1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Janeiro de 2020:
Queridos amigos,
Impossível não ficar atónito quando uma revista dirigida por Adriano Moreira, do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, com data de 1959, publicar poesia de Agostinho Neto ou Viriato da Cruz, as conclusões do I Congresso dos Escritores e Artistas Negros e também uma extensa mensagem dirigida por Sékou Touré (seguramente escrita por mão alheia) onde se exaltam as culturas africanas e se procede a uma minuciosa análise do processo cultural do colonizador.
Um abraço do
Mário
Como se escrevia sobre a luta de libertação em pleno Estado Novo (1)
Mário Beja Santos
Já se referiu que a Revista Estudos Ultramarinos, que tinha como Director Adriano Moreira, ele também Director do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, não deixa de nos surpreender, à distância de cerca de seis décadas, e num tempo em que já pairava no ar o sinal de efervescência da luta anticolonial, a publicação de textos de figuras que se irão distinguir nessa luta ou apresentações ideológicas a que o regime frontalmente se opunha. Por exemplo, na amostra de poesia ultramarina constam nomes como os de Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro, Noémia de Sousa, Osvaldo Alcântara, Tomás Medeiros ou Viriato da Cruz.
E na secção de documentos, as surpresas não param. Logo, mesmo em francês, a resolução do I Congresso Internacional dos Escritores e Artistas Negros, que se realizou na Sorbonne (Paris), entre 19 e 22 de setembro de 1956. Regista-se a satisfação pelo inventário efetuado às diversas culturas negras que tinham sido até então sistematicamente mal conhecidas, subestimadas e por vezes destruídas; reconhecia-se a necessidade imperiosa de proceder a uma redescoberta da verdade histórica e a uma revalorização das culturas negras, pondo termo à apresentação errónea ou tendenciosa dessa verdade:
Nós, escritores e artistas negros, proclamamos a nossa fraternidade com todos os outros homens e esperamos deles que manifestem para com os nossos povos a mesma fraternidade”.
O texto seguinte parece-nos incrível como se permitiu a sua publicação. Trata-se da mensagem intitulada “A cultura africana na luta da libertação”, foi enviada por Sékou Touré ao II Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros que se reuniu em Roma de 26 de março a 2 de abril de 1959. Quem redigiu a mensagem foi seguramente um intelectual e ideólogo próximo do ditador, sente-se um certo pendor marxista.
Para combater a descolonização é importante ter em conta que não basta somente o descolonizado libertar-se da presença colonial. A colonização, para se afirmar, tem sempre necessidade de criar e manter um clima psicológico favorável à sua justificação. É uma ciência de despersonalização do povo colonizado, subtil nos seus métodos e destinada a falsificar o psiquismo natural do povo colonizado.
O complexo do colonizado ainda é um fantasma permanente que se manifesta pelo uso do capacete, dos óculos de sol, símbolos da civilização ocidental.
Na Guiné criámos a nossa própria escola de administração exactamente para contrariar este estado de inferioridade que marca os programas e a natureza do ensino colonial. As potências coloniais e a necessidade de homens que produzissem, que criassem, mão-de-obra qualificada: para cortar madeira, agricultores eficientes, trabalhadores para as poderosas companhias coloniais; e igualmente era também necessário travar as grandes endemias que ameacem as populações, que possam reduzir a mão-de-obra, e assim os poderes coloniais criaram corpos de médicos africanos com a determinação de fazer um corpo subalterno.
(continua)
Nota do editor:
Último poste da série de 2 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21603: Historiografia da presença portuguesa em África (241): Um olhar sobre a Guiné, estávamos em 1905, por Alfredo Loureiro da Fonseca, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (Mário Beja Santos)