Foto nº 1 > Mahatma Gandhi (1869-1948)
Foto nº 2 > As grandes lavandarias artesanais
Foto nº 3 > Hotel Taj Mahal, construído em 1903.
Foto nº 4 > Esculturas e baixos relevos da Ilha Elefanta
Índia > Bombaím > 20-21 de novembro de 2016 >
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Se a memória não me atraiçoa e se fiz a pesquisa certa, Bombaim foi cidade governada pelos portugueses desde 1534 até 1661 quando Catarina de Bragança, filha de D. João IV, irmã de D. Afonso VI e D. Pedro II, casou com Carlos II de Inglaterra e as cidades de Tânger e Bombaim, “com todas as suas pertenças e senhorios”, fizeram parte do dote da princesa e foram cedidas aos ingleses.
Portugal precisava do apoio da coroa britânica nas lutas contra os espanhóis pela restauração da independência e, para isso, nada melhor do que um casamento real entre os dois reinos, com um valioso dote a oferecer ao monarca de Londres. A ida para Inglaterra da não muito bonita Catarina de Bragança teve, como iremos ver, implicações surpreendentes na história do mundo. Os ingleses aproveitaram o novo estabelecimento de Bombaim para estender o seu poderio e influência a mais territórios na Índia e, associado à ida da rainha Catarina para Londres, estendeu-se na sociedade inglesa, o hábito de beber chá, costume da princesa portuguesa.
O chá era, na época, planta e bebida praticamente desconhecida nas ilhas britânicas. A partir de então, os ingleses passaram a viajar nos seus navios até Macau e a aproveitar os ancoradouros na ilha da Taipa, subindo depois até às províncias de Guangdong e Fujian onde carregavam as naus com caixas e caixas de chá, a preciosa bebida perfumada, apenas existente e cultivada no centro e sul da China. O comércio do chá cresceu de tal maneira que, a partir de finais do século XVIII, os britânicos necessitaram de despender elevadas maquias para pagar o chá aos mercadores chineses. Descobriram então um negócio altamente rentável, a troca de chá por ópio.
Desde a Índia, cultivado sobretudo na região de Calcutá, mas também na zona de Bombaim e até na Turquia, o anfião ou ópio seguia para a China às toneladas em velozes veleiros. Embora ilegal, o comércio do ópio prosperou de tal modo que, no início do século XIX, se fizeram grandes fortunas, mesmo entre alguns portugueses de Macau. O vício de fumar ópio era um cancro que alastrava no mundo chinês. Em 1838, Lin Zhexu, governador de Guangdong resolveu acabar com a calamidade e proibiu a troca do ópio pelo chá no porto de Cantão. Milhares de caixas com ópio foram arrancadas dos navios de Sua Majestade, a rainha Vitória, e lançadas às águas do rio das Pérolas.
A Inglaterra, ofendida, queria continuar livremente os seus negócios no Império do Meio e declarou guerra à China. Enviou 16 fragatas de guerra com milhares e milhares de soldados, bem armados e equipados que rapidamente desbarataram a incipiente marinha chinesa e as ridículas defesas de costa. Em 1842 era assinado o tratado de paz de Nanquim que, entre outras humilhações, obrigava os derrotados chineses a ceder à Inglaterra um grande porto de mar e uma fabulosa cidade que nascia e crescia, chamada Hong Kong.
A prosa já vai longa e ainda não entrámos em Bombaim, ou Mumbay, assim denominada nos últimos anos do século XX.
O nome Bombaim terá origem no português “bom baía”, língua franca falada nas partes da Ásia, nos séculos XVI e XVII. Em 1995, os indianos decidiram abandonar o nome “colonialista” de Bombaim e passaram a chamar-lhe Mumbay, em honra de Mumba, uma divindade local venerada pelos primeiros habitantes da região.
Em 1900, a cidade contava já com um milhão de habitantes e hoje serão vinte e dois milhões os indianos conglomerados numa das maiores metrópoles do globo. As cidades grandes sempre me assustaram e Bombaim é, de certeza, lugar de rápida passagem para outras paragens, mas que valerá todas as penas conhecer. São muitos os edifícios catalogados como Património Mundial pela Unesco, sobretudo os que correspondem à herança colonial britânica.
Trata-se de grandes construções de finais do século XIX, no estilo vitoriano [Vd. foto ao lado], com alguns elementos de arquitectura hindu como a fachada da estação ferroviária, o museu do Príncipe de Gales, a Biblioteca Asiática, o Palácio da Justiça. Na estadia de dois dias em Bombaim, deu para ver do lado de fora e tirar fotografias.
No templo hindu de Sir Sir Radha Gopinath -- dedicado a Krishna, uma espécie de deus da amizade e do amor --, perdi-me na contemplação das paredes de mármore trabalhadas como se de filigrana se tratasse, e no passear dos olhos pelas muitas divindades espalhadas por altares, emolduradas em paredes, algumas numa saudação ao viandante de passagem. Com todo o respeito pela mitologia hindu, pela crença de cada um, recordei palavras do meu poeta chinês Bai Juyi (772-846), -- a quem chamo “meu” porque lhe traduzi 202 poemas para língua portuguesa --: “As criaturas não são divinas por conta própria, são os crentes que as fazem divinas.”[1] Se diante do bom Buda sou capaz de baixar levemente a cabeça e de entoar em silêncio uma pequena prece, estas divindades do hinduísmo deixam-me parado e distante. No entanto dizem-me que, com os cânticos de “hare Kishna, hare Krishna!” se limpam as impurezas da alma.
Com sumo prazer fui ao encontro da residência de Mahatma Gandhi (1869-1948) [Foto nº 1 ] esse grande senhor da História recente da Índia que habitou esta casa entre 1917 e 1934 e que lutou, até todos os limites da sua complexa vida, pela independência da pátria e pela fraternidade entre todos os indianos, pela igualdade e pela não violência. O combate não foi em vão, mas hoje, com um distanciamento de setenta anos – Gandhi foi assassinado em 1948 --, será mais fácil entender que o legado do excelente Mahatma ainda está em grande parte por cumprir. Na China existe um provérbio que diz mais ou menos o seguinte: “Mudam as montanhas e os rios, não muda a natureza dos homens.”
Na grande ronda por Bombaim, paragem para mais fotografias nas grandes lavandarias artesanais a céu aberto, um dos atractivos turísticos da cidade. Entre o muito lixo que atravanca quase tudo quanto é espaço nesta terra, as pobres mas enormes lavandarias correspondem a um oásis de limpeza e de brancura, mesmo quando os lençóis mal lavados são vermelhos ou azuis.[Foto nº 2]
Mais um dia na cidade e hoje é tempo de saída para a ilha da Elefanta.
Antes, em frente do pequeno cais de embarque onde pontifica a Porta da Índia concluída em 1924 -- um pórtico sob o qual passavam os altos dignitários ingleses na sua chegada ao território indiano --, uma ida rápida, logo ali ao lado, ao clássico Hotel Taj Mahal, construído em 1903.[Foto nº 3].
Foi alvo de um ataque de terroristas islâmicos, em 2008, que provocou quase quarenta mortos. Rapidamente reaberto, é um excelente cinco estrelas no centro da histórica Bombaim, a funcionar em pleno embora rodeado de extremas barreiras de segurança. Entrámos, sujeitos a um exaustivo controlo, mas dentro o hotel é soberbamente luxuoso, os quartos, os interiores, as lojas, a piscina. Estou convencidíssimo de que voltarei aqui numa próxima reencarnação, homem rico, jovem e bem apessoado.
Vamos então até à ilha da Elefanta que tem outras histórias para contar. Embarcamos numa lancha grande, em madeira, com dois andares, que nos vai levar durante quase uma hora de viagem até uma pequena ilha plantada no mar, aí a uns 15 quilómetros de Bombaim. Chama-se Elefanta porque os portugueses que por aqui andaram, descobriram na ilha, logo no século XVI, uma grande elefanta em pedra, junto de umas tantas grutas, onde haviam sido gravadas na rocha um conjunto de impressionantes figuras e estátuas associadas à mitologia hindu. Em 1864, a elefanta foi cortada e desmontada pelos ingleses e transportada para os Victoria Gardens, em Bombaim. Novamente montada, ainda hoje se encontra nesse jardim.
Na ilha da Elefanta, desembarcamos entre molhadas e molhadas de turistas indianos, num pontão onde impera a imundície. Há vacas, cabras, e até muitos macacos, a passear calma e sorrateiramente pelos caminhos de entrada na ilha, pelo meio das variegadas gentes acabadas de chegar. Os animais, nossos amigos, deixam montões pestilentos de dejectos e excrementos por tudo quanto é sítio. Há quem goste. Estamos na Índia.
Para chegar às grutas, Património Mundial pela Unesco desde 1987, temos um comboinho e depois uma longa escadaria, ladeada de lojas e bancadas, onde se vende de tudo o que eventualmente poderá interessar ao turista. Lá em cima, as diferentes grutas foram escavadas na pedra entre os séculos V e VIII e albergam dezenas e dezenas de esculturas de grande e média dimensão, sobretudo associadas à deusa Shiva. O baixo-relevo mais interessante será uma deusa de três faces, sendo a do meio, a de Brahma, o criador, e as laterais, a de Vishnu, o preservador, e a de Shiva, o destruidor. Tudo rodeado por mais umas tantas estátuas de assessores das divindades.[Foto nº 4]..
Apesar de ter comprado um livrinho em inglês com explicações sobre as grutas e os seus deuses, permaneço algo baralhado diante da complexa história das figuras da mitologia hindu. Reconheço a extraordinária qualidade destas esculturas e baixos relevos, infelizmente bastante delapidados pela impiedosa passagens dos séculos. Os indianos dizem que parte da destruição das esculturas tem a ver com os portugueses que, nos séculos XVII e XVIII, usavam o lugar como carreira de tiro e as estátuas como alvo, para acertar e aferir a pontaria de arcabuzes e espingardas. Não sei será é verdade, mas tudo é possível.
A fechar a visita à ilha da Elefanta, nada melhor do que subir pela outra colina, aolado, ao encontro da Cannon Hill. Leio que os canhões existentes lá em cima foram deixados pelos nossos compatriotas, quando abandonámos a ilha em meados do século XVIII. Apoiados em plataformas circulares, tinham um campo de acção de 360 graus e deviam ser armas temíveis para a defesa e segurança dos poucos portugueses ainda residentes do lugar. Hoje, os canhões de Cannon Hill não são antigos, parecem peças de artilharia já fabricadas no século XX. Mas dá para recordar o imenso receio que, durante trezentos anos, as desvairadas gentes da nossa ditosa pátria provocaram nos diversos povos da Índia.
____________
Nota do autor:
[1] Poemas de Bai Juyi, trad. António Graça de Abreu, Macau, IC. Macau, 1991, pag. 33.
1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-
Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];
(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;
(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);
(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;
(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...
(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);
(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);
(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016).
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 24 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...