1. Mensagem do nosso camarada Francisco
Palma (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá,
1970/72), com data de 2 de Junho de 2018, com o rescaldo do convívio do pessoal da sua Unidade.
Camaradas,
A CCAV 2748 de de Canquelifá, 1970-72, realizou no dia 02 de Junho de 2018 o seu Convívio Anual, juntando 88 presenças na Tornada Caldas da Rainha.
Foi com muita alegria e troca de memórias que o tempo "voou" e se conviveu com saudade e alegria.
Diremos que a ligação destes Combatentes está cada dia mais forte e ficaram votos e pedidos de repetição para o novo reencontro no próximo ano.
Francisco Palma
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Nota do editor
Último poste da série de 31 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18699: Convívios (860): Rescaldo do XXVIII Encontro dos Maiorais da CCAÇ 2381, levado a efeito no passado dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 4 de junho de 2018
Guiné 61/74 - P18708: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 55 e 56: "Amanhã, 19 de maio de 1973, faço 23 anos e vou dar um baile só é pena aqui não haver raparigas”.
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Alegria das primeiras chuvas"...
Foto (e legendagem): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)
(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;
(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;
(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);
(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;
(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.
2. Sinopse dos postes anteriores:
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;
(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;
(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";
(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;
(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);
(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;
(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;
(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;
(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.
(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;
(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.
(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;
(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;
(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];
(xxiv) considerações sobre i clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos...
3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 55 e 56
[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]
(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;
(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;
(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);
(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;
(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.
2. Sinopse dos postes anteriores:
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;
(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;
(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";
(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;
(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);
(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;
(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;
(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;
(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.
(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;
(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.
(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;
(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;
(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];
(xxiv) considerações sobre i clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos...
3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 55 e 56
[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]
55º Capítulo > AS ARMAS GRANDES
Tento ser o mais coerente que posso mas a realidade de há 45 anos atrás entrechoca-se com o meu pensamento de agora. Leiam:
“Meu bem.
Normalmente por aqui tudo decorre bem mas amanhã vai haver aqui um pouco de movimento, vêm para cá trinta negros que possivelmente ficarão aqui no quartel para saírem para o mato com os meus camaradas. Estes negros também são militares como eu mas para ser franco não gosto deles misturados connosco, pois de qualquer maneira são pretos na mesma como os “turras”. Lá vou tendo paciência e suporto-os o melhor possível”.
Se vos disser que me arrependo do que então pensava estarei a mentir. Se vos disser que a minha ignorância pode desculpar, em certa medida, esse pensamento, tem alguma lógica. A Pátria. A Bandeira que todos os dias içávamos no mastro da parada. O Hino cantado nas mais díspares circunstâncias tolhiam um pouco o raciocínio a cada um de nós. As coisas não mudaram assim tanto nestes anos. Os nacionalismos bacocos aí estão a singrar pelo mundo, denotando uma imensa falta de solidariedade entre todos os povos. Em minha defesa, sou levado a afirmar:eu estava e continuei a estar, por mais alguns meses, convencido de que defendia Portugal.
De súbito, as minhas piores previsões sobre o correio concretizaram-se.
“A carreira da avioneta vai acabar, de maneira que… a menos que paguemos o aluguer… o correio só virá de barco, portanto de quinze em quinze dias, até eu irei de barco para Bissau, lá para o dia 16 ou 17 pois alugar avionetas é muito caro, não tenho outra alternativa terei de me resignar a mais esta contrariedade.
Hoje veio o barco trazer as tais armas grandes [Obus 14].
Quando tal começo mas é a fazer as malas para ir da férias”.
Receber correspondência era o melhor a que podíamos aspirar naquele fim do mundo, o que na sua ausência nos fazia ficar cada vez mais irascíveis. Pelo menos eu, no que até agora reli, percebo que o meu humor vogava ao sabor das notícias que ia recebendo. As armas grandes a que me refiro eram três obuses 14.
Que grande alteração já a seguir.
“Afinal ficou hoje resolvido que vamos de avioneta até Bissau. Como somos dez fizemos uma panelinha e como é uma avioneta Maior em vez de 400$00 fica por 180$00 a cada um. De avioneta são 20 minutos de barco seriam dois dias. Saio daqui no dia 21”.
56º Capítulo > CHEGOU UM “PERIQUITO”
Já mais de uma vez pensei: que interesse tem o que escrevo neste livro, ou o que escrevi à namorada, para a maioria das pessoas? São histórias pessoais.
Infelizmente, não são. Se sou eu que assumo a sua autoria, aqueles por quem escrevi, em virtude de serem analfabetos, ou aqueles que o fizeram eles próprios, se tivessem guardado a correspondência, as histórias seriam muito parecidas. Os nove que me acompanharam, quando vim de férias, tinham um discurso quase igual ao meu.
Agora, quando nos encontramos anualmente, reparamos nas enormes diferenças que nos separam; naqueles dois anos parecíamos todos iguais.
Tenho tentado e vou continuar a fazê-lo: dar uma ideia do que diariamente ia acontecendo, intercalando acontecimentos graves com coisas banais, como por exemplo:
“Já chegou o clarim que veio substituir o que tinha sido evacuado. Coitado do rapaz por onde passa todos fazem pouco dele, vem tão branquinho que parece ter saído agora da lavandaria e sabes como é, os velhos gozaram-nos a nós agora é a nossa vez.
Salta pira salta pira.
Periquito vai pró mato.
Olé lé lá que a velhice vai prá Metrópole
Olaré lé lé.
Depois ensino-te a música”.
Coisa estúpida, não?
Ou esta:
56º Capítulo > CHEGOU UM “PERIQUITO”
Já mais de uma vez pensei: que interesse tem o que escrevo neste livro, ou o que escrevi à namorada, para a maioria das pessoas? São histórias pessoais.
Infelizmente, não são. Se sou eu que assumo a sua autoria, aqueles por quem escrevi, em virtude de serem analfabetos, ou aqueles que o fizeram eles próprios, se tivessem guardado a correspondência, as histórias seriam muito parecidas. Os nove que me acompanharam, quando vim de férias, tinham um discurso quase igual ao meu.
Agora, quando nos encontramos anualmente, reparamos nas enormes diferenças que nos separam; naqueles dois anos parecíamos todos iguais.
Tenho tentado e vou continuar a fazê-lo: dar uma ideia do que diariamente ia acontecendo, intercalando acontecimentos graves com coisas banais, como por exemplo:
“Já chegou o clarim que veio substituir o que tinha sido evacuado. Coitado do rapaz por onde passa todos fazem pouco dele, vem tão branquinho que parece ter saído agora da lavandaria e sabes como é, os velhos gozaram-nos a nós agora é a nossa vez.
Salta pira salta pira.
Periquito vai pró mato.
Olé lé lá que a velhice vai prá Metrópole
Olaré lé lé.
Depois ensino-te a música”.
Coisa estúpida, não?
Ou esta:
"Embora isto não te interesse muito quero que saibas que continuo a surpreender-me com este clima. Hoje choveu e foi de tal forma que eu nunca vi tal, já vi chover muitas vezes mas como hoje nunca, o engraçado é que antes de a chuva começar, somos avisados.
Está um calor horrível depois começa a soprar vento até se parecer com um ciclone e só depois é que chove torrencialmente durante mais ou menos meia hora, depois pára e dá lugar novamente a um calor infernal, que muito dificilmente se suporta. Este clima não haja duvida que é um clima curioso, mas o mais engraçado é que aqui chove todos os anos e em Cabo Verde que é relativamente perto não chove há sete anos. Os militares tem um litro de água para beber por dia, agora para tomar banho etc. é com água salgada. Os soldados que lá estão vêem-se à rasca com a sede”.
Pior ainda o que disse no dia seguinte:
“Amanhã faço 23 anos e vou dar um baile só é pena aqui não haver raparigas”.
Está um calor horrível depois começa a soprar vento até se parecer com um ciclone e só depois é que chove torrencialmente durante mais ou menos meia hora, depois pára e dá lugar novamente a um calor infernal, que muito dificilmente se suporta. Este clima não haja duvida que é um clima curioso, mas o mais engraçado é que aqui chove todos os anos e em Cabo Verde que é relativamente perto não chove há sete anos. Os militares tem um litro de água para beber por dia, agora para tomar banho etc. é com água salgada. Os soldados que lá estão vêem-se à rasca com a sede”.
Pior ainda o que disse no dia seguinte:
“Amanhã faço 23 anos e vou dar um baile só é pena aqui não haver raparigas”.
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Nota do editor:
Último poste da série > 31 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18698: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 53 e 54; vai haver uma estrada alcatroada até Gampará, e vamos ter artiilharia em Fulacunda
Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2016:
Queridos amigos,
Prossegue a súmula dos principais eventos da missionação portuguesa na Guiné, graças a essa obra ímpar que ainda se pode adquirir, está longe de esgotada.
Com a Restauração, redobraram-se os esforços no envio de missões a partir da Missão de Cabo Verde e Guiné. Recorde-se que ninguém usava uma expressão inequívoca para falar da região. Todos se procuravam entender a ela se referindo como a Costa da Guiné, território que ia desde o Sul do Senegal até à Serra Leoa. O ponto de chegada era Cacheu, mas em Guinala, no Rio Grande de Buba, já havia igreja e a expressão cristãos de Geba era bem conhecida a tal ponto que quando estes cristãos foram transferidos para Farim constituíam a maioria daquela pequena cristandade.
Quem se interessar por esta vertente da história missionária tem ao seu dispor um relato extraordinário que é o livro de Frei André de Faro, uma autêntica peregrinação com cunho acentuadamente religioso, e a edição de 1974 de Avelino Teixeira da Mota sobre as duas viagens de D. Frei Vitoriano Portuense.
Um abraço do
Mário
História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (3)
Beja Santos
Continuamos a sintetizar os aspetos fundamentais de um livro ímpar sobre a presença missionária portuguesa num território outrora designado por Senegâmbia, Costa da Guiné, rios de Guiné de Cabo Verde, entre outros crismas: “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982.
Chegados à Restauração, o fundador da Casa de Bragança procurou estimular a presença de religiosos portugueses onde outrora se implantara uma crescente missionação espanhola. Em 1656, ano da morte de D. João IV, deliberou-se enviar para a Missão de Cabo Verde e Guiné oito franciscanos capuchos que se tinham oferecido. Os Capuchos chegam a Santiago em 1657, tendo dois deles partido para a Guiné em 1660. Escreve Frei André de Faro que eles foram os primeiros que edificaram hospícios do Orago da Piedade na povoação de Cacheu, um dos capuchos foi para o reino do Banhuns e outro para o reino dos Cassangas: “Andando sempre pregando por todas as povoações e rios da Guiné, passando a Serra Leoa e dela voltando até toda a costa da Guiné, gastando muitos anos neste ministério, vendo-se tantas vezes tão perto da morte”. Ambos deixaram memórias escritas, documentos de enorme valia para o estudo desta missionação.
Em Março de 1663 teve lugar a segunda leva missionária que seria contada ao pormenor por Frei André de Faro, um dos seus protagonistas. É consenso dos historiadores que se trata de um extraordinário relato de aventuras, ardoroso, com o sabor de uma peregrinação africana sem paralelo. Os Capuchos chegam a Cacheu em Março desse ano. Frei André parte para o Rio de Nuno, no mês seguinte, “porque quem delibera a servir a Deus salta dificuldades, atropela dúvidas e vence impossíveis. E como a covardia nunca foi vista nem ouvida, tomei alento”. Em Junho, depois de uma passagem por Bissau, encaminha-se para a Serra Leoa. Escreve em Tombá: “Quantos sacerdotes andam ociosos no reino de Portugal, onde neste largo campo puderam fazer grandes serviços a Deus e acudir a tantas almas necessitadas de remédio. Alguns sacerdotes arriscam muito a sua salvação, entregando-se no vício na preguiça”. Entusiasmado, procede a conversões, a despeito da hostilidade dos ingleses, bastante presentes na região. Os nativos, regra-geral, recusam abandonar os seus chinas (ídolos) e não aceitam a conversão. Em Maio de 1664 entra no Rio Grande de Buba. No Rio Grande, em Guinala, havia já igreja, de palha e paredes de barro. Regressa a Bissau e parte para Cacheu, onde havia um capucho no Hospício da Piedade. Pensa ir converter no reino dos “Balantes”, mas adoece, regressa a Portugal, e faleceu em Beja em 1678.
A missão franciscana começa a empurrar por volta de 1670. Em Cacheu foi onde houve praticamente a primeira cristandade. Havia aqui muita gente devota de Nossa Senhora do Vencimento. Farim, a segunda povoação portuguesa na Guiné naquele tempo, formara-se com os moradores de Geba. Os cristãos de Geba, mudados para Farim, eram às vezes em maior número que os da povoação de Cacheu. Em Farim foi construída uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição, reduzida a cinzas num pavoroso incêndio, em 1701.
Bissau possuía comerciantes brancos, no princípio do século XVII, e sobre o lugar escreve Francisco Lemos Coelho, nascido em Bolola: “O porto de Bissau é o melhor para viverem os brancos de todos quanto há naquelas partes; a terra mui sadia e mui lavada dos ventos, mui abastadiça de mantimentos e carne”.
É neste contexto que surge uma outra figura ímpar da missionação, o bispo D. Frei Vitoriano Portuense. Se a fundação do hospício de Bissau data de 1683/1684, o bispo ajudou à edificação da primeira igreja de Bissau, em 1690. Henrique Pinto Rema vai registando os marcos de cristandade no Rio Grande de Buba (que chegou a ter mais importância e feitoria do que Cacheu), e a Cristandade do Rio Nuno e a da Serra Leoa. Mais à frente, passa em revista as visitas pastorais de D. Frei Vitoriano Portuense, que já era uma distintíssima personalidade na evangelização de Cabo Verde. D. Frei Vitoriano deslocou-se por duas vezes à Costa da Guiné.
Acerca de primeira visita existem dois preciosos relatos. Assina o primeiro o próprio protagonista, depois de regressar a Santiago, em Julho de 1694; o segundo é da responsabilidade de um familiar de D. Frei Vitoriano, António Rodrigues da Costa. Em 1974, Avelino Teixeira da Mota publicou as viagens deste bispo à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. É outro documento ímpar, o acervo informativo. É graças à documentação destas viagens que sabemos da conversão do rei Becampolo Có, assunto que levou à troca de correspondência entre este rei guineense e o rei português. O bispo visitou Geba, Cacheu, Farim e Bolor. A primeira viagem foi um êxito, a segunda um longo rol de dissabores. Sobre este prelado escreve Senna Barcelos, uma das maiores autoridades no estudo das comissões portuguesas: “Se ainda hoje contamos a Guiné nos nossos domínios de além-mar, essa glória cabe tão-somente ao bispo D. Frei Vitoriano, o qual consumiu os melhores dias da sua vida naquele mortífero clima, convertendo ao cristianismo milhares de gentios, não só com o fim de lhes purificar a alma, mas também como meio de dilatar as nossas conquistas. Esse bispo seguiu ainda as nobres tradições dos frades missionários que por lá foram desde 1604, muitos dos quais por ali faleceram, não pelas setas envenenadas dos gentios, mas por culpa do governo, que não lhes dava o necessário."
Estamos numa nova fase de refluxo e vai entrar em cena o clero regular, a segunda vaga missionária franciscana ainda está longe.
(Continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 1 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18700: Notas de leitura (1071): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37) (Mário Beja Santos)
domingo, 3 de junho de 2018
Guiné 61/74 - P18706: Blogpoesia (569): "Como os tempos mudaram...", "Tivesse voz a borboleta..." e "Os sinais da vida", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros,
durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Como os tempos mudaram...
Não há muito.
Elas passavam na rua. Vinham à janela. Olhavam e pareciam indiferentes.
Os insistiam sorrindo. Os rapazes iam e vinham.
Por dentro tão tristes.
Parecia tempo perdido.
Se conseguiam um sorriso,
o mundo se abria de esperanças.
- parece que gosta de mim.
Ela fechava a janela. E ficava espreitando por trás da cortina.
Ele se ia. Até ao próximo Domingo
ou no adro da igreja, depois da missinha.
Hoje, são elas que insistem, insistem.
Se desfazem em sorrisos,
fingindo ser boas.
Tocam nos ombros. Focam os olhos.
Coladas.
Se oferecem gostosas.
Nunca desistem.
Ai de quem pega...
Nunca mais largam.
Bar Castelão em Mafra,
28 de Maio de 2018
8h40m
Jlmg
Tivesse voz a borboleta…
Seria assim o cantar duma borboleta se a natureza lhe desse voz.
Límpida. Suave e transparente.
Luzente ao sol.
Encantadora das papoilas num prado verde.
Poisava leve como uma bailarina sobre as pétalas coloridas dos jardins.
Descreveria arcos de graciosidade quase divinos.
Extasiaria as majestades com suas vénias reverentes.
Abriria o caminho atapetado de flores, com desenho de barcos caravelas.
Jovial.
Enganaria a própria sombra só por brincadeira.
Levaria o dia inteiro na folia doce de seduzir quem passa.
Teria a beleza agreste duma pradaria naquele radioso quadro da Primavera.
Seria, enfim, o sol de Agosto…
Ouvindo Dulce Pontes na sua bela canção do Mar
Mafra, 30 de Maio de 2018
8h50m
Jlmg
Os sinais da vida
Como o rio, desde a nascente, lá nos altos cumes, vem traçando o leito pela terra avante,
conforme sua textura,
deixando marcas da sua passagem,
também a vida que nos alimenta a alma e também o corpo, nos dá a forma e vai deixando sulcos, de variado risco.
Tão diferentes, na sucessiva idade.
É agreste e constante nossa adaptação ao meio.
Complicada a aprendizagem.
Desde o comunicar com os outros.
A linguagem que expressa o pensamento.
O caminhar pelo chão, com equilíbrio,
para não caír.
O agasalhar do corpo contra o rigor do tempo.
A sobrevivência contra a fome e sede.
Tratar das feridas que sempre vão surgindo.
Todo um saber complexo e sempre em aprendizagem.
Procurando o bom e afastando o mau.
Toda uma arte que nos vai moldando.
Cada um a sua, sempre em mutação.
Por conveniência e pelo ter de ser.
Sacrificando do nosso, em favor dos outros, para também o merecer, na medida justa, quando for preciso.
Para cada um o seu saber viver.
É assim o nosso rio.
Desde a nascente à foz...
Mafra, 31 de Maio de 2018
7h31m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 27 de Maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18683: Blogpoesia (568): "Bom senso...", "Este sol da manhã...", "Minha pena é de oiro..." e "Ruminar o nevoeiro...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Como os tempos mudaram...
Não há muito.
Elas passavam na rua. Vinham à janela. Olhavam e pareciam indiferentes.
Os insistiam sorrindo. Os rapazes iam e vinham.
Por dentro tão tristes.
Parecia tempo perdido.
Se conseguiam um sorriso,
o mundo se abria de esperanças.
- parece que gosta de mim.
Ela fechava a janela. E ficava espreitando por trás da cortina.
Ele se ia. Até ao próximo Domingo
ou no adro da igreja, depois da missinha.
Hoje, são elas que insistem, insistem.
Se desfazem em sorrisos,
fingindo ser boas.
Tocam nos ombros. Focam os olhos.
Coladas.
Se oferecem gostosas.
Nunca desistem.
Ai de quem pega...
Nunca mais largam.
Bar Castelão em Mafra,
28 de Maio de 2018
8h40m
Jlmg
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Tivesse voz a borboleta…
Seria assim o cantar duma borboleta se a natureza lhe desse voz.
Límpida. Suave e transparente.
Luzente ao sol.
Encantadora das papoilas num prado verde.
Poisava leve como uma bailarina sobre as pétalas coloridas dos jardins.
Descreveria arcos de graciosidade quase divinos.
Extasiaria as majestades com suas vénias reverentes.
Abriria o caminho atapetado de flores, com desenho de barcos caravelas.
Jovial.
Enganaria a própria sombra só por brincadeira.
Levaria o dia inteiro na folia doce de seduzir quem passa.
Teria a beleza agreste duma pradaria naquele radioso quadro da Primavera.
Seria, enfim, o sol de Agosto…
Ouvindo Dulce Pontes na sua bela canção do Mar
Mafra, 30 de Maio de 2018
8h50m
Jlmg
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Os sinais da vida
Como o rio, desde a nascente, lá nos altos cumes, vem traçando o leito pela terra avante,
conforme sua textura,
deixando marcas da sua passagem,
também a vida que nos alimenta a alma e também o corpo, nos dá a forma e vai deixando sulcos, de variado risco.
Tão diferentes, na sucessiva idade.
É agreste e constante nossa adaptação ao meio.
Complicada a aprendizagem.
Desde o comunicar com os outros.
A linguagem que expressa o pensamento.
O caminhar pelo chão, com equilíbrio,
para não caír.
O agasalhar do corpo contra o rigor do tempo.
A sobrevivência contra a fome e sede.
Tratar das feridas que sempre vão surgindo.
Todo um saber complexo e sempre em aprendizagem.
Procurando o bom e afastando o mau.
Toda uma arte que nos vai moldando.
Cada um a sua, sempre em mutação.
Por conveniência e pelo ter de ser.
Sacrificando do nosso, em favor dos outros, para também o merecer, na medida justa, quando for preciso.
Para cada um o seu saber viver.
É assim o nosso rio.
Desde a nascente à foz...
Mafra, 31 de Maio de 2018
7h31m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de Maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18683: Blogpoesia (568): "Bom senso...", "Este sol da manhã...", "Minha pena é de oiro..." e "Ruminar o nevoeiro...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P18705: Parabéns a você (1446): António Azevedo Rodrigues, ex-1.º Cabo do CMD AGR 2957 (Guiné, 1968/70)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de Junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18701: Parabéns a você (1445): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)
Nota do editor
Último poste da série de 2 de Junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18701: Parabéns a você (1445): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Osvaldo Colaço, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1973/74)
sábado, 2 de junho de 2018
Guiné 61/74 - P18704: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIII: Como se faz um alferes miliciano do Serviço de Administração Militar (I)
Foto nº 9 > – Nas instalações da EPAM [, Escola Prática de Administração Militar], no Lumiar, em Lisboa: o meu último dia de Cadete... No dia seguinte seria promovido a aspirantes miliciano com divisas na diagonal, e direito a continência. Estava vestido com a farda nº 1 daquela época. Fins de Junho de 67.
Foto nº 10 > A minha foto tirada para o Bilhete de Identidade Militar, já como alferes miliciano, uns dias antes de embarcar para a Guiné. Porto, Setembro de 1967.
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem 56 referências no nosso blogue.
GUINÉ 1967 /69 1967/69 > ÁLBUM DE TEMAS > T001 – SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO > CURSO DE OFICIAIS MILICIANOS (COM) > EPI | MAFRA; EPAM | LUMIAR, LISBOA - Parte I
Virgílio Teixeira, hoje |
Este devia ser o primeiro tema da minha participação no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, isto é, a incorporação militar, a instrução básica, o juramento de bandeira, a especialidade, a promoção a aspirante miliciano, os Estágios, a mobilização e a integração no Batalhão de Caçadores 1933 em Santa Margarida.
Mas, como não foi, vai agora e ainda com tempo, pois tenho inesgotáveis temas para participar, não falando da vida ‘pós serviço militar’ que não é para aqui chamada.
Assim:
Com os meus 18 anos, isto é, em 1961, vou dar os chamados ‘sinais’ na minha Junta de Freguesia de Paranhos, no Porto. Neste ano, e na altura dos sinais, já tinha rebentado a guerra em Angola – a 4 de Fevereiro (em Luanda) e a 15 de Março de 1961 (no noroeste), com a ‘matança’ dos inocentes.
O meu irmão mais velho – um ano e meio de diferença - estava já na Índia há mais de um ano, pois a rebelião tinha também começado, em Dadra e Nagar Aveli, com os "satiagrás" a fazer o mesmo papel que futuramente coube aos nossos terroristas na nossa guerra de África.
O meu pai já lá tinha estado na Índia, entre 1955 e 1958, no início da rebelião, por isso estou muito familiarizado com estas guerras todas. Nesse ano, em 18 de Dezembro de 1961, a União Indiana invadiu os territórios do Estado Português da Índia – Goa, Damão e Diu -, e fez prisioneiros os militares que lá estavam a cumprir o serviço, entre eles o meu irmão, sargento Rádio Montador.
Esteve cinco meses em cativeiro no campo de concentração de Pondá, e curiosamente li aqui um artigo sobre este tema, e ele esteve a dois passos da relatada tentativa de fuzilamento de uma quantidade enorme de militares, por causa de uma fuga abortada de alguns, e depois um padre capelão veio salvar tudo [, Joaquim Ferreira da Silva, jesuita,d e Santo Tirso], temos na memória de estarem todos perfilados, e os "shiks" com as metralhadoras apontadas à espera da ordem de disparar.
Tudo acabou em bem, tendo o meu irmão e restantes prisioneiros sido libertados em Maio de 1962, quando a guerra em Angola já estava em força com os primeiros contingentes militares a embarcar para lá.
O espectro de vir a fazer o serviço militar como soldado tomou conta de mim. Tinha de dar a volta a isto. Quando fui dar os 'sinais', isto é, em Junho de 1961, tive de dar as habilitações literárias. Apesar de estar a frequentar um curso comercial à noite, já no 4º ano, ainda não o tinha completado, pelo que o diploma que tinha para apresentar era apenas o da 4ª classe, nada mais.
Em 1962 começam a aparecer os primeiros mortos, militares, e dá-se um volte-face na minha vida. Como já conhecia o que era ser militar, pois passava alguns tempos nos quartéis onde o meu pai prestava serviço, e em especial a vida de um soldado, passou-me um clique pela cabeça, ‘eu tinha de ir fazer a tropa como oficial miliciano’... Era outra coisa, e ganhava mais. Eu já trabalhava de dia e estudava à noite. Não tinha muito tempo, mas imaginei, fiz as contas e atirei-me de cabeça.
Em poucos meses tinha de fazer um exame de admissão ao Instituto Comercial do Porto, pois tinha sido lançada uma experiência no ensino, com um curso de 2 anos, que daria equivalência ao 7º ano do Liceu, habilitação mínima para ser admitido no COM.
Mas, para esse exame, tinha de ter o 2º ano dos liceus, que nunca frequentei, pois quando acabei a primária, fui logo trabalhar, e aos 14 anos inscrevi-me no curso comercial, mas à noite, as matérias eram diferentes, e muito pouco sabia, pois a escola comercial tinha um curriculum escolar muito diferente dos liceus.
Então preparo-me sozinho para esse exame do 2º ano liceal na época normal, e ao mesmo tempo começo em força a estudar tudo o que era do 5º ano, para fazer a admissão ao Instituto, na 2ª época de Setembro de 1962.
Não sabia uma única palavra de Inglês, não sabia Física, nem Química, nem Ciências, nem Desenho, tinha umas noções de Português, Francês, Geografia, História e pouco mais. Uma senhora minha vizinha, ex-professora de Letras, oferece-se para me dar explicações de Inglês e aproveitei também para receber umas de Português, e não pagava nada, nem podia pagar.
Faltava-me a Matemática, o que eu sabia da escola comercial era cálculo comercial e aritmética, mas nada de Álgebra, Geometria e coisas dessas do liceu. Um amigo, que já frequentava a faculdade de economia, prontificou-se a dar-me umas explicações de Matemática num café ali para os lados do Campo Lindo, onde ele morava. Em pouco tempo consegui ‘perceber’ a matemática, e já não tinha problemas com isso, já sabia tudo até ao 5º ano.
As lições de Inglês e Português continuavam a bom ritmo e também absorvi rápido, porque era individual e intensivo, ao fim da tarde e fins de semana. Veio a época de fazer o exame do 2º ano em Junho de 1962, e lá fui, tive algumas dificuldades em Desenho, pois nunca tinha feito ou estudado nada sobre desenho.
Mas safei-me e passei no exame do 2º ano liceal. Com esse diploma já me vou inscrever no exame de admissão ao Instituto Comercial. Ainda tinha uns dois meses e meio até lá, ia fazer na época de Setembro.
Mas o meu trabalho continuava, os horários mantinham-se por isso a alternativa era fazer verdadeiras maratonas e muitas directas com alguns, mas poucos que me acompanharam mas acabaram de desistir, não aguentaram este ‘ritmo’ alucinante. Estudava só nos cafés, com predominância do Café Cenáculo, inaugurado em 11 de Novembro de 1961. Era a minha sala de aulas e explicações, ficava sempre até fechar, já depois das 2 horas da manhã.
Na época de Setembro de 1962, faço o exame de admissão, e fico espantado comigo mesmo, pois tirei média acima de 14 valores, o que me dava acesso imediato á matrícula, sem fazer exames orais, que para mim era uma praga, não gostava nada.
Assim já tenho o 5º ano do Liceu, já podia ir para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM) Mas havia um preço a pagar, tive um esgotamento cerebral, não dormia, tinha de tomar comprimidos para não dormir e estudar até esgotar, todos os sítios e minutos eram para estudar, não comia muito bem, e perdi muito peso, fiquei esgotado, e comecei a tomar comprimidos de ‘ferro’ pela primeira vez.
Com 19 anos, em Outubro de 1962 inscrevo-me no Instituto, no 1º ano do ‘curso de acesso ao ensino superior’, era assim que se chamava. Só frequentava as aulas fora dos horários de trabalho, isto é das 8 às 10, e depois das 18 horas da tarde.
Era o curso da noite, sem rodeios nem vergonhas, era assim e ponto final. Tinha de competir com aqueles que tiveram um ciclo normal, com idades 2 a 3 anos mais novos, e todo o tempo do mundo para estudar. Comigo também entraram mais uns tantos, todos também com idades de adulto, para os cursos da noite, mas os exames eram feitos ao mesmo tempo dos de dia, não havia distinções nenhumas, nem benesses.
E aos 20 anos, em meados de 1963, vou à primeira inspecção militar, ali para os lados das Taipas, na Cordoaria, no Porto, onde existia um quartel velho. Ainda estava a frequentar o 1º ano do Instituto, ou seja o equivalente ao 6º ano do liceu.
Como pesava apenas uns 43 kg, os médicos acharam por bem mandar-me para casa e engordar um pouco mais. Fiquei adiado um ano. Foi-me dado logo o primeiro número de identificação militar – NIM – 00439364. Os dois últimos dígitos significam e ano previsto da minha incorporação – 1964 – o que não veio a acontecer.
Não sei porque fui adiado, mas hoje imagino que a tropa nessa altura não tinha muita gente letrada, para sargentos e oficiais milicianos, e eu tinha uma grande vantagem competitiva, frequentava um curso da área comercial, cujo objectivo era o curso de Economia, e tinha já nessa altura, em 1963, quase 9 anos de trabalho regular dentro da mesma área do curso que frequentava, uma área administrativa. E pessoal para servir como operacionais não faltava, era preciso quadros e técnicos, e havia aqui uma possibilidade comigo, penso eu agora, sem saber nada do que se passou.
Voltei no ano de 1964, novamente em meados desse ano e, como estava mais ou menos na mesma, já não havia direito a mais um adiamento, por isso sou considerado ‘apto’ para toda o serviço militar e mantive o mesmo NIM, que viria a ser alterado.
Nesta época já estava praticamente feito o 7º ano, por isso já pertencia à próxima incorporação de Janeiro de 1965, para o Curso de Oficiais Milicianos (COM).
Acabei o Instituto também com média superior a 14 valores e assim entro directamente para a Universidade, sem precisar de exame de admissão, a que todos estavam sujeitos se não tivessem essa média do 7º ano.
Em Setembro de 1964 inscrevi-me no 1º ano do curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Um feito que sempre o considerei épico, para pessoas vindas da minha classe social, uma vez que nunca nasci num berço de ouro.
E o trabalho tem de continuar, pois é preciso pagar os estudos, e isso é tudo por minha conta, também é verdade que ganhava bem, acima da média, pois já exercia funções importantes nas empresas, apesar da pouca idade e habilitações básicas.
Novamente dou início a um novo curso, agora um curso superior, nas velhas instalações da Faculdade de Economia, na Praça dos Leões, no Porto, em duas salas emprestadas pela Faculdade de Ciências, a Economia era um curso novo no Porto.
Mas não ia, ou ia muito raramente às aulas teóricas, porque eram em horário laboral, e eu estava matriculado como aluno ‘extraordinário’, que significava, em termos mais práticos, alunos da noite, ou alunos de... segunda categoria.
Tinha aulas práticas obrigatórias das 8 às 10 da manhã, e depois da 6 horas da tarde. Os exames e provas correntes eram todas em conjunto, não havia distinções. Foi muito difícil, como também já havia sido no anterior Instituto Comercial, a cabeça estava cansada, tomava muitos comprimidos para as dores de cabeça – ainda me lembro do Optalidon, entretanto retirado do mercado. Passei a usar óculos devido ao cansaço da vista, mas lá fui por diante.
Conheci muita gente que mais tarde viria a ocupar os cargos mais importantes na administração e no Estado. Não vou mencionar ninguém porque não é importante agora. Não ganhei amizades nem confiança com esta gente, pois mal nos encontrávamos, só por mero acaso, nas aulas práticas para todos.
Entretanto já estava apurado, e pensei noutra possibilidade, já que aqui estou, com 21 anos em 1964, estou no 1º ano, mais 5 anos faço o curso, e em 1970, com 26 anos, estou a tempo de ir para a tropa, e se assim pensei assim executei. Pedi adiamento na incorporação do próximo ano de 1965, o ano normal da minha incorporação.
Faço o primeiro e segundo ano do curso, e já estamos em Setembro de 1966. Mas surgem imprevistos, já conhecia a minha namorada, a estava perdido por ela, e com vontade de casar, e neste andar só com 30 anos lá chegaria e era tarde demais para mim, para ela não tanto, que tinha menos 5 anos, ainda ia a tempo com 25 anos.
E, afinal, para quê?
Nunca tinha pensado chegar tão longe, havia outros, muitos outros problemas, isto que contei não foi assim tão fácil, na vida nada foi fácil para mim, eu tive de subir a pulso, nunca recebi nada de ninguém, nunca herdei um tostão até o dia de hoje. Mas, como estas coisas, estas ‘histórias’ andam a percorrer as redes sociais, eu não queria adiantar muito mais, toda a gente tem acesso a estes conteúdos, e não quero, e muito menos a minha mulher que não gosta mesmo nada de redes sociais, mas tudo está já escrito no meu livro ‘não editado’ “A Minha Vida” (, está fechado a 7 chaves).
Assim, num laivo de mais uma loucura das minhas, vou a Lisboa ao Ministério da Defesa Nacional, informando que queria desistir dos adiamentos, isto por volta de Novembro a Dezembro de 1966, e queria ser incorporada na próxima molhada.
E ainda avisei que, se não fosse feita a minha vontade, poderia até desertar. Não levaram a sério, senão metiam-me na gaiola. Assim ainda antes do Natal de 1966 já estou a receber a Guia de Marcha para Mafra, no dia 3 de Janeiro de 1967, teria de me apresentar pela 8 horas da manhã.
Ia fazer nesse mês os meus 24 anos, e nessa altura era uma idade ainda muito jovem, não se sabia de nada daquilo que os meus netos hoje sabem. Os tempos mudaram.
Um amigo meu com quem fiz algumas incursões pelo país, à boleia, de capa e batina, ele frequentava Direito em Coimbra, só viria a ir para a tropa muito mais tarde, e estava na Guiné no QG – no serviço de Justiça -, já era juiz de Direito, e com 31 anos estava lá no tal dia do golpe de estado do 25A4, e eu já estava casado e com 3 filhos menores. Este meu amigo é hoje ainda Juiz Conselheiro na Relação de Lisboa.
Em termos de comparação, os tempos em que os meus filhos estudaram, as mordomias que tiveram, os cursos superiores que frequentaram, os carros que tiveram para irem para as suas universidades, isto era tudo pago do meu bolso, não havia ajudas do Estado, também diga-se que nessa altura não me custava assim muito, pois trabalhava muito e ganhava bem.
Mas a vida dos meus netos, comparada com a minha e da minha mulher, é a noite do dia, não há termo de comparação, não é só com os meus, foi tudo com a maioria dos filhos da revolução. O país e o mundo mudaram muito nestes últimos 50 anos.
Quis exprimir isto para se ver até que ponto a força de vontade leva tudo à frente, não tive ajudas familiares, bem pelo contrário, acho que nunca acreditaram no que eu seria capaz de fazer, nem mais tarde reconheceram até onde cheguei. São coisas pessoais que estão encravadas na garganta como espinhas, por isso passemos à frente.
Fui para a tropa tirar o curso de oficiais milicianos porque fixei este objectivo que tinha de alcançar, não desisti nunca, não havia espaço temporal para nada, a não ser estudar e fazer exames. Devorava livros e Sebentas, decorei tudo, e agora a minha memória vai-me atraiçoando.
Gostava que em devido tempo, a minha família, pais, irmãos, conjugues, tivessem reconhecido esta façanha, mas não. Acho que ficou a inveja, e sei do que falo.
É desta forma que começa assim a minha saga, a vida militar, que viria a alterar por completo a minha forma de ser, de pensar, de agir, a irritabilidade e agressividade fáceis, importar-me apenas comigo e da minha nova família, a superproteção que imponho a mim próprio, a minha incapacidade de poder ver as consequências dos meus actos, devido ao excesso de fármacos que vou tomando diariamente até hoje, seguindo a minha própria automedicação.
Não vou continuar, ficamos por aqui e vou fazer os meus comentários às poucas fotos que tenho da minha vida militar até chegar à Guiné, e como nunca tive uma máquina fotográfica, estas fotos devem ter sido fornecidas pelos fotógrafos que acompanhavam a tropa e ganhavam a sua vida com este trabalho.
(Continua)
Não sabia uma única palavra de Inglês, não sabia Física, nem Química, nem Ciências, nem Desenho, tinha umas noções de Português, Francês, Geografia, História e pouco mais. Uma senhora minha vizinha, ex-professora de Letras, oferece-se para me dar explicações de Inglês e aproveitei também para receber umas de Português, e não pagava nada, nem podia pagar.
Faltava-me a Matemática, o que eu sabia da escola comercial era cálculo comercial e aritmética, mas nada de Álgebra, Geometria e coisas dessas do liceu. Um amigo, que já frequentava a faculdade de economia, prontificou-se a dar-me umas explicações de Matemática num café ali para os lados do Campo Lindo, onde ele morava. Em pouco tempo consegui ‘perceber’ a matemática, e já não tinha problemas com isso, já sabia tudo até ao 5º ano.
As lições de Inglês e Português continuavam a bom ritmo e também absorvi rápido, porque era individual e intensivo, ao fim da tarde e fins de semana. Veio a época de fazer o exame do 2º ano em Junho de 1962, e lá fui, tive algumas dificuldades em Desenho, pois nunca tinha feito ou estudado nada sobre desenho.
Mas safei-me e passei no exame do 2º ano liceal. Com esse diploma já me vou inscrever no exame de admissão ao Instituto Comercial. Ainda tinha uns dois meses e meio até lá, ia fazer na época de Setembro.
Mas o meu trabalho continuava, os horários mantinham-se por isso a alternativa era fazer verdadeiras maratonas e muitas directas com alguns, mas poucos que me acompanharam mas acabaram de desistir, não aguentaram este ‘ritmo’ alucinante. Estudava só nos cafés, com predominância do Café Cenáculo, inaugurado em 11 de Novembro de 1961. Era a minha sala de aulas e explicações, ficava sempre até fechar, já depois das 2 horas da manhã.
Na época de Setembro de 1962, faço o exame de admissão, e fico espantado comigo mesmo, pois tirei média acima de 14 valores, o que me dava acesso imediato á matrícula, sem fazer exames orais, que para mim era uma praga, não gostava nada.
Assim já tenho o 5º ano do Liceu, já podia ir para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM) Mas havia um preço a pagar, tive um esgotamento cerebral, não dormia, tinha de tomar comprimidos para não dormir e estudar até esgotar, todos os sítios e minutos eram para estudar, não comia muito bem, e perdi muito peso, fiquei esgotado, e comecei a tomar comprimidos de ‘ferro’ pela primeira vez.
Com 19 anos, em Outubro de 1962 inscrevo-me no Instituto, no 1º ano do ‘curso de acesso ao ensino superior’, era assim que se chamava. Só frequentava as aulas fora dos horários de trabalho, isto é das 8 às 10, e depois das 18 horas da tarde.
Era o curso da noite, sem rodeios nem vergonhas, era assim e ponto final. Tinha de competir com aqueles que tiveram um ciclo normal, com idades 2 a 3 anos mais novos, e todo o tempo do mundo para estudar. Comigo também entraram mais uns tantos, todos também com idades de adulto, para os cursos da noite, mas os exames eram feitos ao mesmo tempo dos de dia, não havia distinções nenhumas, nem benesses.
E aos 20 anos, em meados de 1963, vou à primeira inspecção militar, ali para os lados das Taipas, na Cordoaria, no Porto, onde existia um quartel velho. Ainda estava a frequentar o 1º ano do Instituto, ou seja o equivalente ao 6º ano do liceu.
Como pesava apenas uns 43 kg, os médicos acharam por bem mandar-me para casa e engordar um pouco mais. Fiquei adiado um ano. Foi-me dado logo o primeiro número de identificação militar – NIM – 00439364. Os dois últimos dígitos significam e ano previsto da minha incorporação – 1964 – o que não veio a acontecer.
Não sei porque fui adiado, mas hoje imagino que a tropa nessa altura não tinha muita gente letrada, para sargentos e oficiais milicianos, e eu tinha uma grande vantagem competitiva, frequentava um curso da área comercial, cujo objectivo era o curso de Economia, e tinha já nessa altura, em 1963, quase 9 anos de trabalho regular dentro da mesma área do curso que frequentava, uma área administrativa. E pessoal para servir como operacionais não faltava, era preciso quadros e técnicos, e havia aqui uma possibilidade comigo, penso eu agora, sem saber nada do que se passou.
Voltei no ano de 1964, novamente em meados desse ano e, como estava mais ou menos na mesma, já não havia direito a mais um adiamento, por isso sou considerado ‘apto’ para toda o serviço militar e mantive o mesmo NIM, que viria a ser alterado.
Nesta época já estava praticamente feito o 7º ano, por isso já pertencia à próxima incorporação de Janeiro de 1965, para o Curso de Oficiais Milicianos (COM).
Acabei o Instituto também com média superior a 14 valores e assim entro directamente para a Universidade, sem precisar de exame de admissão, a que todos estavam sujeitos se não tivessem essa média do 7º ano.
Em Setembro de 1964 inscrevi-me no 1º ano do curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Um feito que sempre o considerei épico, para pessoas vindas da minha classe social, uma vez que nunca nasci num berço de ouro.
E o trabalho tem de continuar, pois é preciso pagar os estudos, e isso é tudo por minha conta, também é verdade que ganhava bem, acima da média, pois já exercia funções importantes nas empresas, apesar da pouca idade e habilitações básicas.
Novamente dou início a um novo curso, agora um curso superior, nas velhas instalações da Faculdade de Economia, na Praça dos Leões, no Porto, em duas salas emprestadas pela Faculdade de Ciências, a Economia era um curso novo no Porto.
Mas não ia, ou ia muito raramente às aulas teóricas, porque eram em horário laboral, e eu estava matriculado como aluno ‘extraordinário’, que significava, em termos mais práticos, alunos da noite, ou alunos de... segunda categoria.
Tinha aulas práticas obrigatórias das 8 às 10 da manhã, e depois da 6 horas da tarde. Os exames e provas correntes eram todas em conjunto, não havia distinções. Foi muito difícil, como também já havia sido no anterior Instituto Comercial, a cabeça estava cansada, tomava muitos comprimidos para as dores de cabeça – ainda me lembro do Optalidon, entretanto retirado do mercado. Passei a usar óculos devido ao cansaço da vista, mas lá fui por diante.
Conheci muita gente que mais tarde viria a ocupar os cargos mais importantes na administração e no Estado. Não vou mencionar ninguém porque não é importante agora. Não ganhei amizades nem confiança com esta gente, pois mal nos encontrávamos, só por mero acaso, nas aulas práticas para todos.
Entretanto já estava apurado, e pensei noutra possibilidade, já que aqui estou, com 21 anos em 1964, estou no 1º ano, mais 5 anos faço o curso, e em 1970, com 26 anos, estou a tempo de ir para a tropa, e se assim pensei assim executei. Pedi adiamento na incorporação do próximo ano de 1965, o ano normal da minha incorporação.
Faço o primeiro e segundo ano do curso, e já estamos em Setembro de 1966. Mas surgem imprevistos, já conhecia a minha namorada, a estava perdido por ela, e com vontade de casar, e neste andar só com 30 anos lá chegaria e era tarde demais para mim, para ela não tanto, que tinha menos 5 anos, ainda ia a tempo com 25 anos.
E, afinal, para quê?
Nunca tinha pensado chegar tão longe, havia outros, muitos outros problemas, isto que contei não foi assim tão fácil, na vida nada foi fácil para mim, eu tive de subir a pulso, nunca recebi nada de ninguém, nunca herdei um tostão até o dia de hoje. Mas, como estas coisas, estas ‘histórias’ andam a percorrer as redes sociais, eu não queria adiantar muito mais, toda a gente tem acesso a estes conteúdos, e não quero, e muito menos a minha mulher que não gosta mesmo nada de redes sociais, mas tudo está já escrito no meu livro ‘não editado’ “A Minha Vida” (, está fechado a 7 chaves).
Assim, num laivo de mais uma loucura das minhas, vou a Lisboa ao Ministério da Defesa Nacional, informando que queria desistir dos adiamentos, isto por volta de Novembro a Dezembro de 1966, e queria ser incorporada na próxima molhada.
E ainda avisei que, se não fosse feita a minha vontade, poderia até desertar. Não levaram a sério, senão metiam-me na gaiola. Assim ainda antes do Natal de 1966 já estou a receber a Guia de Marcha para Mafra, no dia 3 de Janeiro de 1967, teria de me apresentar pela 8 horas da manhã.
Ia fazer nesse mês os meus 24 anos, e nessa altura era uma idade ainda muito jovem, não se sabia de nada daquilo que os meus netos hoje sabem. Os tempos mudaram.
Um amigo meu com quem fiz algumas incursões pelo país, à boleia, de capa e batina, ele frequentava Direito em Coimbra, só viria a ir para a tropa muito mais tarde, e estava na Guiné no QG – no serviço de Justiça -, já era juiz de Direito, e com 31 anos estava lá no tal dia do golpe de estado do 25A4, e eu já estava casado e com 3 filhos menores. Este meu amigo é hoje ainda Juiz Conselheiro na Relação de Lisboa.
Em termos de comparação, os tempos em que os meus filhos estudaram, as mordomias que tiveram, os cursos superiores que frequentaram, os carros que tiveram para irem para as suas universidades, isto era tudo pago do meu bolso, não havia ajudas do Estado, também diga-se que nessa altura não me custava assim muito, pois trabalhava muito e ganhava bem.
Mas a vida dos meus netos, comparada com a minha e da minha mulher, é a noite do dia, não há termo de comparação, não é só com os meus, foi tudo com a maioria dos filhos da revolução. O país e o mundo mudaram muito nestes últimos 50 anos.
Quis exprimir isto para se ver até que ponto a força de vontade leva tudo à frente, não tive ajudas familiares, bem pelo contrário, acho que nunca acreditaram no que eu seria capaz de fazer, nem mais tarde reconheceram até onde cheguei. São coisas pessoais que estão encravadas na garganta como espinhas, por isso passemos à frente.
Fui para a tropa tirar o curso de oficiais milicianos porque fixei este objectivo que tinha de alcançar, não desisti nunca, não havia espaço temporal para nada, a não ser estudar e fazer exames. Devorava livros e Sebentas, decorei tudo, e agora a minha memória vai-me atraiçoando.
Gostava que em devido tempo, a minha família, pais, irmãos, conjugues, tivessem reconhecido esta façanha, mas não. Acho que ficou a inveja, e sei do que falo.
É desta forma que começa assim a minha saga, a vida militar, que viria a alterar por completo a minha forma de ser, de pensar, de agir, a irritabilidade e agressividade fáceis, importar-me apenas comigo e da minha nova família, a superproteção que imponho a mim próprio, a minha incapacidade de poder ver as consequências dos meus actos, devido ao excesso de fármacos que vou tomando diariamente até hoje, seguindo a minha própria automedicação.
Não vou continuar, ficamos por aqui e vou fazer os meus comentários às poucas fotos que tenho da minha vida militar até chegar à Guiné, e como nunca tive uma máquina fotográfica, estas fotos devem ter sido fornecidas pelos fotógrafos que acompanhavam a tropa e ganhavam a sua vida com este trabalho.
(Continua)
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Nota do editor:
Nota do editor:
Guiné 61/74 - P18703: Os nossos seres, saberes e lazeres (270): De Aix-en-Provence até Marselha (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 28 de Março de 2018:
Queridos amigos,
O tempo, à chegada a Aix-en-Provence, não estava de feição, desaguaram umas boas chuvadas, o viandante tem que aprender a dar a volta aos imprevistos meteorológicos, os museus são um bom refúgio. Aqui se chegara com boas ideias, até de fazer caminhadas por sítios onde Cézanne pintou alguns dos seus quadros mais famosos, com as ruas a alagarem-se preferiu-se ver Cézanne e os seus quadros, aguarelas e desenhos no Museu Granet, não havia ânimo para passeios nos arredores e curiosidade de ir mirar o Castelo de Vauvenargues, que Picasso adquiriu em 1959 e onde está sepultado no parque era muita. Mas como escreveu Saramago, as viagens nunca acabam, o que pode acabar é o ânimo do viajante, e este mantém o orgulho de que esse ânimo ainda continua jovem, ou quase.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (2)
Beja Santos
O acervo artístico do Museu de Belas-Artes de Aix-en-Provence é de um valor incalculável, o viandante leu em vários textos que é um dos mais importantes de França, não tem conhecimentos para ajuizar, facto é que encerra obras da Antiguidade Clássica, esculturas medievais, pintura flamenga e italiana, obras de Cézanne e do colecionador e pintor que dá nome ao museu, Granet. A digressão previra começar exatamente numa exposição Cézanne at home, começou-se no subsolo, na arqueologia, e depois percorreram-se as salas da pintura francesa nórdica e italiana. Por ali andou o viandante embebecido, de facto o museu tem escultura e estatuária antigas que metem respeito. Em dado momento misturou-se a visita convencional com a exposição a Cézanne, não tem importância, o resultado final da fruição é que conta.
Salta-se agora para Cézanne, celebra-se o grande regresso do mestre graças ao empréstimo de obras da Fundação Henry et Rose Pearlman. O que a exposição retraça é a rejeição do artista pela sua cidade natal, pela quantidade de visitantes que por ali deambulavam, é certo e seguro que a reconciliação está mais do que feita, Cézanne está completamente reconhecido como o pintor de Aix-en-Provence.
Saindo da exposição de Cézanne, o viandante foi até às coleções permanentes onde estão expostas obras como estas de Giacometti, aqui se pode ver a altíssima qualidade museográfica, é preciso ter muito talento para saber expor, permitindo ver as obras deste espantoso escultor como que em caleidoscópio, por aqui se ciranda com contemplação e devoção, que riquíssima coleção de Giacometti!
Trata-se de uma doação de Philippe Meyer onde se pode encontrar obras de Picasso, Léger e outros grandes mestres como Chardin e Guardi, Mondrian, Paul Klee, Balthus e Giorgio Morandi, que grande panorâmica de algumas das maiores ousadias do passado à modernidade…
O viandante andou às voltas desta escultura de Giraud, já não se comenta o valor escultórico, só por pudor é que não se mostra o rosto de Aquiles ferido mortalmente no calcanhar, afinal, parece querer dizer o grande escultor, mesmo os heróis de Homero morrem como nós. Ainda há muito mais a ver, e do Museu Granet se irá partir para o chamado Granet do século XX, para a coleção Jean Planque, um galerista suíço que em Basileia juntou 120 obras que incluem Monet, Van Gogh, Picasso, Braque, Dufy, de Stael, Dubuffet e tantos outros. Até já.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18678: Os nossos seres, saberes e lazeres (269): De Aix-en-Provence até Marselha (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O tempo, à chegada a Aix-en-Provence, não estava de feição, desaguaram umas boas chuvadas, o viandante tem que aprender a dar a volta aos imprevistos meteorológicos, os museus são um bom refúgio. Aqui se chegara com boas ideias, até de fazer caminhadas por sítios onde Cézanne pintou alguns dos seus quadros mais famosos, com as ruas a alagarem-se preferiu-se ver Cézanne e os seus quadros, aguarelas e desenhos no Museu Granet, não havia ânimo para passeios nos arredores e curiosidade de ir mirar o Castelo de Vauvenargues, que Picasso adquiriu em 1959 e onde está sepultado no parque era muita. Mas como escreveu Saramago, as viagens nunca acabam, o que pode acabar é o ânimo do viajante, e este mantém o orgulho de que esse ânimo ainda continua jovem, ou quase.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (2)
Beja Santos
O acervo artístico do Museu de Belas-Artes de Aix-en-Provence é de um valor incalculável, o viandante leu em vários textos que é um dos mais importantes de França, não tem conhecimentos para ajuizar, facto é que encerra obras da Antiguidade Clássica, esculturas medievais, pintura flamenga e italiana, obras de Cézanne e do colecionador e pintor que dá nome ao museu, Granet. A digressão previra começar exatamente numa exposição Cézanne at home, começou-se no subsolo, na arqueologia, e depois percorreram-se as salas da pintura francesa nórdica e italiana. Por ali andou o viandante embebecido, de facto o museu tem escultura e estatuária antigas que metem respeito. Em dado momento misturou-se a visita convencional com a exposição a Cézanne, não tem importância, o resultado final da fruição é que conta.
Salta-se agora para Cézanne, celebra-se o grande regresso do mestre graças ao empréstimo de obras da Fundação Henry et Rose Pearlman. O que a exposição retraça é a rejeição do artista pela sua cidade natal, pela quantidade de visitantes que por ali deambulavam, é certo e seguro que a reconciliação está mais do que feita, Cézanne está completamente reconhecido como o pintor de Aix-en-Provence.
Retrato de Emile Zola
As Banhistas, de que há várias versões, é um dos ícones do mestre
Usines à l’Estaque, aguarela e guache sobre cartão, é património do Museu Granet
Natureza morta, açucareiro, peras e caneca azul, depósito do Museu de Orsay no Museu Granet
Um biombo onde Cézanne também trabalhou
Entrada da exposição Cézanne at home mostrando o genial artista junto de uma das versões de As banhistas
Um belíssimo quadro da escola de Rubens
Saindo da exposição de Cézanne, o viandante foi até às coleções permanentes onde estão expostas obras como estas de Giacometti, aqui se pode ver a altíssima qualidade museográfica, é preciso ter muito talento para saber expor, permitindo ver as obras deste espantoso escultor como que em caleidoscópio, por aqui se ciranda com contemplação e devoção, que riquíssima coleção de Giacometti!
Trata-se de uma doação de Philippe Meyer onde se pode encontrar obras de Picasso, Léger e outros grandes mestres como Chardin e Guardi, Mondrian, Paul Klee, Balthus e Giorgio Morandi, que grande panorâmica de algumas das maiores ousadias do passado à modernidade…
O viandante andou às voltas desta escultura de Giraud, já não se comenta o valor escultórico, só por pudor é que não se mostra o rosto de Aquiles ferido mortalmente no calcanhar, afinal, parece querer dizer o grande escultor, mesmo os heróis de Homero morrem como nós. Ainda há muito mais a ver, e do Museu Granet se irá partir para o chamado Granet do século XX, para a coleção Jean Planque, um galerista suíço que em Basileia juntou 120 obras que incluem Monet, Van Gogh, Picasso, Braque, Dufy, de Stael, Dubuffet e tantos outros. Até já.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18678: Os nossos seres, saberes e lazeres (269): De Aix-en-Provence até Marselha (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18702: (D)o outro lado do combate (31): Os dois aviões DO-27-A1, da FAP, nºs 3333 e 3470, abatidos em 6 de abril de 1973... Fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 09 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Airplane wing number with Coutinho watching [Asa do avião, com o nº 3470, e o Coutinho a observar]
O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).
GUINÉ > (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS DOIS AVIÕES DORNIER, DO 27-A1, ABATIDOS POR MÍSSEIS SAM 7 STRELA EM 6 DE ABRIL DE 1973 NA FRENTE NORTE
1. INTRODUÇÃO
Durante o XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, realizado no passado dia 5 de Maio em Monte Real, tive a oportunidade de conversar com os nossos ilustres aviadores da FAP, e camaradas, Miguel Pessoa e António Martins de Matos a propósito dos acidentes da aviação militar durante a guerra na Guiné e, de entre estes, sobre os dois Dornier - DO 27-A1, com as matrículas FAP 3333 e FAP 3470, abatidos em 6 de Abril de 1973, na região Norte do território, pelo grupo de artilharia antiaérea do PAIGC, do cmdt Manuel dos Santos, 'Manecas', com recurso a mísseis Sam 7 Strela.
No aprofundamento desta temática, apresentei-lhes um conjunto de imagens recolhidas na Net pertencentes à colecção de fotos do médico holandês Roel Coutinho que cooperou, nos anos de 1973 e 1974, com o PAIGC, tendo prestado apoio clínico aos guerrilheiros na Região Norte, tanto em bases no interior do território como no hospital em Ziguinchor, no Senegal.
E as imagens apresentadas tinham a ver com aqueles dois Dornier abatidos. No final, concluímos que sobre estes dois casos não se conhecem registos fotográficos dos "acidentes" pelo que é credível estarmos perante "imagens únicas", gravadas pela câmara do clínico holandês.
De acordo com a decisão tomada pelo doutor Roel Coutinho [hoje reputado médico microbiologista, epidemiologista e professor universitário jubilado] de autorizar o uso das suas imagens para qualquer finalidade, desde que a sua autoria seja devidamente atribuída, conforme consta na caixa abaixo, decidi partilhá-las convosco como provas históricas, e "memórias", gravadas durante a nossa presença no CTIGuiné.
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > G05 > Ziguinchor, Senegal > Infirmary ambulance stuck in the mud [Ambulância atolada na picada; Roel Coutinho, o médico e fotógrafo holandês, junto à viatura, do lado do condutor]
[Foto da série Roel Coutinho Guinea-Bissau & Senegal Photographs (1973 - 1974) Fonte: Wikimedia Commons, com a devida vénia].
2. OS AVIÕES DORNIER - DO 27-A EM 6 DE ABRIL DE 1973
Foram dois os aviões abatidos no dia 6 de Abril de 1973 - "DO 27-A1, matrícula «FAP 3333» e DO 27-A1, matrícula «FAP 3470».
Segundo informações recolhidas no blogue Acidentes da Aviação Militar, no poste de 28 de novembro de 2016, "Dornier DO 27, o "DO 3333" cai em Guidaje, tendo falecido o piloto furriel Fernando António Carvalho Ferreira e mais três ocupantes [vidé caixa abaixo].
De acordo com o referido por Nuno Mira Vaz, coronel de cavalaria na reserva, no seu livro "Guiné -1968 e 1973 – Soldados uma vez, sempre soldados!" (Tribuna da História-Edição de Livros e Revistas, 2003, p.60), "este avião nunca mais foi visto".
Será que a imagem abaixo é a do DO 27-A1 3333 [submerso], desaparecido, que foi captada pela câmara do doutor Roel Coutinho? É possível.
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 02 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Portuguese emblem on airplane wing [Asa de avião com o emblema da FAP - Força Aérea Portuguesa]
Fonte: Wikimedia Commons, com a devida vénia].
Quanto ao outro "DO 3470", e de acordo com a mesma fonte anterior, este é perdido em Talicó, tendo falecido o piloto furriel João Manuel Baltazar da Silva e mais dois tripulantes [vidé caixa abaixo].
Ainda, segundo Nuno Mira Vaz, este refere no livro acima citado, p. 60, que "um DO-27 pilotado pelo furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de batalhão a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino. […] O DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local, em helicópteros, um pelotão de paraquedistas limitou-se a constatar a morte de quatro [três?] ocupantes".
Eis algumas imagens do DO 27-A1, matrícula FAP 3470, caído entre Bigene e Guidage, como é referido na literatura consultada, obtidas pela câmara do doutor Roel Coutinho, que se encontra ao centro da foto acima reproduzida [Foto nº D09]
Mais fotos do DO 27-A1, FAP 3470, abatido pelo PAIGC, por uma míssil SA - 7, Strela, em 6 de abril de 1973.
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 03 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Pieces of airplane wing [destroços da asa do avião]
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 04> Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Pieces of airplane [destroços do avião]
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D 10 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas, Guinea-Bissau >Pieces of airplane [destroços do avião]
Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > D08 > Portuguese plane wreck in Northern liberated areas > Guinea-Bissau > Airplane Wheel [Roda de avião] > 1974
Foto, a seguir, do DO 27-A1 3430, cruzando os céus da Guiné… como exemplo.
O Dornier DO 27 é um avião monomotor, asa alta, trem de aterragem convencional fixo com a capacidade de transportar seis passageiros ou o equivalente em carga. [Fonte; Blogue Últimas curiosidades > 19 de março de 2012 > Guerra Colonial - O Dornier DO 27 na Guerra do Ultramar, com a devida vénia...]
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
31MAI2018.
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