sábado, 15 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19016: Os nossos seres, saberes e lazeres (284): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Não vale a pena chorar sobre leite derramado, não se supunha Albi capaz de interessar para maior estadia, foi erro que custou andar a puxar pelo corpinho septuagenário até ao fim do dia, não se podia perder o essencial do que a cidade episcopal oferece, e mesmo depois da refeição copiosa do museu Toulouse-Lautrec havia que conhecer o casco histórico, e quantas surpresas aguardavam o viandante! Tirou-se o ensinamento que estas viagens devem ser precedidas de mais consulta, a visita a Albi merecia melhor tratamento.
Claro está, ficou a vontade de regressar, haja saúde e o regresso impor-se-á pelas lembranças deixadas. E que lembranças!

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (3)

Beja Santos

Bem tinham avisado o viandante que era um stress tamanho meter o Rossio na Betesga, só passar umas horas em Albi, a cidade episcopal tem muitíssimo para ver, com destaque para a Catedral de Santa Cecília (nave, coro e tesouro), o Palácio e os Jardins de la Berbie e o museu de Toulouse-Lautrec, a Colegial e o Claustro de Saint-Salvi, a Ponte Velha, também no casco histórico o Grande Teatro des Cordeliers, coberto pela sua malha de cobre dourado, os parques, as ruas… mas o roteiro já estava desenhado, era pegar ou largar. E após almoço, fez-se a visita à Colegial de Saint-Salvi e ao seu claustro, um belíssimo património construído entre os séculos X e XIII.



O campanário da Colegial contrapõe-se à Catedral de Santa Cecília, por onde o viandante começou de manhã e ainda quer regressar, é um campanário que define a paisagem urbana do centro histórico de Albi e lhe confere uma tonalidade medieval. Saint-Salvi tem uma arquitetura compósita de românico em pedra e gótico em tijolo, é uma diferença de materiais bem visível no campanário que tem uma base românica e um último nível de tijolo vermelho. A torre era a mais alta da cidade antes da conclusão do campanário da Catedral.


Veja-se a graciosidade deste claustro, terão ocorrido modificações difíceis de entender, talvez demolições que deram a circunstância de termos edifícios de arquitetura civil a cercar a paisagem. O jardim está muito bem tratado, tudo aprazível, vê-se que Albi aceitou este grande desafio de pôr os seus melhores edifícios dentro das exigências do Património Mundial da Humanidade.


À cautela, o viandante regressa à Catedral de Santa Cecília, ainda está sob os efeitos daquela grandiosidade, os frescos do final do século XV, o esplendor multicolorido, as dimensões, com uma volumetria tão acertada, e aquela impressão tão forte provocada pelo tijolo. Quando entrou pela primeira vez lembrou-se e rezou pelos mártires da intolerância, agora sente o coração mais neutro, deambulou no exterior a tomar o pulso a esta catedral com fisionomia de uma fortaleza. Entrou para contemplar com mais atenção a estatuária, e pôr-se de frente ao Julgamento Final.

 Imagem de grande devoção de Santa Cecília, no interior da catedral, antes e depois do restauro.




As abóbadas são um trabalho delicado e o restauro que antecedeu a consagração de Albi como Património Mundial em 2010 deu aso a intervenções que ressuscitaram a formosura das nervuras, como aqui se podem ver.


Veja-se a delicadeza desta entrada, não só as nervuras do teto como a estatuária que circunda o rendilhado da janela. Perfeito mais perfeito não há!


Chegou a hora de partir para o Museu de Toulouse-Lautrec, o relógio não perdoa, quem não pode ficar impressionado com a espessura, o quase canelado destas paredes, as suas gárgulas? E o acaso permitiu que passasse por ali, como se vê na segunda imagem, um turista de mochila às costas, vem no momento certo, dá o sentido da proporção da escala da igreja-fortaleza. E nada mais por ora acrescentar, o viandante vai embrenhar-se seguidamente no palácio de la Berbie, o Arcebispo queria mesmo sentir-se bem defendido, vivia como num castelo, lá dentro está a mais impressionante coleção dessa figura fascinante que foi Henri de Toulouse-Lautrec, o aristocrata deformado que eternizou o interior de bordéis e a vida dos cabarés, para pavor da família.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18996: Os nossos seres, saberes e lazeres (283): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19015: Parabéns a você (1499): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista - CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19004: Parabéns a você (1498): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72) e José Parente Dacosta, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 1477 (Guiné, 1965/67)

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19014: Notas de leitura (1100): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (51) (Mário Beja Santos)

O hastear das bandeiras na filial de Bissau, nas comemorações do centenário do BNU, 1964.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
O Gerente Virgolino Pimenta é frontal nas suas exposições, não esconde o seu asco pelo Governador Carvalho Viegas e traça-nos nestes documentos, com absoluta crueza a situação da praça, a vida miserável dos indígenas, as práticas de exploração nos preços da mancarra e as operações ilegais que eram prática corrente da Casa de Gouveia, que não sai nada bem na fotografia. Acumulavam-se as provas, entretanto a Casa Gouveia dirige-se ao Ministro das Colónias, este está perfeitamente elucidado do que se passa. Virgolino Pimenta responde igualmente pelo património, leia-se o primor da carta que envia para Lisboa a queixar-se do estado desgraçado da mobília.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (51)

Beja Santos

Embora com a data de 4 de janeiro de 1938, o Gerente Virgolino Pimenta expede para Lisboa um relatório exercício de 1936 onde na rubrica “Casas Fortes, Móveis e Utensílios” tece observações curiosíssimas:
“As medidas a adoptar para evitar a deterioração da mobília são muitas e caras mas não servem para nada. O mal está em se gastarem milhares de contos em prédios e deixar-lhes dentro mobílias minadas de baga-baga que, fatalmente, irá passar para os madeiramentos novos. Poupam-se assim quinze a vinte contos mas perdem-se muito mais em futuro curto.
A mobília de Bissau tem muitos anos. Os móveis da sala estavam já há muitos anos minados pela baga-baga e agora estão a desfazer-se. Há cómodas, debaixo das quais se tira, todos os dias, um punhado de madeira roída. O móvel principal da sala, canapé com alçado, já tem pés que nem chegam ao chão. As cadeiras vão-se deitando fora, como os tremós dos quais há só um que tem que estar encostado à parede, todo tombado, para fazer vista, senão fica uma sala enorme sem nada dentro.
As medidas para defender a mobília da baga-baga, nem no início serviriam para nada, pois ela marcharia sempre. O mal é entrar.
Agora nem pensar em se gastar dinheiro para impedir o estrago. Ele está quase no fim e não se impediria.
Aqui não há quem faça mobílias capazes. Poderia fazer-se uma para um remedeio, pesada, desgraciosa, imprópria e caríssima. Facilmente nos pediriam oito a dez contos para se não obter coisa de jeito.

A capital da colónia está a mudar e o governador pensa vir depressa para aqui. Ficará o Gerente Geral do Banco em situação de não poder recebê-lo ou a qualquer outra pessoa de categoria sem se arriscar a que uma das melhores cadeiras se desfaça e dê com o visitante em terra. Esta é a verdade.
Em nossa opinião, e dada a facilidade com que a baga-baga invade tudo e dada ainda a agravante de haver mais móveis com baga-baga que passará para os novos, a solução mais prática, se bem que possa parecer cara de início, é a aquisição de uma mobília decente formada por maples e sofás de metal cromado, grandes para dizerem com a sala, acrescentada com umas pequenas mesas e étageres que se poderão aqui fazer, sem grande despesa.
Poderá esta mobília custar oito ou dez contos que custaria uma ruína feita aqui? Talvez não. No entanto, a sua muita duração tornava-a própria para aqui e, portanto, barata mesmo que tal custasse.
Como já dissemos a V. Ex.ª, e tomamos a liberdade de repetir, poderia a esposa do gerente signatário, logo que saísse do Hospital de S. José, escolher a mobília de metal adequada à sala em questão e assim se compraria o que fosse próprio, dentro da mais absoluta economia”.

A 2 de Março, o mesmo Virgolino Pimenta dá notícias sobre a situação da praça:
“A campanha da mancarra abriu há cerca de um mês, oficialmente. Antes dessa data, já se faziam transacções encobertas, na fronteira.
A Casa Gouveia mantém-se num jogo um pouco diferente dos anos anteriores. Principiou a oferecer preços baixíssimos que alarmaram o indígena.
O Sr. Governador, para contrabater esta atitude, deu ordem para que as administrações não forçarem o indígena na cobrança do imposto. Assim, não sendo forçado a pagar, não era forçado a vender. Os preços melhoraram um pouco mas não atingem 50% do preço do ano anterior. O máximo que se paga pela mancarra posta em Bissau é de Esc. $45 por quilo. No interior, por vários preços que oscilam entre $30 a $40 por quilo.
A Gouveia retraiu-se para responder à atitude do Governador e o restante comércio tem andado perfeitamente atarantado por não conhecer as directrizes da Gouveia.
O preço baixíssimo da mancarra força o indígena das regiões fronteiriças a vendê-la para a colónia francesa que a paga bem melhor.
Dizem que a colheita deste ano chega às 30.000 toneladas, o que nos parece exagerado. Mas dando de barato que seja assim e deduzindo, por alto, umas 5000 toneladas que se escoam para terra francesa, restam 25.000 toneladas que, à cotação média de $40 dão 10.000 contos ao indígena. Ora, este tem que pagar uns 9000 contos de imposto. Restam-lhe 1000, o que não é nada para dar escoante às mercadorias em poder dos comerciantes, e que valem uns bons milhares de contos.

A Gouveia continua sem dinheiro e corre na praça que V. Exas. se negaram a dar dinheiro nas condições do ano anterior.
O gerente da Casa diz que não tem dinheiro e a alguns que lhe oferecem mancarra já diz que vão ao Banco oferecê-la em caução de empréstimos.
Não sabemos o que há, mas sabemos que a Gouveia tem batido a todas as portas que sabe terem dinheiro para o apanhar aqui, por transferências que faz. Assim, arranjou uns 500 contos nestas condições.
Enfim, faz tudo que pode para não nos pedir dinheiro, leva-nos o dinheiro que pode, dos depositantes e é natural que seja de lá que sai a atoarda de que não há dinheiro na praça, por culpa do Banco.
Ontem, tivemos uma informação de que pagava mancarra com francos do Senegal. Por todas estas razões, V. Ex.ª. verá a incerteza com que se está trabalhando, incerteza essa que nós estamos aproveitando ao máximo sempre que ficam absolutamente garantidos os interesses do Banco”.

Imagem retirada do livro “Uma Apoteose- duas visitas - uma despedida”, obra relacionada com a partida do governador Raimundo Serrão, 1953.

A 16 de março, nova correspondência para Lisboa, a Casa Gouveia continua na berlinda, o assunto é taxativo: “Transferências – António da Silva Gouveia, Ltdª.”, é este o teor da carta:
“Como V. Ex.ª., também pensámos que o assunto do formidável movimento de transferências que a Casa Gouveia faz, por vezes a taxas elevadíssimas, devia merecer a atenção muito e muito especial do Governo da Colónia, já porque é uma função ilegal e que faz da Casa Gouveia uma instituição bancária com uns lucros fabulosos, sem pagar as respectivas taxas ao Governo; já porque existe o Banco cujos interesses são prejudicados; já porque os comerciantes, sabendo de antemão que vão pagar taxas formidáveis à Gouveia, oneram os preços de venda de uma maneira tal que tornam a vida caríssima e insuportável a quem aqui vive.
E o Governo da Colónia sabe bem disto tudo mas não faz nada e, absorvendo para si no ano passado uns 40% das coberturas da colónia, contribui assim para avolumar o negócio das transferências ilícitas da Gouveia, que se aproveitou da situação para elevar taxas entre 10 e 12% que, com alcavalas de selos e outras, oneram bem os tomadores em 15% senão mais.
É o consumidor quem paga isto.
Assim, a Casa Gouveia fornece de dinheiro e ainda lhe pagam quantias fabulosas por isso. E, deste modo, também não pede crédito ao Banco nem lhe dá um real a ganhar e ainda por cima a gerência não perde a menor oportunidade de – embora grosseiramente – atacar o Banco e tudo que ao Banco esteja ligado.
Ainda no dia 11 do corrente o Sr. Governador recebeu a bordo do Guiné o gerente da Casa Gouveia para ouvir as suas costumadas e pouco inteligentes considerações sobre ‘O crime do Banco ter todas as culpas do que se está passando na Guiné, só por o Banco não querer dar dinheiro à Casa Gouveia’

Muito confidencialmente, constou-nos que o Sr. Governador falou em telegrafar a Sua Ex.ª. o Ministro, pedindo não sabemos que providências.
Em conversa com o Sr. Governador, fizemos-lhe perceber a sem razão da Casa Gouveia, fazendo-lhe compreender que o Banco não é uma casa de caridade para fornecer dinheiro de graça, de mais sabendo ele a guerra que Gouveia faz ao Banco. E qualquer intervenção junto do Sr. Ministro para se considerar o Banco criminoso por onerar as transferências da Gouveia, da Sede para aqui – como eles afirmam –, a intervenção de Sua Ex.ª. devia inclinar-se para o facto da Gouveia – ilegalmente – cobrar os tais 10 e 12% mas em dinheiro que lhe davam e em 90 dias, quando não em 30.
Sua Ex.ª. limitou-se a sorrir mas não telegrafou, ao que supomos.

A Casa Gouveia tem a Guiné por tabanca sua e tem razão para isso, porque ninguém – absolutamente ninguém – a impede de fazer o que quer, em matéria de transferências, que outra não nos interessa.
Dizem que não se pode provar que fazem transferências porque, nas respectivas cartas de ordem, dizem que se trata de ‘Valor de produtos coloniais comprados’. Mas numa averiguação era fácil ver-se e provar-se que a maior parte das pessoas não tinha géneros a vender. E pelo volume da exportação da Casa se chegaria à conclusão de que, afinal, não se sabia do destino de uma boa parte desses géneros.
Para nós, tudo o que se passa é apenas devido à cobardia moral que há em não se fazer respeitar a lei a quem anda fora dela.
Os rigores são todos para o Banco que não demarca as propriedades; que tem que fazer um muro onde gastará bons contos num terreno que não vale quase nada, etc., etc. O resto não tem importância!
Como V. Ex.ª. bem diz, o desrespeito pela lei não é admissível. Mas aqui é.”

Mulher Balanta, imagem constante do livro “No Governo da Guiné”, volume III, por Luís Carvalho Viegas, 1936.

Esta situação litigiosa irá prolongar-se, as queixas sobre a Casa Gouveia chegam de outras proveniências, caso da Sociedade Comercial Ultramarina, Bissau envia para Lisboa informações prestadas por um seu responsável, Monteiro Lopes, em 24 de março desse ano:
“Ignoramos quantas toneladas exportou a Casa Gouveia (Alfredo da Silva) em 1937, mas sabemos que uma parte muito apreciável não foi por ela directamente adquirida ao indígena, mas sim a casas concorrentes exportadoras, às quais, em 1937, conveio vender as suas mancarras à Casa Gouveia em vez de exportarem como nos anos anteriores. Isto não significa, porém, que as coisas venham a passar-se sempre assim de futuro, tanto que na campanha decorrente já a situação é diferente.
Diz-se que a Casa Gouveia se desinteressou a princípio do negócio. Diz-se mais que luta com falta de numerário, chegando a fazer ofertas para compra da mancarra com pagamento em Lisboa, no que não teria sido bem-sucedida. Equivale isto a dizer que a Gouveia faria assim transferências sob a Metrópole, em manifesta concorrência com o BNU, o que lhe é vedado.

O perigo das compras pelas casas francesas a ‘preços irrisórios’ não existe porque a mancarra, nesta altura, está virtualmente vendida a preços aliás bem superiores aos da paridade da Europa. Estes preços desconexos são devidos, ao que se diz também, à concorrência das casas francesas e da própria Gouveia.
Independentemente desta concorrência, que todos os anos existe, o Governo da Colónia é quem regula os preços da campanha, não consentindo que se paguem preços muito baixos.
Os intuitos da Gouveia ao apresentar a sua reclamação, devem, como de costume, ser inteiramente diferentes dos alegados, devendo figurar entre elas a sua velha ambição de ficar sozinha na colónia para, mais à vontade, desenvolver os seus planos que não podem deixar de envolver ataques aos interesses do BNU pelas transferências que obteria”.

É um interminável folhetim, a Casa Gouveia vai protestar junto do Ministro das Colónias, o gerente de Bissau está atento e contrapõe. Como iremos ver adiante.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 7 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18992: Notas de leitura (1098): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (50) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19002: Notas de leitura (1099): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19013: Facebook...ando (48): os poemas amargos do 'alfero' Cabral


O Jorge Cabral, professor de direito penal... "A querida Alma Paula Torgal, mandou-me esta foto, com a legenda 'Almoço no Mitelo' [, sede do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa]. Muito Obrigado"...

Foto (e legenda) da página do Facebook do Jorge Almeida Cabral [, reproduzida aqui, com a devida vénia...]


1. Tem andado muito calado, o "alfero" Cabral... Pelo menos, na Tabanca Grande... Fomos espreitar a sua página do Facebook...onde tem 4530 amigos (230 em comum)...  (Há muita solidão no Facebook, mesmo quando temos multidões de amigos virtuais, tão solitários como nós... Há o risco de morrermos de solidão na "world wide web"... É um palco demasiado grande para um homem só. Ou uma mulher só. )

Tomei boa nota do seu lamento, do passado dia 11:

 "Às vezes arrependo-me de ter passado tantos anos no Ensino. Mal pago, com aulas de manhã, à tarde e à noite... Mas com tantas manifestações de Amizade, Carinho e Gratidão, logo me arrependo de me ter arrependido. Sim, valeu a pena!"... 

E logo a seguir, deparo com alguns curtos poemas que ele tem vindo a publicar, e que terão sido escritos na Guiné, em 1969, 1970 e 1971, entre Fá Fandinga, Missirá e Bambadinca...  Entre eles "O Aniversário" (... que "é de quando fiz 25 anos")...
Apeteceu-me, de imediato, reproduzi-los aqui,  mesmo correndo o risco de ele ficar zangado comigo ( "é um problema meu, mas nunca me zanguei com o 'alfero' Cabral"). 

Modji Daaba

Modji Daaba, Modji Daaba no meu lençol.
Fecha o seu corpo
Como Flor,
Que teme o Sol.
Com pena e dó,
Não dá. Empresta.
E, desta noite,
Nada me resta.
Estou só.

9/9/2018


Sala de Operações

Néscio, burro, o Major aponta
Na Carta, a linha de água
(Que é um largo rio).  
Faço de conta
E, gozando, mascaro a minha mágoa.
Claro que sim, meu Major,
Golpe de pé, golpe de mão,
De Badora ao Cuor,
E penso (que cabrão!...)
O Major planeia a promoção.
Eu nada planeio. Adio a Vida
Até poder dizer que não,
Quando não for, a Esperança proibida.

8/9/2018



Aniversário

Vinte e cinco ou mil, conto pelos dedos,
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos
Que soletro e nunca sei
Que Guerra é esta , onde não estou. 

Que rio aquele? Não cheira a Tejo.
Que combate? Combato, mas não sou
E quando olho o espelho, não me vejo,
Aqui em Missirá, escravo e senhor,
Invento-me. E guarda-prisioneiro.
Bebo, fingindo em Alegria, a Dor.
Hoje faço anos... e continuo inteiro.

7/9/2018


Mina

Uma Mina em Sancorlá.
Segundos? Um minuto?
O Tempo desta Morte,
Meio corpo evaporado,
Só resiste o olhar.
Quem a terá pisado?
Fui eu que tive sorte
Ou ele que teve azar?
Depois chorar
E para sempre o Luto.


7/9/2018


Histórias de Amor e Desamor

Há amores que duram vidas, outros meses, outros anos...
Este durou 3 minutos..
Foi em Maio, no Rossio,
eu vi levitar uma rapariga de cabelo azul
e fiquei apaixonado.
Nunca mais a vi, mas fui à Esquadra,
participar o seu desaparecimento.
Durante anos frequentei a Esquadra,
à espera de notícias e nada..
Tornei-me amigo dos Polícias, principalmente do Panças...
Um dia disseram-me que o Panças estava no Hospital muito mal.
Fui visitá-lo, estava a morrer, já não falava.
Mas escreveu num papel:
"Eu também vi a rapariga de cabelo azul a levitar no Rossio"...

7/9/2018

[Seleção, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19012: Convívios (874): João e Vilma Crisóstomo convidam-nos para a sua festa de família, domingo, dia 16, às 15h00, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras... Porque a amizade não tem pátria nem exige passaporte!







Vilma e João Crisóstomo, ela, eslovena, enfermeira, reformada, ele nosso camarada da diáspora, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), luso-americano, mordomo reformado,  ativista de causas sociais e humanitárias.

O casal vive em Queens, Nova Iorque. O João nasceu em 22 de junho de 1944, em Paradas, Torres Vedras. Depois da Guiné, emigrou para  o Brasil e, em 1975, para os EUA. Tem um curso superior em gestão hoteleira, Em Nova Iorque fez parte d: a elite portuguesa dos mordomos que serviam a elite nova-iorquina. Principais causas humanitárias e sociais pelas quais ele se tem batido: defesa das gravuras de Foz Côa, autodeterminação de Timor Leste, e reabilitação da memória de Aristides Sousa Mendes...


João Crisóstomo (com a a esposa Vilma Kracun, 4º e 5º lugares,  respetivamente, a contar da esquerda, de pé), com a nova família eslovena...

Foto de cronologia do Facebook do João Crisóstomo. Foto de Vlasta Knapic, amiga do casal, sobre o qual escreveu (em esloveno): "Prelepa ljubezenska zgodba, ki je obšla svet, se srečno nadaljuje. Vilma Kracun in Joao Crisostomo iskrene čestitke"... Em português quer dizer mais menos isto: "Uma linda história de amor que deu a volta ao mundo, e  que continua, felizmente. Vilma Kracun e João Crisóstomo, os meus  sinceros parabéns"...


1. Recordo um dos convívios destas famílias Crispim e Crisóstomo, no mesmo local, em 15 de outubro de 2013... 

Além da família e amigos do João e a Vilma, "just married", recém-casados, estiveram presentes diversos camaradas nossos, gente da Tabanca de Porto Dinheiro (representada pelo régulo Eduardo Jorge Ferreira e  sua esposa, São, pelo Jaime Bonifácio Marques da Slva e a Dina, pelo Joaquim Pinto Carvalho e a Maria do Céu, e ainda pelo Luís Graça e a Alice Carneiro).

Esteve também presente um camarada de armas do João Crisóstomo, que veio do Norte (, Recarei. Paredes, distrito do Porto), com a esposa, expressamente para lhe dar um abraço de parabéns e conhecer a noiva... Há quase 50 anos que não se viam... Estamos a falar do Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67),  e nosso grã-tabanqueiro desde então. (Infelizmente, não passa bem de saúde, segundo informação do João Crisóstomo.)

Desta vez, em 2018, vão falhar o casal Pinto Carvalho, os "duques do Cadaval", O nosso Joaquim está hospitalizado, em Lisboa, mas felizmente em franca recuperação. A família e os amigos não ganharam, todavia,  para o susto. Daqui vai um grande alfabravo para ele e ela, os "duques do Cadaval", que este ano falharam alguns momentos importantes da vida social da Tabanca de Porto Dinheiro, como as festas da Atalaia e do Seixal... da Lourinhã.

2. Na ocasião, e em nome dos "amigos do Oeste", o nosso editor disse uns versinhos ao casal Crisóstomo, de que se recordam aqui algumas quadras (, bem ao gosto popular):

(,,,) 

É o João um senhor,
Que faz o culto da amizade,
E amanhã comendador
Da Ordem da Liberdade.

Mordomo de profissão,
Portugal nunca esquece,
No verde e rubro coração
Onde a Pátria não esmorece.

Fez a guerra, coisa má,
Lá nas terras da Guiné,
Finete e Missirá,
Porto Gole e Enxalé,

Animador libertário,
Foi de causas defensor,
Do Cônsul Humanitário [, Aristides Sousa Mendes, ]
A Foz Côa e a Timor.

P’ra um casal, lindo como este,
P’rá Vilma e p’ró João,
Dos amigos do Oeste
Vai um grande… xicoração! (...)

Estes convívios das famílias Crispim e Crisóstomo, alargadas aos "amigos e camaradas da Guiné", são organizados pelo João, desde há mais de duas décadas... As últimas foram em 2009,  2013, e  2015.  Cinco anos depois, iremos de novo participar, com o gosto,  neste saudável convívio. Lá estaremos no próximo domingo, na Associação para o Desenvolvimento de Paradas. E esperamos lá encontrar mais algumas caras novas da Tabanca Grande, e os demais amigos  e familiares do João e da Vilma.

Relembra-se aqui que, para os "amigos camaradas da Guiné" (e de Timor), não é preciso... nem convite nem "farda nº 1"...  O João e a Vilma ficarão muito felizes com a vossa/nossa presença!

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Nota do editor:

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19011: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte IV




1. Parte IV, e última, da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1970-1972) com as fotos enviadas em mensagem do dia 21 de Julho de 2018, que retratam alguns dos momentos mais significativos da sua passagem por terras da Guiné.





Foto 25

Foto 26

Foto 27

Foto 28

Foto 29

Foto 30

Foto 31

Foto 32

Foto 33

Foto 34

Fotos 25 a 34 - População local, especialmente balantas


Em Setembro de 1972 deixámos os destacamentos, rumo a Bissau – COMBIS, para aguardarmos o prometido voo da TAP, rumo a Lisboa, o que aconteceu, apenas, em 5 de Outubro de 1972.
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Nota do editor

Vd. postes de:

30 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18964: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte I

6 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18991: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte II
e
11 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19005: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte III

Guiné 61/74 - P19010: Dossiê LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste: um documento para a história, um livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque)... Parte IV: O papel da Organização das Nações Unidas... Homenagem a Kofi Annan (1938-2018)


(...) Na recepção oferecida por Kofi Annan ao presidente francês Jacques Chirac, ambos na foto posando com o pessoal de serviço. João Crisóstomo, à esquerda [de lacinho...], foi o “Maître D”. Eram ocasiões como esta que o presidente da LAMETA não perdia para o seu “lobby” (...) (p. 59)



Capa do livro
1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 18 de agosto último:

Subject: Koffi Annan

Caro Luís Graça,

Enviei-te um e mail  ainda não faz duas horas e afinal já aqui estou de novo: é que acabo de saber do falecimento de Kofi Annan. Como sabes, ele teve um papel importante no caso de Timor Leste e as comunidades portuguesas nos USA não foram alheias a tudo isso:   várias petições (com  muitas centenas de assinaturas  qualquer delas); manifestações em frente às Nações Unidas; contactos pessoais… um envolvimento que não passou despercebido à própria CNN que um dia mandou uma equipa a minha casa para falar comigo. E no dia seguinte  Timor Leste foi durante todo  o dia   um dos tópicos nos noticiários da CNN; o  que viria a ser repetido mais tarde no "Canal Diplomático" das Nações Unidas.

Não tenho pretensões que o livro LAMETA mereça ou  receba mais realce do que já  lhe deste no nosso blogue. Mas, caso achares pertinente o papel da LAMETA, relacionado com Kofi Annan, está mencionada nas páginas 59 a 64, e inclui:

(i) uma das cartas que lhe escrevi;

(ii) uma foto em que aparecem (a sua residência, onde agora está  o nosso António Guterres)   Kofi Annan,   o Presidente da França e o MNE, etc.,  num almoço que eu aproveitei para fazer o meu lobby por Timor Leste;

(iii) uma carta dele em resposta  uma das nossa petições,  etc.

"Just in case"…
Abraço.

João e Vilma 


2. Extratos do livro de João Crisóstomo, "LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste", edição de autor, Nova Iorque, 2017, 162 pp. (*)

Vamos continuar a reproduzir, com a devida autorização do autor, partes do livro,  neste caso, partes respeitantes ao cap. 4. Nações Unidas (pp. 59-64), em homenagem, à memória de Kofi Annan (1938-2018), o diplomata ganês, recentemente falecido, que  foi o 7º Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (1997-2006).

É um documento para a história, ou pelo menos, para "memória futura", este livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67).

Nos postes anteriores, ficámos a saber como tudo começou, com o autor (, conhecido como o "mordomo de Queen"), com António Rodrigues, "outro mordomo" (natural da Batalha, distrito de Leiria),  com Anne Treserer e outros ativistas luso-americanos, em 1996. 

O João Crisóstomo, nascido no concelho de Torres Vedras, é um luso-americano, radicado em Nova Iorque desde 1975. Tem formação superior em gestão hoteleira. Aprendeu a fazer "lobbying" social, com a sua ex-patroa, a senhora Jacqueline Kennedy Onassis, de quem foi mordomo.

 O João Crisóstomo conta, aqui neste capítulo, como um mordomo luso-americano pode "mexer os seus pauzinhos", em organizações poderosas como a ONU. Neste caso, "levar a carta a Garcia"... (LG)






 (...) O outro exemplo é prova de que, se é verdade que muitas vezes as nossas cartas não dão resultado algum e parece que estamos a perder tempo, outras vezes elas valem bem a pena e o esforço que fizemos não foi tempo perdido.

Este caso demonstra-o. Em meados de Maio de 1999 fui às Nações Unidas. Não me lembro a data certa nem a razão, mas lembro-me que foi um acontecimento em que Koffi Annan estava presente. Ao sair deparei com o Secretário-geral, num grande átrio não muito longe da entrada onde por vezes tomam lugar exposições e coisas assim. Estava no meio de um grupo de pessoas com quem falava animadamente. Pensei comigo: “Bom, já agora vou dizer-lhe olá; se conseguir, até lhe peço que não se esqueça de Timor, que bem precisa da sua ajuda”.

Não podia ser mal educado e não me atrevi a captar a sua atenção. De qualquer modo, esperei e, quando me apercebi que ele ia embora, surgi e perguntei-lhe se lhe podia enviar uma carta sobre Timor-Leste. Disse-me que sim, que a mandasse para o escritório, mas eu preferia enviar-lhe
para a residência e pedi autorização para o fazer. “All right” - concordou.






(...) Cerca de três semanas depois, recebi uma carta do Chefe do Departamento de Informação Pública que em nome do Secretário-geral dava conhecimento da minha carta e reafirmava a promessa de toda a sua dedicação e de usar todos os meios diplomáticos à sua disposição para encontrar uma solução para os problemas de Timor-Leste. (...)





(...) Fiquei satisfeito e não pensei mais nessa carta, que, na minha opinião, tinha valido a pena escrever pois tinha atingido os fins em vista. O Secretário-geral deve compreender, dizia eu para os meus botões, que a minha opinião é a de muitos outros, mesmo que estes não peguem numa carta para escrever. Era isso o importante, fazer sentir ao Secretário-geral o interesse e preocupação de muita gente. (...)

Um dia tocou o telefone e quando, do outro lado, ouvi referir o nome da CNN pensei que se tratava de mais uma brincadeira desse meu amigo [,  o jornalista Henrique Mano,] .a fazer-se passar por repórter da CNN. “Tem lá paciência, estou mesmo apertado e não dá para falar agora. Falamos mais tarde, pode ser?” disse-lhe no meio da pressa e desliguei o telefone.

No dia seguinte, o telefone volta a tocar. Do outro lado da linha estava uma voz de homem, que ouvi com desconfiança: “Daqui fala Richard Roth da CNN. Sei que ontem esteve muito
ocupado e não pôde falar com o meu colega. Pode-me dar uns minutos agora?”
Fiquei surpreendido e tive de confirmar a veracidade da chamada (...).   Mas era verdade. Tratava-se do correspondente da CNN nas Nações Unidas. Disse-me que estava a preparar um trabalho sobre o Secretário-geral e que tinha encontrado uma carta que eu tinha escrito meses atrás ao Secretário- gerale que gostava de falar comigo. Se eu estivesse de acordo disse-me que poderíamos falar nos
escritórios da CNN nas Nações Unidas ou, caso eu preferisse, para me sentir mais à vontade, que ele
 viria a minha casa com a sua equipa para falar comigo. (...)

A carta que despertou o interesse da CNN, no entanto, foi uma escrita à mão e endereçada a Koffi Annan… Marcamos um encontro em minha casa para dois ou três dias depois.
Procurei nos meus papéis… a ver onde tinha guardado essa carta, que encontrei; era a carta que eu havia enviado um ano antes ao Secretário-geral e já mencionada atrás. Eu, ainda hoje, apesar de computadores e tudo o mais, tenho a mania de guardar cópias de tudo em papel.
A parte em que apareço nesse trabalho da CNN é bem pequena, apesar de terem passado várias horas na minha casa a filmar e a falar. Mas a verdade é que realmente valeu a pena: o trabalho, saído na parte das notícias, foi repetido várias vezes nesse dia e viria a sair em datas posteriores. Mostrou-me em minha casa com painéis e fotos de Xanana e outros motivos relacionados com Timor-Leste por toda a parte e começa comigo a ler a carta que eu tinha enviado ao Secretário-geral da ONU. (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18810: Dossiê LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste: um documento para a história, um livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque)... Parte III: Novos aliados para Timor: O cardeal e diplomata do Vaticano, Dom Renato Martino

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19009: Memórias de Gabú (José Saúde) (70): As minhas memórias de Gabu: Memórias de um povo. Etnias na Guiné-Bissau. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Memórias de um povo 
Etnias na Guiné-Bissau 

Aguçando as inócuas “armas ligeiras” que intencionadamente direciono para a minha simplória cândida consciência onde a saudade nos envia para imaculadas recordações, viajo pela interioridade ética de uma Guiné e revejo instantes áureos que nos remetem para a proliferação de etnias ali existentes. 

A curiosidade, sendo ela vocacionada para uma eficaz aquisição de literais saberes em toda a sua amplitude, leva-me a ultrapassar barreiras, procurar fidedignas informações em ferramentas por ora facultadas pelas novas tecnologias e debitar algumas narrativas coincidentes com a razão de o ser de um povo pelo qual outrora mantive uma relação de proximidade. 

Claro que os tempos eram outros e substancialmente duros de roer. A guerra impunha respeito e medo. A população civil encaminhava-se porém para um inevitável contacto com a tropa branca. Humildemente interessava-lhes, como era fácil entender. Neste contexto, foi num mesclado cenário de horrores que se consumiram as muitas comissões militares que fizeram do solo guineense um território de pavor e de fatídicas memórias. 

Vamos ao tema que por ora aqui nos acompanha: 

Os guineenses, na sua esmagadora composição, são de raça negra e originários de cerca de 40 etnias. Um verdadeiro mosaico de povos e culturas ancestrais. Neste argumento de lembranças sobre um território que nos foi familiar aquando da nossa presença militar naquela terra de além-mar, ouso deixar descrito nesta panóplia de pequenos textos que amiúde aqui trago à estampa, o conteúdo factual de uma população multirracial e que soube conviver entre as duas frentes de guerra. 

Não me alongando no tema porque certamente haverá muito para dizer, revivamos, sim, os rigorosos agrupamentos étnicos existentes na Guiné-Bissau: 

1 - Paleossudaneses e outros povos 

Grupo litoral: Balantas (Balantas Manés, Cunantes e Nagas); Djolas (Baiotes e Felupes); Banhuns, Cassangas e Cobianas; Brames, Majancos e Papéis; Bijagós, Biafadas, Nalus, Bagas e Landumãs. 

Grupo Interior: Pajadincas (Bajarancas) e Fandas. 

2 - Neo-Sudaneses

Grupo Mandinga: Mandingas, Seraculés, Bambarãs, Jacancas, Sossos e Jaloncos. 

Grupo fula: Fulas forros (fulacundas), Fulas pretos, Futajoloncas (boencas, futa-fulas e futa-fulas pretos) e Torancas (futancas ou tocurores). 

Nesta amostragem exposta, observa-se que os grupos mais importantes são os Balantas (30% da população); Fulas (20%); Maníacas (14%); Mandingas (13%) e os Papéis (7%) (dados de 1996). 

No litoral predominam os Balantas que cultivam arroz e gado bovino. Os Bijagós, que habitam no arquipélago com o mesmo nome e formam uma sociedade matriarcal. O Interior é ocupado pelos Fulas que são nómadas, dedicam-se à criação de gado e à agricultura itinerante. 

Os cultos tradicionais são predominantes (45,2%), seguindo-se os islâmicos (39,9% e os cristãos (13,2%, sendo os católicos 11,6%, outros 3,8%, dupla filiação 2,2%). O número dos que se afirmam sem religião ou ateus é mínimo (1,6%) (dados retirados em sensos de 2000). 

Neste deambular de uma indeterminada caminhada que já vai longa, é perfeitamente aceitável que entrosemos no nosso blogue uma substância adquirida pelas muitas investigações feitas a um País que tento pesquisar em todas as suas fronteiras. 

Tanto mais que existem em mim reminiscências numa guerra onde fui, aliás, fomos apenas simples atores forçados. 

Com a “mala de cartão” arrumada, transportarei, um dia, na irreversível viagem sem regresso um oceano de fétidas imagens que tocam no coração do mais despretensioso camarada. 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

23 DE JULHO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18866: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné. Abutres. (José Saúde)