quinta-feira, 4 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25336: A nossa guerra em números (25): Reordenamentos populacionais: materiais (das rachas de cibe às chapas de zinco) e custos


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 ( Bambadinca) > Xime > Cais fluvial do Xime >1970 > 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) >  Ao centro, em segundo plano, de óculos escuros e boné azul (da FAP),  o fur mil op esp Humberto Reis, cujo grupo de combate estava encarregue de escoltar o transporte de milhares de rachas de cibe, desembarcadas no cais do Xime, e destinadas ao reordenamento de Nhabijões, um dos maiores da época (iniciado com o BCAÇ 2852, 1968/70, e continuado com o BART 2917, 1970/72)... Este 2º Pel ficou cedo sem alferes, o António Manuel Carlão (1947-2018), destacado para a equipa do reordenamento de Nhabijões.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto, em finas do ano de 1971:  reordenamento, de dimensão média (c. 110 casas, cobertas a chapa de zinco, com o quartel à direita, em primeiro plano.  Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17849, Ano 52, Quinta, 31 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5170 (2022-5-3)

1. Não sabemos se há estudos sobre a historial (e também o custo) dos reordenamentos da Guiné. É possível que existam, no Arquivo Histórico-Militar, muita informação técnica e económico-financeira sobre os reordenamentos das populações. Deixemos isso para os investigadores. (*)

Temos, no nosso blogue, alguns dados, parciais e dispersos,  sobre os reordenamentos populacionais, que foram um peça fundamental da política spinolista "Por uma Guiné Melhor".

É verdade que não foi o Spinola quem "inventou" a figura do "reordenamento" (já havia a experiência francesa das "agrovilles", na guerra da Indochina, nos anos 50,  depois o "Strategic Hamlet Plan" dos americanos no Vietname, com as suas "aldeias estratégicas";  e de novo os "regouprements" franceses na guerra na Argélia, nos anos 60).

Mas também é  verdade que a palavra "reordenamentos" praticamente não se ouvia antes do "consulado" de Spínola (1968-1973): nos livros da CECA sobre a actividade operacional no CTIG, a palava não aparece no livro 1 (até finais de 1966) (há duas referências com o descritor "reordenamentos", um deles no âmbito da criação, em 1973 (quando entrou em vigor o Estatuto Político-Administrativo da Província da Guiné), do Conselho Provincial de Educação Física e Desportos e Reordenamemtos, no âmbito dos nova orgânica dos Serviços da Administração Central... 

 Já no  livro 2 (1967-1970) há  cerca de 70 referências (Reordenamento / reordenamentos). 

Logo em 3jun68, na sequência de uma reunião no QG/CTIG, é publicada a Directiva n° 2/68, que "ordena o estudo imediato da remodelação do dispositivo na área de Aldeia Formosa por forma a obter o rápido reordenamento e instalação das tabancas em autodefesa, respeitando o princípio da concentração de meios", a ser concretizada "antes da época das chuvas".

 Em 30 de setembro, sai outra importante diretiva,   Directiva nº 43/68, de 30Set ("Porque o reordenamento das populações e a sequente organização das tabancas em autodefesa é um problema complexo e que requer técnica especializada, é determinado o seu estudo num dos departamentos do Gabinete Militar do Comando-Chefe "(...).

No essencial, a doutrina do Com-chefe sobre sobre o assunto ("Reordenamento das populações e organização da autodefesa") é definida nesta época (1968/70).

Em 1969, na época seca, deu-se início â construção dos primeiros grandes reordenamentos. Noutra ocasião daremos notícia mais detalhada sobre estas atividades. 

No último livro da CECA sobre a atividade operacional na Guiné (1971/74) são 63 as referências aos descritores reordenamento/reordenamentos. (*)

Em meados de 1972, e regundo informação do Avelino Rodrigues, em trabalho de reportagem sobre a Guiné de Spínola, haveria uma centena de "aldeias de zinco", coo Nhabijões.

2. Vejamos agora um memorandum elaborado pelo Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia 447  entregue, em julho de 1971, aquando da visita à Guiné de uma delegação da ONU (***).

(...) Tem o Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia habilitado inúmeros oficiais, sargentos e cabos com o estágio de reordenamentos. Esses elementos, formando equipas constituídas por um oficial (alferes), um encarregado de obras (furriel),  um pedreiro (cabo) e um carpinteiro (cabo),  executaram no interior da província com a colaboração das populações, cerca de 8.000 casas cobertas a colmo e 3.880 cobertas a zinco nos últimos anos.

O Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia 447 tem apoiado essas construções com material e, quando solicitado, tem prestado assistência ténica localmente.

A esse volume de trabalho correspondem as seguintes quantidades de materiais:
  • Rachas de cibe - 542.000
  • Chapas de zinco - 550.960
  • Ripas - 756.600 metros
  • Pregos - 120.280 kg
  • Anilhas de chumbo - 27.160 kg
  • Cimento - 19.400 sacos

Ainda segundo a mesma fonte, para, por exemplo, 60 casas T2, havia necessidade de adquirir:
  • 11.700 ripas; 
  • 780 kg de pregos n.º 15; 
  • 600 kg de pregos n.º 7; 
  • 480 kg de pregos zincados; 
  • 420 anilhas de chumbo 6/8"
  • e 8.520 chapas de zinco (em média, 142 chapas por casa T2)

3. Segundo o gen Bettencourt Rodrigues. o último com-chefe do CTIG, até ao final de 1973, as Forças Armadas tinham construído 15.700 casas, 167 escolas, 50 postos sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento de água. (pág. 115) (****)

Destas 15,7 mil casas, 2/3 deviam ser cobertas a colmo, e as restantes (c. 5200) a zinco (estimativa nossa)

A casa com cobertura de zinco era, na época, o supremo luxo para um guineense a viver no interior (ou na cidade, em Bissau)... O colmo tinha que ser substituído todos os anos, exigindo maior volume de mão de obra. Mais ecológico e mais aconcelhado do ponto de vista térmico, aumentava, todavia, o risco de incêndio. 

O zinco, importado, deveria ser o materia mais caro da casa. No total, podemos estimar em 738,4 mil as chapas de zinco fornecidas pelo BENG 447 para os reordenamentos populacionais... 

Hoje um metro quadrado chapa de zinco deve custar em média 7 euros...Admitindo que as chapas usadas nos reordenamentos fosse de 100 cm x 100 cm (1 metro quadrado) , teríamos um custo de c. de 5,2 milhões de euros, a preços de 1971 (ano médio do "consulado" de Sínla, 1968/73) seria qualquer coisa como 315 mil contos (mais ou menos o orçamento anual da província!)...

Mas havias outros materiais a contabilizar...como, por exemplo, as rachas de cibe.


3. Já não nos lembramos quantas rachas de cibe levava uma casa... Só a estrutura do telhado, com cobertura de folha de zinco, deveria levar pelo menos umas 20... Mais outro lado, para suportar o telhado ao longo do varandim a toda a volta.. 

O total de casas em construção em Nhabijões era de 350, fora os equipamentos coletivos ou sociais...  Na altura falava-se que cada racha de cibe ficava ao exército em 7$50 (sete pesos e meio)... 

Um total de 15 mil rachas de cibe,  é nossa estimativa do material transportado do Xime para Nhabijões, com um custo direto de mais 100 contos.  (Em 1970, a preços de hoje, seria qualquer coisa como 33,5 mil euros)... 

Se, entre 1969 e 1974, as Forças Armadas no CTIG ajudaram a construir 15  mil casas, no total das tabancas reordenadas e, admitindo que cada casa, com colmo ou chapa de zinco, levasse pelo menos 50 rachas de cibe, temos um total de 750 mil rachas de cibe, com um custo de 5,6 mil contos (a preços de 1971  representariam hoje cerca de 1 milhão e 700 mil euros...

Uma tal quantidade de rachas de cibe (e admitindo  que um tronco dava 4 rachas) terá implicado o abate de 187,5 mil palmeiras, dependendo da altura de cada uma (o que, num pequeno território como o da Guiné, corresponderia a um gigantesco palmeiral;  o nome científico desta palmeira é Borassus aethiopum;  tem tradicionalmente  grande importância na construção civil; pode atingir os 20-30 metros de altura, pelo que o seu espique ou tronco dará mais do que 4 rachas).

Para além das chapas de zinco e das rachas de cibe, haveria ainda que contabilizar as ripas, as portas e janelas, os pregos, as ferragens, o cimento... Tudo isso custava dinheiro. O resto, a mão de obra (civil e militar), os transportes, a segurança, outros materiais como os tijolos de adobe, etc.  tudo era de borla (mas tinha um custo, indireto e oculto). 

 O PAIGC não gostou da "brincadeira": em 13 de janeiro de 1971, as NT accionam duas potentes minas A/C à saída do reordenamento de Nhabijões, de que resultaram 1 morto e bastantes feridos graves... (Por sorte, para a população local e possivelmente com a sua conivência, não havia civis a bordo do Unimog 411 que às 11h00 ia a Bambadinca, como era habitual, buscar o almoço para os militares destacados. )

Em outubro de 1973,  e pela primeira vez na história da guerra, o grande reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta e onde vivia gente com parentes no "mato", foi flagelado, ao mesmo tempo que o destacamento do Mato Cão. Aviso intimidatório ? Retaliação ? 

Nhabijões, no subsetor de Bambadinca, era então, no final de 1969,  um importante aglomerado habitado por gente com parentes no "mato", e que era tradicionalmente considerado, antes do reordenamento, como um conjunto de núcleos habitacionais ribeirinhos "sob duplo controlo".  

Só a CCAÇ12, deu 1 alferes, 1 furriel e 1 cabo (metropolitanos) e 1 soldado (guineense) para integrar a equipa técnica do reordenamento de Nhabijões... E destacava periodicamente militares para a sua defesa... O seu primeiro morto foi o sold cond Manuel Soares, em 13/1/1971. Nhabijões foram, por isso,  também "regados com o nosso sangue"...

De qualquer modo, Marcelo Caetano mais os seus ministros da Defesa, do Ultramar e das Finanças tramaram a política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"...
 Ao que se sabe, o sucessor de Spínola já não terá tido a mesma abundância de dinheiro para continuar a fazer a "psico"... 

Ora, quer se goste ou não, há uma Guiné antes e depois de Spínola:

  • Quando ele chega em meados de 1968, o território tinha 60 quilómetros de estrada alcatroada;
  • Cinco anos depois, são 550 km de estrada alcatroafa;
  • No ano escolar de 1970/71, a tropa administra 127 das 298 escolas primárias do território, ou seja cerca de 43%.; o resto eram as escolas oficiais , como a de Bambadinca (30%)  e as particulares,como escolas das Missões Católicas (27%);
  • Spínola deixa o território com uma criança em cada três, em idade escolar, a frequentar a escola
Spínola chegou a ser  uma ameaça série ao PAIGC... Mas homens como António Spínola ou Sarmento Rodrigues foram exceções na história da administração colonial na Guiné...
____________

Notas do editor:


(**) Vd. CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, 533 pp.)

CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 2 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, 604 pp.)

CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 3 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015, 554 pp)

(**) Último poste da série > 28 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25312: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIII: Cerca de 95% do total dos médicos e 75% dos professores em serviço no território eram militares...

(***) Vd. poste de 18 de etembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12057: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (9): Os reordenamentos populacionais

(****) Vd. poste de 28 de março de  2024 > Guiné 61/74 - P25312: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIII: Cerca de 95% do total dos médicos e 75% dos professores em serviço no território eram militares...

Guiné 61/74 - P25335: Parabéns a Você (2258): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

____________

Nota do editor

Último post da série de 3 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25329: Parabéns a Você (2257): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS / STM (Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72)

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25334: Ser solidário (268): Vamos ajudar a ONGD Afectos com Letras (NIF 509 301 878), consignando-lhe 0,5% do IRS de 2023 (Com o valor consignado em 2022, instalaram duas descascadoras de arroz na Guiné-Bissau o que permitiu que dezenas de meninas passassem a frequentar a escola)

Mensagem da ONGD Afectos com Letras (afectoscomletras@gmail.com)
Date: quarta, 13/03/2024 à(s) 11:57
Subject: Consignação do IRS à Afectos com Letras - NIF 509 301 878


A entrega do IRS 2024 decorre entre 01/04 e 30/06, mas até 31 de março de 2024, já podem escolher a instituição a quem pretendem consignar o V/ IRS, bastando aceder ao Portal das Finanças em: https://irs.portaldasfinancas.gov.pt/.../consig.../ comunicar e indicar o NIF pretendido.

Ao consignarem 0,5% do IRS à Associação Afectos com Letras, permitem que proporcionemos o acesso à educação e a um futuro com mais oportunidades às crianças na Guiné-Bissau e, muito particularmente, às meninas guineenses.

Contamos convosco para que as crianças na Guiné-Bissau possam continuar a contar com o nosso apoio!

Nota: Com o valor que nos foi consignado em 2022, instalámos duas descascadoras de arroz na Guiné-Bissau e permitimos que dezenas de meninas passassem a frequentar a escola. Iremos adquirir nas próximas semanas mais duas máquinas descascadoras com o valor consignado em 2023 e esperamos poder contar convosco para continuar a bonita aventura de levar até mais comunidades guineenses esta máquina que cria tempo e oportunidades de futuro.
_________________________________

Associação Afectos com Letras, ONGD
Rua Engº Guilherme Santos, 2
Escoural , 3100-336 Pombal
NIF 509301878
tel - 91 87 86 792
venha estar connosco no https://www.facebook.com/afectoscomletrasongd

_____________

Nota do editor

Último post da série de 1 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25325 Ser solidário (267): Vamos ajudar a ONGD Ajuda Amiga (NIPC 508617910), consignando-lhe 0,5% do IRS de 2023 (Relativamente ao IRS de 2022, recebeu cerca de 4,5 mil euros)

Guiné 61/74 - P25333: (De) Caras (204): É-se um Soncó para toda a vida (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Pode demorar mais de meio século, mas os Soncó encontram-se, é mais do que uma questão de sangue, foi a intensidade das ligações que as circunstâncias proporcionaram, ainda hoje me interrogo o que teria Mamadu Soaré Soncó visto em mim, que confiança eu lhe merecia, para me ter suplicado vezes sem conta que queria vir comigo para Portugal, queria estudar, se eu tinha ajudado os meninos a ter escola em Missirá, ele queria ir mais longe. Não foi possível satisfazer o pedido de Mamadu, mas ele sabia que numa outra ocasião nos encontraríamos, como aconteceu num domingo de março de 2024. São as imagens deste encontro e as do que antecede que deposito nas vossas mãos.

Um abraço do
Mário



É-se um Soncó para toda a vida

Mário Beja Santos

Toca o telefone, sem demora Abudu Soncó anuncia que Mamadu chegou a Portugal, perguntei que Mamadu, pois, o Soncó, aquele a quem davas aulas, que queria vir contigo para Portugal, em 1970. Veio muito doente, assim que nos telefonámos perguntou por ti, tem urgência em ver-te. Mora na Damaia. Negociámos a data, almoço num domingo de março, e vejo chegar o casal acompanhado de Abudu. Sentados à mesa (os doentes crónicos não estão sujeitos às regras do Ramadão), lembrámos muita coisa, fiquei informado de que Mamadu é um diabético em estado grave, com elevado colesterol a pedir medidas severas, está a fazer uma bateria de exames. Quando lhe ofereci os meus livros, lembrei aquele episódio que está registado no nosso blogue e que aparece no segundo volume do meu Diário da Guiné. Mamadu apareceu-me em Bambadinca, que queria falar comigo, terá sido na primeira semana de julho de 1970. Que queria vir comigo para Portugal, que eu sabia que ele era afeiçoado aos estudos, não me deixaria mal, era só uma questão de pedir licença no barco para vir comigo, estamos a falar de um jovem que teria entre 12 a 13 anos. Enterneceu-me tudo quanto me estava a dizer. Talvez fosse possível eu trazer um filho de um ano, inteiramente impossível trazer um jovem numa embarcação exclusiva de militares, Mamadu não se rendeu, disse-me categoricamente que ficava na minha companhia e esperava que eu reconsiderasse, pedisse ao comandante do barco para vir comigo. E à cautela apresentava-se todas as noites naquele quarto de quatro camas, e dormia num colchão que trazia, a meus pés, os meus camaradas alferes da CCAÇ 12, ao princípio ficaram atónitos com a intrusão, depois habituaram-se à presença do Mamadu, que saía logo de manhã da camarata e só regressava à noite. E não quero reproduzir o que foi a nossa despedida, momentos antes da coluna me levar ao Xime, uma despedida lancinante, ele, mortificado, viu-me partir só com promessas, que nunca foram cumpridas. É assim o destino, mais meio século depois um Soncó procura alguém a quem o régulo do Cuor, quando partia em novembro de 1969 para Bambadinca me pediu para jurar que nunca esqueceria os Soncó. Mal ou bem, cumpri ou estou a cumprir. E que no Cuor, os Soncó não me esqueçam como eu não os esquecerei até que a luz se apague na minha vida.
Estou de braço dado com a Djassió Soncó, à minha direita está o marido, Quebá Soncó, um dos irmãos do régulo do Cuor, o meu guia, o nosso relacionamento nem sempre é dos mais felizes, mas na verdade ele conhece o regulado a palmo, mesmo quando denota temor é de uma lealdade sem mácula. Depois da independência, apareceu morto no cárcere em Bafatá. São os pais de Mamadu Soaré Soncó, que conheci em menino, a quem dei efemeramente aulas de português, o resto é para contar depois. O que tem de especial esta imagem? Há a convicção geral dos civis que se incorporam nesta coluna dita de abastecimento que vamos para Bambadinca. A Djassió aperaltou-se para ir visitar família. Os picadores receberam a incumbência de picar bem até Canturé, depois viram à direita, pela estrada que liga Jugudul- Porto Gole-Enxalé-Missirá-Gambiel-Bafatá, uma via que está interdita há anos. Pois hoje, vamos até ao Enxalé, depois de montar segurança em Mato de Cão. Consigo neste momento ver o ar de pânico da Djassió quando viram em Canturé e lhe digo que hoje vai visitar a família no Enxalé… Como aconteceu. No regresso, a malta do PAIGC em Madina não deixou de se manifestar contra, lançou umas morteiradas à distância, rimos a bom rir, mas a malta do PAIGC apareceu dias depois e flagelou Missirá, felizmente com poucas consequências.
No final do Ramadão de 1968, Missirá a jogar com uma equipa de Bambadinca, juntaram-se voluntários do Pel Caç Nat 52, do Pelotão de Milícias n.º 101 e dois civis. Com que saudade olho para a direita e vejo o furriel Casanova, o soldado Ieró Djaló, que me arranjou uma embrulhada na Operação Anda Cá, em 22 de fevereiro de 1969, quando deixou fugir um prisioneiro; à minha esquerda está o Teixeira das Transmissões e depois o Barbosa, segue-se um jovem que esqueci o nome, tenho de perguntar ao Abdul, ele guarda uma memória de elefante. Mas de pé, mesmo à ponta esquerda, aquele jovem chama-se Mamadu Soaré Soncó.
Em pleno Ramadão, comprei 14 metros de tecido e mandei fazer a minha fatiota com um lindo bordado, manga di ronco! E fez-se uma fotografia, a braço o régulo Malã Soncó, um verdadeiro príncipe, na plena aceção da palavra, temos novamente Quebá Soncó e depois o chefe da tabanca, Mussá Mané, este dava-me cabo da cabeça com os pedidos insistentes para fazer colunas para suprir as faltas de arroz. E eu todos os dias percorria aquelas terras férteis que a guerra as tornara infecundas…
Fotografia tirada no vestíbulo da minha casa, abraço Mamadu Soaré Soncó, já lá vão mais de 50 anos, a Sónia Intchasso, quem diria que é sexagenária, guarda um olhar doce e veio visitar-me formosa e segura, e depois o Abdu Soncó, um irmão que Deus me deu, vive aqui desde 1996, estou sempre a pedir-lhe que se naturalize, os seus problemas do foro cardiovascular não lhe permitem voltar à Pátria, cheguei àquela idade em que nos inquietamos muito pela sorte daqueles que amamos profundamente.
Exigência de Mamadu, traja de branco, é sinal que foi a Meca, é fotografia que ele quer mandar para o Cuor e arredores, o Branco de Missirá está vivo e apresenta-se.
Sónia Intchassó na varanda onde almoçámos, em todo o seu esplendor, veja-se a etiqueta e o modo natural como estende as suas mãos, as Mandingas gostam de caprichar.
Outra exigência de Mamadu, sei lá o que lhe passou pela cabeça, sei lá quem o ajudou a arranjar esta foto, trouxe este pano de pente e mandou bordar o meu nome e pôr fotografia. Fiquei a gaguejar, agradeci muito, o Mamadu impôs a fotografia, para que conste, para que se veja no Cuor.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25174: (De) Caras (203): Nota solta (José João Domingos, ex-Fur Mil At Inf)

Guiné 61/74 - P25332: Os nossos seres, saberes e lazeres (621): Giselda e Miguel Pessoa, o casal mais strelado do mundo, entrevistado no Jornal Nacional da TVI, 20h00, de 2 de Abril de 2024



Frames, com a devida vénia à TVI

Passou ontem no Jornal Nacional da TVI, às 20h00, uma entrevista feita pelo jornalista Victor Bandarra ao casal Giselda e Miguel Pessoa, integrada na contagem decrescente para os 50 anos do 25 de Abril.

Com as imprecisões do costume, basta ler o subtítulo acima reproduzido, a entrevista lá decorreu com os nossos camaradas, Giselda e Miguel a tentarem repôr a verdade dos factos. Os vídeos apresentados nada têm a ver com os assuntos tratados, mas também a isto estamos já habituados.

Mais do mesmo, não fosse o se tratar de um apontamento dedicado à recuperação do nosso Tenente Piloto Aviador Miguel Pessoa e de nesse salvamento estar a enfermeira paraquedista, Giselda Antunes, que pelos factos conhecidos, teve direito a ficar com o "salvado". Hoje são o casal mais "strelado" do mundo, que merecia muito mais nesta reportagem.


A entrevista pode ser vista na TVI Player, aqui, ou procurando nas boxes o Jornal Nacional das 20h00 do dia 2 de Abril.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25331: S(C)em Comentários (31): Os reordenamentos no desenvolvimento socioecnómico das populações (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Região de  Bafatá  > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento de Nhabijões   > O 1º  cabo António Mateus, no  espaldão da bazuca 8.9. Um grupo de combate, constituído por "inválidos de guerra", de várias subunidades, defendia o reordenamento de Nhabijões que era tão grande (mais de 300 casas) que era praticamente impossíve garantir a sua efetiva defesa e sobretudo impedir que a população continuasse a manter contactos com os seus "parentes no mato"...

Foto do álbum do 1º cabo aut inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, António Mateus, que  foi gravemente ferido na Op Pato Rufia, em 7 de setembro de 1969, e evacuado para o HM 241. Eu estava a escassos metros dele. 

Depois de ter estado emigrado em França. fixou-se em Guifões, Matosinhos onde é vizinho do Albano Costa, e tem hoje o seu negócio próprio.

Depois de regressar do hospital, em data que já não posso precisar (talvez finais de 1969, princípios de 1970), o António Mateus foi integrado na força que defendia o destacamento do reordenamento de Nhabijões, composto por militares (em geral, com algum "handicap" físico, resultante de ferimentos em combate ou acidente) da CCAÇ 12, da CCS / BCAÇ 2852 (e depois do BART 2917) e outros (como o Pel Caç Nat 52). Creio que ficou lá o resto da comissão. Também eu passei por lá, por Nhabijões...  E na Op Pato Rufia estava a seu lado. (LG)


Foto: © António Mateus (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Nhabijões > 1970 > CCS/BART 2917 (1970//2) >

"Trocando a espada pelo arado", ou melhor, a G3 pela pá, a pica e a enxada... Pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões, um conjunto de aldeias sob duplo controlo, junto ao Geba Estreito, pertencente ao posto administrativo de Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste. 

Foto de finais de 1970 gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf mil sapador da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). O Moreira será vítima de mina A/C em 13 de Janeiro de 1971. Fazia parte da equipa do reordenamento de Nhabijões. A CCAÇ 12 também deu meia dúzia de elementos, que foram receber formação específica em Bissau, no BENG 447.
 
Foto: © Luís Moreira (2005)Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]




Guiné > Zona Leste > Região de  Bafatá  > Setor L1 (Bambadinca) >  Destacamento e reordenamento de  Nhabijões > CCAÇ 12 (1969/71) /BART 29187 /1979/72)  >1970 > Luta balanta, presenciada por militares destacados para protecção do reordenamento (à esquerda, o fur mil  Henriques, da CCAÇ 12, de calções, tronco nu e óculos escuros... Ao fundo, a nova tabanca, reordenada).

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-fur mil at inf, op esp,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1. Em geral, todos os reordenamentos implicavam sempre algum tipo de violência e conflitualidade, de parte a parte, das NT, das populações "reordenadas" e do PAIGC a quem a população era subtraída...

A minha única experiência foi o reordenamento de Nhabijões, um dos maiores, senão o maior do CTIG, no setor L1 (Bambadinca)...Nunca fiz parte da equipa do reordemanento, mas estive lá destacado com um Gr Comb, pelo menos uns tempos... E apanhámos lá com duas minas A/C...em 13/1/1971... Mas já antes, a partir do final de  1969, no início do estudo do reordenamento, ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70), fazíamos patrulhamentos deste vasto núcleo populacional disperso. 

Hoje gostava de ter tido informação detalhada sobre a concepção, planeamento e implementação do reordenamento de 6 núcleos populacionais de Nhabijões (um mandinga e cinco  balantas)...

Tenho dúvidas sobre a "metodologia" usada pelas NT e a administração civil para levar a bom termo o reordenamento...Mas é altura de recordar aqui os princípios definidos na brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

(...) "Não devendo em princípio existir um carácter de obrigatoriedade quanto à deslocação das populações das suas tabancas para um aldeamento, a não ser que o interesse comunitário superiormente o determine, há que empregar meios persuasivos quando se encontre alguma resistência."

(...) Esquematicamente vemos, assim:

(i) Antes da construção:

- Auscultação das populações (indirecta, directa);
- Auscultação e elucidação do Chefe da Tabanca;
- Auscultação e elucidação do Guarda de "Irã";
- Auscultação e elucidação das autoridades religiosas islâmicas.

(ii) Durante a construção;

- Garantir a autoridade constituída;
- Garantir, tanto quanto possível, os interesses da localização dos aglomerados correspondentes às antigas tabancas, dentro do plano urbanístico;
- Respeitar os usos e costumes das populações:
- Colaborar no transporte de todos os haveres das populações deslocadas;
- Interessar as populações na construção das casas, escolas, postos sanitários, etc., permitindo e desenvolvendo o sentimento de posse." (...)



2. Veja-se o que o Carlos Fortunato aqui (*) escreveu sobre o reordenamento de Nhamate, que começou a ser construido por volta de 1970:

(...) "A nossa missão junto da população foi calma, em geral mostrou-se afável e colaborante, embora fosse clara a tristeza por abandonarem a sua antiga casa. Notou-se alguma influência da guerrilha, pois dois elementos da população (guerrilheiros?) chegaram a desafiar abertamente a nossa autoridade, um acabou por ser preso e o outro por ser morto, depois destes incidentes, as relações com a população foram sempre excelentes.

(...) Este reordenamento tinha não só o objectivo de retirar a população do controlo do PAIGC, mas também de reforçar a defesa nesta zona, dado que com os novos foguetões 122mm, seria fácil à guerrilha atingir Bissau a partir daqui.

(...) Esta acção obrigou o PAIGC a retirar da zona, o que fez de má vontade ... e com muita saudade, a julgar pelas visitas a Nhamate, cuja defesa estava a cargo do alferes Pimenta, outro dos rangers que integravam a companhia." (...)


___________


(**) Último poste da série > 3 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25330: S(C)em Comentários (30): Os reordenamentos no desenvolvimento socioeconómico das populações (Cherno Baldé, Bissau)

Guiné 61/74 - P25330: S(C)em Comentários (30): Os reordenamentos no desenvolvimento socioeconómico das populações (Cherno Baldé, Bissau)


Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.


 
O dr. Cherno Baldé, 
nosso "correspondente em Bissau",
colaborador permanente do nosso blogue
com o pelouro das questões 
etno-linguísticas.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel 
(2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P19215 (*)

A leitura destes interessantes documentos de orientaçãoo psico-técnica na abordagem do "indigena" no contexto dos reordenamentos, mostra uma viragem importante na politica e estratégia seguida até 1968/69. 

Não sei se se pode falar de uma ruptura, mas visivelmente, a Guiné conhecia então uma politica nova do homem branco que nem o mais optimista dos guinéus  poderia suspeitar.

Para todos os efeitos, continuava a ser a mesma potência colonial, mas a natureza do colonialismo já era diferente e, foi pena, nas condições em que ocorreu a descolonização, não tivesse sido possível permitir ao gen Spínola capitalizar os seus esforços de uma nova forma de fazer a politica colonial com as suas reformas internas, medindo forças com os seus adversários, no campo meramente politico e diplomático a que ele, suponho eu, aspirava realizar na fase final do conflito (a consulta popular em forma de referendum), especialmente no caso da Guiné, convencido da superioridade dos seus argumentos.

Pois,  no fundo, era exactamente isso que as populações nativas esperavam dos brancos, que eles tinham recebido nos seus territórios e ao qual reconheciam uma certa superioridade técnica e tecnológica, esperando,  também eles, beneficiar da sua protecção e dos seus avanços nos diferentes domínios da vida.

Ao que parece, os ventos da história eram muito fortes e, convenhamos, o patriotismo, por mais forte que seja, também, tem os seus limites.

21 de novembro de 2018 às 16:13  (**)


Guiné 61/74 - P25329: Parabéns a Você (2257): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS / STM (Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72)

____________

Nota do editor

Último post da série de 30 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25317: Parabéns a Você (2256): Abel Rei, ex-1.º Cabo At Art da CART 1661 (Fá Mandinga, Enxalé e Porto Gole, 1967/68); António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74); Enfermeira Rosa Serra, ex-Alf Enf.ª Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1969) e Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil At Art da CART 2479/CART 11 (Contuboel, Nova Lamego e Paunca, 1969/71)

terça-feira, 2 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25328: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Lançamento do livro em 2010 - Parte IV: Um dos raros registos em vídeo do autor a fazer uma curta intervenção de agradecimento... Nesta sessão, venderam-se 140 exemplares do livro.


Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >  Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010) (*). 

Breves palavras, finais, de agradecimento proferidas pelo autor (aqui num raro registo videográfico), após intervenção do presidente da Associação de Comandos, dr. José Lobo do Amaral, e dos restantes oradores, cor 'cmd'  ref Raúl Folques (cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné, de 28 de Julho de 1973 a 30 de Abril de 1974), cor inf  ref Manuel Bernardo e dr. Nuno Rogeiro, jornalista e analista político.

Vídeo (1' 07''): ©   Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes



Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >   Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). Breve intervenção, final, do dr. Augusto Mendes Pereira, que foi furriel miliciano vagomestre da 1ª Companhia de Camandos Africanos, sediada em Fá Mandinga, onde conheceu o Amadu Djaló. (Augusto Mendes Pereira em 2019 era conselheiro do ministro da Energia para a área económica, no governo da Guiné-Bissau.)

Vídeo (2' 11''): ©   Luís Graça (2010). Alojado no You Tube > Nhabijoes



Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >  Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010).   Membros da nossa Tabanca Grande, o Alberto Branquinho e o António J. Pereira da Costa.


Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >   Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). >  Membros da nossa Tabanca Grande, o José Martins (Odivelas) e o José Eduardo Oliveira Jero (Alcobaça e Oeiras) (1940-20219) ... 


Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >   Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010) >   Membros da nossa Tabanca Grande, e neste caso também da Tabanca da Linha, o José Manuel Dinis (1948-2021) e o António F. Marques.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il.) foi um acontecimento cultural, social e militar, juntando no Museu Militar algumas conhecidas personalidades e sobretudo muitos amigos e camaradas da Guiné, antigos combatentes, incluindo guineenses,  membros ou não da nossa Tabanca Grande, alguns, infelizmente, já falecidos: cite-se o Carlos Santos, o José Eduardo Oliveira (JERO), o Coutinho e Lima, o José Manuel Matos Dinis, o Rui A. Ferreira,  o Calvão de Melo.

Mesmo em dia de chuva, a meio da semana,  ao fim de tarde, estes outros  amigos e camaradas nossos (como o António Santos,  a Irene Martins, a Alice Carneiro, a Giselda Pessoa, o Miguel Pessoa, o João Martins, o Alberto Branquinho, o António J. Pereira Costa, o António F. Marques, o Manuel Gonçalves, o João Parreira, o Mário Dias, o José Botelho Colaço, e tantos outros ...) fizeram, questão de comparecer para apoiar o Amadu Djaló e o Virgínio Briote. 

Temos estado a recordar alguns dos melhores momentos desse evento, a que o nosso blogue dedicou, na altura, em 2010, nada mais mais nada menos do que cinco postes, reproduzindo  nomeadamente as intervenções dos três oradores convidados: o jornalista, escritor e analista político Nuno Rogeiro, o cor 'cmd' Raul Folques, que foi cmdt do Amadu Djaló, em 1973, no Batalhão de Comandos da Guiné, e o cor inf ref e escritor Manuel Bernardo (*).

Como escreveu, no blogue,  o Virgínio Briote:

 "Estás a imaginar o esforço em pôr nomes nas caras que eu tive a sorte de ver hoje? Não contei o número de Camaradas que quiseram prestar homenagem aos Guineenses que connosco andaram e chafurdaram naqueles trilhos e bolanhas. Sei que vi muitas caras conhecidas do Luís Graça e Camaradas da Guiné e que a sala estava cheia. E que, no fim, tinham sido vendidos 140 exemplares. E que a sessão, globalmente, correu bem."

Outros camaradas não puderam estar presentes mas apoiaram esta memorável iniciativa através de comentários no nosso blogue: casos, por exemplo, do Torcato Mendonça (1944-2021), Juvenal Amado,  Joaquim Mexia Alves, Manuel Marinho (1950-2022),  Mário Fitas e  Carlos Cordeiro (1946-2018).

De registar a ausência da comunicação social.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores da série > 

15 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25274: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Lançamento do livro em 2010 - Parte III: Intervenção do cor inf ref e escritor Manuel Bernardo

Guiné 61/74 - P25327: As nossoas geografias emocionais (24): Nhamate, no sector Oeste 1, Bissorã, em 1970, ao tempo da CCAÇ 13, "Leões Negros"


Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > Tratava-se de um reordenamento em construção. A população tinha sido subtraída ao controlo do PAIGC. As NT, por sua vez,  tiveram que dar início à construção de  um aquartelamento de raíz. Os primeiros construtores foram os "Leões Negros", o pesssoal da CCAÇ 13. Vivia-se em tendas.  

Foto do álbum do Adriano Silva, ex-fur mil da CCaç 13, disponível no portal, criado pelo Carlos Fortunsto, Leões Negros > CCAÇ 13 > Binar > Os construtotres. (Editada e reproduzida com a devida vénia...)


Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > Vista parcial do destacamento. Foto de Adriano Silva (2003).



Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > "Fabrico de tijolos de lama, para construção das novas habitações para a população". Foto do álbum de Adriano Silva (2003).



Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 >  "Ajuda no transporte da população e a sua bicharada, para as novas tabancas, construídas com o seu apoio". Foto (e legenda) do Carlos Fortunato (2003).
 


Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 >1970 > "Almoçando - Furriéis Ribeiro (?), Adriano e Rocha. Foto de Adriano Silva, legenda de Carlos Fortunato (2003).



Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Sector O1 (Bissorã) > Nhamate > CCAÇ 13 > 13/03/1970 > "Panhard no novo aquartelamento de Nhamate construído pela CCaç, 13". Foto e legenda: Carlos Fortunato (2003).
 
Fotos (e legendas): © Carlos Fortunato (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região do Oio > Carta de Bula  (1953) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Bula, Binar,  Choquemone (a vermelho, base do PAIGC), Nhamate, Manga, Changue, Unche, Ponta Coboi (que em 1970 pertenciam ao subsetor de Nhamate, e tinham sido retiradas ao controlo IN).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (


1. Não temos muitas referências a Nhamate [a leste de Binar: vd. carta de Bula]. São apenas uma dúzia. Recentemente admitimos na Tabanca Grande o Victor Carvalho, que foi um dos nossos camaradas que passou por lá: era fur mil enf, da CCAÇ 2658.

Esta subunidade do BCAÇ 2905 foi para Nhamate, em março de 1970, para substituir a CCAÇ 13, "Leões Negros", a que pertenceu o nosso Carlos Fortunato, hoje presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga.

Em 14mar70, e até 18jun70 a CCAÇ 2658 assumiu a responsabilidade do  subsector de Nhamate, com dois pelotões destacados em Manga e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2861, com vista à execução dos trabalhos de reordenamento das populações daquela área.

Quem também esteve em Nhamate, em 1971,  foi a  CART 3330, comandanda pelo  cap art José Joaquim Vilares Gaspar, mais conhecido por Gasparinho (o seu humor cáustico não deixava ninguém indiferente: chamava a Nhamate o "abarracamento").

2. O Carlos Fortunato, ex- fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13 (Bissorã, 1969/71), tem talvez o melhor sítio na Net sobre companhias individuais que passaram pelo CTIG. Infelizmente foi descontinuada  (por estar alojad a no servidor do Sapo) a sua preciosa página  sobre os "Leões Negros". 

Fomos recuperar uma crónica sua (publicada em 24/02/2003, e revista em 21/07/2007), justamente sobre Nhamate: "Os construtores - 3/2/1970". (O nosso camarada está nesta altura na Guiné-Bissau, no âmbito das suas funções de presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga, deve regressar a meio do mês de abril, vai para ele um especial alfabravo.)

Reproduzimos, então,  com a devida vénia, alguns exertos desse texto e algumas fotos:


Reordenamento e aquartelamento de Nhamate > 
Os Leões Negros, construtores

por Carlos Fortunato

(...) Colocar as populações em zonas protegidas por aquartelamentos, era a política seguida na altura, embora a população fosse livre para cultivar onde entendesse, deixava de estar dispersa pelo mato.

A península do Encherte oferecia boas condições para este objectivo, devido ao facto de estar rodeada por bolanhas, o que dificultava ao PAIGC o acesso à população.

A nossa missão implicava:

  • abertura de estradas;
  • construir os 3 novos pequenos aquartelamentos;
  •  ajudar na construção das novas casas para a população;
  • ajudar a mover a população para a península (transportando os seus haveres nas viaturas);
  • e destruir as antigas tabancas.

(...) Esta política,  levada a cabo por toda a Guiné, obrigava à existência de grande número de efectivos para defender e controlar as populações, os quais o General Spinola solicita constantemente, mas que nunca iria obter, acabando parte da populações por ficar sujeita a um duplo controlo, nosso e do PAIGC.

O PAIGC, sem preocupações de defender qualquer zona de território, quando atacado em força numa zona, dispersava-se, mas regressava mais tarde, quando a força atacante retirava.

Após a morte de Amílcar Cabral em 1973, a estratégia do PAIGC mudou, pois além das habituais flagelações, este passou a concentrar elevado número de forças contra determinados aquartelamentos junto à fronteira, com a intenção da sua destruição/conquista, a chegada dos mísseis terra-ar foi fundamental para esta estratégia, pois garantiu-lhe a protecção necessária contra a aviação. Esta alteração colocou em causa a politica de defesa, pois deixava os pequenos aquartelamentos muito expostos.

A nossa missão junto da população foi calma, em geral mostrou-se afável e colaborante, embora fosse clara a tristeza por abandonarem a sua antiga casa. Notou-se alguma influência da guerrilha, pois dois elementos da população (guerrilheiros?) chegaram a desafiar abertamente a nossa autoridade, um acabou por ser preso e o outro por ser morto, depois destes incidentes, as relações com a população foram sempre excelentes.

(...) Este reordenamento tinha não só o objectivo de retirar a população do controlo do PAIGC, mas também de reforçar a defesa nesta zona, dado que com os novos foguetões 122mm, seria fácil à guerrilha atingir Bissau a partir daqui.

(...) Esta acção obrigou o PAIGC a retirar da zona, o que fez de má vontade ... e com muita saudade, a julgar pelas visitas a Nhamate, cuja defesa estava a cargo do alferes Pimenta, outro dos rangers que integravam a companhia.

O PAIGC possuía naquela zona um bigrupo (cerca de 60 homens), bem como armas pesadas, e o nosso controlo da zona obrigava-o a retirar, pois ficava sem a sua base de apoio (alimentação). É provável que para efectuar estes ataques, este bigrupo tivesse sido reforçado com guerrilheiros de outras bases, nomeadamente da sua principal base no Choquemone.

Sabendo que as nossas defesas naquela altura eram fracas, o PAIGC lançou ataques em força, tentando quebrar a nossa determinação, mas o nosso moral sempre foi muito alto, o comando muito determinado, e a eficácia da nossa resposta surpreendente (parecia que sabíamos onde eles estavam), pelo que foram sempre obrigados a retirar apressadamente, levando as suas baixas.

 (...) Logo no primeiro ataque a Nhamate, a 3/2/1970, talvez o mais violento, apesar de termos as nossas defesas muitos deficientes, os guerrilheiros foram obrigados a retirar rapidamente e com várias baixas, graças a um estudo cuidado do terreno, onde foram identificados os melhores locais de ataque, e estudada a precisa regulação dos morteiros, para os anular, o que permitiu uma rápida e eficiente resposta, tendo nós apenas sofrido um ferido ligeiro.

A guerrilha manteria a sua pressão ofensiva nos dias seguintes, atacando Nhamate a 12/2/1970, Manga a 13/2/1970 (onde estava o 2º pelotão aquartelado), e de novo Nhamate,  em  17/2/1970, sempre com pouco sucesso, e retirando com baixas.

(...) Spínola fez uma visita à CCaç 13, o heli desceu em Nhamate, e ele deslocou-se depois de panhard até Unche. (...)

Carlos Fortunato

Publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2007, por Carlos Fortunato (O seu Web portal: http://portalguine.com.sapo.pt também foi descontinuado: pode ser agora consultado no Arquivo.pt , neste URL:

https://arquivo.pt/wayback/20131106043122/http://portalguine.com.sapo.pt/index.html

(Seleção, revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste: LG)

___________

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25326: Os 50 anos do 25 de Abril (6): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Março de 2024:

Queridos amigos,
É o término da viagem memorial de um Capitão de Abril que escolheu um longo itinerário e não hesitou em dizer-nos como levou uma vida pautada por decisões de risco e pela independência de pensamento. Tenho sérias dúvidas que algo parecido possa surgir tão cedo à volta deste meio século que abarca o fim do império e as sinuosidades que têm atravessado o nosso sistema democrático.

Um abraço do
Mário


Porventura o testemunho mais eloquente sobre a guerra colonial e o depois,
Palma de ouro para a literatura nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (3)


Mário Beja Santos

Carlos de Matos Gomes é o romancista Carlos Vale Ferraz, autor do romance mais influente de toda a literatura de guerra colonial. Agora muda de rosto, volta a ter perto de 20 anos, faz comissões em Angola, Moçambique e na Guiné, prepara muita gente para a guerra, pertenceu ao grupo mais ativo do MFA na Guiné. Posteriormente, envolveu-se no processo revolucionário, chegou a hora de fazer um balanço do que viveu e do que se lembra.

Acaba de sair o seu livro de memórias "Geração D, Da Ditadura à Democracia", agora é, sem margem para equívocos, Carlos de Matos Gomes, Porto Editora, 2024, um assombroso ecrã sobre as primícias da guerra, os seus bastidores, o funcionamento da hierarquia castrense, a burocracia, sobretudo o exame de consciência do que é que um oficial do quadro permanente ia assimilando nas matas e nos quartéis quanto ao tremendo equívoco que era procurar até ao desespero urdir uma ficção sobre a propaganda doutrinal do Estado Novo sobre uma “guerra justa” para aquele império com pés de barro. 

É esta a parte das memórias construídas com uma assombrosa arquitetura literária que aqui se procura, aos poucos, desvelar.

Cumpriu três missões em Angola, Moçambique e Guiné, louvado e condecorado, preparou uma companhia de Comandos de que foi seu comandante, o cenário de Moçambique foi determinante para ele questionar a fundo o mais que havia para além da honra e do dever, para além da vasta panóplia de requisitos que impõem a vida militar, vai numa operação em que o guia é um negro que promete levá-los a um objetivo, vai amarrado a um dos seus homens, uma inquietação sem limites começa a tomar-lhe a razão, que causa o ligava àquele negro e aos homens que estavam sob o seu comando? Que causas justificava a presença de cada um deles naquele palco? 

Tomou nota de que operações como a Nó Górdio nada resolviam, revolvia-se um território, a guerrilha e a população civil acoitavam-se até a operação passar, tudo voltava ao princípio, se bem que a comunicação social afeta ao regime louvaminhasse o feito, era a política da representação.

Geração D é um singularíssimo livro de memórias, já se disse o que este militar viveu até ao 25 de Abril e como ele, e muitos dos seus camaradas tiveram a possibilidade de ver na Guiné que se caminhava para uma hecatombe, tudo iria redundar num bode expiatório, seriam os militares os maus da fita, resolvido o incómodo da Guiné, julgavam os avatares no Estado Novo, todos os meios iam ser postos à disposição das joias imperiais, Angola e Moçambique, contava-se com o auxílio da África do Sul e da Rodésia. 

Matos Gomes adere ao 25 de Abril, alista-se na esquerda revolucionária, põe ênfase na relação que estabelecera com Jaime Neves e como seguiram vias separadas. Detalha o verão quente, as manobras, as alianças, os documentos, a ação de Otelo, o papel do COPCON, a mestria de Costa Gomes de gerir as fações, a impor o acatamento, recorda também como os paraquedistas voltaram a ser traídos.

Findo o 25 de novembro, Matos Gomes está suspenso, aguarda ser chamado ao Conselho Superior de Disciplina do Exército, é convocado e conta-nos o que aconteceu:

“O general promotor leu a acusação com fraco entusiasmo. Formalmente era acusado de ter assinado um documento, o mais comum dos crimes na altura. Entreguei um passaporte que revelava, através dos carimbos das alfândegas, que naquela data me encontrava na Alemanha. Recebera um telefonema de um dos signatários a perguntar se subscrevia mais este documento. Claro que sim. Estávamos do mesmo lado da barricada. 

Também era acusado pelo novo Chefe do Estado-Maior de ter assinado um outro, num encontro no Regimento de Polícia Militar, resultante de uma reunião determinada por Otelo Saraiva de Carvalho, na qualidade de comandante do COPCON. Entreguei aos generais uma ordem de serviço do Hospital Militar onde constava o meu nome e o do Chefe do Estado-Maior, então major e ainda meu contemporâneo na Academia Militar. 

Face a estes factos, concluía pela má-fé do Chefe do Estado-Maior e pedia para constar na ata do julgamento a minha queixa formal contra ele. De seguida, o general presidente deu-me a palavra. Tratava-se do julgamento político de um conflito entre defensores de opções políticas para a sociedade, e a disciplina não é, ou não devia ser, utilizada para esse fim. Estava à mercê da força e não do direito, menos ainda da disciplina. 

O general presidente deu a sessão por encerrada, mas antes do Conselho pedir para eu me retirar, a fim de deliberar, o General Leão Correia, a olhar para o meu uniforme cinzento sem uma condecoração ou emblema, limpo, perguntou-me por que não trazia as fitas com as duas cruzes de guerra com que fora agraciado. Apresentei as razões que me levaram a não usar condecorações: a primeira das cruzes de guerra havia-me sido imposta em Bissau, por um General Comandante-Chefe, Spínola, perante forças em parada, comandadas por um coronel, também ele condecorado. A segunda fora-me entregue há uns meses na secretaria da Direção de Arma de Cavalaria pelo Sargento Leitão, dentro de um envelope, como se fossem umas peúgas. ‘Ora, como não sei se foi a primeira a forma correta de ter sido condecorado, ou a segunda, para não ofender o Exército, decidi não usar condecorações até que seja esclarecido.’ 

O veredito do Conselho reconheceu-me idoneidade para continuar a ser oficial do Exército.”

Matos Gomes é mandado apresentar-se no Serviço Prisional Militar, com sede no edifício da PIDE/DGS, torna-se carcereiro, estão ali algumas figuras graúdas da PIDE. Procura aprofundar o que aconteceu após o 25 de novembro de 1975. Fez 30 anos, tinha uma casa, uma mulher e uma filha com 1 ano, houve eleições legislativas e autárquicas, a cena política internacional transfigurava-se, por cá vivia-se aconchegado com a normalidade democrática, as coisas não corriam favoravelmente às ex-colónias portuguesas. 

Exara nas suas memórias o poder sugestivo que lhe deixou ter-se envolvido no poder popular. Acompanhou Otelo em parte da sua caminhada, era um ser estranho entre aquelas organizações, não era marxista-leninista, revela o seu quadro de pensamento: 

“Rejeito a luta de classes como o princípio dominante das transformações políticas, entendo-a apenas como mais um, e não o determinante. A propósito desse elemento determinante, nunca soube nem procurei descobrir qual é a gota de água que faz transbordar o copo, mas assisti a intermináveis discussões teológicas com muito fumo e fé sobre o assunto. 

Também não perfilhava o princípio da necessidade histórica da alteração das relações de poder ser liderada pela vanguarda do proletariado, pelo partido. Nem era adepto de uma ditadura do proletariado, que ofendia a minha liberdade, a ideia de igualdade dos seres humanos, independentemente da posição que ocupam no processo de trabalho, e contrariava a realização das ditaduras do proletariado estabelecidas.” 

Afastar-se-á das Forças Populares 25 de Abril quando surgiu a radicalização da violência armada.

Lançou-se na escrita, louva o seu quadro de amigos, exulta com a camaradagem que pode manter com um punhado de militares. E a viagem prossegue. 

Quem escreve estas memórias singularíssimas, quem continua a intervir ativamente como observador atento e com opiniões aceradas, é o mesmo escritor que nos legou Nó Cego, Soldadó ou A Última Viúva de África

Há que saudar quem coligiu este punhado de anotações tão íntimas que vão da ditadura à democracia e dizer sem hesitações que não há nada parecido na literatura portuguesa, pois é o testemunho de um bravo militar, um capitão do MFA, alguém que foi revolucionário e nos doou a mais bela joia da literatura da guerra colonial, como se afirmasse, ponto por ponto, que a sua coerência e postura política não estão à venda.