Foto nº 9 > – Nas instalações da EPAM [, Escola Prática de Administração Militar], no Lumiar, em Lisboa: o meu último dia de Cadete... No dia seguinte seria promovido a aspirantes miliciano com divisas na diagonal, e direito a continência. Estava vestido com a farda nº 1 daquela época. Fins de Junho de 67.
Foto nº 10 > A minha foto tirada para o Bilhete de Identidade Militar, já como alferes miliciano, uns dias antes de embarcar para a Guiné. Porto, Setembro de 1967.
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem 56 referências no nosso blogue.
GUINÉ 1967 /69 1967/69 > ÁLBUM DE TEMAS > T001 – SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO > CURSO DE OFICIAIS MILICIANOS (COM) > EPI | MAFRA; EPAM | LUMIAR, LISBOA - Parte I
Virgílio Teixeira, hoje |
Este devia ser o primeiro tema da minha participação no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, isto é, a incorporação militar, a instrução básica, o juramento de bandeira, a especialidade, a promoção a aspirante miliciano, os Estágios, a mobilização e a integração no Batalhão de Caçadores 1933 em Santa Margarida.
Mas, como não foi, vai agora e ainda com tempo, pois tenho inesgotáveis temas para participar, não falando da vida ‘pós serviço militar’ que não é para aqui chamada.
Assim:
Com os meus 18 anos, isto é, em 1961, vou dar os chamados ‘sinais’ na minha Junta de Freguesia de Paranhos, no Porto. Neste ano, e na altura dos sinais, já tinha rebentado a guerra em Angola – a 4 de Fevereiro (em Luanda) e a 15 de Março de 1961 (no noroeste), com a ‘matança’ dos inocentes.
O meu irmão mais velho – um ano e meio de diferença - estava já na Índia há mais de um ano, pois a rebelião tinha também começado, em Dadra e Nagar Aveli, com os "satiagrás" a fazer o mesmo papel que futuramente coube aos nossos terroristas na nossa guerra de África.
O meu pai já lá tinha estado na Índia, entre 1955 e 1958, no início da rebelião, por isso estou muito familiarizado com estas guerras todas. Nesse ano, em 18 de Dezembro de 1961, a União Indiana invadiu os territórios do Estado Português da Índia – Goa, Damão e Diu -, e fez prisioneiros os militares que lá estavam a cumprir o serviço, entre eles o meu irmão, sargento Rádio Montador.
Esteve cinco meses em cativeiro no campo de concentração de Pondá, e curiosamente li aqui um artigo sobre este tema, e ele esteve a dois passos da relatada tentativa de fuzilamento de uma quantidade enorme de militares, por causa de uma fuga abortada de alguns, e depois um padre capelão veio salvar tudo [, Joaquim Ferreira da Silva, jesuita,d e Santo Tirso], temos na memória de estarem todos perfilados, e os "shiks" com as metralhadoras apontadas à espera da ordem de disparar.
Tudo acabou em bem, tendo o meu irmão e restantes prisioneiros sido libertados em Maio de 1962, quando a guerra em Angola já estava em força com os primeiros contingentes militares a embarcar para lá.
O espectro de vir a fazer o serviço militar como soldado tomou conta de mim. Tinha de dar a volta a isto. Quando fui dar os 'sinais', isto é, em Junho de 1961, tive de dar as habilitações literárias. Apesar de estar a frequentar um curso comercial à noite, já no 4º ano, ainda não o tinha completado, pelo que o diploma que tinha para apresentar era apenas o da 4ª classe, nada mais.
Em 1962 começam a aparecer os primeiros mortos, militares, e dá-se um volte-face na minha vida. Como já conhecia o que era ser militar, pois passava alguns tempos nos quartéis onde o meu pai prestava serviço, e em especial a vida de um soldado, passou-me um clique pela cabeça, ‘eu tinha de ir fazer a tropa como oficial miliciano’... Era outra coisa, e ganhava mais. Eu já trabalhava de dia e estudava à noite. Não tinha muito tempo, mas imaginei, fiz as contas e atirei-me de cabeça.
Em poucos meses tinha de fazer um exame de admissão ao Instituto Comercial do Porto, pois tinha sido lançada uma experiência no ensino, com um curso de 2 anos, que daria equivalência ao 7º ano do Liceu, habilitação mínima para ser admitido no COM.
Mas, para esse exame, tinha de ter o 2º ano dos liceus, que nunca frequentei, pois quando acabei a primária, fui logo trabalhar, e aos 14 anos inscrevi-me no curso comercial, mas à noite, as matérias eram diferentes, e muito pouco sabia, pois a escola comercial tinha um curriculum escolar muito diferente dos liceus.
Então preparo-me sozinho para esse exame do 2º ano liceal na época normal, e ao mesmo tempo começo em força a estudar tudo o que era do 5º ano, para fazer a admissão ao Instituto, na 2ª época de Setembro de 1962.
Não sabia uma única palavra de Inglês, não sabia Física, nem Química, nem Ciências, nem Desenho, tinha umas noções de Português, Francês, Geografia, História e pouco mais. Uma senhora minha vizinha, ex-professora de Letras, oferece-se para me dar explicações de Inglês e aproveitei também para receber umas de Português, e não pagava nada, nem podia pagar.
Faltava-me a Matemática, o que eu sabia da escola comercial era cálculo comercial e aritmética, mas nada de Álgebra, Geometria e coisas dessas do liceu. Um amigo, que já frequentava a faculdade de economia, prontificou-se a dar-me umas explicações de Matemática num café ali para os lados do Campo Lindo, onde ele morava. Em pouco tempo consegui ‘perceber’ a matemática, e já não tinha problemas com isso, já sabia tudo até ao 5º ano.
As lições de Inglês e Português continuavam a bom ritmo e também absorvi rápido, porque era individual e intensivo, ao fim da tarde e fins de semana. Veio a época de fazer o exame do 2º ano em Junho de 1962, e lá fui, tive algumas dificuldades em Desenho, pois nunca tinha feito ou estudado nada sobre desenho.
Mas safei-me e passei no exame do 2º ano liceal. Com esse diploma já me vou inscrever no exame de admissão ao Instituto Comercial. Ainda tinha uns dois meses e meio até lá, ia fazer na época de Setembro.
Mas o meu trabalho continuava, os horários mantinham-se por isso a alternativa era fazer verdadeiras maratonas e muitas directas com alguns, mas poucos que me acompanharam mas acabaram de desistir, não aguentaram este ‘ritmo’ alucinante. Estudava só nos cafés, com predominância do Café Cenáculo, inaugurado em 11 de Novembro de 1961. Era a minha sala de aulas e explicações, ficava sempre até fechar, já depois das 2 horas da manhã.
Na época de Setembro de 1962, faço o exame de admissão, e fico espantado comigo mesmo, pois tirei média acima de 14 valores, o que me dava acesso imediato á matrícula, sem fazer exames orais, que para mim era uma praga, não gostava nada.
Assim já tenho o 5º ano do Liceu, já podia ir para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM) Mas havia um preço a pagar, tive um esgotamento cerebral, não dormia, tinha de tomar comprimidos para não dormir e estudar até esgotar, todos os sítios e minutos eram para estudar, não comia muito bem, e perdi muito peso, fiquei esgotado, e comecei a tomar comprimidos de ‘ferro’ pela primeira vez.
Com 19 anos, em Outubro de 1962 inscrevo-me no Instituto, no 1º ano do ‘curso de acesso ao ensino superior’, era assim que se chamava. Só frequentava as aulas fora dos horários de trabalho, isto é das 8 às 10, e depois das 18 horas da tarde.
Era o curso da noite, sem rodeios nem vergonhas, era assim e ponto final. Tinha de competir com aqueles que tiveram um ciclo normal, com idades 2 a 3 anos mais novos, e todo o tempo do mundo para estudar. Comigo também entraram mais uns tantos, todos também com idades de adulto, para os cursos da noite, mas os exames eram feitos ao mesmo tempo dos de dia, não havia distinções nenhumas, nem benesses.
E aos 20 anos, em meados de 1963, vou à primeira inspecção militar, ali para os lados das Taipas, na Cordoaria, no Porto, onde existia um quartel velho. Ainda estava a frequentar o 1º ano do Instituto, ou seja o equivalente ao 6º ano do liceu.
Como pesava apenas uns 43 kg, os médicos acharam por bem mandar-me para casa e engordar um pouco mais. Fiquei adiado um ano. Foi-me dado logo o primeiro número de identificação militar – NIM – 00439364. Os dois últimos dígitos significam e ano previsto da minha incorporação – 1964 – o que não veio a acontecer.
Não sei porque fui adiado, mas hoje imagino que a tropa nessa altura não tinha muita gente letrada, para sargentos e oficiais milicianos, e eu tinha uma grande vantagem competitiva, frequentava um curso da área comercial, cujo objectivo era o curso de Economia, e tinha já nessa altura, em 1963, quase 9 anos de trabalho regular dentro da mesma área do curso que frequentava, uma área administrativa. E pessoal para servir como operacionais não faltava, era preciso quadros e técnicos, e havia aqui uma possibilidade comigo, penso eu agora, sem saber nada do que se passou.
Voltei no ano de 1964, novamente em meados desse ano e, como estava mais ou menos na mesma, já não havia direito a mais um adiamento, por isso sou considerado ‘apto’ para toda o serviço militar e mantive o mesmo NIM, que viria a ser alterado.
Nesta época já estava praticamente feito o 7º ano, por isso já pertencia à próxima incorporação de Janeiro de 1965, para o Curso de Oficiais Milicianos (COM).
Acabei o Instituto também com média superior a 14 valores e assim entro directamente para a Universidade, sem precisar de exame de admissão, a que todos estavam sujeitos se não tivessem essa média do 7º ano.
Em Setembro de 1964 inscrevi-me no 1º ano do curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Um feito que sempre o considerei épico, para pessoas vindas da minha classe social, uma vez que nunca nasci num berço de ouro.
E o trabalho tem de continuar, pois é preciso pagar os estudos, e isso é tudo por minha conta, também é verdade que ganhava bem, acima da média, pois já exercia funções importantes nas empresas, apesar da pouca idade e habilitações básicas.
Novamente dou início a um novo curso, agora um curso superior, nas velhas instalações da Faculdade de Economia, na Praça dos Leões, no Porto, em duas salas emprestadas pela Faculdade de Ciências, a Economia era um curso novo no Porto.
Mas não ia, ou ia muito raramente às aulas teóricas, porque eram em horário laboral, e eu estava matriculado como aluno ‘extraordinário’, que significava, em termos mais práticos, alunos da noite, ou alunos de... segunda categoria.
Tinha aulas práticas obrigatórias das 8 às 10 da manhã, e depois da 6 horas da tarde. Os exames e provas correntes eram todas em conjunto, não havia distinções. Foi muito difícil, como também já havia sido no anterior Instituto Comercial, a cabeça estava cansada, tomava muitos comprimidos para as dores de cabeça – ainda me lembro do Optalidon, entretanto retirado do mercado. Passei a usar óculos devido ao cansaço da vista, mas lá fui por diante.
Conheci muita gente que mais tarde viria a ocupar os cargos mais importantes na administração e no Estado. Não vou mencionar ninguém porque não é importante agora. Não ganhei amizades nem confiança com esta gente, pois mal nos encontrávamos, só por mero acaso, nas aulas práticas para todos.
Entretanto já estava apurado, e pensei noutra possibilidade, já que aqui estou, com 21 anos em 1964, estou no 1º ano, mais 5 anos faço o curso, e em 1970, com 26 anos, estou a tempo de ir para a tropa, e se assim pensei assim executei. Pedi adiamento na incorporação do próximo ano de 1965, o ano normal da minha incorporação.
Faço o primeiro e segundo ano do curso, e já estamos em Setembro de 1966. Mas surgem imprevistos, já conhecia a minha namorada, a estava perdido por ela, e com vontade de casar, e neste andar só com 30 anos lá chegaria e era tarde demais para mim, para ela não tanto, que tinha menos 5 anos, ainda ia a tempo com 25 anos.
E, afinal, para quê?
Nunca tinha pensado chegar tão longe, havia outros, muitos outros problemas, isto que contei não foi assim tão fácil, na vida nada foi fácil para mim, eu tive de subir a pulso, nunca recebi nada de ninguém, nunca herdei um tostão até o dia de hoje. Mas, como estas coisas, estas ‘histórias’ andam a percorrer as redes sociais, eu não queria adiantar muito mais, toda a gente tem acesso a estes conteúdos, e não quero, e muito menos a minha mulher que não gosta mesmo nada de redes sociais, mas tudo está já escrito no meu livro ‘não editado’ “A Minha Vida” (, está fechado a 7 chaves).
Assim, num laivo de mais uma loucura das minhas, vou a Lisboa ao Ministério da Defesa Nacional, informando que queria desistir dos adiamentos, isto por volta de Novembro a Dezembro de 1966, e queria ser incorporada na próxima molhada.
E ainda avisei que, se não fosse feita a minha vontade, poderia até desertar. Não levaram a sério, senão metiam-me na gaiola. Assim ainda antes do Natal de 1966 já estou a receber a Guia de Marcha para Mafra, no dia 3 de Janeiro de 1967, teria de me apresentar pela 8 horas da manhã.
Ia fazer nesse mês os meus 24 anos, e nessa altura era uma idade ainda muito jovem, não se sabia de nada daquilo que os meus netos hoje sabem. Os tempos mudaram.
Um amigo meu com quem fiz algumas incursões pelo país, à boleia, de capa e batina, ele frequentava Direito em Coimbra, só viria a ir para a tropa muito mais tarde, e estava na Guiné no QG – no serviço de Justiça -, já era juiz de Direito, e com 31 anos estava lá no tal dia do golpe de estado do 25A4, e eu já estava casado e com 3 filhos menores. Este meu amigo é hoje ainda Juiz Conselheiro na Relação de Lisboa.
Em termos de comparação, os tempos em que os meus filhos estudaram, as mordomias que tiveram, os cursos superiores que frequentaram, os carros que tiveram para irem para as suas universidades, isto era tudo pago do meu bolso, não havia ajudas do Estado, também diga-se que nessa altura não me custava assim muito, pois trabalhava muito e ganhava bem.
Mas a vida dos meus netos, comparada com a minha e da minha mulher, é a noite do dia, não há termo de comparação, não é só com os meus, foi tudo com a maioria dos filhos da revolução. O país e o mundo mudaram muito nestes últimos 50 anos.
Quis exprimir isto para se ver até que ponto a força de vontade leva tudo à frente, não tive ajudas familiares, bem pelo contrário, acho que nunca acreditaram no que eu seria capaz de fazer, nem mais tarde reconheceram até onde cheguei. São coisas pessoais que estão encravadas na garganta como espinhas, por isso passemos à frente.
Fui para a tropa tirar o curso de oficiais milicianos porque fixei este objectivo que tinha de alcançar, não desisti nunca, não havia espaço temporal para nada, a não ser estudar e fazer exames. Devorava livros e Sebentas, decorei tudo, e agora a minha memória vai-me atraiçoando.
Gostava que em devido tempo, a minha família, pais, irmãos, conjugues, tivessem reconhecido esta façanha, mas não. Acho que ficou a inveja, e sei do que falo.
É desta forma que começa assim a minha saga, a vida militar, que viria a alterar por completo a minha forma de ser, de pensar, de agir, a irritabilidade e agressividade fáceis, importar-me apenas comigo e da minha nova família, a superproteção que imponho a mim próprio, a minha incapacidade de poder ver as consequências dos meus actos, devido ao excesso de fármacos que vou tomando diariamente até hoje, seguindo a minha própria automedicação.
Não vou continuar, ficamos por aqui e vou fazer os meus comentários às poucas fotos que tenho da minha vida militar até chegar à Guiné, e como nunca tive uma máquina fotográfica, estas fotos devem ter sido fornecidas pelos fotógrafos que acompanhavam a tropa e ganhavam a sua vida com este trabalho.
(Continua)
Não sabia uma única palavra de Inglês, não sabia Física, nem Química, nem Ciências, nem Desenho, tinha umas noções de Português, Francês, Geografia, História e pouco mais. Uma senhora minha vizinha, ex-professora de Letras, oferece-se para me dar explicações de Inglês e aproveitei também para receber umas de Português, e não pagava nada, nem podia pagar.
Faltava-me a Matemática, o que eu sabia da escola comercial era cálculo comercial e aritmética, mas nada de Álgebra, Geometria e coisas dessas do liceu. Um amigo, que já frequentava a faculdade de economia, prontificou-se a dar-me umas explicações de Matemática num café ali para os lados do Campo Lindo, onde ele morava. Em pouco tempo consegui ‘perceber’ a matemática, e já não tinha problemas com isso, já sabia tudo até ao 5º ano.
As lições de Inglês e Português continuavam a bom ritmo e também absorvi rápido, porque era individual e intensivo, ao fim da tarde e fins de semana. Veio a época de fazer o exame do 2º ano em Junho de 1962, e lá fui, tive algumas dificuldades em Desenho, pois nunca tinha feito ou estudado nada sobre desenho.
Mas safei-me e passei no exame do 2º ano liceal. Com esse diploma já me vou inscrever no exame de admissão ao Instituto Comercial. Ainda tinha uns dois meses e meio até lá, ia fazer na época de Setembro.
Mas o meu trabalho continuava, os horários mantinham-se por isso a alternativa era fazer verdadeiras maratonas e muitas directas com alguns, mas poucos que me acompanharam mas acabaram de desistir, não aguentaram este ‘ritmo’ alucinante. Estudava só nos cafés, com predominância do Café Cenáculo, inaugurado em 11 de Novembro de 1961. Era a minha sala de aulas e explicações, ficava sempre até fechar, já depois das 2 horas da manhã.
Na época de Setembro de 1962, faço o exame de admissão, e fico espantado comigo mesmo, pois tirei média acima de 14 valores, o que me dava acesso imediato á matrícula, sem fazer exames orais, que para mim era uma praga, não gostava nada.
Assim já tenho o 5º ano do Liceu, já podia ir para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM) Mas havia um preço a pagar, tive um esgotamento cerebral, não dormia, tinha de tomar comprimidos para não dormir e estudar até esgotar, todos os sítios e minutos eram para estudar, não comia muito bem, e perdi muito peso, fiquei esgotado, e comecei a tomar comprimidos de ‘ferro’ pela primeira vez.
Com 19 anos, em Outubro de 1962 inscrevo-me no Instituto, no 1º ano do ‘curso de acesso ao ensino superior’, era assim que se chamava. Só frequentava as aulas fora dos horários de trabalho, isto é das 8 às 10, e depois das 18 horas da tarde.
Era o curso da noite, sem rodeios nem vergonhas, era assim e ponto final. Tinha de competir com aqueles que tiveram um ciclo normal, com idades 2 a 3 anos mais novos, e todo o tempo do mundo para estudar. Comigo também entraram mais uns tantos, todos também com idades de adulto, para os cursos da noite, mas os exames eram feitos ao mesmo tempo dos de dia, não havia distinções nenhumas, nem benesses.
E aos 20 anos, em meados de 1963, vou à primeira inspecção militar, ali para os lados das Taipas, na Cordoaria, no Porto, onde existia um quartel velho. Ainda estava a frequentar o 1º ano do Instituto, ou seja o equivalente ao 6º ano do liceu.
Como pesava apenas uns 43 kg, os médicos acharam por bem mandar-me para casa e engordar um pouco mais. Fiquei adiado um ano. Foi-me dado logo o primeiro número de identificação militar – NIM – 00439364. Os dois últimos dígitos significam e ano previsto da minha incorporação – 1964 – o que não veio a acontecer.
Não sei porque fui adiado, mas hoje imagino que a tropa nessa altura não tinha muita gente letrada, para sargentos e oficiais milicianos, e eu tinha uma grande vantagem competitiva, frequentava um curso da área comercial, cujo objectivo era o curso de Economia, e tinha já nessa altura, em 1963, quase 9 anos de trabalho regular dentro da mesma área do curso que frequentava, uma área administrativa. E pessoal para servir como operacionais não faltava, era preciso quadros e técnicos, e havia aqui uma possibilidade comigo, penso eu agora, sem saber nada do que se passou.
Voltei no ano de 1964, novamente em meados desse ano e, como estava mais ou menos na mesma, já não havia direito a mais um adiamento, por isso sou considerado ‘apto’ para toda o serviço militar e mantive o mesmo NIM, que viria a ser alterado.
Nesta época já estava praticamente feito o 7º ano, por isso já pertencia à próxima incorporação de Janeiro de 1965, para o Curso de Oficiais Milicianos (COM).
Acabei o Instituto também com média superior a 14 valores e assim entro directamente para a Universidade, sem precisar de exame de admissão, a que todos estavam sujeitos se não tivessem essa média do 7º ano.
Em Setembro de 1964 inscrevi-me no 1º ano do curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Um feito que sempre o considerei épico, para pessoas vindas da minha classe social, uma vez que nunca nasci num berço de ouro.
E o trabalho tem de continuar, pois é preciso pagar os estudos, e isso é tudo por minha conta, também é verdade que ganhava bem, acima da média, pois já exercia funções importantes nas empresas, apesar da pouca idade e habilitações básicas.
Novamente dou início a um novo curso, agora um curso superior, nas velhas instalações da Faculdade de Economia, na Praça dos Leões, no Porto, em duas salas emprestadas pela Faculdade de Ciências, a Economia era um curso novo no Porto.
Mas não ia, ou ia muito raramente às aulas teóricas, porque eram em horário laboral, e eu estava matriculado como aluno ‘extraordinário’, que significava, em termos mais práticos, alunos da noite, ou alunos de... segunda categoria.
Tinha aulas práticas obrigatórias das 8 às 10 da manhã, e depois da 6 horas da tarde. Os exames e provas correntes eram todas em conjunto, não havia distinções. Foi muito difícil, como também já havia sido no anterior Instituto Comercial, a cabeça estava cansada, tomava muitos comprimidos para as dores de cabeça – ainda me lembro do Optalidon, entretanto retirado do mercado. Passei a usar óculos devido ao cansaço da vista, mas lá fui por diante.
Conheci muita gente que mais tarde viria a ocupar os cargos mais importantes na administração e no Estado. Não vou mencionar ninguém porque não é importante agora. Não ganhei amizades nem confiança com esta gente, pois mal nos encontrávamos, só por mero acaso, nas aulas práticas para todos.
Entretanto já estava apurado, e pensei noutra possibilidade, já que aqui estou, com 21 anos em 1964, estou no 1º ano, mais 5 anos faço o curso, e em 1970, com 26 anos, estou a tempo de ir para a tropa, e se assim pensei assim executei. Pedi adiamento na incorporação do próximo ano de 1965, o ano normal da minha incorporação.
Faço o primeiro e segundo ano do curso, e já estamos em Setembro de 1966. Mas surgem imprevistos, já conhecia a minha namorada, a estava perdido por ela, e com vontade de casar, e neste andar só com 30 anos lá chegaria e era tarde demais para mim, para ela não tanto, que tinha menos 5 anos, ainda ia a tempo com 25 anos.
E, afinal, para quê?
Nunca tinha pensado chegar tão longe, havia outros, muitos outros problemas, isto que contei não foi assim tão fácil, na vida nada foi fácil para mim, eu tive de subir a pulso, nunca recebi nada de ninguém, nunca herdei um tostão até o dia de hoje. Mas, como estas coisas, estas ‘histórias’ andam a percorrer as redes sociais, eu não queria adiantar muito mais, toda a gente tem acesso a estes conteúdos, e não quero, e muito menos a minha mulher que não gosta mesmo nada de redes sociais, mas tudo está já escrito no meu livro ‘não editado’ “A Minha Vida” (, está fechado a 7 chaves).
Assim, num laivo de mais uma loucura das minhas, vou a Lisboa ao Ministério da Defesa Nacional, informando que queria desistir dos adiamentos, isto por volta de Novembro a Dezembro de 1966, e queria ser incorporada na próxima molhada.
E ainda avisei que, se não fosse feita a minha vontade, poderia até desertar. Não levaram a sério, senão metiam-me na gaiola. Assim ainda antes do Natal de 1966 já estou a receber a Guia de Marcha para Mafra, no dia 3 de Janeiro de 1967, teria de me apresentar pela 8 horas da manhã.
Ia fazer nesse mês os meus 24 anos, e nessa altura era uma idade ainda muito jovem, não se sabia de nada daquilo que os meus netos hoje sabem. Os tempos mudaram.
Um amigo meu com quem fiz algumas incursões pelo país, à boleia, de capa e batina, ele frequentava Direito em Coimbra, só viria a ir para a tropa muito mais tarde, e estava na Guiné no QG – no serviço de Justiça -, já era juiz de Direito, e com 31 anos estava lá no tal dia do golpe de estado do 25A4, e eu já estava casado e com 3 filhos menores. Este meu amigo é hoje ainda Juiz Conselheiro na Relação de Lisboa.
Em termos de comparação, os tempos em que os meus filhos estudaram, as mordomias que tiveram, os cursos superiores que frequentaram, os carros que tiveram para irem para as suas universidades, isto era tudo pago do meu bolso, não havia ajudas do Estado, também diga-se que nessa altura não me custava assim muito, pois trabalhava muito e ganhava bem.
Mas a vida dos meus netos, comparada com a minha e da minha mulher, é a noite do dia, não há termo de comparação, não é só com os meus, foi tudo com a maioria dos filhos da revolução. O país e o mundo mudaram muito nestes últimos 50 anos.
Quis exprimir isto para se ver até que ponto a força de vontade leva tudo à frente, não tive ajudas familiares, bem pelo contrário, acho que nunca acreditaram no que eu seria capaz de fazer, nem mais tarde reconheceram até onde cheguei. São coisas pessoais que estão encravadas na garganta como espinhas, por isso passemos à frente.
Fui para a tropa tirar o curso de oficiais milicianos porque fixei este objectivo que tinha de alcançar, não desisti nunca, não havia espaço temporal para nada, a não ser estudar e fazer exames. Devorava livros e Sebentas, decorei tudo, e agora a minha memória vai-me atraiçoando.
Gostava que em devido tempo, a minha família, pais, irmãos, conjugues, tivessem reconhecido esta façanha, mas não. Acho que ficou a inveja, e sei do que falo.
É desta forma que começa assim a minha saga, a vida militar, que viria a alterar por completo a minha forma de ser, de pensar, de agir, a irritabilidade e agressividade fáceis, importar-me apenas comigo e da minha nova família, a superproteção que imponho a mim próprio, a minha incapacidade de poder ver as consequências dos meus actos, devido ao excesso de fármacos que vou tomando diariamente até hoje, seguindo a minha própria automedicação.
Não vou continuar, ficamos por aqui e vou fazer os meus comentários às poucas fotos que tenho da minha vida militar até chegar à Guiné, e como nunca tive uma máquina fotográfica, estas fotos devem ter sido fornecidas pelos fotógrafos que acompanhavam a tropa e ganhavam a sua vida com este trabalho.
(Continua)
_________________
Nota do editor:
Nota do editor:
12 comentários:
Camarigos,
O Destacamento Engenharia da India comemorou o seu XXVIII Encontro Nacional em 19 de Maio de 2018.
Estes Militares assim como Marinheiros, Polícias, Guardas-fiscais e alguns Civis e suas famílias estiveram cerca de seis meses como prisioneiros de Guerra em Goa, na India, em 1961/62.
Abraço.
Eu não estive na India.
O meu pai esteve, entre 1955/58, e já morreu há muito. Faria hoje precisamente 101 anos.
O meu irmão esteve prisioneiro entre 1961/62, está hoje inválido numa cama em casa, dependente de tudo, não esteve nesses encontros, mas sei que esteve em alguns.
É esta a história da minha família.
Andamos sempre desencontrados uns dos outros, durante mais de uma década não estivemos todos juntos, uns em Angola, outros na India, ou Moçambique, ou na Guiné, era a vida desse tempo.
Acabou tudo.
Virgilio Teixeira
também o meu primo Luís Maçarioc, de Ribamar, Lourinhã, e outros conterrâneos meus... É justo lembrá-los aqui.
27 DE JANEIRO DE 2012
Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/01/guine-6374-p9405-efemerides-63-luis.html
Sobre a ação corajosa do capelão, jesusita, Joaquim Ferreira da Silva, ver aqui:
12 DE JANEIRO DE 2013
Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2013/01/guine-6374-p10931-recortes-de-imprensa.html
Virgílio, se quiseres honrar a memória do teu mano e do teu pai, tens aqui espaço para publicar e textos... Os portugueses de hoje, os nossos filhos e netos, nada sabem do que se passou nessa década fatítica da nossa história, os anos 60 do século XX.
Um abraço, Luís
Cimco anos depois parece que continua a manter-se esta situação, o que é triste:
Comentário de LG:
Não encontro nenhum sítio, página ou blogue da Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra. O que dá uma ideia da fraca visibilidade mediática que estes nossos camaradas têm... É preciso por isso ajudá-los e divulgar iniciativas como a esta exposição patente no Padrão dos Descobrimentos.
No valioso e utilíssimo portal dos nossos amigos do Ultramar Terraweb, encontrei a seguinte informação:
Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra.
Contactos:
Rua João Pereira da Rosa, n.º 18, 1249-032 Lisboa
Telefone: 213 468 245 / 6
Fax: 213 463 394
E-mail: anpguerra@gmail.com
http://ultramar.terraweb.biz/Associacao_ANPG.htm
12 de janeiro de 2013 às 21:10
_______________
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2013/01/guine-6374-p10931-recortes-de-imprensa.html
12 DE JANEIRO DE 2013
Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)
Camarada Virgílio Teixeira:
Curiosamente o meu percurso de mancebo, foi muito semelhante, mas 5 anos antes. Assim, nasci em 1938 (um grande amigo meu de infância, esteve preso na India) em 1955 terminei o 5º. ano do liceu. Em 1956, ansiando pela minha independência, empreguei-me, continuando a estudar à noite 7º. Ano e Instituto Britânico. Em 1958 Fiz a minha admissão à Faculdade - ISCEF (Económicas e Financeiras). No mesmo ano 1958 Fui à Inspeção Militar e por estar a estudar, consegui adiamento de incorporação. Em 1961, casei. Em 1962 (Janeiro) fui pai e em Agosto desse ano, 1962 entrei em Mafra para o COM. Até Janeiro de 1964 fiquei colocado no RI 1 (Amadora) como Aspirante, de onde saí, incorporado no B.Caç. 619, C. Caç. 617, para a Guiné (Catió e Cachil, Ilha do Como, até ao nosso regresso em Fevereiro de 1966.
Um grande abraço,
JS
Gostei, Virgílio. Do percurso que trlhaste e da forma como o descreveste. É o retrato de um vencedor.
Abraço do V Briote
Virgílio, muitos de nós, para não dizer a quase totalidade, não nascemos em "berços de ouro"... Uns, como vocês, mais velhos antes da guerra ou durante a guerra, a II Guerra Mundial, outros logo a seguir, na segunda metade da década de 1940... Nada era fácil ou dado de bandeja, naquela época. Só havia liceu nas capitais de distrito. E mesmo fazer o antigo 5º ano, só em colégios privados é que isso érea possível.
O teu percurso escolar é revelador de um homem determinado, voluntarioso, disciplinado. Por certo que tinhas o exemplo do teu pai, muitos de nós nem isso: tirar a 4ª classe era o que estava no horizonte dos nossos pais...Depois, ala, vais à vida, como eu fui... Começava-se, na maior parte dos casos, a trabalhar cedo e a sair cedo da casa dos pais...
O caminho da autonomia era uma longa picada, cheia de minas e armadilhas: Índia, Angola, Guiné, Moçambique... foram só algumas para a nossa geração.
Obrigado pelo teu testemunho em primeira mão. Luis
Boa noite a todos,
Obrigado pelas vossas palavras, tive algum receio de vir aqui publicamente dizer algumas de uma infinidade de situações, sempre pensei que alguém se iria aproveitar no bota abaixo, mas afinal 'medo de quê?'
Tenho orgulho em tudo o que consegui, ainda vamos talvez falar mais disso, ainda tenho que responder a alguns comentários, e agora, nesta hora, depois de um dia de uma família toda em casa, tenho de ir dormir. Mas quis aproveitar para dizer isto antes do fim do dia.
Abraço, Virgilio.
Vem do da história nós portugueses somos uns lutadores e por isso na maioria das vezes vencedores.
Adorei a história da vida do Virgílio Teixeira, eu também tive e "digo tive porque já não faz parte dos vivos" na família um lutador vencedor, embora não com o brilho da do Virgílio.
O meu irmão com 35 anos é vítima de um acidente de moto e fica paraplégico, vários meses agarrado aos ferros de uma cama e depois uma cadeira de rodas, eu na guerra da Guiné ele com um filho bebé e duas filhas quase em idade escolar, sem saber o que fazer à vida resolve e inscreve-se no Instituto do Emprego e Formação Profissional, tira o curso de guarda livros fica a trabalhar na secretaria do serviço Nacional de Emprego, primeiro aqui na Amadora Lisboa, entretanto devido à idade dos filhos pede transferência para Coimbra onde os filhos podiam frequentar os estudos, as filhas são professoras e o filho é engenheiro e ele era um funcionário excepcional em contabilidade, o Sr. Botelho era estimado por todos os colegas e elogiado pela sua capacidade mental.
José Botelho Colaço,
Embora com um atraso incompreensível de quase 5 meses, venho manifestar também a minha solidariedade para com a vida ingrata do teu irmão, Botelho, com 35 anos mandado para uma cadeira de rodas.
Quem consegue sobreviver a uma situação destas, é um HEROI, muito mais que nós, pois tem tudo contra ele, só a cabeça funciona. Há vários casos que vou tomando conhecimento, eu não sei se conseguiria sobreviver a uma situação destas, não sou assim tão herói. Mas só na hora da verdade é que se pode saber isso, oxalá nunca venha a cair numa cadeira de rodas, ou acamado, não tenho 'cara' para isso.
A razão deste atraso, se alguma vires este comentário, deve-se a que os Postes estão na primeira página durante uns 5 a 6 dias, depois de saírem perco o rasto e vem sempre novas coisas para comentar, não sei se há alguma possibilidade de voltar aos anteriores, que vão para o 'arquivo morto'.
Abraço, amigo, e obrigado pelos teus comentários,
Virgilio
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