segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22498: Notas de leitura (1375): “O Império com Pés de Barro, Colonização e Descolonização: as Ideologias em Portugal”, por José Freire Antunes; Publicações Dom Quixote, 1980 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O então jovem jornalista e repórter José Freire Antunes lançou-se na ensaística, dizendo que ia descontentar muita gente, com as suas apreciações. É um ensaio conciso repartido por alguns marcos históricos dos Descobrimentos, incidindo sobre aquilo que António Sérgio chamava a política do transporte, uma economia em que entregávamos no comércio externo produtos apetecíveis e escravos e recebíamos novas mercadorias para reencetar o mesmo tipo de comércio, em ondas cíclicas. Fala predominantemente da ocupação africana e das ideologias coloniais entre a Monarquia Liberal, o Republicanismo e o Estado Novo, deteta as afinidades e os contrastes. Em caso algum, o jovem jornalista contextualiza a ascensão dos movimentos anticoloniais no mundo bipolar da II Guerra Mundial. É um documento datado, por vezes pretensioso e descabelado. Mais um texto que fica no nosso inventário sobre colonização e guerra em África.

Um abraço do
Mário



O Império com Pés de Barro

Beja Santos

José Freire Antunes é um jovem jornalista, redator do Diário de Notícias, colaborador de revistas e autor de um livro à época em que deu à estampa “O Império com Pés de Barro, Colonização e Descolonização: as ideologias em Portugal”, Publicações Dom Quixote, 1980. Diz o autor no seu currículo que antes do 25 de Abril militou no Movimento Popular Anticolonial. O jornalista, investigador, historiador e político José Freire Antunes faleceu em 2015, com 61 anos.

Explica as razões para esta dissertação ensaística: “Sistematizar algumas linhas de força da questão colonial portuguesa. Evoca a relação de Portugal com as possessões da África e da Ásia, da epopeia henriquina ao fim do Império. Reporta-se às conceções e às práticas coloniais da I República. Debruça-se sobre o colonialismo do regime de Salazar e de Caetano e dos seus mais comedidos adversários. Comenta o percurso ideológico, em relação às colónias, das várias famílias da Oposição. Escandalizará nalgumas deduções. Mas não cedeu. Não cedeu, em primeiro lugar, à mística ultramontana laboriosamente destilada pela ditadura. Não cedeu, em segundo lugar, às fábulas piedosas que trazem num temor reverencial uma parte dos intelectuais portugueses. Não condena, procura explicar, e dispensa tutores ou filiações”.

E entra de facto de punho em riste na questão colonial: “Portugal entrou em África como união e saiu como um sendeiro. Foi o primeiro a chegar e só obrigado por último partiu. Pequeno reino de fronteiras ganhas no século XIII, transformou-se, em nome da cruz e na ponta da espada, no senhor dos mares quinhentistas. Desvendou a face obscura da terra, e abriu à Europa a via láctea da revolução industrial. Mas, esfumada a glória imperial de um século, restou para sempre pobre e submisso no seu recanto peninsular”. É um olhar duro e puro sobre viagens, comércio, páginas de glória, de morticínios, foi a hora portuguesa, como jamais houve outra: “Em meados do século XVI as velas do débil Estado sem desafio se enfunavam numa imensidão de portos e de rotas comerciais, da África Oriental à Indonésia, do Golfo Pérsico à Birmânia. Qual império fugaz sobre areia, assentava o domínio português num arco vasto de feitorias, bordado em torno do Indico, de Sofala a Macau, sem frotas de guerra que lhe pedissem meças. Lisboa tornava-se o cais do mundo e a mais próspera cidade”.

Um império com pés de barro, pois. A extensão era insuportável para os meios e as arremetidas dos concorrentes, cada vez mais poderosos. Ficaram umas parcelas avulsas, o Brasil parecia a terra prometida e o capitalismo monárquico português uma constante. Era uma economia de troca, permanentemente depauperante, trocava-se café africano por algodão americano ou inglês. E no século XIX os intelectuais questionavam: Vale a pena estar assim em África? “Muitos concluíam que não. Exibia Oliveira Martins dois caminhos em alternativa: ou Portugal fazia de Angola uma boa fazenda à holandesa ou com bom senso deveria entregá-lo a quem o pudesse fazer. Jazia o Portugal de Oitocentos longe da comunhão da Europa culta, perdera mesmo a memória do zénite quinhentista. Sumidos os tempos da grandeza na arca da História, a exploração do Ultramar tornou-se inerte. As terras desvendadas com bravura e sangue jaziam como cascos velhíssimos ao sol tropical”. E José Freire Antunes cita Fernando Pessoa:

“Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.”


Segue-se a ocupação africana, outros impérios andam gulosos por terra, conflituam entre si, a Alemanha e a Inglaterra chegam a negociar, no prelúdio da I Guerra Mundial, a partilha de Angola, fala-se do ouro do Brasil, do Ultimato, e de como este fez estremecer uma classe política e até fazer nascer uma nova administração colonial. O autor estabelece as afinidades entre o pensamento da Monarquia Constitucional Liberal e a ideologia republicana, todos irmanados num império com chão sagrado, com a figura exemplar de Norton de Matos que formou um escol administrativo civil, em substituição do militar, fomentou a colocação de europeus, incrementou transportes e comunicações e quis transformar os indígenas em proprietários e cultivadores por conta própria. Montava-se a mitologia da presença portuguesa em África, e o autor descreve o que aproximava Salazar a Cunha Leal. Noutro termo de comparação, José Freire Antunes observa a evolução do conceito republicano até Mário Soares e noutra dimensão, a evolução dos comunistas até chegarem ao aplauso à luta anticolonial, em ambos os casos o autor releva contradições nos percursos seguidos.

Caminhamos para o fim do império, Marcello Caetano parece tirado de uma peça de Shakespeare, embrulhado em indecisões, incapaz de comportamentos frontais, sem nenhuma chave para solucionar um conflito em que os sucessivos movimentos de libertação possuíam melhor tecnologia e com cada vez mais apoios. Acresce que a tomada de posição internacional incluía já sérios apoios cristãos, sabia-se que tinha havido um massacre em Wiryamu, foi escondido, depois, inevitavelmente mostrado como um dano colateral. A evolução da guerra fez tilintar as espadas por duas vias: as figuras carismáticas e a crescente inquietação dos quadros intermédios das Forças Armadas que sentiam no pelo a escalada da guerra. Freire Antunes, fruto do tempo, estamos em plena guerra civil angolana, detém-se longamente sobre a situação angolana, a investida cubana e soviética, a atuação do Partido Comunista Português e de outras forças e os retornados. E assim termina este ensaio de juventude:
“A URSS ganhou em África o que perdeu na Europa. Os EUA sabem hoje, melhor que ninguém, quanto a aposta pragmática do MPLA teria sido mais rendosa para o Ocidente. Depois da lição do Vietname, a lição de Angola. Carter, Palme, Giscard, querem navegar hoje no desequilíbrio soviético, e na sua aparente incapacidade de explorar intensivamente as riquezas sem fim do solo angolano. Porque uma coisa é exportar um lança-granadas, outra é extrair petróleo. Na parte que nos toca, só muito lentamente, com o pragmatismo de Soares, o esforço de Eanes, coroado no ‘espírito de Bissau’, e o desejo do Eliseu em tornar Belém uma ponte preferencial, se recupera o desastroso passo em falso.
Mas não se diga, como certos cínicos, que Angola foi o fim sem grandeza do Império. Que grandeza pode ter um Império que não prepara em paz a sua própria morte?”.

Aproveito para recordar que neste blogue tenho procurado inventariar não só tudo quanto se escreve sobre a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau como sobre a colonização e descolonização, é totalmente ininteligível o que se passou na Guiné, dos anos 1950 para os anos 1960, sem contextualizar toda a problemática do colonialismo e da ascensão das independências, o seu porquê e como.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22481: Notas de leitura (1374): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I (Luís Graça)

domingo, 29 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22497: A galeria dos meus heróis (43): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - III (e última) Parte (Luís Graça)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 2020 > O tractor da casa, devidamente equipado com arco de segurança, na posição ativa, uma estrutura de segurança que pode evitar mortes e feridos graces por capotamento do veículo, o que já é obrigatório, para os tratores homologados, desde 1994. O arco é utilizado em tratores de dimensões mais reduzidas, enquanto a cabine é utilizadas em tratores de maiores dimensões, oferecendo adicionalmente proteção contra condições climatéricas, poeira, etc. Portugal ainda tem, infelizmente,  uma elevada ttaxa de sinistralidade com tractores e outras máquinas agrícolas. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A galeria dos meus heróis > De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - III (e última) Parte  
(Luís Graça) (*)


6A. Não me assustei com o 25 de Abril.
Bem, não foi bem assim. 
Não estava a contar, devo dizê-lo. 
Também tinha algo a perder e, se calhar, algo mais a ganhar,
Claro, foi um desgosto para a minha mãezinha.
Para mais, o seu filho mais velho (esse é que era o "morgado",
e que também era professor),
apareceu-lhe um dia, em casa, 
de barbas, cabelo cabelo comprido e cravo ao peito...
E com uma "flausina", de calças, e sem sutiã...
A minha mãezinha ia morrendo. 


Verdade se diga: ninguém a chateou por ser do Movimento Nacional Feminino, que acabou logo, dali a uns dias, por decreto da Junta de Salvação Nacional, onde estava o Spínola com quem eu, aliás,  até simpatizava um bocado. Os outros não me diziam nada, com exceção do Costa Gomes, que foi meu comandante-chefe em Angola, e que também era nortenho como eu. Flaviense, se não erro.

 E, de resto, a minha mãe já não dava aulas, tinha funções meramente burocráticas, na área da administração escolar. Logo que teve condições, pediu a aposentação. Percebeu que o seu tempo (e quiçá o seu mundo) haviam acabado. 

Infelizmente ainda não tinha netos para cuidar. Mas dedicou-se ao seu jardim. Tinha uma cultura de camélias. E abriu a capela  da família, do séc. XVIII,  ao povo da freguesia. Sempre ornada de flores... Achei um gesto bonito. E, afinal, inteligente. A capela até então estava vedada ao povo da aldeia. O que era nal visto. 

Tinha muito orgulo, a minha mãe,  na capela onde repousavam os restos mortais de alguns dos seus, nossos, queridos antepassados. Claro que já nenhum padre lá ia  dizer missa. Os padres também aprenderam com a história passada, e, para o clero, sobretudo o mais jovem, passou a ser de bom tom ser democrata. Como o meu amigo de Mafra, mas esse já era democrata antes do 25 de Abril. 

A chatice maior que a família teve, no pós 25 de Abril,  foi com os rendeiros. Poucos mas ingratos e velhacos, como dizia o meu pai.  Recusaram-se a pagar a renda em géneros. Ainda se usava, e vinha desde há muito,  o sistema da parceria agrícola (pagamento a meias ou ao terço, conforme os produtos eram da terra ou do ar). 

O meu irmão deu um jeito, resolveu o conflito. Era o "comuna" da família, até dava jeito naquele tempo ter um "comuna" na família.  Depois veio a lei do arrendamento rural e tudo se normalizou. Uns anos depois as terras ficaram sem rendeiros.  E a minha mãezinha voltou a ter que comprar batatas e cebolas no mercado. Mal dela se tivesse que viver das rendas dos rendeiros. E em anos ruins perdoávamos-lhes as rendas.

O meu pai também deu a volta ao texto. Extintos os organismos corporativos, foi "reconvertido". Os grémios deram origem a cooperativas. E tudo ficou como dantes. Ou quase. Não perdeu os seus hábitos, muito menos a sua tertúlia dos copos e dos petiscos. " E nunca quis mais saber da política!", confidenciou-me um dia.

Eu próprio também acabei por apanhar o barco. Deixei crescer o cabelo e passei a usar uma boina basca.  Preta. Descobri o meu lado anarquista. E, confesso, soube-me bem respirar o ar da liberdade que eu, em boa verdade, não tinha quando nasci. Apesar de toda a gente ter um rótulo, eu recusei-me  a revelar as minhas opções político-ideológicos. 

O Ravasco, muito mais à esquerda do que eu, quis meter-me no sindicalismo, mas eu disse-lhe que "não senhor, muito obrigado, há coisas para as quais não tenho jeito nem feitio nem vocação". Fiz a tropa, já chegara esse tempo em que andara arregimentado.

A princípio ele era o terror do "adjunto" e do "grupo das meninas", lá  na repartição  de finanças de Mafra Dois.  Tenho que o reconhecer, foi um gajo decente,  não houve saneamentos nem correu sangue, que era uma coisa que eu detestaria, no caso de ter acontecido... A minha consideração por ele subiu mais uns pontos. Mas secretamente deu-me gozo ver aqueles sacanas baixar a bolinha. De um dia para o outro, a sorte mudara. Não vale a pena um gajo cantar de galo e montar as galinhas,  esquecendo-se que quem faz pintos também faz galuchos e garnizés. Mas não tive tratamemto recíproco.

Ainda fui, com ele, no meu carro, a Peniche, ver a saída dos presos políticos. Não tinha lá ninguém meu conhecido. Mas também não concordava com as prisões políticas nem com a  censura à imprensa nem com a PIDE/DGS ... Nunca discutimos política lá em casa, mesmo que os meus pais fossem simpatisantes do Estado Novo. 

Levei também no meu Mini o Ravasco ao 1º de Maio, em Lisboa... Vi ao longe o Mário Soares e o Álvaro Cunhal.  Fiquei com respeito por eles. Pelo menos, foram homens que lutaram pela liberdade dos outros, dando o corpo ao manifesto.  Mas nunca tinha visto tanta gente junta, gritando palavras de ordem, de punho erguido.  Sempre tive a fobia das multidões. E daí nunca ter ido a desafios de futebol ou a touradas e, muito menos, a comícios.

Percebi cedo que "aquela não era a minha praia", preferia a Ericeira e a Foz do Lisandro... Foi mais para fazer companhia ao Ravasco, um gajo de quem a pouco a pouco comecei, sem saber bem porquê,  a gostar como amigo, ou até talvez como o irmão que me fazia falta, a algumas centenas de quilómetros de casa... 

Foi ele que me começou a tratar por tu. A princípio, custou-me, repugnava-me até, mas lá me fui habituando,  a pouco e pouco. Chamava-me agora "pequeno-burguês", com hífen, qualificativo que em nunca soube o que era. Interpelava-o: "É por gostar das coisas boas da vida ? De gajas ? Ou ter um velho Mini com jantes especiais?"... Nunca mo esclareceu... Sempre o achei, nesse aspeto,  um bocado moralista...

Em Braga irei conhecer o verão quente de 1975. Mas desse tempo não gostaria de   falar. Fiquei desgostoso com posições radicais que alguns amigos e conhecidos meus, de um lado e do outro, tomaram, na altura do PREC.  A começar por católicos que se sentavam na missa, ao meu lado. Aí, sim, temi que a coisa degenerasse em guerra civil. 

A minha mãe, que sabia muito da História de Portugal,  falava-me dos horrores que haviam sido as guerras liberais, fratricidas. Na minha família parece que houve tanto "malhados" ou "jacobinos", partidários do Dom Pedro, como "corcundas", seguidores do Dom Miguel, estes em maior número. Ou não estivéssemos no Minho. Daí eu não me admirar de o meu irmão ser "comuna do 26 de Abril". Houve muitos vira-casacas. Acontece em todas revoluções.

Mais tarde voltei a Ponte de Lima onde o meu mui amado tio-avô, solteiro,  e que não tinha herdeiros diretos, me deixou em doação uma quinta. Uma pequena quinta, maneirinha, boa de se fazer. Eu era o seu sobrinho-neto querido. Por causa da política, cortara relações com o meu mano, professor primário, esse, sim, o "senhor morgado", que ficou com as fracas terras da família e estoirou-as em pouco tempo...

Conciliei a vida das finanças . Fiz uma formação em vitivinicultura. Descobri os encantos da vida no campo.  E, para surpresa do Ravasco, não me casei nem fiz filhos (que eu saiba!), nem sequer escrevi um livro, mas plantei árvores e vinhas. E disso posso orgulhar-me.


7. Uns tempos antes, ainda em Mafra Dois,
o Bacelar havia-me apresentado ao padre, seu amigo, 
de que espantosamente já não recordo o nome. 
Simpatizei, de imediato, com ele. 
E depressa encontrei nele um homem 
capaz de ouvir (e sobretudo de saber ouvir) 
o relato dos meus “fantasmas” da guerra de África. 



No fundo, ele acabou por ser o “confessor”, mais do que o simples confidente ou ouvinte passivo, de que eu estava a precisar, ali, desterrado e amargurado. Na realidade, e até então, nunca falara da guerra a ninguém, não tinha sequer amigos íntimos com quem pudesse partilhar as minhas confusas e doridas memórias, da infância, do seminário, da guerra... A não ser, afinal, com o Bacelar...

Ao fim da tarde, antes do jantar, a meio da semana, tínhamos por hábito juntarmo-nos, eu, o Bacelar e o padre, no restaurante e café defronte ao convento. Tomávamos a bica, dávamos dois dedos de conversa, comentávamos as notícias dos jornais. Era uma espécie de tertúlia. Às vezes juntava-se à nossa mesa um ou outro jovem estudante, nosso conhecido, e/ou das relações do padre. 

Talvez já em março de 1974, não sei se antes ou depois do 16 de março, a revolta das Caldas, que nos alvoraçou a todos (, incluindo o Bacelar que lá estivera uns anos antes como 1º cabo miliciano), a conversa foi parar, sem eu dar conta, à Guiné e à guerra. Sei que me perdi e me abstraí do que se passava à minha volta. Não me apercebi sequer de quem estava na mesa do lado. 

O padre gostava de me ouvir e raramente me interrompia com um pedido para esclarecer este ou aquele ponto, e muito menos para manifestar a sua concordância ou discordância. Revelava, isso, sim, uma grande empatia, o que veio reforçar a confiança que ele me inspirava, logo desde o início. Em suma, sabia ouvir, o que era, quanto a mim, uma qualidade essencial num confessor. Os que eu tivera, até perder a fé, eram mais inquisidores do que confessores….

Fiquei também com a ideia de que ele estava minimamente familiarizado com o meio castrense. Não me admirava, estávamos numa terra habituada a lidar com a tropa. Talvez até ele tivesse sido capelão militar, antes de vir para aqui, conjeturei eu. Ou talvez ainda quisesse vir a sê-lo, a guerra do ultramar estava para dar e durar, pensava muito boa gente.  Estava, de resto, em idade para isso, para ser capelão. Teria cinco anos a mais do que eu, já a roçar os 30. Nunca lhe perguntei, por delicadeza. Virei depois a saber que alguns dos seus paroquianos eram militares da EPI ou seus familiares.

Se bem recordo hoje, a quase meio século de distância, o teor da conversa (na realidade, um longo monólogo) girava à volta dos prisioneiros na Guiné. Ali não havia prisioneiros de guerra, garantia eu, ou se os havia não eram tratados como tal. Portugal não estava, técnica e legalmente, em guerra com nenhum país soberano, pelo que não podia haver prisioneiros de guerra. Mas eu nunca lido a Convenção de Genebra. Os guerrilheiros do PAIGC quando aprisionados, no decurso da nossa actividade operacional, eram tratados como simples presos de delito comum. Ou seja, eram "turras". 

Sob tortura, davam-nos informações relevantes sobre o dispositivo militar do PAIGC no setor ou região, bases ou “barracas” (acampamentos temporários), população, nome dos comandantes e dos comissários políticos, bigrupos, armamento, trilhos, depósitos de armamento, etc. E, claro, eram forçados a servir de guias para nos levarem até ao “objetivo”. 

Sempre fora assim, ainda antes do meu tempo,  e eu, como todos os outros graduados, quer do quadro, quer milicianos,  fechávamos os olhos ou assobiávamos para o lado. “Siga a marinha!", dizíamos nós. Mas alguém tinha que fazer o trabalho sujo. Afinal, à guerra não era para meninos de coro.

Estava a contar-lhes, ao padre e ao Bacelar (a minha atenta audiência),  as peripécias de uma operação em que eu comandava a minha companhia, já com o meu capitão de baixa no hospital militar de Bissau. Havia outras forças envolvidas, e nomeadamente um pelotão de caçadores nativos e um pelotão de milícias que faziam parte do meu destacamento. A milícia seguia à frente a abrir caminho e  com o prisioneiro a servir de guia. Éramos dois destacamentos, A e B, a avançar, numa manobra de envolvimento, “em tenaz”, para o “objetivo”, uma “barraca”, um acampamento onde estaria um bigrupo, ou menos (talvez cerca de 40 homens), situado a montante de um rio e na orla de uma mata espessa, de tipo floresta-galeria, ao longo da margem de um rio.



Guiné > Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC


Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 .


Creio que o prisioneiro era balanta, não falando uma única palavra de português. Era jovem e bem constituído. O alferes de 2ª linha, que comandava o pelotão de milícias, mantinha com ele um difícil diálogo em crioulo. Eu seguia no seu encalce, dez metros atrás, com o meu guarda-costas, e o homem da bazuca. Percebi que o prisioneiro há mais de uma hora fazia tudo para nos despistar ou denunciar a nossa presença, à medida que nos aproximávamos. 

Às tantas, fomos detetados por uma sentinela avançada, no alto de um bissilão,  que deu o sinal de alarme… O meu guarda-costas abateu-o, com um tiro certeiro, mas acabámos por ser flagelados por fogo de armas pesadas, nomeadamente de morteiro 81. De imediato, somos vítimas de um brutal ataque de abelhas. Na confusão, o prisioneiro ensaiou uma tentativa de fuga, mesmo algemado e preso a uma corda. O  milícia, que o conduzia foi suficientemente lesto para o impedir de se internar na mata, acabando por o alvejar no último segundo, já no fim de um dos  trilhos que levavam à “barraca”, e que ele bem conhecia, de certeza.

Pelo PCV (Posto de Comando Volante), a avioneta onde estava o major de operações, recebemos ordens para abortar o assalto, uma vez gorado o efeito surpresa e o aparente desnorte das nossas tropas, dispersas pelo ataque de abelhas e a “morteirada” do inimigo. 

Reagrupámo-nos na orla de uma bolanha, com o ferido a sangrar, enquanto os T-6 entraram em ação despejando bombas sobre o “objetivo”. E regressámos sob proteção do helicanhão, a quem eu chamava o meu anjo da guarda. Tenho uma dívida de gratidão para com esses rapazes da Força Aérea, em geral todos mais novos que nós, a "tropa-macaca".

Foi nessa altura que o comandante da milícia, espumando de raiva, salta sobre as costas do prisioneiro, como um verdadeiro felino, e rasga-lhe a coluna vertebral de alto a baixo, com a sua faca de mato bem afiada. O prisioneiro caiu redondo no chão mas não teve morte fulminante. Ainda vi alguém, da milícia,  dar-lhe um tiro de misericórdia na testa e cortar-lhe as orelhas, prática que, de resto, não era invulgar em circunstâncias com estas… Dizia-se que era um ritual guerreiro dos fulas, mas o Spínola deixou de achar graça, quando lhe meteram na cabeça que a guerra também se ganhava pelo charme, a "psico"...


Confesso que fiquei sem pinga de sangue, nunca tinha presenciado uma cena de guerra destas, nem nos filmes do faroeste onde era pressuposto os índios e os os cobóis tirarem o escalpe aos mortos. E não tive sequer tempo nem reflexos para impedir uma barbaridade daquelas. 

O mais grave é que, por cobardia ou para não arranjar chatices, omiti esta cena no relatório que ajudei a fazer com o comandante do outro destacamento. Oficialmente, o prisioneiro-guia fora morto quando intentava fugir… E o alferes de 2ª linha  era um grande operacional, muito bem visto (e protegido) pelo comando do batalhão do setor. Falava-se já na sua próxima gradução em tenente, indo ao encontro da política de Spínola de "africanizar" cada vez mais a guerra.

Estava eu a acabar o relato deste triste episódio da minha e nossa guerra, quando da mesa ao lado salta um jovem que se dirige ao padre e diz com veemência:

- É tudo mentira, padre!... Uma infâmia, uma calúnia!... Isso nunca poderia ter acontecido na nossa querida Guiné e muito menos por homens que envergam e honram a nossa farda. O senhor meu pai, coronel do estado-maior, está lá, neste momento, rezo por ele todos os dias à noite e  sei que ele nunca pactuaria com práticas indignas de um exército que defende a nossa pátria e os valores da nossa civilização cristã e ocidental!...

O padre, reconhecendo de imediato o jovem e temendo pela minha integridade física, arrastou-o com força para um canto da sala e fez tudo para o acalmar… Não contei os minutos, eu próprio estava perplexo e chocado com toda aquela violência verbal gratuita… 

Passaram-se talvez uns bons vinte minutos,  foi longa (e áspera) a conversa do padre com o jovem… De copo de água na mão, o jovem parecia, no entanto,  estar a acatar a autoridade do padre, que o tentava acalmar… Por fim, lá saiu da sala, em passo estugado, não sem antes me voltar a fulminar com o olhar. Por certo que fiquei marcado, pensei eu com os botões. Fiquei com a ideia de que, a partir daquele momento, tinha ganho mais um inimigo naquela maldita terra.

O padre regressou à nossa mesa, limpando o suor da testa, aliviando a pressão do cabeção no pescoço, ao mesmo tempo que pedia desculpa e tentava ensaiar uma explicação para aquele assomo de violência do jovem:


- É um paroquiano meu, excelente rapaz mas muito impulsivo. Conheço-o há uns anos, desde a adolescência. É filho de uma ilustre família de militares, naturais aqui de Mafra. Mas podemos considerá-lo “órfão de pai”, cresceu com o pai em África. Tem uma enorme admiração pela figura paterna e prepara-se para ingressar na Academia Militar no próximo ano letivo.

O Bacelar saiu comigo, mudo e calado. Nunca mais falámos do  assunto. Nem com o padre.


Epílogo


8. Infelizmente, o  Bacelar já não está cá, entre nós, para podermos continuar a manter esta espécie de monólogo a dois... Como o tempo passou, meu Deus!

O Bacelar morreu num estúpido acidente de trator agrícola, há uns anos atrás. Numa vinha, nova, que ele plantara e amanhara com uma paixão e um carinho que me comoveram, até às lágrimas, quando lá fui participar na primeira vindima, talvez por volta de 1997, se não erro, altura em que ele fez 50 anos. Tinha uma bela vinha com castas loureiro e alvarinho. "Era a menina bonita dos seus olhos"... Não tinha filhos, ficara solteiro...

“Contra todas as probabilidades”, como dizia ele, ficámos amigos para o resto da vida. E, no entanto, só convivemos, em Mafra Dois, menos de dois anos, separando-nos já no final do verão de 1974. Conseguimos a tão almejada transferência, eu para a Repartição Central do Imposto Complementar, em Lisboa, na Rua Braamcamp, e ele, para mais perto de casa, na cidade dos arcebispos e, mais tarde, para a sua terra.

Acabei por tirar o curso de direito, graças ao meu estatuto de trabalhador-estudante e beneficiando igualmente das regalias de antigo combatente. Cinco ou seis anos depois, no início dos anos 80, concorri a um lugar de técnico superior de 2ª classe no Ministério do Trabalho. Fui para uma área de que gostava, e tinha a ver com as condições de trabalho, incluindo a higiene e segurança e matérias afins. Ajudei a elaborar diversos materiais de divulgação e sensibilização, fichas técnicas, brochuras, cartazes, etc. Interessei-me, em especial, por sectores de elevada sinistralidade como as minas e pedreiras, a construção e obras pública, a agricultura e pescas.

Era um trabalho de algum modo pioneiro em Portugal, acabei mais tarde por ir parar, com as sucessivas reestruturações do Ministério, sito na Praça de Londres, a um instituto que antecedeu a atual ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho.

Do sindicalismo das contribuições e impostos, já não tenho saudades. Aquilo descambou para o sindicalismo corporativo, que é o que temos hoje, ainda com alguma força reivindicativa, dos professores aos magistrados, dos estivadores aos condutores de longo curso, maquinistas de comboios, pilotos da TAP, e quejandos...São essas corporações que podem parar um país... Podem usar a bomba atómica, é certo, que é a greve e  a paralização de sectores-chave da economia, mas também têm que saber muito bem calcular e prevenir os seus efeitos de "boomerang"...

Com o tempo de tropa, e os 36 anos de função pública,  reformei-me. E hoje dedico-me aos cães e aos netos. Tenho um pequeno monte, não longe da terra onde fui parido, na freguesia de São João dos Caldeireiros, lá no cu de Judas, no "Alentejo profundo", com dizem os gajos politicamete corretos, e que eu não sei o que quer dizer... Deve ser a forma eufemística ou cínica de chamar-lhe a periferia das periferias, onde só há coutadas,  de meia dúzia de granjolas, e onde já chegou o pré-Saara, o deserto...

 Tenho pena de nunca ter feito o estágio de advocacia, de modo a poder exercer a profissão a tempo inteiro. Entrei para a função pública, tramei-me, não quis trocar o certo pelo incerto, eu que chamava "pequeno-burguês" ao bom do Bacelar.  Mas, pelo que vejo hoje, a profissão de advogado já não é o que era. E o idealismo de outrora desvaneceu-se. Como tudo, de quando eu era jovem e ainda sonhava com um mundo totalmente diferente daquele em que nascera, filho de mineiros e neto de ganhões. Só espero que não me dê o badagaio, um dia destes. Queria morrer lúcido, em paz comigo e, se possível, com os outros, o que se calhar é pedir demais. Vou ter que negociar com o meu gestor de conta do além.

Não, não casei com a rapariga de Beja, que estava à minha espera. Fartou-se e fez ela muito bem. Um dia encontrou na rua o primeiro namorado, do tempo de escola, e lá juntaram os trapinhos. Nada como a primeira paixão,  sempre ouvi dizer.  Só espero que ela tenha sido mais feliz do que eu fui.

Já do Bacelar não sei tantos pormenores do resto da  sua história de vida. Andou atrelado a uma francesa, no verão de 1974. Chegou a levá-la à sua terra, para escândalo dos pais. Aliás, andámos atrelados. Ela tinha uma amiga ou irmã,já não não me lembro bem. Despacharam os “copains”, que foram atrás das portuguesinhas de Lisboa. Vieram, num “dois cavalos”, ver a “révolution des oeillets”,a revolução dos cravos, ao vivo e a cores. Portugal passou a ser, nesse tempo,  uma espécie de jardim zoológico da Europa. Chegaram cá fotógrafos famosos, tiraram umas chapas e depois esqueceram-nos por mais umas boas dezenas de anos.

O Bacelar acabou por dar um salto até aos Alpes Franceses, já em setembro de 1974, na “rentrée”. As raparigas eram da região de Grenoble. Foi uma espécie de “summer school”, completa, mas sem direito a certificado em papel timbrado, com o “Capital” do Karl Marx, o “Kama Sutra”, os maços de cigarros “Gitanes”, e a garrafa de vinho do Porto Ferreirinha, enrolados nos lençóis encardidos. 

As tipas, finalistas de liceu, eram muito mais politizadas e "sabidas"  do que nós. O Bacelar era obrigado a recitar o “livrinho vermelho”, a bíblia do maoísmo, antes de ir para a cama com a sua “copine”. A que me calhou na rifa era mais dada à poesia e à música de contestação, o Brel, Moustaki, o Leo Ferré… Nada de Dassin ou Bécaud, que eram pirosos, mas os únicos que o Bacelar e eu conhecíamos… Enfim, melhorei substancialmente o meu francês de praia nesse tardio verão de 1974. Mas não acompanhei o Bacelar nas aventuras em França, país de resto que eu já conhecia, do trabalho duro, de sol a sol nas vinhas de Bordéus… Trabalho de escravo branco, diga-se de passagem.

O argumento, era o do costume, e fez-me recuar até à Guiné: “Bacelar, alguém tem de ter a cabeça fresca e  ir trabalhar”… Na realidade, eu sentia-me mal por andarmos com miúdas muito mais novas do que nós. Caí na realidade. Aquilo não tinha nada a ver comigo. E lá foram os três no Mini!... Não sei como o Bacelar conseguiu a proeza, de ir e vir… num Mini já com muitos milhares de quilómetros num contador…

O “açoriano”, o chefe, levantou-lhe um processo disciplinar por faltas injustificadas. Nesse tempo ainda havia livro de ponto. Intercedi pelo meu “amigo improvável”, usando (e talvez abusando de) as minhas funções, 
na altura, de delegado sindical, "eleito democraticamente", em lista única, de braço no ar (, e com quatro ou cinco votos contra, como seria de esperar). E sobretudo fartei-me de esgalhar para compensar o trabalho em falta do Bacelar. 

O tio-avô dele, já reformadíssimo, arranjou-lhe um atestado médico. E, com a “boa vontade de todos”, o caso foi abafado e a “ficha” do Bacelar voltou a ficar limpinha… Éramos um país de gente porreira… Pergunto-me hoje por que razão é que o fiz, por um tipo que afinal tinha poucas afinidades político-ideológicas comigo… Fi-lo simplesmente por amizade, que veio na sequência da nossa comum situação de “companheiros de infortúnio”, na Mafra Dois, como eu lhe chamava… Afinal, a política, a religião, a ideologia... não eram tudo na vida, foi a conclusão a que eu cheguei, da minha passagem por Mafra Dois.

Nesse final de verão de 1974, em que já nos tratávamos por tu,  descobri de repente que tinha ganho um amigo, na realidade o primeiro amigo do peito que ganhava em vida… Despedimo-nos, ainda em Mafra Dois, com um valente  "quebra-costelas"  e uma lágrima no olho... Prometemos visitar-nos uma ao outro,  em próxima oportunidade. O que só viria a acontecer em 1977, três anos depois, por ocasião do meu (e dele) 30º aniversário natalício. Ele veio até Lisboa, dessa vez.

Entretanto, em 1974, depois do 25 de Abril, o  "grupinho do adjunto e das meninas" andava de crista murcha, mas não escondia a sua hostilidade crescente para com o “sindicalista”, que era eu. O Bacelar apanhava por tabela, apenas por ser meu amigo...  

Disseram-me depois que, a partir do verão de 1975, voltaram a sentir-se de novo em casa. A paz voltou a reinar no convento, se bem que as alegres noitadas de sexta feira já não se voltaram a repetir, tal como as "ceias de Natal do fisco"… Com o início da informatização das contribuições e impostos e da modernização administrativa, incluindo uma nova gestão de recursos  humanos, começou a imperar uma certa moralidade e transparência...

Entretanto o “açoriano” fora promovido e regressara à sua ilha natal.   O jovem candidato  à Academia Militar  não sei se chegou a entrar. E do nosso amigo padre também não soube mais nada do seu paradeiro. E a história deste país, já quase com 900 anos,  lá seguiu o seu curso. 

Em Mafra Dois, não deixei amigos, infelizmente, mas quero aqui reconhecer que era terra de boa gente, e sobretudo trabalhadora. Embora eu nunca me tenha reconciliado com a "Máfrica", mas isso é outra história.

O mais triste desta história é a perda, afinal, de um grande amigo, morto estupidamente debaixo de um tractor que ele comprara, em segunda mão  e, por ironia, não obedecia às normas nacionais e europeias de segurança, faltando-lhe por exemplo as estruturas de segurança (nomeadamemte, o arco de segurança, rebatível)...

E eu que, sempre que lá ia, a chamar-lhe a atenção: "Oh!, Bacelar, olha que um dia destes ainda cais de um socalco e ficas debaixo do trator!"... Meu dito, meu feito!... Tal como ao do meu pai, não fui ao seu funeral... Só soube da triste notícia uns tempos depois, pelo irmão. 

© Luís Graça (2021)


Nota do autor: Neste conto, os nomes são fictícios, mas os factos são verdadeiros. Acontece que este país é demasiado pequeno.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

27 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22489: A galeria dos meus heróis (41): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - Parte I (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22496: Blogpoesia (746): "Larachas..."; "Dar a volta ao texto" e "As virtudes do silêncio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Larachas...

Há gente que passa a vida na laracha.
Carência de afirmação.
Precisam de ver a reacção para satisfação própria.
Carecem dela.
Se sentem secos, inferiores, se o não conseguem.
São os habituês dos cafés que entram a vozear banalidades incomodando toda a gente
E os que se cruzam no caminho.
O mundo está cheio deles.


Bar Castelão, 24 de Agosto de 2021
1036m
Jlmg


********************

Dar a volta ao texto

Por vezes é preciso dar a volta ao texto para encontrar o que ele esconde.
As palavras não são unívocas.
Seu sentido depende sempre do contexto.
O que parece um insulto pode ser um elogio.
Tão frequentes são os equívocos.
Ninguém acorda sempre com o mesmo humor.
Há noites de pesadelo. De esquecer.
Há outras que custam a acordar...


Bar Castelão em Mafra, 26 de Agosto de 2021
11h4m
Jlmg


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As virtudes do silêncio

Brotam do chão as virtudes do silêncio.
Reverdecem do húmus da terra virgem.
Florescem coloridas nas flores das borboletas.
Exalam cheiros que enchem o peito de sonhos.
Ficam secas na secura do deserto da consciência.
Mirram mortas quando a esperança morre.
Só o sol da vida as faz renascer.


Bar Castelão em Mafra, 27 de Agosto de 2021
1015m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22381: Blogpoesia (745): "Vagueio em liberdade"; "As três condições" e "Meu rumo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22495: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (30): Bacalhau com couves no forno, à moda da minha avó Maria, que era do Minho (Valdemar Queiroz)

Foto: Cortesia da página do Facebook da Academia do Bacalhau de L.I.


1. Já o verão vai a caminho do outono e, depois, do inverno... Aliás, há um aforismo (da metereologia popular) que diz, "Primeiro de Agosto, primeiro de Inverno",,,

Tenho pena de quem não fez praia, por mil e uma razões, se calhar a primeira das quais é a constatação de que o tempo também já não é o que era... Ora o céu está nublado,  ora a nortada corta a respiração, ora o banheiro não mandou ligar o aquecimento central,  ora as marés roubaram a areia à praia, ora a senhora Covid-19 é que passou a ditar a moda...

Confesso que este ano não fiz praia. Já não o fiz, o ano passado. "Fazer praia",  para mim significava, desde há uns anos largos, fazer umas boas caminhadas, ao longo do areal, na maré vazia, de preferência de manhã, em praias com rocha e muito iodo... Por outras palavras, apanhar logo uma bebedeira matinal de azul, sol, sal e iodo...no "meu querido mês de agosto"... Que não o é mais...

Por agora, limito-me a ficar na esplanada,à beira-margem,  a apanhar sol,  a ler ou a escrever , a blogar,  a ver o mundo s passar a passar e, de tempos a tempos, comer um choquinho frito, à hora do pôr do sol. Há prazeres na vida cujas memórias emocionais a gente vai  levar para a outra vida... Se nos deixarem, claro, passá-las, lá na alfândega que há entre a terra e o céu... Duvido, no entanto,  que deixem passar o nosso contrabando...

Para já não sei quando (nem muito menos se...) posso voltar às minhas caminhadas da Praia da Areia Branca até ao Paimogo, passando pelo Vale de Frades e o Caniçal... E  a "cartografar" as rochas, com  a máquina fotográfica em punho ou a tiracolo... Lamentavelmente, já nem fotografia faço... 

Enfim, espero que o meu ortopedista, esse, sim,  faça um milagre lá para outubro ou novembro... É bom, amigos e camaradas,  acreditar em milagres, mesmo quando se  é um homem de pouca fé...

2. Mas já que falamos do verão fugidio e incerto de 2021, do verão do nosso descontentamento, é de perguntar: e as nossas comidinhas, amigos e camaradas ? 

Desde a primavera que não publicamos um poste da série " No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"... O último foi o nº 29, com data de 22 de abril de 2021 (*).

A "chef" Alice, cá pelos meus lados, no meu "restaurante favorito", continua a fazer coisas boas, e às vezes muito boas: por exemplo, um arrozinho de lingueirão, há dias,  ou um xarém de ameijoas (, que aqui não há conquilhas), prometido para a próxima semana, a par de um espadarte grelhadinho... Coisas que não tenho publicado para que não me acusem de "favorecimento pessoal" e de "concorrência desleal"... E falo dela, da "chef" Alice, porque eu nem para ajudante  sirvo: sei abrir umas ostras, cortar ao meio um lavagante ou preparar uma sapateira... Ah!, sei abrir também latas; de atum, de feijão, de grão de bico...

Mas, como os nossos vossos vagomestres andam pouco criativos ou falhos de iniciativa, vou ter que arrancar com o material que há... E este é do bom, é do nosso Valdemar Queiroz que, pese embora a sua costela minhota, ainda está de longe nos poder e querer  revelar todos os seus secretos dotes culinários...


3. Escreveu o Valdemar Queiroz, em comentário ao poste P22494 (**);


João Crisóstomo, peço desculpa de, num poste atrasado, ter chamado "Encontros do Bacalhau" à ilustre e internacionalmente famosa "Academia do Bacalhau".

Não há dúvida, o bacalhau faz parte do ADN dos portugueses.

Teria sido o meu conterrâneo navegador-armador João Álvares Fagundes (c.1460-1522), a quem se deve o reconhecimento de parte das costas do nordeste americano, quem começou a comercializar o bacalhau que, depois de salgado e seco, servia de alimento nas grandes viagens dos Descobrimentos e nos períodos de abstinência / jejum de comer carne.

Depois, foi o nunca mais parar, confecionado de 1001 maneiras, e que toda a gente gosta.

Nas minhas várias idas aos Países Baixos, à casa do meu filho, habituei os brabantinos da família (Brabante, Província Neerlandesa fronteira com a Bélgica) a comer bacalhau, que eles chamam "kabeljauw" (lê-se: "cabaliau"), na ceia de Natal e agora atiram-se ao bacalhau para assar na brasa de que também gostam.

Só para dar apetite, vai uma receita que a minha avó Maria (***) fazia, às vezes, em dias de fornada de pão:

Ingredientes:

Bacalhau demolhado
Folhas de couve
Linha grossa
Batatas
Cebola
Azeite
Broa de milho

Modo de fazer:

(i) depois do bacalhau demolhado, passar folhas de couve por água fria; 

(ii) descascar e cozer as batatas;

(iii)  a postas de bacalhau são envolvidas na couve e seguradas com linha grossa para ir ao forno;

(iv) enquanto estão no forno, estando as batatas cozidas, cortam-se às rodelas e alouram-se em azeite na sertã;

(v) as postas são retiradas do forno quando as folhas de couve secarem completamente;

(vi) retira-se a linha, colocam-se as postas numa travessa juntamente com as rodelas das batatas fritas;

(vii) e para finalizar põe-se por cima cebola às rodelas finas e rega-se com bastante azeite;

(viii) acompanha-se com broa de milho... e tinto ou branco do melhor!

E depois vai um 'Vai Acima, Vai Abaixo, Vai a Cima e Bota Abaixo', que deste já não há mais.

Valdemar Queiroz

PS - A receita do bacalhau não era propriamente da minha avó Maria, em várias casas também era assim feito em dias de 'cozedura' da broa de milho. A minha mãe, em Lisboa, fazia no forno a gás. No forno a lenha, sobrava calor para as couves com 'cosedura' em volta do bacalhau a assar.

Mas, como andas de braço dado com uma afamada cozinheira de estrelas Michelin, podes chamar, será a 1002, "Bacalhau da Queiroza à moda da Alice".


4. Eu prometi publicar-lhe a receita, em honra dele, que é um homem "sozinho em casa, resistente e resiliente, que brinca com a sua DPOC, quando ela deixa".... E aqui vai, mesmo não tendo nenhuma foto do petisco (, publico a imagem do emblema da Academia do Bacalhau de Long Island, Nova Iorque), nem sabendo como a avó Maria chamava a este prato, lá do seu Minho, região donde se diz que "não há receita má... nem fome boa":

"Bravo, Valdemar, só preciso de arranjar uma foto à maneira, depois publico a receita da avó Maria na nossa série do "Comes & Bebes"... Este saber gastronómico lusófono (mais do que lusitano), que passa de geração em geração, não pode perder-se!... Bolas, e ainda falta tanto tempo para o Natal!... Luis"

PS - Recordo que a avó Maria era de Afife, Viana do Castelo, onde o Valdemar viveu até aos 9 anos. (***)
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Notas do editor:

(*) Últimas sugestões;

22 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22125: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (29): E por favor nem me enganem, são favas suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas... (Luís Graça)

15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

10 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22091: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (26): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte III: cozido à portuguesa, para despedida do inverno; frutos do mar, como saudação à primavera

28 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21954: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (23): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte II: Canja de garoupa e pimentos estufados em vinho do Porto

11 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21887: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (19): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte I: ainda não é verão (, mas um dia destes há de ser!), e já me está a apetecer uma saladinha de queixo fresco e uma paelha, com um bom branquinho...

(**) Vd. poste de 28 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22494: Tabanca da Diáspora Lusófona (17): A(s) nossa(s) Academia(s) do Bacalhau: Long Island, Nova Iorque: "Gavião do penacho, de bico p'ra cima, de bico p'ra baixo, vai acima, vai abaixo"... (João Crisóstomo)

(***)  Vd. postes de;


27 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21203: Efemérides (331): Os 100 anos de Amália, "o povo que lavas no rio" e Afife (onde vivi até aos 9 anos) (Valdemar Queiroz)

sábado, 28 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22494: Tabanca da Diáspora Lusófona (17): A(s) nossa(s) Academia(s) do Bacalhau: Long Island, Nova Iorque: "Gavião do penacho, de bico p'ra cima, de bico p'ra baixo, vai acima, vai abaixo"... (João Crisóstomo)


Estados Unidos da América >  Long Island, Nova Iorque > 25 de julho de 2021 > O João e a Vilma na festa de aniversário da Academia do Bacalhau de L.I., criada em 2008. 

Foto: cortesia da página do Facebook da Academia do Bacalhau de L.I., comunidade.



1. Mensagem do João Crisóstomo, membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 160 referências no blogue, a viver em Queens, Nova Iorque, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, ex-alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67):

Data - terça, 27/07, 05:20

Assunto - Academias de Bacalhau no Mundo




Meus caros Luís Graca e demais camaradas,

Com a melhoria da situação pandémica, a vida pouco a pouco está a voltar ao normal .

Ontem, dia 25 de Julho, fomos a uma “festa de aniversario " da Academia de bacalhau de Long Island onde eu e a Vilma nos fizemos membros há três anos.

As reuniões mensais desse "clube" deixaram de ser possíveis desde que começou a pandemia de Covid -19, mas agora foi uma satisfação grande rever os nossos amigos que não víamos há mais de um ano. E a Vilma, embora não seja portuguesa, é também membro de pleno direito. Aliás, até me surpreendeu pelos seus "conhecimentos de português" …

Estávamos nós a fazer uma saudação "Gavião do Penacho”... a que associamos em uníssono o apropriado refrão, "Gavião do Penacho, de bico p'ra cima, de bico pr’a baixo, vai acima, vai abaixo…(isto enquanto com os copos fazemos os respectivos movimentos)... E eu, entusiasmado, esqueci-me da frase e, "passando em vão” a frase seguinte, adiantava-me já para beber o meu copo, cantando "bota pr’a dentro", quando a Vilma me agarrou o meu copo e me parou : "Não, João, before "bota pr’a dentro" you have to say ”vai ao centro” … and then "bota p’ra dentro"…

Ora eu… que pensava que ela nunca mais ia falar português…

Por descuido meu ( até há duas horas não tencionava falar sobre isto), não fiz fotos, mas fica para a próxima vez! O repasto é sempre generoso: desta vez foi: bacalhau cozido com batatas; carme de porco à alentejana; arroz/paelha de mariscos; bacalhau no forno; galinha assada…salada de grão de bico, etc etc … para não falar já da variada sobremesa que é de fazer um santo franciscano pecar de gula…

E depois há dança. Ora como a minha “ciática" ainda me inibe para tanto, a Vilma não teve outro remédio e foi dançar com a fotógrafa… e pela foto podem ver que não estava a chorar…

Isto tudo vem a propósito das Academias de Bacalhau. Estive a falar com o Valdemar Queiroz e fiquei surpreendido que ele nunca tivesse ouvido falar dessa associação. E como não temos aqui ( por enquanto!) nenhuma “Tabanca", como vocês têm em Portugal, resolvi aproveitar o que tenho para vos dizer que não perdemos o nosso tempo. "Quem não tem cão, caça com gato", certo?

Mas, para os que não conhecem, aproveito para dar uma ideia do que são as Academias de Bacalhau. O nome não foi escolhido pelo seu relacionamento com o nosso popular pescado. Ou aliás foi, mas não directamente: O bacalhau foi desde sempre , e continua a ser, um “elo” comum a todos os portugueses espalhados pelo mundo; o nosso "fiel amigo", onde quer que estejamos.

Em 1968 na África do Sul no meio da comunidade portuguesa surgiu a ideia de se juntarem para celebrarem Portugal (o dia 10 de Junho) e a amizade que a todos os unia. 

Essa associação tinha também como finalidade ajudar alguém que precisasse de ajuda, uma associação de amigo para amigo. O símbolo e nome de bacalhau foi o escolhido por representar o amigo comum de todos os portugueses sempre e onde quer que estes se encontrem.

"A ideia pegou” e a essa primeira associação que é chamada desde então a "Academia Mãe" seguiram-se outras, primeiro na África do Sul, hoje com onze "academias" e depois pouco a pouco pelo mundo fora.

Neste momento há Academias de Bacalhau por toda a parte. Vim a saber que existem em Portugal dezoito academias, duas destas na Madeira e Porto Santo e três nos Açores. 

Na última lista que me foi dado ver encontrei duas no Canadá , cinco nos Estados Unidos, oito no Brasil, três na Venezuela, cinco na França; Moçambique e Suazilândia com duas cada. Bélgica, Luxemburgo, Inglaterra; Angola, Namíbia e Austrália cada um com a sua Academia.

A pandemia veio alterar os planos mais recentes, mas sei que no 48º congresso que teve lugar em Portugal, no Porto, em 2019, foram aprovadas três novas academias, uma em Macedo de cavaleiros, uma em Sydney, Austrália e outra em Quito, no Equador.

Se bem que o propósito ou fim desta associação seja, como na maioria dos outros clubes , além de de proporcionar tempos e meios de recreação, promover os nossos valores e assim conservar e manter unidas as comunidades onde existem,  é de salientar no caso especial das Academias de Bacalhau o espírito primordial de generosidade que caracteriza e anima estas Academias. Em todas as reuniões esse fim de altruísmo e de cuidado pelos que precisam é sempre relembrado; e sempre se é dado a conhecer o que se fez ou o que vai acontecer nesse sentido.

Lembro que, l
ogo que entrei para o clube, sem saber ainda desta sua notável característica especial de ajudar os outros, eu fui informado que aquela Academia do Bacalhau tinha decidido ajudar a escola S. Francisco de Assis em Timor Leste. Eu não tinha pedido nada, mas eles souberam, nem sei como, que eu, o Rui Chamusco, o casal Sobral e mais mais dúzia de pessoas estávamos a construir essa escola para as crianças esquecidas nas montanhas.

Foi pois uma surpresa grande quando me apresentaram um cheque de mil dólares para essa escola ; e logo essa quantia foi mais que dobrada pois houve um membro dessa Associação que decidiu de sua lavra aumentar essa quantia com uma ajuda pessoal no mesmo valor. E como os bons exemplos, quando conhecidos por vezes também se multiplicam, passados umas semanas depois esse gesto de solidariedade foi repetido pelas escolas portuguesas Antero de Figueiredo, de Farmingville e pela escola S. Teotónio,  de Brentwood.

Bom, meus caros, vamos gozando as nossas tertúlias e academias enquanto ciáticas e outras coisas da idade não nos chateiam e nos obrigam a "ter mais juízo” e a ficarmos de observadores, sentados nas mesas.

João Crisóstomo, Nova Iorque


Fotos: © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P22493: Os nossos seres, saberes e lazeres (465A): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Sines tem importantes atrações, incluo-o obrigatoriamente no roteiro estival deste canto do sudoeste alentejano, São Torpes é o polo da atração, areais e falésias magníficas num perfeito contraste com o interior rural. Depois da magnífica jóia que é a Igreja de Nossa Senhora das Salas encaminhei-me para ir cumprimentar Emmerico Nunes, não bati propriamente com o nariz na porta, trouxe publicações que me ajudam a sintetizar a obra desse senhor que encantou alemães, suíços e espanhóis, não foi só um desenhador de humor emérito, deixou bela pintura, gravuras, desenhos que atestam o seu traço inconfundível. E depois o Centro de Artes de Sines, sempre excitante, subo e desço todos os andares como se fosse a primeira vez e guardei imagens de algumas obras de uma exposição ali patente do acervo do colecionador António Cachola. E vamos continuar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (13)

Mário Beja Santos

Três grandes desenhadores de humor triunfaram na cena internacional e deixaram obra esplendorosa que bem merecia ter um local próprio para ponto de encontro desse diálogo de génios: Leal da Câmara, Emmerico Nunes e Vasco de Castro. Emmerico ficou ligado a Sines onde tem um centro cultural desde 1986. Ele trabalhou em Munique e Zurique, era filho de pai português e de mãe alemã, nascido em Lisboa em 1888. Partiu para Paris em 1906 e em 1911 instala-se em Munique onde inicia uma carreira de desenhador humorístico na influente revista Meggendorfer Blätter. Com o anúncio da I Guerra Mundial, regressou a Portugal, seguiu depois para Zurique, e depois regressa à pátria, passando a colaborar ativamente com o universo satírico espanhol. Os alemães apelam ao seu regresso, mas, entretanto, ele ia-se afastando do traço alemão, ajeitara-se ao cânone nacional. Colaborará em diferentes obras do Estado Novo. Injustamente esquecido, foi um desenhador de humor ímpar. Vim procurá-lo ao Centro Cultural, estava preterido por exposições de alunos de uma escola de Sines, limitei-me a trazer publicações alusivas ao seu génio. Para que conste
Emmerico Hartwich Nunes
O Centro de Artes de Sines é um arrojado empreendimento dos arquitetos Francisco e Manuel Aires Mateus, foi finalista do Prémio Europeu de Arquitetura Mies van der Rohe, alberga um centro de exposições, um auditório, a biblioteca municipal e o arquivo histórico municipal. É sempre com a maior satisfação que aqui venho visitar esta arquitetura-fortaleza, é um dos mais belos edifícios de Sines. Dada a lógica da construção, não é fácil captar em toda a extensão as suas linhas, aqui ficam alguns pormenores, ainda por cima decorriam obras nos arruamentos próximos, tive que procurar junto de uma betoneira um ângulo um tanto elucidativo do que o arrojo arquitetónico oferece.
Decorria uma exposição de obras da coleção António Cachola, há peças que me deslumbram, mas um bom quinhão delas deixa-me completamente indiferente. Gosto da forma obsessiva com que Jorge Molder se fotografa e deforma o cânone da composição, rendo-me aos diálogos que Sofia Leal implanta num espaço, jogando na construção estética de dois corpos dissonantes, deles avultando uma inesperada harmonia, não escondo a atração pelo tríptico fotográfico e a sua alusão a intemporalidade, mas é a organização do espaço cenográfico a que chamamos museografia o que mais me impressiona, e aqui o registo, antes de partir para uma outra visita e seguir para São Torpes, está na hora do banho de mar da neta.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22473: Os nossos seres, saberes e lazeres (465): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (5) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22492: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XV: Kingston, Jamaica, 2018


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Kingston, Jamaica  >  2018 

Texto e fotos recebidos em 12/8/2021


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.



Kingston, Jamaica, 2018


Pouco sei sobre a Jamaica, excepto que é uma ilha das Caraíbas com um primor de praias para férias inesquecíveis.

Aqui nascem e crescem rapidíssimos corredores de atletismo, como Usain Bolt e comparsas. Com todo o respeito, são uma espécie de gazelas, ou coelhos e coelhas à solta pelas pistas do globo onde batem sucessivos recordes do mundo (Foto nº 1)

Bob Marley, homem desta ilha e da música raggae, é considerado um herói nacional, com estátuas e tudo, espalhadas por toda a parte. A sua música não me entusiasma, já não tenho idade para abanar o capacete, e o resto, com ritmos caribenhos.

Desembarco do Armonia, 58 mil toneladas, da MSC (Mediterranean Shipping Company, a maior companhia de navegação do mundo). Nesta volta, o navio saltita de ilha para ilha, deixando-nos um dia inteiro livre em cada porto para espairecer o espírito e fruir o que nos aprouver.

Com a minha parceira, tomo um autocarro rumo a Kingston e, no caminho, procuro praia. Desço rápido, logo adiante do porto, páro numa enseada de areias finas e águas tépidas, comme il faut. Não muita gente, a beira-mar quase toda por nossa conta, a água quentinha, mergulhar, nadar até que os braços doam. Horas e horas dentro de água, prazeres sublimes em ilhas das Caraíbas.(Fotos nº 2, 3 e 4)

Cristóvão Colombo aqui arribou em 1494, na segunda viagem rumo às Américas e, com os castelhanos, chegaram as doenças que gradualmente dizimaram os arawaks, o povo autóctone da ilha. Durante muitos anos sob um fraco domínio espanhol, a Jamaica foi lugar de abrigo e fixação de piratas que infestaram estes mares.

Num shopping a caminho de Kingston, tirei um retrato sentado ao lado de uma mulher pirata, de madeira, ajaezada a rigor, com um grande decote. Não assustava ninguém, embora como o capitão da história, tivesse um tremendo gancho substituindo a mão direita. (Foto nº 5)

A Jamaica passou a colónia inglesa em 1655, e tornou-se independente dos britânicos em 1958. Dona do seu próprio destino, creio que a ilha vive fundamentalmente do turismo, embora seja um grande produtor de açúcar e bananas. Com apenas três milhões de habitantes, mais de 90% da população são descendentes dos antigos escravos negros, que, a partir de finais do século XVI, foram trazidos de África.

Gostaria de regressar, ficar umas semanas para me esparramar por estas formosas praias e entender melhor este chão que piso.

António Graça de Abreu

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22450: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIV: Havana, Cuba, 2018