Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI, hoje Regimento de Infantaria nº 1 (desde 2008)
Foto: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados
1. Comentário de Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:
De princípio não achei lá muito interesse neste tema. No entanto e por força das visualizações do poste acabei por me lembrar de um caso relacionado que se passou no ano de 1971 em Tavira.
Então era o seguinte: quando estávamos no curso de sargentos em Tavira no 4º turno de 1971 e como quem lá passou se lembrará que era mais que frequente os instruendos serem praxados com várias idas às salinas para fazerem exercícios de ordem unida e outros, para belo prazer dos instrutores. Sim, porque de instrução não se tratava.
Mas o maior prazer dos instrutores era gozarem com o pessoal nas formaturas de almoço pois que eram tantas as idas às salinas que não havia fardamento que chegasse para estarmos em ordem nessas formaturas e daí era constante os castigos por falta de atavio.
É então que determinado dia um dos nossos camaradas de instrução, que por sinal se dizia ser filho de gente rica e que o seu pai era o dono da Tabaqueira, resolveu ir para a formatura de almoço completamente cheio de lama mal cheirosa ao ponto de mais parecer uma estátua de barro.
Não sei se era por ser rico ou não, o que é certo é que nesse dia a malta teve direito a mais um tempinho para se limpar.
Lembro-me perfeitamente que esse camarada, do qual não me lembro do seu nome, era muito irreverente já para a época, inclusivamente vivia em Tavira com sua mulher e filho e esta era de igual modo irreverente ao ponto de tanto o nosso camarada (filho de rico) como a mulher raparem o cabelo e assim ele já evitava as carecadas e ela por sua vez se solidarizava com o marido, criando ao mesmo tempo um certo estilo de revoltosos com o sistema, o que para a época era já preciso ter muita coragem.
Na altura eu admirei este casal e em especial o nosso camarada que devia ser mesmo filho de pai rico, mas isso só nos trouxe vantagem.
Espero que este camarada esteja bem e que se ainda for rico tanto melhor para ele e que saiba que foi bom estar com ele na tropa em Tavira.
Esta estória vale o que vale assim como o tema em questão.
Um abraço a todos.
Henrique Cerqueira
2. Comentário do editor:
Henrique, obrigado pelo teu contributo!... Afinal são histórias como esta que acabas de contar, que justificam o aparecimento deste tema, objeto do inquérito que está a decorrer até 4ª feira... Não há estudos sérios, académicos, sobre esta matéria, de modo a podermos responder à pergunta (legítima): os mancebos portugueses da nossa geração eram todos iguais face à obrigação de cumprir o serviço militar e, em caso de guerra, de defender a Pátria?
Tens boa memória em relação à tua passagem pelo CISMI, em Tavira. Tu és do 4º turno de 1971, eu passei por lá no 4º trimestre de 1968... Mas as praxes eram as mesmas e havia alguns instrutores que usavam e abusavam do seu poder... Era natural que houvesse irreverência, resistência e até contestação (, dentro dos limites do RDM...) em relação a algumas práticas mais violentas, ou de violência gratuita...
Simplesmente não é irreverente, contestatário e resistente (ativo) só quem quer, mas também quem quer e pode... A liberdade tem um preço e os portugueses sabem disso, ao longo dos séculos e dos diversos regimes políticos. Alguns pagaram um preço bem alto pelo exercício da liberdade: prisão, tortura, morte, exílio, etc. Não vale a pena exemplificar....
Há vezes os exemplos (de irreverência, contestação, resistência...) vêm de dentro, da própria elite dirigente, dos seus filhos ou enteados...
Enfim, era interessante saber o resto da tua história: o alegado filho do dono da Tabaqueira cumpriu o resto da tropa, foi ou não mobilizado para o Ultramar, e, se sim, para onde, para que serviço, etc. ?
Permito-me, no entanto, fazer uma chamada de atenção: quem era o dono da Tabaqueira em 1971? A CUF... E a CUF, de quem era ? Dos ricos e poderosos Mello... Não sei se tinham filhos e sobrinhos em idade militar na época (1961/74)...Mas não estou a ver um dos filhos (ou sobrinhos) dos Mello no CISMI, em Tavira, em 1971...
A CUF era só... o maior grupo económico português!... Além disso, o mundo era vasto e largo, para as nossas elites. Con certeza que entre os 200 mil refractários da época havia ricos e pobres... É um número impressionante, num milhão de mancebos em idade militar, 20% foram refractários... 800 mil foram parar a Angola, Guiné e Moçambique.
A Tabaqueira, criada em 1927 por Alfredo da Silva, era a empresa líder do mercado nacional, produzia e vendia marcas de cigarros, nossas conhecidas, como Provisórios, Definitivos, Águia, Kentucky, 20 20 20, High-life, Porto, Ritz, Sintra, Monserrate ou Kayak. A sua concorrentes era a INTAR (sucessora da Companhia Portuguesa de Tabacos), responsável por marcas como Estoril, Kart ou Marialvas.
Em 13 de maio de 1975, a Tabaqueira e a INTAR foram nacionalizadas. A empresa pública Tabaqueira - Empresa Industrial de Tabacos, E.P., criada a 30 de Junho de 1976, resultou da fusão, numa única empresa, de A Tabaqueira, SARL e da INTAR - Empresa Industrial de Tabacos, SARL. (Estas duas empresas tabaqueiras detinham praticamente a totalidade do mercado nacional de cigarros).
Henrique, será que o teu camarada de 1971, no CISMI, Tavira, estaria ligado, por laços familiares, a esta INTAR?
3. Resposta do Henrique Cerqueira:
Eu não fazia parte dos seus amigos que privavam com ele, mas a impressão que tinha dele era de admiração pelo seu comportamento, visto que ele tinha a "chancela" de menino rico e filho do tal empresário.
Havia por lá uns "pardais", armados em ricos, e alguns futebolistas mais ao menos (re)conhecidos e que, esses, sim, davam o seu ar de importantes e, como diz o António Rosinha, uma de novos ricos. Lá se iam safando, isso sim.
Um abraço antes que me espalhe ao comprido, que este espaço é de fraternidade e não de más línguas.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 3 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16551: Inquérito 'on line' (69): ... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (39%), mas não na tropa (45%) e menos ainda na guerra (52%)... Resultados preliminares (n=73)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44
(*) Vd. poste de 3 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16551: Inquérito 'on line' (69): ... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (39%), mas não na tropa (45%) e menos ainda na guerra (52%)... Resultados preliminares (n=73)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44