Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Guiné 61/74 – P27297: (Ex)citações (439): Noite de petisco: cabrito assado no forno (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)
Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
A guerra traduziu-se na vida da Guiné por um sem número de dificuldades, logo a contenção de despesas, isto a despeito de um programa de melhoramentos em infraestruturas, incluindo os dois hospitais, o de Bolama e o de Bissau, prosseguem as construções na nova capital, atua-se contra o açambarcamento, embora todos os relatos da época revelem o muito contrabando graças à porosidade das fronteiras, à circulação do ouro em pó, exporta-se algum arroz, oleaginosas e madeiras, as casas comerciais alemãs estão rigorosamente controladas, tudo quanto vai da Guiné tem que passar pelo porto de Lisboa. Trouxe à colação do leitor a publicação de União Nacional desta época, as imagens são bem expressivas que na continuação da obra de Carvalho Viegas, e também dentro do ímpeto de construir uma nova capital é significativo o número de construções, quando Sarmento Rodrigues chegar no ano seguinte não deixará de mencionar que traz muitos projetos e importantes trabalhos para concluir.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1944 (56)
Mário Beja Santos
É o último ano completo da governação de Ricardo Vaz Monteiro, sairá major da Guiné, no próximo ano será rendido pelo Comandante Manuel Sarmento Rodrigues. A despeito da austeridade, da severidade orçamental, há obras, como veremos em síntese no trabalho publicado pela União Nacional da Guiné. As indústrias mantêm-se caseiras e de pequeno porte, é o caso da Sociedade Industrial Ultramarina, como iremos ver no Boletim Oficial n.º 20, de 15 de maio, vem pedir a prorrogação por mais dez anos da concessão do exclusivo de fabrico de telhas, tijolos e outros produtos cerâmicos. Vaz Monteiro defere, mas deixará escrito: “Considerando as poucas probabilidades – ou nenhumas – de se montar outra fábrica de produtos cerâmicos, e ainda porque a existência da atual fábrica muito beneficia a economia da colónia que deixa de pagar fora dela algumas de centenas de contos anuais”, e assim se deu a prorrogação por mais de dez anos deste exclusivo.
A colónia tem vindo a aumentar o seu parque automóvel, as transmissões as estações de CTT, chegou a altura de se proceder ao levantamento geodésico, cartográfico e hidrográfico da Guiné. O Ministério das Colónias ficou incumbido de organizar e enviar à Guiné uma missão geoidrográfica encarregada de proceder ao levantamento geodésico e cartográfico da colónia e seguidamente ao levantamento hidrográfico, conforme instruções que para este fim lhe serão dadas pela Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais. Dá-se a composição da missão, vencimentos, repartição de despesas, etc.
É no Boletim n.º 52, de 26 de dezembro, que encontrei informações que ajudam a percebera as mudanças populacionais provocadas pela luta armada e como alguns anos antes existiam sérias tensões étnicas em regulados do Leste. Decide o governador por portaria, a n.º 132:
“Atendendo ao que o administrador da circunscrição civil de Bafatá, no intuito de evitar conflitos e abusos a que estão sujeitos os indígenas de raça Balanta, residentes nalgumas povoações nos regulados de Badora, Xime e Cuor, propôs ao Governo da colónia:
Considerando que estes núcleos de população Balanta, destacando-se nitidamente das tribos que habitam aqueles regulados nos seus usos, costumes e civilização, carecendo ser diretamente dirigidos pela Autoridade Administrativa, sem qualquer interferência dos régulos ou de outras autoridades gentílicas;
O governador determina que sejam desanexadas dos regulados a que pertencem atualmente as seguintes povoações, unicamente habitadas por indígenas Balantas: a) no regulado de Badora: Santa Helena, Fá Balanta, Mero e Nabijão; b) no regulado do Xime: Samba Silate, Lantar, Ponta Luís Dias, Ponta Varela, Ponta Dédé, Madina, Mam-Ai, Ponta Inglês, Ponta Nova e Ponta João Silva; c) regulado do Cuor: Mato de Cão, Farancunda, Malandim, Finete, Flaque Dulo e Gam Sambu.
Que para cada grupo de povoações dos referidos regulados seja nomeado um chefe geral, da mesma tribo e por estes grupos escolhido; que fiquem diretamente a cargo dos chefes gerais as relações com a autoridade administrativa em tudo quanto diga respeito às respetivas populações.”
Isto em 1944, menos de 20 anos depois tudo se tresmalhou, a luta armada fez desaparecer a maior parte destas povoações e nos casos em que as populações preferiam a soberania portuguesa ou ficaram à sua mercê, os Balantas coexistiram com outras etnias, por exemplo em Finete ou nos Nabijões, no regulado do Cuor, no primeiro caso, no regulado de Bambadinca, no segundo; Santa Heleno e Mero, na margem esquerda do Geba, durante a luta armada, ficaram inequivocamente sobre duplo controle, vivia-se a experiência.
Por este período a comissão da Guiné da União Nacional resolve passar a escrito os benefícios do Estado Novo, ir-se-ão escrever louvores e maravilhas aos progressos registados depois de 1926, haverá mesmo o completo descaro de esquecer governações como as Velez Caroço. Mas eram assim as obrigações da hagiografia…
António Borja Santos, chefe dos Serviços da Administração Civil, não se poupa a elogios: “Conheço a Guiné há dois anos apenas, mas pelo que tenho lido e ouvido no tocante à história da sua governação anterior à Revolução Nacional de 1926, ela não era mais do que um reflexo da desorganização social, económica e financeira da Mãe-Pátria.” Há uma referência à conferência de administradores realizada em 1936, portanto no tempo da governação de Carvalho Viegas, daí resultou o plano de construções e reconstruções que entrou em execução no ano de 1937, em Cacheu, Mansoa, Bafatá, Farim, Buba, Gabu, Bolama, Bissau e Bijagós. O padre António Joaquim Dias, Pré-Prefeito Apostólico da Guiné faz uma síntese da atividade missionária, dirá que em 1932 se iniciou a Missão de Santo António de Bula, na administração de Canchungo, por dádiva de edifícios pelo governador de então, Soares Zilhão. Foi criado o internato masculino, escolas em Có e Pelundo, refere também o Asilo de Infância Desvalida de Bor, assistido pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e não esquece a obra missionária em Geba.
Outros autores elencam trabalhos na reparação de estradas, alude-se à programação do alargamento do cais do Pidjiquiti e às novas casas para funcionários em Bissau. É trabalho significativo, como iremos ver adiante, quando Sarmento Rodrigues tomar posse de governador dirá que para além dos muitos projetos que traz há muita obra para finalizar, era o caso da Sé, do Palácio do Governador e de uma multiplicidade de serviços públicos, em Bissau e no interior da colónia.
Tabela dos preços máximos de artigos de consumo corrente, era uma tentativa de defender o poder de compra, combater a especulação e o açambarcamento
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 1 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P27295: Elementos para a história do Pel Caç Nat 63 (último comandante: Manuel Elvas, Fá Mandinga e Mato Cáo, 1973/74; autor de "O Vale dos Malmequeres", Chiado Books, Lx, 2017, 46 pp. (Luís Mourato Oliveria, ex-alf mil, últomo cmdt, Pel CaçNat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)
Capa do livro de Manuel Elvas, "O Vale dos Malmequeres" (inicialmente lançado em 2017, pela Chiado Books, sob o pseudónimo literário M. Lacroix. ISBN 9789897741999, 436 pp.)
Luís Mourato Oliveira |
Foto à esquerrda Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74); veio da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973). Tem cerca de 80 referências no nosso blogue.. É autor da notável série "Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira".
1. Por qualquer razão, esta mensagem do Luís Mourato Oliveira, que hoje faz anos (e que tem andado fora do nosso "radar"...), não foi publicada na devida altura. É de 13 de novembro de 2022, 16:39. Não perdeu atualidade. A amizade e a camarada não têm prazos de validade.
Segue em anexo e se achares interessante publica. Como sou muito "despachado" a escrever, se detetar erros, corrige por favor.
Os contactos mantiveram-se através de encontros na sede de batalhão em Bambadica e após o 25 de Abril na expectativa do regresso a Portugal, o Manuel que tinha reunido objectos de
recordação para trazer e sabendo que a minha bagagem era apenas a farda e dinheiro para o táxi do aeroporto até Campo de Ourique onde então residia, pediu-me para trazer alguns
haveres dado o seu regresso não estar ainda programado o que acedi imediatamente.
A residência indicada era um magnífico palacete do princípio do século XIX onde fui recebido pelos seus familiares com toda a simpatia. O insólito consistia na imagem que tinha do Manuel, homem simples, discreto, de gargalhada fácil mas contida, inteligente nos pareceres e proporcionando sempre um diálogo interessante e elevado.
O nosso relacionamento continuou em Lisboa. O Manuel tinha um restaurante que frequentei, não por favor ou amizade, mas cuja cozinha genuinamente portuguesa convidava a repetir, só é impossível repetir o prazer para o palato dos filetes de Peixe Galo com arroz que desafiavam e qualquer gourmet não dispensava.
O restaurante alterou posteriormente a sua oferta e o Manuel com a colaboração de um soldado do Pel Caç Nat 63, oriundo da região da Bairrada, passou a servir exclusivamente leitão.
Os encontros com o Manuel continuaram, por vezes mais espaçados mas em setembro (de 2022) juntámos-nos na Praia da Areia Branca. Tal como eu ele elege este local como um dos seus preferidos e onde tem residência.
Sem saudosismos e conscientes que os sistemas coloniais não servem os povos, resta-nos a tristeza justificada pela atual situação social e política que infelizmente nada trouxe de melhor para o povo guineense.
Sempre que posso, envio bens para os meus irmãos guineenses pela via marítima mas quando me desloco a Bissau transporto tudo o que é possivel e pode ser útil numa sociedade com tantas carências e o Manuel sabendo disso pôs-se imediatamente à disposição para me facultar bens tão necessários como roupa e telemóveis para eu levar e distribuir de acordo com as necessidades locais, e encontrámos-nos para a entrega.
Não comecei a ler porque o reservo para a minha leitura em Bissau para onde parto dia 26, mais uma vez para colaborar na área da formação desportiva com clubes filiados na Federação da Andebol da Guiné-Bissau mas trata-se de um livro cuja narrativa são memórias que trazemos da Guiné então Portuguesa, sem serem estórias de guerra são estórias dos conflitos interiores que todos trouxemos e que ainda não conseguimos nem conseguiremos pacificar.
Espero também encontrar as estórias de fraternidade e dos sentimentos de amizade e confiança que se mantiveram durante quase cinquenta anos que levam que pessoas tão diferentes como eu e o Manuel se encontrem, se respeitem e mantenham valores comuns e que hão-de prevalecer.
Manel, esta foi mais uma surpresa que me apanhou desprevenido. A tua discrição e sobriedade escondem talentos como a liderança, a gastronomia e agora a escrita. Espero que tenhas saúde e longa vida e fico expectante mas não desprevenido para outras surpresas.
Lisboa 13 de Novembro de 2022.
Guiné 61/74 - P27294: Parabéns a você (2423): Luís Mourato Oliveira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 4740 e Pel Caç Nat 52 (Cufar, Mato Cão e Missirá, 1973/74)
Nota do editor
Último post da série de 4 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27284: Parabéns a você (2422): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 / BART 733 (Bironque, Bissorã, Jumbembem e Farim, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont Metralhadora da CART 2732 (Mansabá, 1970/72)
terça-feira, 7 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)
A legenda e a foto são do padre Bártolo Paiva Pereira... Vêm na página 23 do livro que estamos a recensear. Podem surpreender o leitor, se tivermos em conta que o autor é capelão major reformado, serviu nas Forças Armadas durante 30 anos e tem pelo menos duas condecorações (ele, por modéstia, não o diz).
1. Não é seguramente o padre Bártolo Paiva Pereira que aparece na foto a benzer (com o hissope ou o asperge) o guião de mais um batalhão que partia para Angola, ou melhor, de um contingente da PSP (Polícia de Segurança Pública).
- RAP2 (Vila Nova de Gaia) | 5 de agosto de 1961 | Despedida de um contingente militar
- RAP2 (Vila Nova de Gaia) | 22 de dezembro de 1971 | Despedida de unidades expedicionárias
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de Luís Henriques (1920-2012) / Luís Graça (202o)
Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
- Padre António Manuel Pires, missionário (assassinado em Ainaro, a 2 de outubro de 1942);
- Padre Norberto de Oliveira Barros, missionário (idem);
- Padre Abílio Caldas. missionário, natural de Timor (assassinado em Barique, em data ignorada):
- Padre Francisco Madeira, issionário (foragido, morto no mato, na região de Lacluta, em data ignorada).
(*) Vd. postes anteriores da série:
(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)
Guiné 61/74 - P27292: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (2): As hortas do Ricardo Abreu (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)
1. Em mensagem de 30 de Setembro de 2025, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos mais um trabalho referente às viagens de amizade e solidariedade à Guiné-Bissau.VIAGENS À GUINÉ BISSAU: AMIZADE E SOLIDARIEADE
II - AS HORTAS DO RICARDO ABREU
O Ricardo Abreu, ex-militar, sapador de minas e armadilhas da CCS do BART 6520/72, tem um orgulho enorme nos produtos da terra, que cultiva na sua horta e quintal, situada na freguesia de Canidelo-Gaia.
Nas seis viagens que já fez à Guiné (1999 a 2024), como não podia tratar do seu quintal e para não perder o hábito, abriu uma sucursal na Guiné e criou duas hortas. Uma em Tite, junto à estrada que vai para Bissássema, onde ensina os jovens da escola da Missão Católica a fazer sementeiras e a cultivar hortaliças, que depois são consumidas na cozinha da Missão. A outra localiza-se em Bissau nas imediações do Restaurante Machado, propriedade da D. Teresa (foto 4), a quem presta o mesmo voluntariado que em Tite. Em cada viagem que faz à Guiné, o Ricardo leva novas sementes para renovar o stock.
Comparando as fotografias, as de Bissau tiradas no ano 2010 e as de Tite em 2024, verifica-se que a horta desta última é mais modesta que a da D. Teresa de Bissau.
É pena que o rio Geba não possa contribuir com as algas que o Ricardo costuma utilizar para adubar as suas terras, em Canidelo-Gaia, de modo a aumentar a produção e qualidade dos produtos semeados em Tite.
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Nota do autor
Último post da série de 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27272: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (1): Missão Católica e Hospital de Tite (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)
Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)
Cascais _ Praia do Guincho > Restaurante Muchaxo> c. finaisw dos anos 50 > Foto da página do Facebook da Real Vila de Cascais (com a devida vénia...)
Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)
- Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria (pp. 7/18)
- Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
- Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
- Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG (pp. 34/45)
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(*) Vd. poste anterior > 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)
Último poste da série > 6 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27290: Notas de leitura (1846): "O Último Avô", de Afonso Reis Cabral, Publicações Dom Quixote, 2025 (Mário Beja Santos)
(**) Vd. aqui entrevista ao "Tony" Muchaxo (n. 1930) (O Correio da Linha, 29 de maio de 2023)
Com o crescimento do estabelecimento e da reputação, o empreendimento foi ampliado. O pai do "Tony", o António Muchaxo (1900-1984) comprou uma fortaleza do século XVII (a Bateria da Galé) e construiu sobre ela o restaurante-estalagem. Manteve as muralhas.
Em 1964 foi feita a inauguração formal da Estalagem Muchaxo, com 17 quartos, restaurante e bar. Presença, obrigatória, a do Presidente da República, o alm Américo Tomás, que foi cortar a fita.
Mais tarde, ao longo das décadas seguintes, o espaço foi sendo ampliado (nos anos 1990, por exemplo) para chegar aos mais de 60 quartos que tem hoje. Em 2011, passou a designar-se oficialmente Estalagem Muchaxo Hotel, com categoria de 4 estrelas, hoje "um ícone do turismo nacional".
O Muchaxo tornou-se, especialmente nas décadas de 50, 60 e 70, um ponto de encontro da elite portuguesa, incluindo membros do regime do Estado Novo, diplomatas, aristocracia exilada, personalidades do cinema, reis e chefes de Estado estrangeiros. Por exemplo, foi lá que se realizou o jantar de noivado de Juan Carlos da Espanha com a infanta Sofia da Grécia em 1962. Também foi lá realizada a boda do casamento do antigo presidente da República António Ramalho Eanes com a dra Maria Manuela Eanes.
"Tony" Muchacho, que fez tropa em Mafra, em meados dos anos cinquenta, é formado em economia e tem amigos em todo o mundo, é considerado um "embaixador de Portugal".

segunda-feira, 6 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27290: Notas de leitura (1846): "O Último Avô", de Afonso Reis Cabral, Publicações Dom Quixote, 2025 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2025:
Queridos amigos,
Vai para dez anos que li o primeiro romance de Afonso Reis Cabral, "O Meu Irmão", uma verdadeira apoteose numa escrita adulta contando-nos a relação entre dois irmãos, um deles portador de deficiência, uma luminescência literária, algo de inesperado, um jovem de vinte e poucos anos era capaz de chegar ao osso da vida e de nos levantar ao céu. Este seu romance, que aqui saúdo, vem quebrar um juízo sobre os tempos atuais da literatura da Guerra Colonial, tinha para mim que os antigos combatentes só se interessariam por passar a escrito as memórias e que os mais novos estavam a leste do que os avós ou os pais viveram naqueles teatros de guerra. Esta obra avassaladora, que confirma Afonso Reis Cabral como um dos maiores vultos da sua geração, faz-me pensar que chegou a hora dos mais novos se ocuparem daquela guerra que fez mudar a história de Portugal.
Abraço do
Mário
Um notável romance onde não faltam enigmas sobre a Guerra Colonial
Mário Beja Santos
Foi recentemente publicado o romance O Último Avô, de Afonso Reis Cabral, nas Publicações Dom Quixote. Sobre a essência da obra não me vou pronunciar agora, mas anuncio que a literatura sobre a Guerra Colonial está em festa, afinal este subgénero literário que me parecia confinado à literatura memorial aparece esplendente num texto literário seguramente de referência e destinado a sucessivas edições. Atenda-se ao que se escreve na contracapa:
“Quando Augusto Campelo, o mais genial escritor português, queima o manuscrito no qual trabalhou durante anos, deixa para trás um mistério: seria o tão esperado romance sobre a experiência traumática da Guerra Colonial de que tantas vezes falava, mas à qual nunca dedicou um livro? Subsiste a dúvida: o escritor morre uma semana depois”.
Augusto Campelo não desdenhava falar da guerra em ambiente familiar e dizia nas suas entrevistas, no país e no estrangeiro, que tinha intenção de lhe dedicar uma prosa de fulgor. E ninguém lhe podia mexer na secretária nem naquele caderno que constava ser a tal memorável recordação da guerra. Um dia dirigiu-se ao neto, também de nome Augusto, deste modo:
“Quando entro na selva da memória de África, quantas histórias levantam voo como as borboletas azuis dos troncos caídos daquelas matas… Nós éramos miúdos que achavam que eram homens. A recruta bárbara meteu-nos na cabeça que éramos homens. Mas éramos miúdos que, ao fim de seis meses de uma dureza insana, tinham de ir para a guerra a achar que eram homens. Ainda hoje os admiro, amo-os, aos meus camaradas. E de muitos nem me lembra o nome… Deram o que tinham, tantos deram tudo. E só tinham a juventude para dar.”
E, adiante:
“Em público, continuava a afirmar que o romance da guerra seria o próximo, sempre o próximo, mas antes precisava de se entender com as várias dezenas de baixas que o batalhão sofrera. E dizia que costumava acordar a meio da noite em busca da G3 para acudir aos camaradas. Nunca me livrarei dos meus mortos.”
E Afonso Reis Cabral talvez seja o autor que até hoje com mais incisão e contundência homenageia os antigos combatentes, nunca li texto tão enternecedor:
“Restam uns trezentos mil soldados da velha guerra. A estatística manda que os encontremos na rua, na sucursal do banco ou dos correios, nos cafés. Frequentam os transportes públicos e sentam-se ao nosso lado na Loja do Cidadão. São eles que conversam entre si durante horas nos bancos de jardim. Uns falam alto, outros perderam a voz. Suspeito de que muitos dos que agarramos pelos pulsos e tornozelos às camas dos hospitais, e que bradam como cercados pelo inimigo, também sejam antigos combatentes. Alguns escondem-se à paisana de velho e à paisana de soldado: como ninguém lhes dá mais de setenta anos, não parecem velhos o suficiente e ninguém desconfia de que combateram em África. Outros entraram em lares.
Vivem nas nossas casas, comem da nossa comida, bebem da nossa água e despejam os mesmos autoclismos. Usam o nosso papel higiénico. Se os observarmos com amor e algum cuidado, espantamo-nos e compreendemos que são nossos pais e avós e que, enquanto não morrerem, estão vivos; ao mesmo tempo vivos e invisíveis, porque são velhos e não olhamos, porque são veteranos e não ligamos.”
Há uma desmesura neste Augusto Campelo, tirânico, confabulador, medularmente mistificador; há uma enleante relação entre o gigante literário e o seu neto, também de nome Augusto, que pesará sobremaneira como a metáfora da transmissão de segredos que os antigos combatentes querem ver passar às novas gerações. Como antigo combatente e apreciador do talento de Afonso Reis Cabral, acho que temos aqui um livro surpreendente, e que a todos nós pertence. Convido-vos à sua leitura.
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Nota do editor
Último post da série de 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27276: Notas de leitura (1845): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte III: "A minha Pátria é o Hélder" (Luís Graça)






























