Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 13 de maio de 2023
Guiné 61/74 - P24312: Os nossos seres, saberes e lazeres (572): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (102): Com sangue d’África, com ossos d’Europa (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Um dos papéis que levei na bagagem para esta viagem eram memórias de António Pusich, nascido em Ragusa (Dubrovnik), estudou em Itália e aí se relacionou com o Conde de Linhares, ministro de Portugal em Turim, assim chegou a Portugal, em 1801 era Intendente da Marinha das ilhas de Cabo Verde. Sobre a ilha de S. Vicente escreveu, ainda antes desse período áureo de Mindelo transformado num poderosíssimo entreposto onde abundava o carvão para as viagens transoceânicas: "Não é muito alta esta ilha e o seu terreno em geral é seco e pouco apto à cultura do milho e outros frutos; mui próprio, porém, para o algodão e criação de gado, pois produz imenso e bom pasto e muita urzela e lenha de tarrafe. O seu clima é mui temperado e saudável. Tem uma paróquia com 80 habitantes, resto de muitos que se mandaram a povoar esta ilha, mas que sucessivamente foram emigrando, por lhe faltarem aquelas benéficas e úteis providências e socorros que o soberano mandou se lhe dessem." Mal sabia Pusich que este porto instalado numa das mais graciosas baías que há em África iria ter uma importância singular a meio do século XIX, importância que perdeu com o desenvolvimento de Dacar. Aqui aportei em 1970, assombrou-me, nas escassas horas que ali estive, o processo de aculturação, vinha do continente, não só da guerra, mas de uma África multiétnica em que a identidade portuguesa estava colada a cuspo. E aqui era tudo diferente. E posso dizer, mais de meio século depois, que tudo continua diferente, sempre euroafricano.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (102):
Com sangue d’África, com ossos d’Europa (1)
Mário Beja Santos
O título destes comentários de viagem foi extorquido a um poema de Corsino Fortes, livro "Pão & Fonema", de 1980, achei-o apropriado face ao fenómeno de transculturação que é Cabo Verde, como diria também Jorge Barbosa, “uma encruzilhada de duas sensibilidades”.
Há décadas que suspirava por vir até aqui. Em agosto de 1970, o navio Carvalho Araújo saiu de Bissau e aportou primeiramente junto ao Sal, seguimos para Mindelo, o comandante deu-nos rédea solta durante umas tantas horas, toca de desembarcar e bisbilhotar o possível, impunha-se comer lagosta e tentar dar uma volta à ilha. Logo no desembarque algo me surpreendeu, a amplitude da baía, rodeada de montanhas, sentia-se a estrutura vulcânica e a aridez de perto e à distância, e seguiu-se a surpresa daquele bonito casario, parecia que tinha havido vontade para ali implantar uma capital, ficámos embasbacados com a dimensão dos Paços do Concelho e, mais adiante, numa rua chamada de Lisboa, o Palácio do Governador. Enfiámo-nos pelas ruas, com aquela sensação de um plano ortogonal, como comprovadamente existia. E assim se chegou a uma praça com um belo coreto, surpreendeu-me um Luís de Camões junto de um quiosque, houve então quem reclamasse que queria comer lagosta, mais tarde alugou-se um táxi e deu-se um belo passeio. À chegada a Mindelo, comprei bilhetes-postais, o reservado para a minha mãe era aquela praça com coreto, texto rápido a informar que só faltava Ponta Delgada para chegar a Lisboa, mas aquela Mindelo, como ela podia ver, era uma pitoresca povoação portuguesa.
A viagem que me traz a Cabo Verde começa no Mindelo, procurarei refazer a viagem de táxi, desta vez em transportes coletivos, já deu para sentir que a cidade demograficamente explodiu e o turismo é imenso. Falta um pormenor, a memória reteve a outa ilha em frente, também naquela perspetiva me parecia árida, a quem fiz perguntas a resposta era sempre a mesma, quando chegar ao porto de Santo Antão tem uns bons quilómetros de muita secura, mas prepare-se para o deslumbramento das culturas, a imponência da montanha, a graciosidade dos vales, as casas encavalitadas, o cheiro do trapiche.
Pois bem, primeiro S. Vicente, depois Santo Antão, começando na Ribeira Grande, e regressar a S. Vicente, Cabo Verde é para degustar, nunca apreciei aquelas excursões da Rodarte, uma empresa de camionagem que organizava viagens a sete países em dois dias. Já arrumei a bagagem, troquei euros por escudos, parei em frente da Cesária Évora, trouxe um livro dos anos 1980 que mostra a Mindelo do passado, pergunto pelo coreto, há vários, respondem, dois na Praça Estrela, têm um muito bonito na Praça Nova, esse é seguramente do seu tempo. E era. Mirei-o cuidadosamente de dia e voltei à noite, uma noitinha calma e com brisa, a banda afadigava-se entre rumbas, música cubana e koladeras.
Leitura que recomendo a quem visitar o Mindelo, com a independência mudaram-se muitos nomes, só que a identidade cabo-verdiana pulsou mais forte, Mindelo desabrochou e foi pujante em meados do século XIX, tem as suas marcas com que se identifica. Este livro é um guia que ajuda a revelar o gosto pela preservação do património, e não posso esconder que me sentia feliz neste lugar euro-africano onde a herança portuguesa é um elemento genético do cabo-verdiano.
Maestro e a sua equipa, metais vibrantes, a assistência atenta e aplaudindo no fim das peças. Escuso dizer que o gosto pela música, de a praticar, faz parte da essência cabo-verdiana, todos os sons são admissíveis entre a apoteose e a melancolia, extremos sentimentais que pautam a alma deste povo.
Fotografei Sá da Bandeira de dia e de noite, preferi esta imagem do político que aboliu a escravatura, que se destacou pela bravura, o fundador da Academia Militar, e dá prazer ver o modesto monumento tão bem tratado neste jardim que é sempre encantador, seja qual for a hora do dia.
E é mesmo à hora do dia que retenho a imagem deste busto de Camões, a terra é de poetas e de prosadores admiráveis, trouxe na bagagem o Germano Almeida, o seu indispensável O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, totalmente compreensível que este património cultural é inapagável neste lugar ímpar a centenas de quilómetros da costa ocidental africana.
Esta moradia fazia parte do bilhete-postal, tudo à volta mudou, fiquei estarrecido com este azul, já cá estava há meio século, estou certo e seguro.
Quando se está na Praça Nova há um colorido luminescente de que não nos podemos desapegar, avança-se, entra-se no Centro de Arte e Design, primeiro há uma moradia de um senador da I República que foi intransigente defensor da autonomia cabo-verdiana, é memória de culto, e depois temos este engenho, um espaço expositivo e de ateliês em que a frontaria é uma agregação de tampas de bidons com que tudo chega a Cabo Verde, é um empolgante hino à cor, parece-me um talentoso ready-made, uma esplendorosa arte funcional, procurei dois ângulos para que o leitor se aperceba deste achado de harmonia que abre portas ao engenho de tecelões, tapeceiros, designers que potenciam todos os recursos da sua terra, como vamos ver.
António Carreira dedicou um livro à panaria cabo-verdiana e guineense, salientou as afinidades, são indiscutíveis. Na Guiné, embeicei-me pelos panos manjacos e tive a felicidade de ver teares manuais em plena laboração. A diferença está na matéria-prima. Na loja tomei o peso a estes panos e são de uma grande leveza, são feitos de algodão, matéria-prima cabo-verdiana. Na Guiné usam-se linhas, tornam as bandas mais pesadas. Lembro-me da panaria existente no antigo Museu da Guiné, na então Praça do Império, tudo desapareceu, são peças muito disputadas, desde que bem conservadas, duram uma vida. E gostei da tapeçaria local, daqui segui para uma área expositiva do que o centro produz, e reconheço que é de indiscutível valor.
Senti-me feliz por ver o desvelo com que se recupera e valida o trabalho dos artífices. Agora vou percorrer Mindelo na avenida que contorna o porto. As surpresas sucedem-se e os encadeamentos ditados pelos escaninhos da memória dão-me um enorme regozijo. Limito-me hoje a um simples exemplo.
Tenho por detrás uma réplica da Torre de Belém, foi edifício da capitania do porto, é hoje Museu do Mar, iremos falar deles. Nesta esquina que emana um fedor a peixe, com rua que irá desaguar na Praça Estrela, olhei ao alto para um esmalte que provavelmente tem cerca de 100 anos e fico a saber que a então avenida principal de Mindelo saudava a República. E deu-me para recordar o meu passeio a Bolama, em 1991, ia à procura da tipografia, um património museológico de grande valor, e lá estava o nome das ruas: Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, muito provavelmente essas mesmas peças esmaltadas escaparam ao furor de erradicar a presença portuguesa, de que hoje os guineenses se queixam, nenhum povo subsiste sem memória. E aqui fico a contemplar um resquício do passado. Estou a sentir-me muito bem no Mindelo e feliz por partilhar convosco estas andanças da mais estranha das Áfricas e da mais improvável das Europas.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24292: Os nossos seres, saberes e lazeres (571): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (101): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24311: Homenagem a dois 'guineenses' de adoção e paixão, o algarvio António Camilo e o nortenho Xico Allen (1950-2022): "Diário da Viagem até à Guiné-Bissau por terra e por ela", em 20 dias (Herculano Prado). Parte I: De Portimão a Bambadina, em 7 dias, de 18 a 24 de setembro de 2017
Boa tarde, amigos.
Muito obrigados por tudo e por vos ter conhecido também. São pessoas que ficam no coração. Espero vos encontrar em breve.
2. O Herculano Prado, hoje advogado, foi fur mil, CAÇ 3550 / BCAÇ 3885 (Zambué, Tete, Moçambique, 1972/74). Não é membro da nossa Tabanca Grande, mas fica desde já convidado para a integrar, não só por esta viagem e a publicação deste texto (em duas partes), como pela ligação (profissional e afetiva) à Guiné (desde pelo menos 2010), e a amizade que criou e manteve com dois dos nossos tabanqueiros, o António Camilo e o Xico Allen (1952-2023).
O António Joaquim Sousa Camilo, primo da Luzinha, foi um dos primeiros a fazer uma viagem por terra à Guiné Bissau, se não o primeiro, dado não termos conhecimento de viagens anteriores, depois do 25 de Abril, onde tinha cumprido serviço militar.
Na primeira viagem que fez à Guiné, em 1998, o Camilo conheceu o Xico Allen de quem ficou amigo, começando aqui uma amizade que perdura e que os levou a congeminarem uma viagem por terra.
O amor àquela terra e às suas gentes levou-o a, posteriormente, organizar algumas caravanas humanitárias, das quais a Luzinha ia tendo conhecimento, através do Facebook. Entusiasmada com as viagens, referiu-me que, por ela, se eu quisesse, poderíamos um dia acompanhar o Camilo. O Camilo, sabendo o nosso interesse, quando teve uma oportunidade convidou-nos, mas, por impedimentos da nossa parte, só agora podemos aceitar.
A viagem, a nossa primeira, a vigésima segunda do Camilo e a décima segunda do Xico Allen, foi iniciada com dois jeeps, marca Mercedes, sendo um ocupado pelo António Joaquim Sousa Camilo e pelo Francisco Jorge Allen (Xico Allen) e outro por mim, Herculano Afonso Lourenço do Prado e pela Luzinha, Maria da Luz Reis Braz Silva Lourenço do Prado, minha mulher.
O itinerário da viagem seria: Espanha, Marrocos, Sara Ocidental, Mauritânia, Senegal e Guiné Bissau. Na Guiné Bissau ficámos em Bambadinca e não em Saltinho como pensávamos.
O jeep que nos foi destinado ficaria por nossa conta, quer para a condução, quer para todo tipo de despesas com ele relacionadas: combustível, barco, seguros etc.
A ideia do diário surgiu ao fim do primeiro dia de viagem quando, ao estarmos a pernoitar em Marraquexe, enviei um e-mail a alguns amigos, tendo alguns sugerido que fizesse um diário e que lhes fosse dando conhecimento do que se ia passando. Achei a ideia interessante e, por isso, no fim do segundo dia, relatei os factos mais importantes e enviei-os convencido de que teriam chegado aos destinatários. Como não obtive os comentários que seriam expectáveis, enviei o e-mail para o remetente, não tendo chegado, o que me levou a concluir que o mesmo teria acontecido em relação aos outros destinatários e que o mesmo aconteceria com os e-mails seguintes.
Aproveitámos a viagem para levarmos os jeeps cheios com donativos para as crianças de Bambadinca, que aguardavam transporte.
A viagem começou em Portimão, às nove e meia de domingo, passando pelo porto de Tarifa, onde apanhámos o barco até Tanger. A passagem, por carro e ocupantes, custou € 200,00. Chegámos ao porto de Tarifa por volta das 5,30 horas, aguardando até entrarmos para o barco às oito horas. As burocracias alfandegárias foram fáceis, porque não precisámos de vistos.
Ao sairmos do Porto, não fomos ao centro da cidade de Tânger, contornando-a em direção ao Sul, mas a vista que dela se tem do barco dá para ver a sua grandiosidade.
Para nós, portugueses, quando passamos por sítios, que fazem parte da nossa história e olhamos para o passado, não podemos deixar de nos sentir orgulhosos pelos feitos dos nossos antepassados (esquecendo as atrocidades que cometeram e que eram comuns a todos os beligerantes da época).
A viagem até Marraquexe foi feita sempre em autoestrada, não se notando grandes diferenças em relação ao sul de Portugal.
A meio da viagem apanhámos um grande susto, porque entrámos na reserva de combustível e nunca mais aparecia uma bomba para abastecermos. Foi um alívio quando o conseguimos fazer.
Fizemos o nosso primeiro almoço de piquenique, dos abastecimentos de que estávamos providos, até ao fim da viagem e para os dias na Guiné.
No momento em que enviei o primeiro e-mail, estávamos a passar a noite em Marraquexe e na amanhã seguinte continuámos em direção ao Sul, passando por Agadir.
Ao entrarmos em Marrocos perguntaram-nos se trazíamos armas ou drones.
2º dia, terça-feira, 19 de setembro de 2017
No Segundo dia da viagem, saímos de Marraquexe às sete da manha rumo ao Sul, passando por Agadir, Tiznit e outros locais de menor importância.
Atravessámos a cordilheira do Atlas na sua parte mais ocidental e menos elevada, com paisagens agrestes, grandiosas e de grande beleza.
Passámos por Agadir, cidade costeira e moderna, depois de ser reconstruída em consequência do terramoto que a destruiu, em 26 de fevereiro de 1960.
“A intensidade do abalo foi apenas de 5,7 na escala de Richter, mas, por a cidade se situar precisamente sobre a falha geológica e o epicentro do sismo, e por a maioria dos seus edifícios serem velhos e frágeis, a destruição foi quase total. Na Kasbah e nos bairros centrais de Yachech e Founti não ficou nada de pé. Mais de 15 mil pessoas morreram e muitas ficaram feridas e desalojadas. Foi o mais mortífero terramoto da história de Marrocos.”
O porto é muito bonito, como pudemos apreciar de uma das elevações que o rodeiam. Ali, a Luzinha, pela primeira vez, passeou montada num camelo, conjuntamente comigo.
Nesse miradouro, comprámos umas rochas de cristais coloridos.
A viagem até ao meio do dia foi feita por autoestrada, com inúmeras portagens pagas. Porque € 1,00 vale 10,50 dirames, acaba por não ser muito caro. Nestes dois dias já fizemos cerca de 1500 km, sendo mais de mil por autoestrada.
Como fica documentado por fotos, vamos fazendo piqueniques, estando provisionados com o essencial.
Ficámos a pernoitar em Tantan Praia, com a praia ali ao lado, que, tal como em Portugal, já estava em fim da época balnear.
Pernoitamos num hotel baratucho, onde fizemos uma refeição na varanda de um dos nossos quartos. O quarto não tinha água quente, mas estava limpo e nós só pretendíamos dormir, para além de termos acesso à Internet.
A partir de agora as estradas já não são tão boas, mas estão razoáveis, tendo sido mais fácil do que seria expectável. Mais para Sul será mais difícil.
São horas de dormir porque o recomeço da viagem está marcado para as sete e no programa está uma visita ao Bojador.
3º dia, quarta-feira, 20 de setembro de 2017
Iniciámos o terceiro dia saindo de Tantan, às 6,30, ainda de noite,
Fomos visitar o Bojador, que ficou a fazer parte da nossa história, para as descobertas, a partir do momento em que foi dobrado pelo Gil Eanes, em 1434, acabando com o medo que dominava os marinheiros, que acreditavam que o mundo acabava ali.
Aqui, num restaurante que a ASAE fecharia sem remissão, aproveitámos para comer um pargo frito que estava divinal, acompanhado com pão local e vinho tinto de Pias. Quando entramos ouvimos vozes que nos pareceu serem portuguesas. De facto, eram dois portugueses que estavam a trabalhar para uma firma irlandesa, que está a montar grandes pás eólicas, para a produção de energia elétrica.
A partir daqui, durante muitos quilómetros, fizemos a viagem próximo do mar, já dentro do verdadeiro deserto, não ainda como nos é mostrado nos filmes e postais : grandes dunas de areia fina, mas terra árida, com vegetação dispersa e rasteira
Percorremos cerca de setecentos quilómetros e fomos pernoitar no Barbas, que, no geral, tinha boa aparência para o deserto, mas que considero ter sido o pior quarto de hotel aonde já dormi, que fica a oitenta quilómetros da fronteira da Mauritânia.
Aqui o Hi- Fi não tem capacidade para permitir contactos normais.
Assisti à derrota do Real Madrid com o Bétis, golo marcado na última jogada, e conclui que a maioria dos assistente torcia pelo Barcelona, tendo em atenção o regozijo manifestado com o golo marcado.
Aqui, o Xico deu comprimidos ao empregado da bomba de gasolina, que estava com dores de cabeça.
Como o dia seguinte iria começa cedo, cedo tivemos de ir descansar.
4º dia, quinta-feira, 21 de setembro de 2017
Saímos, por volta das sete horas, para chegarmos cedo à fronteira, aonde nos esperava o Arturo, um marroquino, que fala português, que nos tratou da burocracia nas duas fronteiras.
Estas ajudas acabam sempre por sair caras e por vezes parecem ainda complicar mais: o seguro por cada viatura, que custou € 40,00, ficou em € 80,00.
Apesar desta ajuda, só nos despachámos depois das duas da tarde.
Aqui deu para sentir o clima do deserto, quente e ventoso. Tínhamos que tapar os olhos porque a areia andava por todo o lado. Na viagem íamos vendo camelos e, infelizmente, vimos alguns esqueletos devido a acidentes. Durante este dia percorremos parte do Sara a que estamos habituados a ver nos filmes e fotografias.
Entre as duas fronteiras existe uma zona de ninguém, aonde vimos um carro das UN, que ainda se encontra nesta zona, tendo em atenção o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário, que mantem a luta contra a anexação do Sara Ocidental. Nesta zona, encontrámos muitos carros abandonados, em consequência da falta de documentação e por outros motivos.
Ao longo da viagem vimos inúmeros quarteis, havendo vários em Layunne, pequena cidade, que seria a capital oficial do Sara Ocidental, se fosse independente.
Quando estávamos na fronteira para sair da Mauritânia encontramos um vizinho do nosso casal, em Vale da Laranja, o Sr. Jorge, que também ia a caminho da Guiné, aonde tem negócios.
Durante a viagem fomos mandados parar por dezenas de barragens que controlam a passagem. Para evitar demoras levamos dezenas de impressos preenchidos com os nossos elementos identificativos, que entregamos no ato da abordagem. Muitas vezes são levantadas complicações com o objetivo de nos sacarem dinheiro.
Por volta das oito horas chegamos a Nouakchott, capital da Mauritânia, onde ficámos num ótimo hotel, o Royal Suites Hotels, muito melhor do que os anteriores, onde encontrámos tudo o que tem um quatro estrelas da Europa. Antes de jantarmos no nosso quarto, utilizando o que trazíamos, tomámos um grande banho para nos aliviarmos da grande quantidade de areia que se espalhava pelo cabelo e pelo resto do corpo.
Fizemos uma refeição no quarto com os produtos que levávamos.
Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006...Dia 5, De Roc Chico a Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa foto oesta, de um grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...
Saímos de Nouakchott, às seis da manha, para chegarmos o mais cedo possível à fronteira com o Senegal, aonde o Camilo, primo da Luzinha, tinha contactos anteriores, para tratar dos seguros das viaturas e das burocracias da passagem entre fronteiras.
Quando estávamos a fazer o controlo na saída da Mauritânia, ao ser necessário entregar os passaportes, passámos por um grande susto, porque o Francisco Allen, não encontrava o seu passaporte. Durante mais de uma hora vimos em todos os sítios possíveis sem sucesso, inclusive, telefonámos para o hotel onde pernoitámos. Depois de uma última busca no jeep, iniciada pelo comandante do posto da Alfandega da Mauritânia, que se mostrou de uma grande simpatia e disponibilidade, muito diferente da maioria dos anteriores, encontrámos o passaporte metido entre uma ranhura do tablier.
Durante o trajeto, o deserto foi-se amenizando até próximo do Senegal, não sendo surpresa encontrarmos a barragem de Diama e um parque protegido, que percorremos por cerca de quarenta quilómetros, por picada, no fim do qual nos foi exigida o pagamento de trinta euros, por viatura, acabando por pagarmos o total de dez euros.
A partir da entrada no Senegal, tendo em atenção o que já acontecia no Sul da Mauritânia, deixamos o deserto e passámos a encontrar a vegetação própria da região subsariana: pequenas árvores e muita vegetação de várias espécies.
Finalmente, já com muitas horas de viagem e de atraso, em relação ao previsto chegámos a Saint Louis, cidade costeira, que, no tempo da colonização francesa chegou a ser a capital do Senegal. Quando atravessamos a cidade para nos dirigirmos ao hotel onde pretendíamos pernoitar, ficámos impressionados com a pobreza e sujidade que encontrávamos, imaginando como seria o Hotel para onde o Camilo e o Francisco nos levavam. Durante o trajeto, ao longo de um grande estaleiro de barcos abandonados coabitavam o lixo, as cabras, os burros e as pessoas.
Depois de o hotel inicialmente escolhido se encontrar fechado para férias, fomos ficar no Diamarek, que lhe fica continuo, acabando por ficarmos num bangaló bastante espaçoso e com dois quartos, ao lado da praia, com um piscina espaçosa e com água morna. Podemos considerar que encontrámos um oásis depois do deserto! Porque gostámos das condições do hotel, porque tinha Hi-Fi de banda larga e porque o preço negociado ficou em 60,00, marcámos mais um dia para disfrutarmos das ótimas condições.
6º dia, sábado, 23 de setembro
Estando em Saint Louis, aproveitámos para visitar a parte antiga da cidade, da época colonial, aonde se encontram dois bons hotéis dessa época e um bom restaurante, bem próximo da sujidade que referenciámos.
Comprámos alguns artigos locais, nomeadamente uma máscara da tradição africana. Depois do almoço disfrutámos da piscina e, eu a Luzinha, demos um passeio pela praia, que é a perder de vista e de areia fina, que se encontrava cheia de lixo
Ao fim do dia, graças à capacidade do sinal Hi-Fi, consegui, através de um site de desporto, o Events Guide, ver o Sporting 1 – Moreirense 1, com pouca atenção, à espera para ver o Benfica 2 – Paços de Ferreira 0. Foram dois bons resultados!
Como eu não abdiquei de ver o jogo do Benfica – Paços de Ferreira, preparámos o jantar com produtos que trazíamos e jantamos à fresca, em frente do Bangaló.
Devo ter um problema no envio de e-mails, porque, apesar da boa capacidade da rede Hi-Fi, não tenho conseguido enviar e-mails, apesar de os receber.
Consegui aceder ao Citius e fiquei aliviado por não ter nenhuma notificação. Uff!!
Deitámo-nos cedo, porque era necessário levantar cedo.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Outubro de 2015 > Restaurante "Ponte de Encontro", do casal Célia e João Dinis (1941-2021).
Quando me levantei, por volta das cinco horas locais, seis horas em Portugal, estava sem equilíbrio, o que me deixou preocupado. Contudo, pouco tempo depois, recuperei permitindo-nos sair por volta das 5,30 horas.
Para evitar as muitas complicações e controlos levantados na Gâmbia, fizemos um desvio para a contornar. Seguimos o trajeto de Saint Louis, Kebemer, Touba, Kaffrine, Tambacounda, descendo depois para Velingara, KounKané, Wassadou, chegando, por fim, a Pirada, fronteira da Guiné, onde se passou com facilidade, porque o Camilo, com a sua capacidade de persuasão, conseguiu passar sem pagar a escolta que nos acompanharia a Gabu. Isto é mais uma forma de extorquir dinheiro aos viajantes, já que não existia escolta para nos acompanhar. O Camilo começou logo ali a distribuir pelo chefe do posto algumas das roupas que trazemos, também como forma de agradecimento.
A estrada de Pirada a Gabu, ou melhor a picada, está num estado inimaginável para quem nunca esteve em Africa. São sessenta quilómetros de buracos uns a seguir aos outros e ainda com água porque a época das chuvas só agora terminou.
Ao chegarmos a Gabu, o Camilo não parou na alfàndega, o que deveria ter feito, vendo-se obrigado a regressar, porque a nossa passagem foi barrada. Aqui perdemos muito tempo e tivemos que pagar o que não tinha sido pago em Pirada. Penso que, mesmo assim, as coisas podem ter sido facilitadas depois de ter falado com o Tenente Coronel Sado, que é um amigo do meu primo Fernando Mota, Eng.º Silvicultor, que esteve com ele na tropa, aqui, na zona de Saltinho.
Reiniciámos a viagem com destino a Bambadinca, pretendendo passar por Bafatá para jantarmos no restaurante da D. Célia, aonde chegámos por volta das nove e meia, à mesma hora em que partimos no domingo anterior. Comemos um estufado de vitela, acompanhado de arroz e batatas fritas e de umas Sagres geladas. Recusámos a salada para evitar problemas de saúde. A comida estava ótima e o restaurante é muito frequentado pela qualidade da comida. As instalações, mesmo aquela hora, estavam limpas, mas os anexos e a casa de banho são uns barracões decrépitos. Se lá voltar, porque os achei simpáticos, vou sugerir que façam umas melhorias nas instalações.
A parte final da viagem até Bambadinca foi aquela em que tive mais medo de um acidente, atendendo a que nos cruzávamos com outras viaturas com os máximo ligados e o Francisco, mesmo podendo fazê-lo não os ligava, o que só fez mais tarde, o que diminuía o nosso campo de visão, agravado por as bermas serem baixas ou inexistentes e por circularem na estrada bicicletas e pessoas sem qualquer sinalização.
Foto (e legenda): © Carlos Silva (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
sexta-feira, 12 de maio de 2023
Guiné 61/74 - P24310: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (35): chegou a primavera (mesmo sem "abril, águas mil"), que vai bem com (diz a 'Chef' Alice): (i) favas com casca, suadas, à moda alentejana; (ii) carapauzinhos fritos com arroz de tomate; e (iii) favas suadas à moda da Maria da Graça... Sem esquecer: (iv) o festival literário "Livros a Oeste (11ª edição, Lourinhã, 9-13 mai 2023); e ainda (v) a 14ª quinzena gastronómica do polvo (Lourinhã, 17-31 mai 2023)...
1. Já passou o Abril, mas não vieram as águas mil... Estamos em plena primavera do nosso (des)contentamento... Veio a seca, para ficar, cada vez mais cíclica... E, se água "cá tem" nas nossas hortas, deixamos de poder jogar aos feijões e, pior ainda, de poder fazer as favas suadas ou o arroz de tomate com peixe frito... Em contrapartida, teremos, pelos santos populares, a boa (?) sardinha assada no pão... Já se vende na praça, aqui, a cinco euros (já vai o tempo em que, perdulários, dizíamos: "ao preço da chuva"...)
Bom proveito... E mandem-nos também as vossas sugestões, enquanto a gente ainda puder andar por qui, pela Terra da Alegria... A prazo, claro, estamos a prazo.Mas esta semana, também há cá o festival literário "Livros a Oeste"... Porque, na terra dos dinossauros, nem só de favas vive o homem... Amanhã, 13, é o último dia... LG
Guiné 61/74 - P24309: Notas de leitura (1581): A economia guineense em 2017: oportunidades de import-export do lado português (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2020:
Queridos amigos,
Encontrei na Feira da Ladra este dossier da Câmara Agrícola Lusófona que aporta um conjunto de elementos sobre os mercados guineenses até 2017. Graças aos dados mencionados, verifica-se que a alimentação guineense, sobretudo em meio rural, cobre uma boa parte das necessidades nutricionais, a despeito de um conjunto relevante de carências. É preocupante a tendência para a monocultura do caju, havendo quebras acentuadas em arroz e leguminosas, por exemplo. A inexistência de infraestruturas capazes não permite a exportação de frutas ou a sua industrialização, é um setor cheio de potencialidade. O dossier faz uma serena caraterização tanto da agricultura como do funcionamento dos mercados guineenses, desenvolve o setor produtivo e o consumo alimentar e deixa a sugestão para importantes oportunidades de exportação do lado português. Mais não seja, este dossier dá-nos informação de como estão os mercados em tempos de incerteza política.
Um abraço do
Mário
A economia guineense em 2017: oportunidades de import-export do lado português
Mário Beja Santos
Este dossier de mercado da Guiné-Bissau é da responsabilidade da Câmara Agrícola Lusófona, os dados apresentados, embora não seja clara a data desta publicação, vão até 2017, é importante este elemento cronológico, algumas das informações dadas estão seguramente desatualizadas. Logo no enquadramento se diz que a Guiné-Bissau estava a viver um período de crescimento económico, sendo as previsões de 4,8% para 2017 e de 5% para 2018, por exemplo. Houvera dois bons anos agrícolas mesmo num período de governação incerta. A fileira do caju é a principal fonte de receitas do país. Em 2015, o caju representou 82% com 210 milhões de euros num valor total exportado de 257 milhões. O dossier tem uma ficha-resumo do país, carateriza a população (o estrato etário dos 14-65 anos representa cerca de 56% da população total); metade da população encontra-se em áreas rurais. Segue-se a caraterização geral do país e dá-se conta de que os hábitos alimentares da população foram influenciados pela cultura gastronómica lusa, o que se reflete nas importações da cerveja, vinho, águas, alimentos processados, entre outros. As bebidas constituem assim a maior parte do valor das exportações portuguesas para a Guiné-Bissau.
O dossier não esquece a caraterização geográfica, é minucioso na observação dos solos, dá-nos depois uma caraterização económica e financeira. Assim chegamos ao setor produtivo e ao consumo alimentar, abre-se a porta para o que se consideram as oportunidades para o agro-negócio na Guiné-Bissau. A maior parte da população da Guiné-Bissau (58%) vive nas zonas rurais, temos os pequenos produtores camponeses e os “ponteiros”, os primeiros são responsáveis por cerca de 90% da população agrícola do país e os segundos resultam das 2200 concessões de terras, estando cerca de 1200 em atividade; as concessões correspondem a cerca de 9% da superfície total do país e às melhores terras. O caju veio absorver muito do tempo de trabalho anteriormente devotado às culturas alimentares, nomeadamente o arroz e o amendoim. Em termos de segurança alimentar, as consequências desta mudança foram evidenciadas em anos de menor sucesso na comercialização do caju, ficando as famílias desprovidas da sua principal fonte de alimento.
Embora as condições agro-climáticas da Guiné-Bissau favoreçam a existência de uma grande quantidade de frutas, a exportação de tais produções não tem sido possível, tudo por falta de instalações de conservação ou transformação, ou de circuitos de comercialização eficazes e também devido ao facto de as perdas de produção serem grandes no processo pós-colheita. A produção de arroz tem vindo a reduzir; a produção de cereais nos agregados cobre as necessidades alimentares de apenas oito meses do ano. O resto do consumo provém essencialmente do mercado, onde são comprados graças aos rendimentos monetários ou graças à troca principalmente por caju. O arroz cobre em média cinco meses das necessidades, enquanto os outros cereais cobrem em média dois meses. O amendoim e a mandioca são, a seguir ao arroz, as duas culturas anuais mais importantes. A produção média do amendoim em casca é estimada em 250 quilos por família.
A pecuária tem potencialidades para o desenvolvimento dos seus efetivos. Nos últimos dez anos o aumento mais significativo tem sido no gado caprino e ovino. A Guiné dispõe de recursos florestais consideráveis, com cerca de 2 milhões de hectares de superfície florestal e reservas em madeira estimadas em 48,3 milhões de metros cúbicos. Infelizmente, esta riqueza natural enfrenta um conjunto de problemas como a exploração económica abusiva ou as queimadas.
Cerca de 5% dos agregados familiares rurais têm um consumo alimentar pobre, 15% têm um consumo alimentar moderado e 81% têm um consumo alimentar aceitável.
A balança comercial da Guiné apresenta um saldo negativo, no domínio dos produtos agro-alimentares o saldo tem sido positivo nos últimos anos graças às boas campanhas de produção e comercialização do caju. A Índia é o principal cliente da Guiné-Bissau, adquiriu em 2016 a totalidade do valor exportado em caju com casca. As principais importações da Guiné devem-se a combustíveis minerais, cereais, preparados à base de cereais, equipamentos elétricos, bebidas, veículos automóveis, preparações alimentícias diversas e ferro e aço. A balança comercial agro-alimentar da Guiné-Bissau em relação a Portugal é inequivocamente favorável a Portugal. Em 2016, enquanto Portugal exportou para a Guiné-Bissau 21 milhões de euros em produtos agro-alimentares, esta apenas exportou para Portugal 6 mil euros em sucos e extratos vegetais. As exportações agro-alimentares portuguesas com destino à Guiné-Bissau são bebidas, laticínios e ovos, carne e miudezas, preparação de cereais, gorduras, preparações vegetais e frutas, enchidos e conservas, admite-se uma maior potencialidade exportadora, será o caso do agro-alimentar em preparações caldos e sopas, trincas de arroz, preparações para molhos, massas alimentícias, laticínios, entre outros. Já se referiu o peso que têm a cerveja, o vinho e as águas minerais nas exportações portuguesas. O dossier põe ênfase nas carnes frescas e refrigeradas, nas preparações à base de cereais, mas não deixa de referir que as taxas aduaneiras são altamente punitivas tanto para as gorduras vegetais como animais.
O documento da Câmara Agrícola Lusófona foca-se no agro-negócio e as pescas como motores de crescimento, mas está tudo dependente de um ambiente político e de orientações estratégicas que sejam favoráveis a infraestruturas, ao ambiente de negócios, ao desenvolvimento humano e à biodiversidade. Sendo o porto de Bissau a grande porta de entrada e de saída das trocas comerciais procede-se à sua minuciosa caraterização a que se segue a da rede rodoviária.
A última fase do dossier prende-se com o regime de investimento e os respetivos incentivos fiscais e dá-se uma relação de contatos úteis. Para saber mais sobre a Câmara Agrícola Lusófona e as suas atividades, sugere-se que se consulte o site https://www.calusofona.org/.
Nota do editor
Último poste da série de 8 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24298: Notas de leitura (1580): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (3) (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Guiné 61/74 - P24308: Noites de Mejo (1): O mistério do Extractor perdido (Cor Inf Ref Luís Cadete, ex Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591, 1966/68)
Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto e com um alcance, à superfície, de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg.
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados
O Mistério do Extractor Perdido
Luís Cadete
Um patusco qualquer, com veia para o romance de terror, alcunhou-o de ANTECÂMARA DO INFERNO. E sempre que alguém fazia menção ao sítio, o pessoal a ele destinado arrepiava-se; depois de lá estar uns tempos, esquecia-se do facto e até fazia gala em dizer que por ali estanciava. Estar naquele sítio, muito para lá do sol-posto, que nem sequer Judas parecia ter pisado para ali perder as botas, era um posto, um penduricalho que mais ninguém tinha hipótese de alcançar.
De facto, o sítio ficava a meio de uma extensa e infecta picada, que parecia nunca estar reparada por mais que o pessoal, no intervalo das operações, se esforçasse por tal conseguir, a despeito dos 45º à sombra e da chuva diluviana, que convidavam ao ripanço, mas que o Capitão K*****, nado lá para o Alentejo profundo, além-Guadiana, não permitia. Quer se fosse para Leste ou para Oeste, as bolanhas a transpor, qual delas a mais larga, eram seis para um lado e doze para o outro, segundo o jornal-da-caserna. Uma havia, para Oeste, cuja travessia obrigava a manobras complicadas, demoradas e esgotantes, aquando dos reabastecimentos. De facto, para além de implicar a descarga dos abastecimentos dos Unimog 411 e seu transporte, a braço, para a margem oriental, para de novo serem carregados nas viaturas, necessário se fazia passar estas para a citada margem, sem descurar a segurança das operações de transposição da bolanha, o que era um bico-de-obra de todo o tamanho, que requeria engenho e arte. Graças a Deus, era coisa que não faltava ao pessoal daquela Companhia de Caçadores cuja experiência destas e doutras manobras já levava mais de ano e dia. E então, era assim.
À ordem do Comandante da coluna, avançava o Unimog com guincho cujo cabo era puxado para a margem oriental e abraçado a um frondoso e robusto poilão, que ali estava, quiçá, desde o tempo em que Deus ainda andava pelo mundo; logo que confirmado que a manobra estava executada a preceito, o condutor punha o guincho em marcha e a viatura lá avançava com todos os vagares, atasca aqui, desatasca acolá, auto-rebocada e empurrada, quando necessário, pelo pessoal. Seguidamente, fazendo inversão de marcha, fixava-se o Unimog com um cabo sobressalente ao poilão pelo engate da retaguarda e passava-se o cabo do guincho para a margem oposta da bolanha para rebocar as restantes viaturas, descarregadas, que o pessoal se apressava a recarregar para seguir viagem até à dita ANTECÂMARA DO INFERNO.
Claro que na estação do cacimbo, logo que as bolanhas secavam, a operação estava simplificada, salvo algum atascanso inesperado, que o solo da bolanha não era de confiança. Se não fora o «trabalho de estrada», como o Capitão baptizara as operações de reparação dos troços de estrada entre bolanhas e as operações propriamente ditas contra os quadrilheiros do PAIGC, que se intensificavam, a estação do cacimbo seria o descanso do guerreiro. Malfadadamente, estava longe de o ser. Como era norma, os ditos aquartelamentos não possuíam pontos de água no seu interior, um poço, um furo que debitasse água potável em abundância sem esforço. Assim, com chuva diluviana e calor tórrido ou temperaturas amenas e céu azul, havia que realizar, quotidianamente, a «operação da água», que é como quem diz, era necessário ir com os dois atrelados-tanque de água e respectiva escolta até uma nascente situada a distância imprópria da ANTECÂMARA DO INFERNO para garantir o abastecimento do precioso líquido à Companhia. E o mesmo se passava para a lenha necessária ao funcionamento da cozinha onde pontificava o «chef» 1.º cabo cozinheiro M***** e seus ajudantes.
Todavia, a grande dor de cabeça do Capitão era o abastecimento de água, não só à tropa, mas também à população que com ela vivia numa simbiose perfeita. Segundo ele explicava aos seus oficiais, um poçozinho no interior da tabanca-aquartelamento que debitasse água potável com fartura e pouco trabalho era coisa muito mais importante para a contra-subversão do que uma dúzia ou duas de emboscadas e outros tantos assaltos às posições dos quadrilheiros do PAIGC.
Nesta convicção, quiçá pouco canónica, algum tempo depois de ali chegar e verificar a situação do abastecimento de água, como era homem dado a engenhoquices, imaginou canalizar a água da nascente para o interior da posição por intermédio de tubagem que vira ser utilizada para o efeito lá para os lados da sua terra natal. Segundo ele, abria-se uma trincheira entre a nascente e um dado ponto da tabanca para colocar a tubagem ao abrigo de eventuais acções do IN e estava a coisa feita; era só aterrar a trincheira e pronto, a água jorraria onde era necessária. Então, dirigiu-se aos seus superiores hierárquicos, expondo a questão e a sua importância, solicitando que a Engenharia fornecesse à Companhia os elementos da tubagem julgados necessários à obra. Os meses passaram-se, abateram-se dois quadrilheiros numa emboscada montada na nascente, levantaram-se mais umas quantas minas TM-46, que o pessoal era cuidadoso e eficaz nas picagens, e atacaram-se as organizações do inimigo existentes no sector, mas de Bissau nem novas nem mandadas.
O Capitão, que nunca ninguém vira sair do sério, mudou de estratégia: decidiu solicitar que a Engenharia ali abrisse um furo ou poço, explicando, novamente, a importância de tal melhoramento. Na volta do correio, coisa que o surpreendeu pela positiva, recebe a Companhia um avantajado envelope do Batalhão de Engenharia da Guiné dentro do qual um significativo número de folhas de papel explicavam, com bonecos e tudo, como a Companhia devia abrir um poço a pá e picareta! Quanto à deslocação da Engenharia e do equipamento adequado para a obra pretendida, era coisa fora de cogitação por inadequado. De facto, a distância era grande, as viagens de batelão incómodas, as minas um bico-de-obra e os mosquitos e a outra bicharada que inçavam o destino pouco convidativas eram para quem estanciava por Bissau com tudo do bom e do melhor.
O Capitão leu e releu a resposta, enfiou as manápulas cabeludas pela farta cabeleira castanha na qual já brilhavam alguns fios brancos, a despeito da idade, e começou a bufar. Levantou-se daquela coisa que lhe servia de secretária com as negregadas folhas na mão direita e saiu do edifício que lhe servia de gabinete e de secretaria à Companhia onde pontificava o 1.º sargento D*****, homem competente, honesto e ponderado, com vários anos de tarimba a responder por companhias. A bufar como bicho enjaulado, pôs-se a andar para cá e para lá e a falar sozinho. De repente, parou e num ataque de fúria que nunca ninguém lhe vira, com os olhos injectados, rasgou toda aquela papelada e lançou-a num dos tambores de recolha de lixo, que mandara instalar para não haver desculpas quanto à limpeza. Mais calmo, e como quem fala consigo, berrou:
- Como é que estes filhos-da-puta de Bissau se atrevem a sugerir-me que mande abrir um poço a pá e picareta se nem sequer tenho quem o saiba fazer nem material para o entivar e garantir a segurança do pessoal dentro do buraco? Estão a mangar com a tropa ou comem trampa?
A largas passadas entrou no gabinete, sentou-se à secretária e começou a redigir uma nota, daquelas de caixão à cova, que passou ao 1.º sargento D***** para que a mandasse dactilografar.
O 1.º sargento, que assistira à fúria do seu comandante, leu, pausadamente, o texto e, tirando-se dos seus cuidados, foi ao gabinete do Capitão. Este estava recostado na cadeira, calmo, com ar satisfeito com o que escrevera.
- O meu comandante dá-me licença? - disse o 1.º sargento.
- Entre, ó D*****, e já agora diga-me aí à ordenança que me traga uma bazuca fresquinha que me deu uma sede desgraçada!
Vinda a bazuca fresquinha e um copo, o D***** entrou de rascunho em punho e plantou-se em frente da secretária.
- O meu comandante vai-me perdoar o atrevimento, mas a minha consciência e a estima que tenho por Vossa Senhoria não me permitem mandar dactilografar este texto -, começou o 1.º sargento. - Se Vossa Senhoria me permite, passo a explicar.
O Capitão sorriu-se.
- Então explique lá, mas explicadinho, explicadinho para militar perceber -, respondeu o Capitão de boa catadura.
- Como Vossa Senhoria sabe tão bem ou melhor do que eu, a despeito da razão que assiste ao meu comandante, este texto é excessivamente violento, foi escrito com a cabeça quente. Vossa Senhoria, meu comandante, sabe que se isto seguir assim vai dar origem a um processo disciplinar que não vai resolver problema nenhum, mas vai prejudicar a vida de Vossa Senhoria, meu comandante, e, por tabela, a nossa companhia.
O Capitão debruçara-se sobre a secretária a escutar, atentamente, o que o seu 1.º sargento lhe ia dizendo, sem o interromper.
- Vossa Senhoria, meu comandante, sabe melhor do que eu que há aqui expressões ofensivas da hierarquia e que o RDM não admite - continuou o D***** a suar em bica. - Se Vossa Senhoria, meu comandante me permite, eu tomo a liberdade de pedir a Vossa Senhoria que reveja este texto. Vossa Senhoria é oficial do QP, sabe que eu tenho razão e que não lucra nada em insultar, embora eu não duvide da razão que assiste ao meu comandante, quem teve o topete de enviar à nossa companhia aquela papelada toda. Obviamente, se Vossa Senhoria reiterar a ordem, far-se-á como está escrito neste rascunho, mas quero que o meu comandante saiba que ninguém aqui está interessado em que Vossa Senhoria deixe a companhia e ainda por cima com uma porrada às costas.
O Capitão sorriu-se, um sorriso pleno de tristeza e profunda e insanável desilusão.
- Agradeço-lhe a frontalidade. Dê cá essa merda! - disse o Capitão estendendo a mão por sobre a secretária. - Responder-lhes assim ou assado é dar-lhes uma confiança que não merecem. Portanto, vamos fazer de conta que zurrou um burro. Espero contar sempre com essa sua frontalidade.
Como para a hierarquia era indiferente a construção do poço, melhoramento importante para a guarnição e para a população da tabanca, nem lá iria para ver a obra, o Capitão arrumou o assunto no cesto dos papéis.
Entretanto, para espanto do pessoal e desgosto da população que se afeiçoara àquela tropa, a hierarquia congeminou a rotação da Companhia para uma posição lá para o norte da Zona de Acção Sul próxima da fronteira com a La Guinée. Segundo constava, era sítio relativamente sossegado, com três ou quatro cantinas de libaneses que vendiam de tudo e mais alguma coisa, e instalações para a tropa de boa qualidade, cedidas por uma empresa com sede em Bissau e que ali exercera a sua actividade até ao início dos confuson, expressão que a população usava para designar a guerra. A preocupação do Capitão passou a ser o planeamento da rotação, que implicava entrega de todo o tipo de materiais da Companhia à que a iria substituir na famigerada ANTECÂMARA DO INFERNO.
Entre o material de guerra a entregar, cuja manutenção estivera a cargo do furriel de Armas Pesadas V*****, homem do Norte, rigoroso, competente, dedicado ao serviço e afeiçoado ao Capitão, estava uma metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951, que sempre cumprira a sua função sem falha alguma. A Browning fora sempre, tal como o restante armamento pesado de defesa do “aquartelamento”, uma máquina a debitar lume. Apenas os quadrilheiros do PAIGC, que teimavam em meter-se-lhe no sector de tiro, tinham razão de queixa.
Trocadas as Secções de Quartéis para a recepção do material e dois grupos de combate, a entrega e recepção dos materiais decorreu sem incidentes e, consequentemente, as Guias de Entrega foram assinadas por ambas as partes em rotação sem qualquer observação. E assim se completou a transferência das companhias, transferência essa que não agradou à nova Companhia da ANTECÂMARA DO INFERNO que, na realidade, passava de cavalo a burro. Coisas… Ora, o capitão de Artilharia A*****, comandante da Companhia de Artilharia***** recém-transferida mais para o sul, decidiu que se desmontasse completamente a metralhadora para ser devidamente limpa, pois não confiava em quem lha passara, embora a tivesse visto a funcionar como um relógio e não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega após assistir à conferência do respectivo completo, prova de que tudo estava em ordem.
E descansou.
Descansou ele e a guarnição da metralhadora, dada ao ripanço, ao que parecia. E pelas três da madrugada do dia seguinte, sem se fazerem anunciar, os quadrilheiros do PAIGC flagelaram à grande e à francesa a nova companhia que, surpreendida com a novidade, tardou em responder com eficácia, permitindo que o inimigo fizesse estragos, nomeadamente na tabanca, o que caiu muito mal à população. Montada a toda a pressa no meio da escuridão, a já mais do que citada Browning não correspondeu ao que dela se esperava; ficou em silêncio, um silêncio inexplicável, porquanto toda a gente a ouvira cantar aquando da entrega.
Mal a aurora despontou lá para Oriente, verificou-se que faltava uma peça naquela máquina de cuspir ferro e fogo: nada mais nada menos que o extractor, segundo informação da ignara guarnição da metralhadora! E no relatório da flagelação, que fez seguir até ao topo da hierarquia, à falta de melhor justificação da ineficácia da resposta, o capitão A***** não hesitou em culpar a Companhia de Caçadores**** que lhe passara uma arma inoperacional, embora não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega sem observações que pudessem vir a justificar alguma falha posterior. E sem ter tido a hombridade de colocar a questão ao seu homólogo para que este, eventualmente, a resolvesse. Bem vistas as coisas, a falta de um extractor é questão de lana-caprina, que qualquer capitão sabe como resolver sem estardalhaço.
Ora, no Comando Militar, onde tudo parecia indicar que se percebia tanto de metralhadoras Browning 12,7 mm como de lagares de azeite, ninguém duvidou da narrativa do capitão A*****, manifestamente ressabiado com a rotação que lhe calhara em rifa. E vai daí, remete-se uma nota, confidencial-pessoal, ao capitão K***** para que respondesse à funesta questão do extractor, logo ali transformada em casus belli, à falta de melhor que demonstrasse o empenho do topo da hierarquia na satisfação das necessidades das companhias em sector. Claro que o assunto era um não-assunto, porquanto se havia uma peça em falta, ainda por cima coisa tão corriqueira como um extractor, bastava oficiar o capitão A***** para que o requisitasse ao Serviço de Material em Bissau e elaborasse o competente auto de extravio ou incapacidade do especioso extractor para apreciação superior ou, mais eficaz ainda, ordenar ao dito que enviasse um extractor à companhia que dele carecia. Mas não. A nota confidencial-pessoal pareceu ser a coisa mais eficiente e eficaz para resolver aquele caso bicudo do extractor alegadamente em falta e devolver, num abrir e fechar de olhos, a total operacionalidade à companhia do capitão A***** na defesa do “aquartelamento”.
Enquanto o pau ia e vinha, a companhia do capitão K***** estava entretida a reconstruir um abrigo que herdara derruído e a restaurar o espaldão do morteiro 8 cm que fora invadido pelo baga-baga e se encontrava inoperacional por herança, tudo isto e mais não sei o quê sem espalhafato nem relatórios lamurientos.
Face ao conteúdo da confidencial-pessoal, o capitão K***** rascunhou uma resposta cordata, que se resumia a explicar que, segundo o Manual de Funcionamento da Metralhadora Pesada Browning 12,7 mm m/951, esta arma não possuía extractor amovível que pudesse, consequentemente, extraviar-se ou danificar-se; de resto, a Companhia de Caçadores ***** possuía o duplicado da Guia de Entrega devidamente assinado sem observações, mas mais do que isso, a citada arma sempre funcionara durante a permanência da Companhia na anterior posição e voltara a fazê-lo durante a entrega do material na presença do capitão A*****. E ponto final.
Ao chegar ao Quartel-general do Comando Militar, a resposta à confidêncial-pessoal desencadeou uma verdadeira tempestade de comentários, qual deles o mais inadequado. O conteúdo daquele pedaço de papel, mais ou menos rectangular, era um escândalo! E por tal razão foi levado, com urgência, ao gabinete do Chefe da Repartição de Logística onde se encontrava o capitão G*****, recém-chegado à Guiné no comando da *****.ª Companhia de Comandos, a tratar de assuntos relacionados com a sua companhia aquartelada em Brá, uma pequena cidade militar entre Bissau e o aeroporto de Bissalanca. Para aumentar a confusão e dar opiniões do estilo «Eu acho que…», o chefe da Secção que recebera a resposta do capitão K***** fazia-se acompanhar de três ou quatro majores do CEM.
Posto o tenente-coronel do CEM chefe da repartição ao corrente da resposta e dos antecedentes, houve logo quem adiantasse que o subscritor além de «intratável» era fulano que «tinha a mania de que sabia mais do que o capitão A*****». Para aquela oficialidade altamente qualificada, era inconcebível que o capitão A ***** não soubesse o que dizia e, portanto, a malfadada Browning tinha mesmo extractor amovível que o capitão K***** sonegara na transferência do material! A resposta deste capitão não passava de um disparate, de uma heresia, de uma espécie de desculpa de cabo quarteleiro apanhado em falta, a necessitar de acção adequada ao despautério!
O capitão G*****, aluno brilhante da Academia Militar e não menos brilhante oficial da Arma de Cavalaria e dos Comandos, que fora apanhado no meio daquela tempestade sem nada ter a ver com a questão, era velho conhecido e amigo do capitão K***** e não deixou de se irritar com aquela vozearia que nada adiantava, porquanto não passava de um conjunto de opiniões pessoais não fundamentadas, logo subjectivas, arbitrárias e gratuitas, de achismos, que nada valiam perante o que constava do Manual, ou seja, sem qualquer suporte na chamada Doutrina. E resolveu entrar na dança.
- Vossa Excelência, meu tenente-coronel, vai perdoar-me, mas não pude deixar de ouvir a conversa. E conhecendo eu o capitão K***** como conheço, não tenho a mais pequena dúvida de que se ele diz que a metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951 não tem extractor amovível é porque não tem. De resto, o capitão K***** foi durante três anos instrutor de armas pesadas dos Cursos de Sargentos Milicianos. De qualquer forma, se me é permitido o atrevimento, esta questão não carece de discussão, não é uma questão de opinião, porquanto basta consultar o Manual a que ele se refere. E o que lá está é lei, salvo melhor, mais douta e abalizada opinião.
Um silêncio incómodo inundou o amplo gabinete do Chefe da Repartição e ficou a pairar, por alguns instantes, deixando ouvir o zunir do ar condicionado.
- Bem… - disse, finalmente, o Chefe da Repartição um tanto ou quanto contrafeito - Ó M*****, faça-me o favor de dizer à ordenança para ir à biblioteca e trazer o manual da Browning.
E toda aquela oficialidade aguardou em silêncio expectante a chegada do tira-teimas.
E foi a desilusão. Preto no branco, sem qualquer margem para dúvida, não se falava naquele caderninho de capa parda de qualquer extractor, amovível ou outro que fosse; a maldita metralhadora do descontentamento daquela oficialidade, ainda há pouco pronta a lapidar, se necessário fosse, o atrevido capitão K***** e a sua heresia, não tinha extractor amovível!
E de fininho, sem mesmo pedirem a licença regulamentar ao Chefe da Repartição, foram saindo de orelha murcha e rabo entre as pernas, deixando o capitão G***** tratar do que ali o levara.
Afinal, o execrado e execrável capitão K***** sabia mesmo o que dizia.
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Guiné 61/74 - P24307: Facebook...ando (27): Op Neve Gelada, na zona de Campã / Cantiré, 5 km a norte de Canquelifá, onde estavam as bases de fogos (morteiro 120 mm e foguetões 122) usados contra Canquelifá
Foto (e legenda): © José Marques (2023). Todos os direitos reservados.
1. Seleção de comentários, gerados no Facebook da Tabanca Grande (*), na sequência da publicação do poste P24305 (**):
(i) Tabanca Grande:
Depois do ataque e destruição da tabanca de Canquelifá, 18 de março de 1974, por fogo IN de morteiro 120 mm e foguetões 122 mm), foi desencadeada a Op Neve Geada, de 21 a 23 de março de 1974, tendo sido batida a zona de Campã / Cantiré, sector L4 (Piche), a cerca de 5 km, a noroeste Canquelifá, numa ação levada a cabo pelo BCmds da Guiné, a três agrupamentos.
Na zona estava referenciada uma base de fogos IN. No dia 21, pelas 14h45, a base de fogos foi assaltada, tendo sido apreendidos:
- 3 morteiros 120 mm;
- 367 granadas de morteiro 120 mm;
- 1 LGFog RPG-2; (iv) 2 espingardas automáticas Kalashnikov;
- e material diverso.
(ii) O cor 'comando' ref Raul Folques acrescentou o seguinte:
Na Op.Neve Gelada, zona de Canquelifá, o Batalhão de Comandos da Guiné capturou ao IN_:
- 3 mort. 120mm completos;
- 1 tubo de mort. 120mm , 2 tripés, 1 prato/base;
- e 367 granadas de mort.120mm.
(iii) O Cherno Baldé levantou a questão da localização das bases de fogos:
Tabanca Grande Luís Graça, não fosse essa operação dos Comandos Africanos, efectuada na localidade de Campã para aliviar a pressão sobre Canquelifá, ainda hoje continuariam a pensar que as bases de fogo se localizavam sempre a partir dos territórios vizinhos e assim justificar a impotência do exército português de fazer parar estes ataques.
Cherno, o PAIGC tinha camiões russos, em março de 1974 (e já antes, desde pelo menos 1968)... Podia perfeitamente penetrar com os morteiros 120 no território da então colónia portuguesa da Guiné... A partir de março de 1973, devia sentir-se mais "à vontade" com a proteção do Strela...
O cor 'comando' Raul Folques, "Torre e Espada", que comandava o Batalhão de Comandos da Guiné na Op Neve Gelado (mas também o cor 'comando' Carlos Matos Gomes, que comandava um dos três Agrupamentos) é que nos pode confirmar hoje (já não é segredo de Estado) se entrou ou não na República da Guiné e se as bases de fogos dos morteiros 120 mm (e dos foguetões 122 mm) estavam ou não em território da Guiné-Bissau, como parece sugerir o Cherno Baldé...
Em relação à localização das bases de fogo, verificamos pela carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil), que Campã (e não Campiã), uma antiga tabanca, ficava a 5 km, a norte de Canquelifá... Deve ser sido aqui que o PAIGC posicionou os morteiros 120 mm, cujo alcance máximo era de 5700 metros... Cantiré ficava um pouco mais mais longe (cerca de 7 km em linha reta)...
(v) Esclarecimento de António Tavares:
Gosto
Em Copá, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 74, caíram algumas centenas de granadas deste morteiro.
Contávamos todas as saídas e, poucos segundos depois estávamos a contar as explosões junto de nós e só ficávamos descansados quando explodia a última de cada série, felizmente sem consequências físicas para nenhum de nós.