronto. À direita, em primeiro plano, a Tabanca Nova. Para lá da pista de aviação é a bolanha e a parte acastanhada clara, é terreno a subir, do Senegal.

Foto gentilmente cedida por Cap. Carlos Ricardo - CMDT da CCAÇ 3 ao Blogue SPM0018, de JMF Dias Fur Mil SAM - Guidage / Binta). Com a devida vénia. 



Guidaje, Junho de 1972 > Eu, 1.º Cabo Op. Cripto, com o Protocolo, livro de registo das Mensagens. Pé em cima de pedaço de pedra “calcária” que uma granada de morteiro 82 despedaçou. Atrás, um dos bidões de combustível, que estavam espalhados pelo quartel, vislumbrando-se ainda, a cerca de 4 metros, o cabo de sustentação da antena do Posto de Transmissões.



A FAP EM GUIDAJE

A FA esteve presente, além de outros, nos momentos críticos e decisivos na batalha de Guidaje, apesar do alto risco: 

- No dia 6 de Abril, são alvejadas com mísseis Strela cinco aeronaves, tendo sido abatidas duas, um DO 27 e um T-6G. Morreram: dois Majores (1 Maj Pilav e 1 Maj Inf), dois Fur Pil, um Alf Mil médico, um 1.º Sarg da CCaç 19, um 1.º Cabo Enf e um ferido mandinga nativo de Guidaj. Oito mortos num só dia.

O ataque com armas ligeiras pelas 07h45 revelou-se ser um chamariz para o IN alvejar os nossos aviões. Apesar de logo no início se temer a forte possibilidade de ser atingida,  a FA acorreu com 3 DO 27, 2 Fiat G-91 e 2 T-6G.

Nos dias 8, 9, 10, 16, 19, 23, 28 e 29 de Maio de 73. Onde actuou ou tentou ajudar, no Quartel, na estrada, nas colunas auto e apeadas, em Cumbamory. Mantendo uma avioneta no ar, servindo de apoio às NT no terreno. Tendo provocado baixas numerosas ao PAIGC no dia 8 de Maio em Guidaje e no dia 19 no Cufeu.

A seguir ao abate dos nossos aviões e às baixas sofridas, a Força Aérea não ia a Guidaje, ficou quase se diria inoperacional, houve feridos que morreram e lá ficaram enterrados.

Os soldados não compreendiam esta ausência e apesar de tentar dizer que era compreensível, até eles arranjarem uma solução, respondiam com a cabeça quente…

No dia 11 de Maio 73 ouve uma tentativa de “insubordinação” dos dois Pelotões da 38.ª CCmds, evacuarem num Unimog o seu camarada 1.º Cabo Filipe, decepado de um pé por mina, no dia 10 entre o Ujeque e Guidaje. Foi com dificuldade que o Ten Cor Correia Campos os conteve…

No dia 16 de Maio apareceram 2 Hélis, onde foi o Gen Spínola e evacuou os feridos graves.

No dia 25, a seguir à morte do ferido 1.º Cabo Pára Ap Met G42 Peixoto (de Gião, Vila do Conde) ouvi dizer que houve movimentação de viatura pelos páras para evacuar o seu ferido Melo, mas não resultou…

Mais uma vez o Ten Cor Correia de Campos os convenceu a não deixar o quartel de Guidage (atitude inglória, acabariam com minas, mais feridos e dificilmente chegariam a Binta…)

No dia 28 apareceram 2 Hélis, rente e por entre as árvores. Levaram medicamentos, etc., para evacuar os feridos em estado mais grave.

Fiquei com a sensação que lá foram devido à pressão dos Páras (?). Os soldados afirmavam: se vieram duas vezes, porque não vieram buscar os que morreram?

A FAP, sempre que os chamávamos, aparecia quase na totalidade, nas acções anteriores em Guidaje. Houve vezes, que me pareceu exagerado o seu chamamento, para acções do IN que não justificavam a sua actuação… A proceder em todo o território deste modo, quem beneficiava era o PAIGC, graças ao desgaste do material aéreo e cansaço dos pilotos…

O meu parecer: A actuação da FA foi bastante positiva no decorrer da guerra na Guiné.

Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto
CCaç 19
Guidage - Guiné
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9888: (Ex)citações (178): Estrutura do campo de minas (António Matos)

Guiné 63/74 - P9959: Cartas do meu avô (6): Terceira Carta - Em Bissau (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66.  


As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)



B. TERCEIRA CARTA - EM BISSAU


O fôlego da companhia [, a CCAÇ 728,] (**) estava a esvair-se rapidamente com tanta intervenção nas matas. Os intervalos de tempo entre elas, passados  não davam para recompor.
- Para onde e quando será a próxima? - Era a pergunta que assoberbava a cabeça de todos nós.

A baixa do alferes Sasso (***) estava presente. Quando se sai ao mato, não se sabe se se voltará...  A sensação que tínhamos era de que, uma vez atirados às feras, tínhamos de nos "desenrascar", fosse como fosse.

As dúvidas sobre a razão da nossa presença ali, cresciam e alastravam descontroladas.  Não havia qualquer semelhança entre a tropa que desembarcou na Guiné e a que tinha de sobreviver em cada dia.

Os dias que faltavam estavam todos contadinhos, embora ninguém soubesse quando.  Nunca mais ninguém esquece a hora em que a tão esperada notícia se espalhou.  Foi uma explosão de alegria como nunca mais sentimos na vida.  Tinha chegado a ordem da nossa rendição. A uns breves quinze dias.  Que longos nos pareceram.
- E se ainda temos de sair para o mato?... - essa era a grande incógnita.

E assim aconteceu.  O meu sargento Gaspar que era um voluntário das guerras, repetente, tinha cumprido duas comissões em Angola, e estava ali por troca duns contitos de rei... que lhe deu o paizinho do Madail. Na véspera da operação assisti eu à sua consulta ao médico do batalhão. 
Ele era um peso pesado, gorilão. Pesava p'raí uns cento e vinte kg. Largo de tronco e uma agilidade desproporcionada. Pois, ainda conseguia fazer com facilidade impressionante um flic-flac à rectaguarda. Ali estava ele na saleta do médico na enfermaria a desbobinar, com uma convicção, um rosário de maleitas que, a serem verdade, o impossibilitavam de sair para o mato. O poriam de ambulância no hospital… 

O médico piscava-me o olho. Sabia que o sargento Gaspar era casado e com filhos à espera, no Cais da Rocha, em Lisboa, dentro de breve tempo.  Eu, como seu comandante de pelotão, também fechava os meus. Não fazia falta nenhuma. Pelo contrário. Seria menos uma eventual fonte de problemas...

E ficou mesmo em casa.  Já não me recordo do tempo que levamos a chegar a Bissau, desde Catió, numa grande LDM. Vínhamos todos nas nuvens, como num sonho de libertação dum degredo imposto, onde a nossa vida esteve em perigo cada minuto.

Só me lembra que não éramos só nós os viageiros felizes. Uma série de mulheres e crianças nativas vieram, com galinhas e açafates, de boleia, até Bolama e Bissau. De novo no quartel de Santa Luzia, como companhia de serviço, nos três meses antes de regressar, olhávamos para tudo com outros olhos. Era só deixar correr o tempo. 



Havia que fazer o rastreio de saúde no hospital [, HM 241, Bissau, foto à esquerda, arquivo do nosso blogue] . Eu fui lá passar uma semana para expulsar a bicharada toda que bebemos nas bolanhas e se alojaram nas nossa tripas… os …trico céfalos trykiuros...

Também deu para tirar a carta militar… de moto e ligeiros, que depois era só trocar no continente.  E não é que no preciso dia em que estava a fazer o exame de mota, com a preparação de duas ou três lições, me ia estampando contra uma parede, ao fim duma descida, como quem vem de Bissau para SantaLuzia. Confundi o pedal do travão com o do acelerador…Por momentos, eu que estava safo da guerras todas, vi a morte à minha frente… Não tenho dúvida de que foi um milagre da minha devota Senhora de Pedra Maria.
A primeira coisa que fiz quando recebi a carta de mota, foi rasga-la aos pedacinhos. Não fosse o mafarrico tecê-las… e uma jura eu fiz, solene:
- De que nenhum filho meu, com minha autorização, haveria de guiar mota. E cumpri à risca. 



A de carro, ainda é a mesma, à boa maneira do desleixado portuguezinho, troquei-a exactamente no último dia do ano que dispunha para o fazer…para não ter de repetir o problemático exame na metrópole. Foi em Bissau, desta vez, que pude conviver de perto com um casal amigo. Ele, o Silvestre, era alferes no quartel da Amura. No quadro da Administração. Viviam numa parte de casa alugada. Torturados pelo lento e penosíssimo decorrer dos dias à espera do fim da comissão… Era o seu grande lamento. Tinha sido meu companheiro de seminário. Fora pescado para a tropa, quando já tinha o 3º ano de direito. Ela já estava licenciada em românicas. Dava aulas no liceu de Bissau. [Foto acima: vista aérea do Liceu Honório Barreto e da Escola Industrial e Comercial de Bissau; arquivo do blogue].

Para mim, viviam remansosamente. Entretanto, nasceu-lhes lá o primeiro filho, aliás, menina. Fizeram questão de que fosse seu padrinho… e fui. O baptizado foi na Sé de Coimbra. E pasme-se!
- Nunca mais os vi, aos três!...Que vergonha de padrinho!?... Acho que a minha afilhada se chamou e chamará ainda - Luisa.

Esta conta não deu mesmo certa…




Outro que eu lá conheci, desde as minhas surtidas do mato até Bissau, era um outro alferes da administração militar, colega do Silvestre. Este tinha sido obrigado a interromper o curso de filosofia em Lisboa. Era um apaixonado pelos clássicos, gregos e romanos, pela escolástica. Ficou assombrado comigo, quando entabulou conversa lá no bar de oficiais, em Santa Luzia. Eu ainda tinha bem presentes todas essas figuras do pensamento, conhecia bem as suas ideias e achegas.
- Também andas em filosofia? – perguntou.
- Não. Andei.
- E que vais tirar?
- Direito, talvez.
- Oh!,  não faças isso. Andei lá ano e meio e abandonei. Aquilo não presta para nada. É só fogo de vista. Dá para ganhar dinheiro… e mais nada.
-E eu estou cansado desse mundo antigo. Passou. O que deixaram está esgotado…

Ficou de cara à banda.  Nunca mais o vi.

De facto, ele tinha toda a razão. Cedo o reconheci. Tirei o curso de direito, a ferros, jogava no campo inimigo, pois não tinha estofo para o mundo dos tribunais e das obrigações civis. Só me serviu para ganhar a vida…

Também recordo outro episódio, daqueles que só o destino sabe explicar.  Eu estava de oficial de dia ao quartel de Santa Luzia. Onde ficavam altos comandos militares. Uma responsabilidade que não metia medo a quem chega do mato. 

Estava a preparar tudo para passar a pasta ao oficial sucessor.  Nisto, oiço uma voz conhecida, muito familiar, não daquelas paragens.
- Dá licença,  meu alferes?- exclamou a voz.
- Entra.

Levantei os olhos e dei de caras com um 1º cabo, também de farda amarela, um velhote, como eu… muito sorridente, o que, de repente,  me deu tempo para pensar:
- Mas que é que deu a este figurão, para estar a sorrir, sem, antes, me ter visto os dentes?.. 



Era o meu primo Alberto, um meio irmão, que estava ali à frente. E regressaria à metrópole daí a pouco. Lançámo - nos num grande e sentido abraço… como irmãos - os pais dele eram irmãos dos meus. 
- Espera aí que eu vou passar o serviço e vamos já conversar… temos muito que dizer um ao outro… 

Ainda me ocorre outro episódio de assinalar. Em Julho próximo [, de 1966,] eu ia fazer vinte e cinco anos. Um número que se me afigurava então como digno de respeito. A sensação era de que tinham custado muito a decorrer estes vinte e cinco anos.

Na infância, o que desejamos é ser grandes… os anos nunca mais passam, são longos como séculos. A escola primária é uma escada dura de subir. O tempo de seminário foi um calvário doloroso que parecia não ter fim. A tropa foram só uns vinte e dois meses, mas pareceram vinte anos.

Tinha muito presente em mim que iria completar um quarto de século. Um pouco depois, iria regressar à vida civil. Tudo muito incógnito e inimaginável. A descontracção e autoconfiança que sentia ali ao serviço do batalhão, deu-me uma saborosa sensação de êxito pessoal. Muito benéfica para o meu psicológico, sempre muito complicado.

Cumpria o meu dever com naturalidade e exactidão. Pela primeira vez, senti-me admirado. Um superior reparou em mim. O segundo comandante major Jasmim de Freitas.
Antes meu lugar foi sempre nas filas de trás. Lembrei-me de promover uma festa, sob o pretexto dos meus anos. Todos os oficiais do batalhão foram convidados. E anuiram muito prontos e prazenteiros. 



Mandei assar uns leitões na padaria geral da Amura [, foto à direita, do nosso camarada João Martins], comprei uns petiscos e umas bebidas e , na hora marcada, depois da parada, a alegria e fraternidade chegaram em abundância. Foi uma linda festa.

O segundo comandante, cuja mulher era familiar muito próxima do administrador dum banco na metrópole, fez questão de me dar uma carta de recomendação para eu apresentar ao seu cunhado quando chegasse a Lisboa. Estaria afiançado. 



Só que, uma vez chegado à vida civil, fui acometido por uma tremenda crise de adaptação. Senti um choque psicológico estranho e muito perturbador. Insónias sobre insónias. Um frenesim incontrolável. Os comprimidos para regularizar somaram e caí prostrado no extremo oposto. O da letargia apática.

Primeiro que me sentisse apto a defrontar uma entrevista daquela importância, como seria essa com o administrador, demorou muito. O rumo da vida alterou-se. E a oportunidade perdeu-se totalmente. Pelo menos foi o que senti.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9938: Cartas do meu avô (5): Segunda Carta: Em Catió (Parte IV) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)


(**)  Informação sobre a independente CCAÇ 728 (recolhida pelo nosso colaborador permanente José Martins):



Fichas das unidades - Guiné > Volume VII – Tomo II - página 335

Companhia de Caçadores n.º 728

Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria n.º 16 – Évora
Comandantes: Capitão de Infantaria António Proença Varão, substituído pelo Capitão de Cavalaria Ramiro José Marcelino Mourato e posteriormente pelo Capitão de Infantaria Amândio Oliveira da Silva.
Divisa: Os Palmeirins
Partida: Embarque em 8 de Outubro de 1964
Desembarque em 14 de Outubro de 1964
Regresso: Embarque em 7 de Agosto de 1966

Locais por onde passou: Bissau, Cachil, Catió, Bissau



(***) Vd. série anterior, Crónica de um Palmeirim de Catió:


20 de Outubro de 2006 >  Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo


22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)

29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu


Guiné 63/74 - P9958: Facebook.. ando (17) : Alexandre Leites, de Sandim, V.N. Gaia, ex-1º cabo enfermeiro, CCAP 122/BCP 12 (1971/73)


António Alexandre Lopes Leites, ou simplesmente Alexandre Leites: segundo a sua página no Facebook


(i) estudou na escola da vida

 (ii) é casado (desde 1974), 

(iii) tem, dois filhos, Sónia e Luís; 

(iv) faz anos a 25 de novembro; 

(v) é católico; 

(vi) fez o serviço militar em 1970; 

(vii) esteve na Guiné, como 1º cabo enfermeiro da CCP 122/BCP12, em 1971/73; 

 (viii) mora em Sandim, Vila Nova de Gaia (, quando for à Madalena, prometo ir beber um café com ele à praia)... 

Citações favoritas:(a) Não julgues para não seres julgado nem condenes para não seres condenado: (b) Errar é humano, perdoar é divino. 

Email: alexandreleites3@gmail.comalexandreleites3@gmail.com 


Disponibilza, na sua página do Facebook, alguns dezenas de fotos... Podiam ter melhor resolução e ganhavam muito se tivessem legendas... De qualquer modo, o nosso muito obrigado pela partilha. Recuperámos algumas legendas a partir de comentários do autor e dos seus amigos...





O 1º cabo enfermeiro nem por isso descuidava a sua defesa pessoal...




À espera do heli para a evacuação de  um ferido, "no mato"...  



Evacuação de um ferido, "no mato"... A CCP 122 tinha acabado de cair numa emboscada.



Mais um  evacuação algures, "no mato"...  Na foto, vê-se uma enfermeira paraquedista




O "Lobo Mau" (helicanhão)


Mais uma helievacuação...


Um bivaque dos páras, algures na Guiné... 


"Instrução dura combate fácil uma máxima dos Para-quedistas muito importante e valiosa"



Mesmo nos páras, era preciso fazer pela vidinha... "O bar que tinha em Teixeira Pinto com o meu sócio, também enfermeiro, Paiva, de Viseu".

Fotos: © Alexandre Leites (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos


2. Comentário de L.G.:

 O Alexandre é nosso amigo no Facebook. Fica desde já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande. Como já temos aqui fotos dele, bastava dizer-nos algo mais sobre os bons e os maus momentos que passou no TO da Guiné, entre 1971 e 1973. Por exemplo, será que esteve em Guidaje e em Gadamael, em maio e junho de 1973 ?  Espero que ele nos leia e aceite o nosso convite. Um abração, 
Luis Graça.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9957: Parabéns a você (426): António Vaz, ex-Cap Mil Art, CMDT da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69)

Para saber mais sobre o nosso camarigo, clicar aqui: António Vaz
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9950: Parabéns a você (423): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9956: Memória dos lugares (184): Gadamael Porto e Gadamael Fronteira na região de Tombali (Manuel Vaz / Cherno Baldé)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > O porto ou cais acostável, construído pelo Exército português.

Foto: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Enquanto procedia à publicação do trabalho do nosso camarada Manuel Vaz, verifiquei que tínhamos dois marcadores no Blogue, um Gadamael e outro Gadamael Porto. Consultando a carta de Cacoca - 1954 verifiquei que não existe o topónimo Gadamael, mas sim Gadamael Porto e Gadamael Fronteira. Resolvi então consultar o nosso camarada Manuel Vaz para saber se ele saberia esclarecer-me.


Neste recorte da Carta de Cacoca de 1954 pode-se verificar-se a existência de Gadamael Porto junto a um braço do Rio Cacine e Gadamael Fronteira, que como o nome indica, mais próximo da República da Guiné.


2. Segue-se a resposta do camarada Manuel Vaz:

Amigo Vinhal:
Só agora consegui espaço e tempo para te responder. Desde que fui avô, há pouco mais de uma semana, o meu correio não pára de mandar e receber mensagens e fotografias relativas à Anna, a minha neta nascida na Alemanha e que por força disso, se escreve com dois "nn". Já estás a perceber a razão pela qual só agora respondo*.
[...]
Passando à questão que me colocaste, é redundante e até provocou algumas confusões ao ponto do Nuno Rubim, há uns tempos apelar ao esclarecimento de datas de extinção dos Destacamentos de Ganturé, Gadamael Fronteira, entre outras coisas da zona.

Ora bem, há 45 anos poderia ter esclarecido muitas coisas com o Régulo Habib, mas não o fiz e resta-me o conhecimento genérico.
A palavra "Gadamael", provavelmente tem um significado que eu desconheço, ligado aquela zona.
A palavra "Gadamael" aparece associado em três circunstâncias:
- Rio Gadamael; Gadamael Fronteira; Gadamael Porto.
- Gadamael Fronteira está a 2 Km da mesma e está associada ao Rio que se situa junto dessa povoação.
- Gadamael Porto está localizado, junto ao braço do Rio Cacine, o que se vê no recorte da Carta Militar que apresentei.

Moral da História:
- Se a palavra "Gadamael" tem um determinado significado, influenciou a designação da povoação, acrescentando-lhe Fronteira por estar perto desta. Aliás esta povoação deve ter uma origem muito antiga, pois era do tipo "cerrada" e quando a tropa chegou a Gadamael estava abandonada, como todas as outras. - Gadamael Porto era o local da zona, onde existia o "Porto" e por essa razão foi assim designado e por existir um "Porto", começou a atrair população.

Finalmente, em termos militares e para efeito do Blogue, Gadamael é só um, em Gadamael Porto pois só existiu Tropa aqui. Em Gadamael Fronteira nunca teve qualquer destacamento. O Destacamento de Gadamael era em Ganturé, sede do Regulado, a cerda de 2,5Km, também representado no recorte da Carta Militar. Gadamael ou Gadamael Porto é a mesma localidade e refere-se ao mesmo Aquartelamento.
[...]
Boa Noite e um abraço.
Manuel Vaz

Nota do editor:
(*) Deixei ficar de propósito aquela referência particular ao nascimento da pequena Anna. Parabéns vôvô.


3. Por decisão do Editor Chefe, vamos manter um único marcador, Gadamael, quando nos referirmos a Gadamael Porto ou, eventualmente, a Gadamael Fronteira.


4. Em tempo:
Porque não se pode nem deve desperdiçar as sempre oportunas intervenções, que muito agradecemos, do nosso amigo tertuliano guineense Cherno Baldé, aqui ficam as suas notas explicativas a propósito do topónimo Gadamael:

Caros editores,
O nome de Gadamael é, sem dúvida, de origem fula e é composto pelas expressões: Gada que significa margem (de um rio ou de um curso de água da bolanha que corre na época da chuva) e Mael que significa pequeno rio (afluente), um diminutivo da expressão Mayô (rio, mar).

Até há bem pouco tempo, induzido pelo nome, pensava que era habitada por fulas mas, na realidade, mesmo se há habitantes fulas, já não constituem a maioria nem são donos do chão, actualmente, embora o nome do antigo régulo, citado por António Vaz, se pareça muito com nome de fula, facto que poderia confirmar a origem do nome desta localidade.

PS: - Ainda, como referência histórica, importa referir que, a partir da segunda metade do sec. XIX, esta região tinha passado para o domínio das autoridades de Labé (estado autocrático de Futa Djalon), e o primeiro encontro/confronto das duas forças conquistadoras (fulas e portugueses) ocorreria em Buba.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9816: Memória dos lugares (183): STM - Aldeia Formosa e Bissau (Álvaro Vasconcelos)

Guiné 63/74 - P9955: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (6): Instituto Politécnico do Cávado e do Ave desenvolve um estudo relacionado com próteses dos membros inferiores e pede a colaboração do nosso Blogue para a recolha de informações

1. Estamos a dar conhecimento de uma mensagem chegada até nós, de Demétrio Matos, Director do Curso de Design Industrial do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Barcelos, solicitando a nossa colaboração na pesquisa e fornecimento de dados referentes a camaradas amputados, vítimas de guerra colonial.

Não tendo o nosso Blogue acesso a estes dados, pedimos a colaboração dos nossos leitores e camaradas, de algum modo ligados a esta temática.



2. Conteúdo da mensagem do dia 18 de Maio chegada ao Blogue

Exmos. Senhores,
Estou a desenvolver um estudo relacionado com dispositivos médicos, mais precisamente sobre próteses do membro inferior. Este trabalho é realizado no âmbito de um Doutoramento em Design e foca as necessidades do utilizador no intuito de melhorar a qualidade de vida do mesmo. Logo, estou a procura de dados sobre amputados, amputações e protetização.

Tendo em conta a escassez dos dados e a indicação de familiares (Camaradas da Guiné), venho por este meio solicitar a vossa colaboração no sentido de me fornecer algumas informações que me possam ser úteis nesta tarefa.

Necessito de saber quantos amputados de membro inferior estão dentro do contexto “Forças Armadas”, a fim de caracterizar o universo do meu estudo. Agradeço a cedência dos valores para estes três tópicos:

Número de associados/antigos combatentes:
Número de Amputados do membro inferior:
Número de Biamputados do membro inferior:

Depois de definir a minha amostra vou necessitar passar um questionário para identificar as lacunas das próteses e ter dados para poder projetar algum melhor. Seria possível encontrarmos uma forma de comunicar com as pessoas em questão através do vosso blogue?

Obrigado pelo tempo dispensado e pela contribuição neste projeto.

Nota: este projeto tem como objetivo contribuir para a melhoria dos dispositivos protésicos atualmente aplicados. A recolha de informação enquadra-se no projeto de investigação intitulado “Contributo do design no processo de desenvolvimento de dispositivos médicos. Projeto de um elemento protésico segundo uma abordagem centrada no utilizador”. Os dados recolhidos, são confidenciais e serão exclusivamente utilizados neste projeto.

Com os melhores cumprimentos,
Demétrio Matos
dmatos@ipca.pt
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Design department

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9895: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (5): As memórias dos familiares dos ex-combatentes da guerra colonial como trabalho de fim de Curso de Antropologia na FCSH da Universidade Nova de Lisboa

Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (95): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

1. Segunda parte da narrativa da "Operação Mamute Doido", trabalho enviado pelo nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária)  que participou nesta operação levada a efeito no fatídico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO ”MAMUTE DOIDO” (2)

Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu

António Dâmaso



Apesar de passados 39 anos e ter havido alterações da paisagem, agora com menos árvores e área de cultivo através desta imagem captada por satélite, a memória visual levou-me até ao local da emboscada de 23 de Maio de 1973. Lembro-me muito bem porque estive no local 4 vezes, por outro lado a carta topográfica neste pormenor é pouco elucidativa, nesta imagem pode-se compreender o porquê de toda a Companhia ficar debaixo de fogo, que os homens da frente estiveram sempre mais expostos. Mais dez, menos dez metros posso garantir que o local da emboscada foi este, as árvores mais grossas que lá existiam foram cortadas, tal como palmeiras e outras, as árvores de maior copa são muito poucas, restam apenas os arbustos e isto vem mostrar a rarefacção da floresta como se pode verificar através da imagem “que vale mais vale uma imagem do que mil palavras”.

Toda esta conversa só tem uma intenção que é repor a verdade dos factos, quando dizem que a emboscada foi na bolanha do Cufeu são imprecisos, porque bolanha propriamente dita, é aquela zona mais à frente sem vegetação onde passa a linha de água, em 1973 a Tabanca estava desabitada e o terreno inculto, nem sei se existiam lá algumas moranças.

Entre os mil e os quinhentos metros antes do Cufeu, depois de atravessar a estrada e descer a encosta, deparei-me com uma clareira enorme antes da bolanha, a mata circundante era muita rala e com árvores de reduzido diâmetro, palmeiras e outras árvores mais grossas eram muito poucas. Seguimos pela orla em direcção a uma ponta de mata mais avançada para a bolanha, para fazer a travessia da mesma na parte mais estreita, íamos com os sentidos alerta nomeadamente o primeiro homem, ciente que da sua capacidade de apuramento de três sentidos: visão, perscrutando todos os movimentos normais e anormais, o olfacto e a audição e que em grande parte, sabia que naquele momento os camaradas que o seguiam contavam com ele, daí que sentia a responsabilidade sobre ombros.

O primeiro homem, o Peixoto, era apontador de uma MG mas naquela operação levava uma HK 21 nova, em virtude da sua MG estar para reparação. Entrou na orla de uma clareira, a fronteira entre a mata e a clareira era quase inexistente, em virtude da raridade e espessura das árvores, detectou movimentações dos guerrilheiros a montarem o dispositivo da emboscada, não teve tempo de fazer quaisquer gesto  e abriu fogo imediatamente. Por azar a arma nova encravou-se logo, assim que a arma se encravou ele virou-se para mim muito aborrecido, lamentando-se disse:
- Meu primeiro, logo aqui é que me acontece uma coisa destas!

Quando se virou para mim foi atingido com um tiro no flanco direito, caiu de joelhos e ainda fez uma tentativa de desencravar a arma sem o conseguir e pediu-me que o tirasse dali.

Não podia ignorar um pedido daquele dirigido à minha pessoa, pois se ele o fez, lá tinha os seus motivos para o fazer. Embora o Peixoto fosse rebelde por natureza, havia respeito mútuo entre nós, aliás, como havia entre mim e todos os elementos do pelotão, até porque se eu fosse incumbido para realizar uma missão difícil, eu ia convidar os rebeldes porque apesar de não saber nada de psicologia, sabia que podia contar com eles até ao limite.

Nunca cheguei a saber o que tinha visto naquela emboscada para me solicitar que o tirasse dali, pois era auto-suficiente e aguerrido apesar da tenra idade, capaz dos maiores sacrifícios. A emboscada tinha rebentado, a Companhia ficou toda debaixo de fogo, em décimos de segundo avaliei a situação de risco, não pensei duas vezes, não havia tempo para pensar duas vezes, não podia deixar um homem meu que confiava em mim para o tirar ficar naquela situação. Saí detrás da árvore onde estava que não tinha mais de um palmo de diâmetro, corri para ele, agarrei-o para o trazer mas não tive forças suficientes para o arrastar mais ao armamento e equipamento que estava preso a ele. Vi-me na necessidade de pedir ajuda, o segundo homem, o Lourenço, foi imediatamente ajudar-me mas quando já tinha pegado no Peixoto, estávamos os dois de costas para a emboscada em progressão, foi atingido com um tiro na região posterior da cervical, ficando logo ali e só disse:
- Ai que já me mataram.

Fiquei cosido ao chão com o Peixoto encostado a mim e o Lourenço atingido do outro lado. Apesar do risco, o Ferreira de Carvalho, “o comprido” ou Vila de Rei, foi lá e ajudou-me a levar o Peixoto para trás do baga-baga, onde foi assistido pelo maqueiro Carvalho. Vi que tinha um pequeno orifício de entrada que quase não sangrou, sempre pensei que se safava, na altura muito embora tivesse um curso de primeiros socorros com a duração de uma semana, não tinha tempo nem os conhecimentos que tenho hoje para avaliar da gravidade de um ferimento, estava entregue aos cuidados do enfermeiro, eu naquele momento estava preocupado em sair daquela enrascada.

Os restantes homens do pelotão tiveram que se deslocar por lances, para a minha direita na procura de reagir à emboscada e ao mesmo tempo procurar protecção e foi aí que o Vitoriano foi atingido com um ou mais tiros que o atravessaram de flanco a flanco, segundo a versão de uns, mas segundo a versão de outros, foi quando procurou sair debaixo de uma árvore para ter ângulo tiro, isto por informação à posterior, uma vez que estava na minha retaguarda e não tinha ligação à vista de uma maneira ou de outra, lamento a sua morte.

Choviam morteiradas, roquetadas, canhoadas e tiros de armas automáticas, consta que tinham dois canhões sem recuo na emboscada, pois estavam à espera das viaturas, era um ruído ensurdecedor com tanto rebentamento, os nossos diminutos baga-baga iam ficando reduzidos drasticamente, os que estavam na parte de fora estavam alapados ao chão. Com o som ensurdecedor, fiquei com um zumbido permanente nos ouvidos que nunca mais me deixou e se tem agravado ao longo do tempo.

Além das baixas, tivemos algumas armas encravadas outras que não puderam ser usadas por falta de protecção dos atiradores, fui alternando a fazer fogo e falar no rádio, até que repentinamente chega junto de mim o Sargento Marques e larga o morteiro 60. No momento exacto que se baixa para deixar o morteiro, uma bala levou-lhe o chapéu camuflado, deixando-lhe um sulco de raspão no coiro cabeludo, desapareceu imediatamente para a posição dele, não me deu tempo de lhe perguntar nada.

Agarrei-me ao morteiro e comecei a “despachar” granadas para a zona onde estavam emboscados. Apercebi-me que as primeiras estavam a sair longas, eles estavam tão perto de nós que fui obrigado a quase endireitar o tubo para corrigir o tiro, em virtude da proximidade as granadas saiam quase na vertical. Enquanto tive granadas foi a despachar, o tubo do morteiro ficou muito quente, ainda me queimei mas sem gravidade, as granadas que pedimos em Binta deram-nos uma grande ajuda, depois comecei a fazer tiro de pontaria para um baga-baga onde vi vários guerrilheiros, só via sombras de um lado para o outro, pela movimentação é natural que estivessem a preparar a retirada, eles também me ripostavam da mesma maneira, o sol já estava baixo e dificultava-me a visão. Não sei se acertei em algum, os alvos não estavam estáticos, uma vez que não fomos lá ver, gastei as minhas munições todas e tive de pedir carregadores. Pensei em mandar uma granada de róquete, olhei para o lado, vi o apontador de RPG com a arma a seu lado, estava a esgravatar com as mãos para poder proteger a cabeça, não tive coragem de lhe perguntar se ainda tinha granadas, para o mandar expor-se mais, nunca o censurei porque se estivesse na pele dele teria feito o mesmo, provavelmente foi o que lhe salvou a vida pois à sua frente já não restava nada do bagabaga que tinha sido totalmente arrasado. Eu tinha começado a fazer tiro com a G3 e com o morteiro na posição de joelhos e já estava na posição de deitado, um tinha-me gritado:
- Meu Primeiro, tenho a arma encravada!

A minha resposta foi:
- Desencrava-a e deixa-te de estar para aí aos berros senão ainda te vêm apanhar à mão!

No momento compreendi que ele estava preocupado com a situação, mas não havia tempo para ir junto dele e explicar, fazes assim ou assado, havia que o acordar drasticamente para aquela realidade

Estávamos no mesmo lado da mata, mesmo no Cufeu e no ar andava o PCA (Posto de Comando Aéreo), bastante alto para estar fora do alcance dos mísseis, sabia que andava lá pelas comunicações que ouvia, aquele chamou apoio aéreo os Fiat, os pilotos afirmaram que tinham dificuldade em determinar uma linha de separação, foi aí que mandei colocar uma tela a indicar a nossa posição e a direcção do inimigo.

Entretanto deu-se o bombardeamento dos Fiat, foi muito providencial, porque os guerrilheiros terão pensado que atrás daqueles vinham outros e talvez, tal como nós, as suas munições também estivessem à beira de se esgotarem, ainda vi a retirada de alguns “turras” para o meu lado direito por uma picada que ficava junto à bolanha.

Foi um dia terrível, tínhamos uma sede horrível, vi homens a beber soro que era destinado a feridos, vi um urinar e senti um forte desejo de beber urina.

Fiz o que estava ao meu alcance fazer, os outros camaradas também fizeram o que puderam, enquanto estive com a adrenalina do combate a coisa correu bem mas quando este acabou, com o quadro que se me deparou, senti uma apatia momentânea como se não quisesse acreditar no que tinha acontecido aos meus camaradas. Estava com a ideia de organizar uma equipa e ir fazer uma batida ao local onde tinha estado a fazer tiro de pontaria, ao mesmo tempo pensei que por questões de segurança tinha de dar conhecimento ao Comandante da Companhia, depois o passa palavra que demorava muito tempo, ainda nos sujeitávamos a ser alvejados pelos nossos camaradas, tempo era aquilo que não dispúnhamos devido ao adiantado da hora, nesse momento veio uma ordem de cima, fazer macas improvisadas, mesmo assim ainda fiquei com a ideia de ir ao local a martelar-me na cabeça, mas depois o bom senso aconselhou-me que o melhor era sair dali rapidamente.

Era quase noite, o Comandante da Companhia mandou cortar varas para fazer macas improvisadas para o transporte de feridos e mortos, foi aí quando andava com os homens a escolher as varas melhores, que me apercebi da existência no local de esqueletos espalhados, e de uma estrada que não estava na carta, sem o saber, fomos ter mesmo ao local onde eles costumavam fazer as emboscadas, conhecedores do terreno movimentavam-se com rapidez.

O Comandante da Companhia deu ordens para que o pelotão que estava atrás de nós, avançasse para a frente para manter a segurança enquanto andávamos nos preparativos para transportar os nossos mortos e feridos.

O meu pelotão ficou inoperativo, dois mortos e um ferido grave para transportar, era um empenhamento de 15 homens, sobravam menos de 10. Desmoralizados por uma situação de que até ali não estavam habituados, era-lhes difícil entender porque antes eram evacuados por tudo e por nada e naquela situação, exaustos famintos mas mais grave ainda sedentos e desidratados, quase que a arrastar-se tinham que andar com os seus camaradas às costas. Fizeram-no porque existia aquele espírito de entreajuda, de irmandade e camaradagem entre combatentes, que caracteriza o ser humano nestas situações difíceis, dando-lhes forças para ultrapassar o limite e foi-lhe incutido na instrução, “que um pára-quedista depois de morto ainda faz dez flexões”.

O sol já se tinha posto, pegamos nos feridos e mortos, eu peguei num lado da maca do Peixoto e com três equipamentos às costas, entendi que naquele momento mais que mandar era preciso dar o exemplo. Aguentei até chegar ao Ujeque, enquanto os outros transportadores se foram revezando. Em Ujeque estavam os Fusos com viaturas, só aí é que conseguimos beber alguma água, sei que o Peixoto ainda chegou vivo a Ujeque, uma vez que o transportei até lá, os Fuzileiros que nos esperavam disseram estar admirados com a duração do combate, eles próprios já tinham tido um combate na zona, seguimos nas viaturas até Guidage onde chegamos já de noite escuro. Entramos pelo lado da pista, aí lembro-me que tive ordem para colocar o meu pelotão junto da vala, mais valeta do que vala, nas traseiras da cozinha perto do balneário, o 2.º ficou na vala que dava para a “pista”, onde mais tarde vieram a ser sepultados os militares falecidos.

Não cheguei a saber porque não fomos apoiados pelos obuses de Guidage, falta de munições, ou falta de lembrança?

Hoje é muito bonito dizer, temos de apostar mais na formação, a formação ajuda mas não é tudo, na altura se não estivesse debaixo de uma emboscada, tinha feito uma barragem de fogo e iam dois pegavam no ferido e tiravam-no para zona protegida, na teoria é muito fácil mas na prática é mais difícil, naquele dia caiu-nos um inferno de metralha em cima, improvisou-se.

Reflectindo sobre a maneira que os homens foram atingidos, o tiro que levou o chapéu ao Sargento Marques e ainda como me tentaram atingir, leva-me a crer que foram abatidos com tiros de precisão e que existia um atirador na emboscada, interrogo-me como não fiquei a fazer companhia àqueles bravos e chego à conclusão que se não fiquei lá, foi porque não tinha chegado a minha hora.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 27 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (60): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

Guiné 63/74 - P9953: Notas de leitura (364): Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo, por Gérard Chaliand (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
É graças à extrema solicitude de António Duarte Silva, que possui uma invejável biblioteca sobre a guerra da Guiné e a as lutas de libertação, que tive a oportunidade de ler este conjunto de flashes em que Chaliand viaja sobre os primórdios das lutas armadas e procede a balanço sobre as principais revoluções nacionais. Nestas coisas da leitura recomenda-se o distanciamento, Chaliand não escondia a sua deceção sobre os caminhos trilhados pelos países recém independentes, como alguns deles tinham irresponsavelmente atirado grandes sonhos para o charco, como a própria África já se perfilava como um continente condenado a um estranho sistema de subdesenvolvimento com explosão demográfica. E onde uma vez mais Chaliand não esconde o seu deslumbramento por Amílcar Cabral.

Um abraço do
Mário


Reler Gérard Chaliand: Mitos revolucionários do Terceiro Mundo

Beja Santos

Anticolonialista, ativo e militante, redator-chefe do semanário Révolution Africain, acompanhou Amílcar Cabral na guerrilha. Viveu nas aldeias do Vietnam do Norte, investigou as guerrilhas da Colúmbia, a resistência palestiniana. Ao tempo em que publicou “Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo” (1976) já era um conferencista emérito e considerado um dos maiores especialistas mundiais na guerra revolucionária e lutas de libertação nacional.

Nesta sua obra “Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo” (Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1977), Chaliand procede a um balanço das suas permanências e investigações em África, Próximo Oriente, América Latina e Sudeste Asiático, estuda as estratégias e métodos e a luta armada nos três continentes, disseca os seus sucessos e os seus numerosos fracassos, descodifica siglas arrebatadoras dos grupos revolucionários, as metamorfoses a que foi sujeito em todo o mundo o projeto socialista e por onde andavam, bem ou mal, os mitos revolucionários à entrada do último quartel do século XX. Inevitavelmente, aqui se fará referência a Amílcar Cabral.

Primeiro, o subdesenvolvimento, a economia colonial e o papel das camadas urbanas nas lutas de libertação. Aí ganha projeção a densidade demográfica de um Terceiro Mundo, na altura totalmente incapaz de competir com as economias dos EUA, CEE e URSS. Os países desenvolvidos e as suas instituições (com o FMI e o Banco Mundial à frente) reconheciam pela voz de McNamara que era inaceitável o estado atual do desenvolvimento, a repartição dramaticamente desigual das vantagens, havia que melhorar urgentemente o rendimento dos mais pobres e valorizar as suas matérias-primas. O choque petrolífero subverteu a essência das boas intenções, dentro de uma atmosfera de Guerra Fria, depois de tudo o que se tinha passado e continuava a passar no Vietnam, a nacionalização do Canal de Suez, da Argélia, o ímpeto independentista do Magrebe até África Ocidental e descendo para o Congo, o Terceiro Mundo e o Movimento dos Não Alinhados estava na ordem do dia. É nessa atmosfera de efervescência que Chaliand fala do neocolonialismo no contexto das contradições africanas e a constituição de uma pequena burguesia comercial e de uma camada dirigente que se irá revelar incapaz de conduzir projetos políticos dignos de apontarem para o desenvolvimento.

O autor enquadra os princípios gerais da guerra de guerrilhas e exemplifica a sua aplicação na América Latina, na África e na Ásia, sobretudo. São capítulos altamente resumidos, em alguns casos o leitor não ganha munição, a esta distância, para entender os jogos de poder, a desagregação dos ideais, a solidez das alianças regionais, por exemplo. É neste embrenhado que o investigador faz avultar um capítulo intitulado “A herança de Amílcar Cabral”. Começa por um facto sem precedentes que atirou para a valeta um registo diplomático: a proclamação unilateral de independência da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecida por dezenas de países. Sumariza os principais acontecimentos da fundação e institucionalização do PAIGC, o modo como Amílcar Cabral baseou a sua estratégia na paciente construção de uma infraestrutura, como soube desencadear a luta armada numa região da Guiné deixando as forças armadas praticamente manietadas durante meses e quando começou a resposta o modo como a guerrilha prosseguiu no Leste e no Norte, obrigando o contendor a igualmente dispersar-se e sujeito a um enorme desgaste. Explica como as autoridades portuguesas detinham o controlo de uma maioria populacional sem nunca conseguir fazer pressão para expulsar os guerrilheiros para fora do território.

A influência internacional de Cabral era notória: na ONU, nos areópagos controlados pelos comunistas, na Organização da Unidade Africana. Manteve as populações sempre mobilizadas e participantes, e descreve minuciosamente as eleições da “Assembleia Popular da Guiné-Bissau”, acontecimento ímpar nos movimentos de guerrilha. Chaliand trata Cabral como a figura revolucionária mais notável da África contemporânea, exalta-o pelo talento político, pela capacidade de organização, como teórico e pelo seu tato diplomático. E escreve: “A 20 de Janeiro de 1973, nas vésperas da proclamação da independência, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri por membros do seu próprio partido. Os portugueses tinham dado esperanças a alguns quadros do partido, originários da Guiné, de que outorgariam a independência com a condição de que fossem descartados os cabo-verdianos que compunham uma parte importante da direção do PAIGC”.

Falando do ato de independência, Chaliand questiona as razões que levaram o PAIGC a tomar uma decisão tão singular, e procura justificar: “A resposta é dupla: de um lado, o Portugal de Marcello Caetano não oferecia nenhuma possibilidade a mais que o de Salazar para uma paz negociada. Não podendo tornar-se neocolonial, o Império Português crispava-se sobre as suas possessões e não podia abandonar a Guiné, sob a pena de encorajar os movimentos nacionalistas de Angola e Moçambique. Por outro lado, o PAIGC, tendo em conta a relação de forças, não podia vencer o inimigo no terreno puramente militar. Esta impossibilidade de levar os movimentos de libertação africanos a um Dien Bien Phu, mesmo no caso do mais bem estruturado deles, o da Guiné-Bissau, tem uma causa que parece não ter chamado a atenção dos observadores: a escassez demográfica. A verdade é que uma confrontação militar decisiva requer uma massa de homens cujas perdas possam ser compensadas facilmente”.

Para efeitos de recensão, paramos aqui, Chaliand prossegue a sua digressão pelas teorias e práticas da contrainsurreição, refere abundantemente várias revoluções nacionais anti-imperialistas e é em jeito de conclusão mostrar-se-á claramente céptico quanto à consolidação e reconhecimento de o “terceiro-mundismo”.

Obra naturalmente datada, tudo quanto ele registou faz parte da história, não chegou ao presente.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9945: Notas de leitura (363): "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", por Idálio Reis (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P9952: Blogpoesia (188): Aos bravos de Bambadinca reunidos no sábado, dia 26, no Porto (Luís Graça)



Porto > 26 de maio de 2012 > 18º convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71) > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), CCAÇ 12 (1969/71)e outras subunidades adidas.

Foto: © José Fernando Almeida (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Seis quadras dedicadas aos bravos de Bambadinca

O bravo de Bambadinca
já não vai à Transmontana (1),
hoje é no Porto que ele trinca
o seu belo cachão de anha...

Anha ou anho (2), tanto faz,
diz ele p'rá sua bajuda,
- Sempre bravo, já não rapaz,
ainda coiso sem ajuda!

Viva a CCAÇ doze,
nharra, nobre, mui valente,
que o Zé Turra nunca ouse
vir cá meter-se c'a gente! (3)

Viva o velho Batalhão
que fez a Lança  Afiada (4),
aquilo não foi uma op'ração,
foi uma grande...vacada!

Pilotos de engenhos voadores (5),
foram homens de c...ões,
trolhas, heróis, condutores,
os que ergueram Nhabijões!

Viva o resto dos Adidos (6),
dos morteiros aos cavaleiros,
uns brancos, outros nativos,
todos fixes, todos porreiros!

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(1) Restaurante de Bafatá onde a malta de Bambadinca ia comer o famoso bife com batatas fritas e ovo a cavalo...Um pequeno luxo para quem tinha 30 quilómetros de estrada alcatroada entre Bambadinca e Bafatá em meados de 1969...

(2) Anho com arroz de forno: uma das especialidades da cozinha duriense.

(3) Bambadinca sofreu um ataque de envergadura em 28 de maio de 1969... Enquanto a CCAÇ 12 esteve como lá, como subunidade de intervenção ao serviço do BCAÇ 2852 e depois do BART 2917, entre julho de 1969 e março de 1971, a sede do setor L1 nunca foi atacada ou flagelada.

(4) Op Lança Afiada: uma das maiores operações realizadas na Zona Leste, ao tempo do BCAÇ 2852, coordenada e comanda pelo cor Hélio Felgas (Agrup 2957, de Bafatá,  em março de 1969... Um dos seus resultados mais visíveis foi a destruição  muitas toneladas de arroz e do abate ou saque de muitas cabeças de gado, nos subsetores do Xime e do Xitole, em zonas controladas pelo PAIGC.

(5) Referências às duas minas A/C que foram acionadas pelas NT à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de janeiro de 1970, provocando um morto (o sold cond Soares, da CCAÇ 12) e muitos feridos graves (da CCAÇ e 12 e da CCS/BART 2917).

(6) Referência aos Pel Caç Nat 52, 54 e 63; Pel Mort 22106 e 2268; Pel Rec Daimler 2046 e 2206...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9905: Blogpoesia (187): Descansa em paz, Iero Jaló... Poema de Luís Graça, com dedicatória ao Zé Carlos Suleimane Baldé, nosso novo grã-tabanqueiro

domingo, 27 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (94): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 25 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) enviou-nos a primeira de quatro partes de um trabalho onde descreve a "Operação Mamute Doido" realizada no âmbito dos trágicos acontecimento que marcaram Guidaje** e as NT naquele fatícico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO" (1)

ESTADIA EM BINTA E SAÍDA ATÉ CUFEU

A. Dâmaso

Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cufeu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ 19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP 121, CCAV 3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem porque se passou muito tempo.

Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa. Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de início acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna, julgo que o camarada Victor Tavares deu melhor conta do recado do que tivesse sido eu. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.

Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do 3.º Grupo de Combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.

As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.

Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.

Em Moçambique, no ano de 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.

Agora passo a descrever a minha vivência nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha ”verdade”: 

No dia 22MAI73, tivemos um briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.

Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia (CCP 121) ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.

Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50)  > Detalhes: posição relativa de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta - Guidaje).

Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu Comandante de Companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao Comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.

Seguidamente transmiti aos homens sob o meu comando, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.

Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.

Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.

Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.

Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o Comandante de Companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.

Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cufeu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.

Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, mais ou menos entre 500 e os 1000m do Cufeu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ª a secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em ziguezague.

O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um Pára de alcunha Lisboa, e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.

Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da emboscada, ter olhado para trás e ver que o Comandante da Companhia seguia nos primeiros dez.

Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na Companhia um Tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.

O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão, onde passou por Gandembel. Eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em Companhia de Combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio” e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiência acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando. Sem qualquer acordo prévio, optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!

Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-Sargento Comandante da Secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º, quanto ao Comandante da Companhia deve ter pensado o mesmo que eu, e ir para os primeiros dez da coluna.

Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.

(Continua)

Um Ab
A. Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2012 Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (59): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

(**) Vd. postes:

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (56): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)
e
Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)

Guiné 63/74 - P9950: Parabéns a você (425): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

Para aceder aos postes do nosso camarada António Manuel Salvador clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. poste de 26 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9946: Parabéns a vocês (422): Ex-Cap Mil Carlos Nery, ex-1.º Cabo Op Cripto Gabriel Gonçalves, amigo João Santiago e ex-1.º Cabo Especialista MMA da FAP Jorge Narciso