quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18990: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 65º : ataque ao quartel, em 7 de janeiro de 1974




Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > 7 de janeiro de 1974 > Alguns dos efeitos do ataque ao quartel e tabanca de Fulacunda


Fotos (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo 
Cortesia do autor, página do Facebook
livro (na versão manuscrita, "Em Nome daPátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita, com a esposa Amélia, no dia em que fazem 43 anos de casados] (*):

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje: que o digam mais de 150 mil portugueses!), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade no âmbito do programa Novas Oportunidades; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.


2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré; o dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(v) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas da companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vi) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(vii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe"; a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(viii) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(ix) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogramas  por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(x) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xi) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1.º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xii) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xiii) começa a colaborar no jornal da unidade, os "Serrotes" (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xiv) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. cap.º 34.º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xv) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não... no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda; manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada; em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xvi) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas; em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xvi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas; o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xvii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];

(xviii) considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos... e vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele;

(xix) vê, pela primeira vez,  enfermeiras, brancas, paraquedistas; apercebe-se igualmente da guerra psicológica; queixa-se de a namorada não receber o correio; manda um texto para o jornal "O Século" que decide fazer circular pelo quartel e onde apela a uma maior união do pessoal da companhia, com críticas implícitas ao capitão Serrote por quem não morre de amores: na sequência disso, sente-se "perseguido" pelo seu comandante...

(xx) vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné; 

(xxi) grande ataque, em 7/1/1974,  ao quartel e tabanca de Fulacunda com canhões s/r,  resultando danos materiais, feridos entre os militares e a população e a morte de uma criança.


3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 65 e 66

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


65º Capítulo > O ataque ao quartel

Talvez até agora este seja o momento mais doloroso. Tenho de escrever sobre o mais grave ataque que a minha companhia sofreu. Se escrevesse de memória, jurava que nada disto se passou. Se os meus ex-camaradas de guerra não estiverem de acordo, lamento imenso, mas tal como já me referi ao ler o que escrevi há 45 anos, parece-me que a minha guerra foi outra.

Estamos debaixo de fogo muito intenso. Vamos morrer todos”

Somente esta frase está escrita numa folha de papel. O que se segue está noutras duas folhas datadas de 8 de Janeiro de 1974.

“Minha eterna adorada.

Ontem sofremos um grande ataque, não sei muito o que aconteceu, mas o cheiro a pólvora e a queimado ainda se sente no ar.

Os meus colegas tinham ido para o mato fazer segurança, mas em vez de irem para o sítio onde o capitão mandou, ficaram ali perto da pista, os “turras” vinham atacar-nos ao arame e viram que eles estavam no mato e parece-me que avisaram os deles que tem os canhões sem recuo para em vez de atingir o quartel atingi-los a eles que lá não tinham abrigos.

Deviam ser seis horas quando ouvimos as primeiras saídas e fomos todos para os abrigos, os primeiros rebentamentos foram muito perto foi o Silva que disse que as bombas estavam a cair fora do quartel. Acho que as primeiras caíram em cima dos meus colegas que fugiram à balda do mato para o quartel sendo uma confusão enorme na pista 1 e na pista do meio porque não cabiam lá todos e parece que alguns estavam feridos.

O Cruz disse que ao atravessarem a pista, decerto estavam alguns “turras” na ponta a disparar Kalashnikov e R.P.G, também não sei se atingiram algum, mas disse que os nossos não podiam disparar logo, com medo de atingir algum colega que ainda estivesse no mato.

Eu estava nos Lagartos, ouvia tiros e bombas de todos os lados, mandaram-me ir buscar uma caixa de Dilagramas ao paiol. Tive muito medo acho que não devia ter ido porque é longe mas já não havia mais onde eu estava para o meu colega atirar. Um condutor ainda fez pior pois andava no Unimog de lado para lado nem vi quem era o doido.

Depois parecia que as bombas caíam mais perto e começamos a ouvir os nossos obuses a disparar. Nunca tinha ouvido um barulho tão horrível na minha vida. Fiquei aterrorizado, soube há bocado que mandamos mais de trezentas bombas. Onde estávamos ouvíamos a população a gritar e víamos chamas, mas só hoje é que soube que muitas tabancas foram atingidas e numa dela morreu um menino.

Já era muito tarde quando o ataque acabou, logo que eu saiba mais alguma coisa digo-te. É verdade, pelo menos os meus amigos mais próximos não sofreram nada.

Um beijo apaixonado do teu Dino”.


Não possuo a correspondência dos três dias seguintes, apenas me voltei a referir a este ataque dias depois, nos seguintes termos:

“Os meus colegas que foram fazer o reconhecimento ao local de onde nos atacaram com os canhões disseram-me que as nossas bombas destruíram um espaço enorme onde os “turras” estavam e que até havia sinais de sangue dos feridos deles”

Lamento sinceramente não ser mais específico e compreendo que os leitores que se deram ao incómodo de ler até aqui se sintam algo confusos, mas não posso, com sinceridade, dizer mais nada sobre este violento ataque que as nossas tropas sofreram.

Na carta seguinte, 9/1/74, falo de anedotas picantes e que o capitão não me cobrou o dinheiro dos artigos que faltaram na cantina. Acreditou que os roubaram durante o ataque de Novembro [de 1973].

Também me refiro que o carteiro iria omeçar a cobrar dinheiro por levar o correio tal o volume que transportava só da minha parte. Seria verdade?
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18881: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 63 e 64: que grande burro!, aposto que nenhuma mulher acreditava nesta treta [, o meu voto de castidade]...

Guiné 61/74 - P18989: (De)Caras (116): Sou dos que acreditam na história que o Cajan Seidi conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete, em 1964 (Manuel Carvalho, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)






Guiné > Região do Oio > Jolmete > Caç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) > O grandalhão do Manuel Carvalho com a "lavadeira Melinha", a Amélia, hoje a 3ª mulher do Cajan Seidi, atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, terá sido executado pelas NT, à frente de um grupo de duas dezenas de homens grandes, como represália pela sua alegada colaboração com o PAIGC. O  pai do Cajan, por sua vez, tinha sido morto pelo PAIGC, logo no início da guerra de guerrilha.


Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Baile, na recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar,  a partir da esquerda,  um furriel mecânico, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos."


Guiné > Região do Oio   > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Foto sem legenda: as "mulheres grandes" e a NT... Apoio médico-sanitário ?...  Nesta altura, a pouca população que existia, tinha sido "recuperada do mato"... Depois dos trágicos acontecimentos de junho/setembro de 1964, os sobreviventes (mulheres e crianças), ter-se-ão refugiado nas matas do Oio...


Guiné > Região do Oio  > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Vista (parcial) da tabanca.



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Eu, com o Dandi e o Martins na chegada da operação em que apanhamos o RPG2 e três armas". (Dandi, natural de Jol, no chão manjaco, capitão da companhia de milícias do Pelundo, agraciado com Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972, será fuzilado pelo PAIGC em 1975)

Fotos (e legendas): © Manuel Carvalho (2012). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70) ao poste P18988 (*):


(...) "Pois o Cajan foi um dos nossos valentes milícias de Jolmete,  conhecia muito bem a zona e foi muitas vezes o homem da frente, é bom vê-lo ainda com alguma saúde, também não andará longe dos setenta anos.

A Amélia que está na segunda foto de vestido rosa,  continua muito franzininha como era há 50 anos mas tratava muito bem da roupa de muitos de nós e até julgo que tinha algumas mais velhas,  suas colaboradoras. Quem quiser ver como ela era há 50 anos,  tenho uma foto com ela ao colo no poste P10191 (**).

Sou dos que acreditam na história que o Cajan conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete. (***) (...)

2. Excerto do poste P10191:

(...) Ao ler as estórias e ver as fotos do Augusto Santos, de Jolmete do ano de 72, lembrei que tenho fotos de Jolmete do inicio de 68 quando nós,  CCaç 2366,  lá chegamos. Sei que pelo menos o Augusto Santos o Manuel Resende e o Firmino vão gostar de ver algumas diferenças.

Como podem ver em Jolmete até bailes fazíamos,  foi a recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar da esquerda um furriel das viaturas, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos. (...)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18988: Blogues da nossa blogosfera (103): "Memórias de Jolmete", de Manuel Resende: Cajan Seidi, o atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, foi uma das cerca de 20 vítimas de represálias das NT (Manuel Resende / Eduardo Moutinho Santos)


Guiné-Bissau > 2017 > Moutinho dos Santos com Cajan Seidi, a quem convidou para  ir almoçar em Canchungo (ex-Teixeira Pinto).


Guiné-Bissau > 2017 > Moutinho dos Santos e o Fernandino Leite  com a Amélia,  a 3ª mulher de Cajan Seidi, e com os seus filhos,  em Jolmete.

Fotos (e legendas): © Eduardo Moutinho Santos / Manuel Resende (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Blogue Memórias de Jomete > 30 de agosto de 2018 > Post nº 76 - Cajan, Régulo de Jolmete (*)

Manuel [Cármine] Resende [Ferreira] [, foto à direita,]
ex-alf mil art,  CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884,
Jolmete, Pelundo, Teixeira Pinto
(, maio 69/mar 71)

Nota informativa para quem não se lembra: 

Moutinho dos Santos era alferes da Companhia que esteve antes de nós em Jolmete, a CCAÇ 2366. Era a Companhia do sr. capitão Barbeites. Depois de sair de Jolmete em 28 de maio de 1969 (, dia em que ficámos por nossa conta, e logo com um grave acidente com a bazuca do 1º cabo Brotas), tal como mais tarde o nosso alferes Almendra, foi graduado em capitão pelo sr. general Spínola e a Companhia foi para Quinhamel, gozar “férias”, mas ele, como capitão, teve que ir comandar outra Companhia no Sul [, CCAÇ 2381]. Presentemente exerce advocacia no Porto e é um excelente elemento [, um dos régulos,] da Tabanca Pequena de Matosinhos, com várias idas à Guiné para entrega de bens.


[Eduardo Moutinho Santos, ex-alf mil, CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e cap mil grad. cmdt da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada); foto à esquerda]


Pergunto eu a Moutinho dos Santos:

“Amigo Moutinho Santos, recentemente estive com o Marques Pereira, alferes da minha Companhia, a 2585,  que vos sucedeu. Presentemente vive em Moçambique, e veio cá. Mostrei-lhe fotos do Cajan e disse-lhe que o Cajan tem um filho médico no Hospital de Santo António, creio que foste tu que me deste essa informação. Sabes quem é a mãe? perguntou ele, será a Maria Sábado, do nosso tempo ?.... Sabes alguma coisa dele, ou contactos... “ (*)


Resposta de Moutinho dos Santos:

Olá, Resende.

De facto, o Cajan Seidi, soldado milícia do Pelotão de Milícias de Djolmete, que "alinhou" connosco, e convosco, nas matas do Djol, tem em Portugal, mais especificamente no Porto, um "filho" médico, o dr. Jorge Seidi (conhecido entre os amigos por Jorgito). Ele faz parte das equipas de Urgências do Hospital de Santo António, penso que como contratado de uma empresa de "manpower" que presta serviços aos hospitais do Porto. Pus a palavra filho entre aspas, pois, na verdade ele não é filho biológico do Cajan, mas sim sobrinho.

Como sabes, segundo as "leis" da etnia manjaca, e de outras etnias da Guiné, em que os sobrinhos e primos também são considerados "filhos" quando vivem todos na mesma morança, o irmão que herda a "posição" (sucede no cargo) de outro irmão mais velho, também "herda" a mulher e os filhos do irmão. Com o Cajan sucedeu isso.

O avô do Cajan, de nome Cambanque Seidi, régulo do Djol, tinha vários filhos, sendo um deles o pai do Cajan, de nome Domingos, que foi morto pelo PAIGC logo no início da luta pela independência. O avô, ao tempo régulo, foi um dos mortos na "chacina" praticada em 1964 pelas NT contra os homens grandes da tabanca de Djolmete e outras do regulado.

Este "assunto" consta de um Post do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, ali colocado por um Furriel [, António Medina,] de uma companhia [, CART  527,] da guarnição de Bula / Teixeira Pinto em 1964, antigo combatente que emigrou para os USA (**)... O Cajan teria nesta data 15/16 anos...

[Foto à esquerda: Antonio Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, CalequisseCacheu,Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau, de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA desde 1980; tem dupla nacionalidade, portuguesa e norte-americana; é nosso grã-tabanqueiro desde 1/2/2014]

Este "assunto", a que ninguém se referia quando estivemos em Djolmete, e também nunca falado anteriormente quer pelo nosso Exército quer mesmo pelo PAIGC, foi-me confirmado pelo Cajan e por dois dos seus "filhos" que, inclusive, na última visita (2017) que fiz a Djolmete,  quiseram indicar-me o local onde foram enterrados, em "vala comum", muito perto do sítio onde os nossos 3 majores foram mortos em 1970...

Como o Cajan era o neto sobrevivo mais velho do régulo, veio a "herdar" o cargo do avô, pois o irmão/primo a quem tal cargo pertenceria já tinha falecido, deixando viúva a Quinta e o filho Jorge que - na altura em que estivemos em Djolmete - estaria à guarda de um tio em Dakar (Senegal) e internado numa Missão Católica. Oficialmente ninguém se referiu - que eu saiba - ao cargo do Cajan durante a nossa estadia em Djolmete.

Assim, o Cajan com o cargo de régulo do Djol, herdou como 1ª mulher a cunhada, de nome Quinta - que vivia em Djolmete ao tempo em que nós por lá estivemos -, de quem veio a ter mais 3 filhos (Joãozinho, falecido, Minguito e Melita, médica em Bissau). Actualmente está em Portugal com o filho,  dr. Jorge. O Cajan tem mais 4 mulheres... e 25 filhos ao todo...

A segunda mulher do Cajan é a Maria Sábado - nossa conhecida - de quem o Cajan tem vários filhos (um deles o Fidalgo que é professor e director da Escola E/B de Canchungo, ex-Teixeira Pinto).

A terceira mulher do Cajan é a nossa conhecida Amélia, de quem o Cajan tem 6 filhos (vários deles a viver em Bissau).

A quarta mulher do Cajan é a Emília de quem o Cajan tem vários filhos. 

Por fim, a quinta mulher, ainda muito nova, de nome Maria, também tem já filhos...

Para o ano, se tudo correr bem, se houver "patacão"  e a saúde ajudar, tenciono voltar à Guiné-Bissau e a Djolmete para, com a Tabanca Pequena de Matosinhos, fazermos a instalação de um poço artesiano, pois, os poços tradicionais que a ACNUR abriu na Tabanca de Djolmete, quando serviu de Campo de Refugiados dos independentistas do Casamance, secaram todos e a população (3.000 habitantes), que só tem uma hora de água por dia do poço do Centro de Saúde, voltou a ter de ir buscar a água à bolanha...

Depois falamos sobre este assunto.

Um abraço,
Eduardo Moutinho Santos

[Reproduzido com a devida vénia. Revisão  e fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné] 
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem do dia 1 de Setembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

47 - A Binta 

Estávamos nos primórdios dos anos sessenta do século vinte. A Guiné vivia, segundo os políticos do Estado Novo, em paz. Uma paz podre, sobretudo depois do massacre do Pidjiguiti em que alguns trabalhadores portuários de Bissau se puseram na mira da Mauser da tropa colonial ao revindicar melhorias no seu salário de miséria que as empresas, protegidas pelo sistema colonial, lhes impunham. Os tiros assassinos fizeram acordar Amílcar Cabral e alguns guineenses. Havia muito a fazer para libertar um conjunto díspar de povos, unidos por uma força secular que lhes era estranha, tanto quanto a sua cor, os seus costumes, formas de ser e agir - os portugueses colonialistas, não o povo português, simples e afável que ele tão bem conhecera quando estudou em Lisboa.

Binta era uma bajudinha de nove anos, com corpo de mulher, esbelta de olhos negros e penetrantes, onde os seios teimavam em furar pela sua pele, indiciando o fruto que começava a amadurecer. Habituada desde pequenina a tratar dos dois irmãos mais novos, sentia agora a necessidade de olhar para si. Já era uma mulherzinha, disse-lhe a mãe com um sorriso preocupante, ao mesmo tempo que a apertava entre os seus braços, naquele fim de tarde em que estando as duas a tomar banho na bolanha, a mãe notou a sua mudança física.

Como ela gostava de cantar e dançar ao som do batuque que o Braima Cassamá, filho do chefe da tabanca vizinha, tão bem tocava acompanhado pelo assobiar estridente da pequena gaita que sustinha nos lábios! Era tempo de paz no Regulado. Todos os momentos eram bons para fazer festa. Quando a chuva caía e regava as lalas, ou o sol ardente persistia para amadurecer os frutos; nos tempos das semeaduras ou nos tempos das colheitas; quando alguém casava e quando alguém iniciava o ciclo da vida. Tudo era tempo para festas, até quando alguém partia para a eternidade. O ritmo que o Braima impunha através dos instrumentos que tangia ferozmente eletrificava-a e o seu corpo, todo ele gingava. Gingava como o gigante poilão que crescera no centro da tabanca, quando açoitado pelo vento da tempestade, para logo depois entrar na acalmia que permitia com que a passarada fizesse dos ramos o seu poiso e chilreasse harmoniosamente um hino ao criador. E sonhava...

O Braima, então com dezassete anos, andava de tabanca em tabanca animando as batucadas. Já tinha posto o olho na bajudinha e na sua graciosidade, quando se embrenhava no mato e ia até à sua tabanca para animar as festanças. Saltara-lhe à vista e até já tinha sonhado com ela. Ele, graças ao seu pai, era um jovem de vistas largas, tinha aprendido a ler e escrever nas freiras que abriram um externato para rapazes na sua tabanca. Dizia o pai que as horas que ele roubava ao trabalho na lala, havia de ser compensado no futuro longo e feliz que augurava para o rapaz, já de si esperto que nem um leão e ágil que nem uma gazela.

Mas tudo mudou quando chegaram os emissários do PAIGC. Falaram com o régulo e com os chefes de cada uma das tabancas. Disseram ao que vinham – libertar o povo da exploração colonial – Queriam a adesão da população ao seu projeto de luta, mas não foram entendidos, e muito menos atendidos. Aquele povo vivia em paz, a paz possível na terra, que com seu amanho ia dando o pão para matar a fome. – Para quê a guerra que ia destroçar o bem-estar? Para quê lutar, se nasceram portugueses, como tantos outros que já estão na terra da verdade? A guerra traz morte, traz fome, traz dor, insegurança e destruição. Rouba-nos a juventude e a alegria. destrói as nossas lalas. De que vamos viver? – assim falou o régulo, amante do seu povo, que leu o perigo que se avizinhava.

Os emissários violentaram alguns dos chefes de tabanca e ameaçaram com a morte os cobardes que se recusassem a aderir ao movimento pela libertação e independência da Guiné. Prometeram voltar e o povo ficou com medo.

Uns dias depois, um capitão do exército português rodeado por um grupo de soldados bem armados apareceu na região. Chamou o régulo e os chefes de tabanca. Imponente na sua farda, de pistola à cintura e pingalim na mão, começou por censurar asperamente os presentes, por terem dado ouvidos aos inimigos da Pátria – um bando de cobardes comunistas que querem destabilizar a província, mandatados e armados pela União Soviética e pela China que se querem apoderar da Guiné para a explorar os seus povos, agora, que está pacificada, graças a Deus. Ai daquele ou daquela que ousar dar-lhe ouvidos e cobertura! Nós não teremos dó nem piedade. Como Teixeira Pinto cortaremos a direito até à morte, se for necessário. – Assim falou o capitão a quem ninguém conseguiu ver a cor dos olhos, porque os óculos escuros o impediam. Respondeu-lhe o Régulo com a sua calma e conhecimento de causa. - Nós não queremos a guerra que só traz morte e desolação, queremos a paz, mas também não queremos imposições. Deixem-nos viver em paz, apenas pedimos isso. Muito pouco afinal -. O capitão partiu e o povo ficou em silêncio. Acabaram-se as festas, as batucadas. Fecharam-se nas moranças e choraram o futuro que se avizinhava.

E o PAIGC voltou. Juntou todos os homens grandes do Regulado. Alguns foram arrastados à força para ouvirem as “ordens” do chefe. A censura ao Régulo por ter acolhido e ouvido os militares colonialistas foi brutal. Se o voltassem a fazer seriam severamente castigados e como prova de que não estavam a brincar, ali mesmo deram violentas chibatadas em alguns dos presentes que ousaram defender timidamente a ligação aos portugueses. Depois, o chefe ditou as leis do Partido:
- As tabancas deviam, a partir daquele momento, obedecerem apenas ao PAIGC.
- Deviam recusar a pagar o imposto ao colonizador.
- Os colonialistas deviam ser expulsos à catanada, porque aquela terra não era dos portugueses.
- Os chefes de tabanca deviam tomar providências para enviarem os mancebos para servirem a pátria livre nas forças que se estavam a organizar para combater o opressor.
- A partir daquele momento deviam partilhar os seus produtos agrícolas, nomeadamente arroz, com as forças de libertação.

Como vieram, assim partiram, levando com eles alguns mancebos sob prisão para enfileirarem nas suas forças e os sacos de arroz que conseguiram localizar, deixando aquela gente apoderada pelo medo, e os chefes divididos entre aceitar as regras que o PAIGC impunha ou continuarem fiéis a Portugal e ao homem grande de Bissau.

Braima foi obrigado a partir integrado no grupo de mancebos raptados e ao despedir-se do pai, disse-lhe, ao ouvido, que queria casar com a Binta, a bajudinha filha do Iero Embaló. Mamadu, seu pai apertou-o contra o peito e jurou por Alah que ela seria a mulher do seu filho.

Reunido à volta do poilão com os chefes de tabanca e homens grandes, o régulo procurava as soluções possíveis, perante as ameaças do Partido e dos militares portugueses. As mães choravam os filhos que partiram para o desconhecido, exigiam soluções para que as suas crianças voltassem - Não queriam vê-los envolvidos numa terrível guerra que já adivinhavam. O régulo manteve-se fiel a Portugal e incentivou os presentes a manterem-se firmes enquanto ele ia à cidade falar com o Administrador e pedir apoio para defesa do seu povo.

Não teve tempo, pois logo apareceu o capitão com os seus homens, incluindo um civil. Berrou, berrou, distribuiu algumas coronhadas e por fim levou, presos para averiguações, o Régulo e dois chefes de tabanca. Quando regressaram uns dias depois ilibados de qualquer acusação, foram recebidos em festa que logo se desvaneceu. O “branco”, como eram conhecidos os portugueses, exigia fidelidade, ameaçava com violência e a destruição das tabancas se o Partido voltasse a ser recebido. Apenas promessas vagas de que estariam atentos e a tropa andaria por perto para defender as tabancas que lhe fossem fiéis. As outras seriam destruídas implacavelmente.

A Binta transformou-se numa linda bajuda. Seu corpo queimava e o seu espírito voava para o Braima, o seu amado que tinha desaparecido. Entretanto, o pai do Braima foi ter com o seu pai e contratualizou o casamento por duas vacas e três carneiros, logo que a Binta assumisse a sua condição de mulher, ou seja, tivesse as primeiras regras e o Braima voltasse...

Nem sonhava que ele estava destinado a ser o seu marido. Quando a mãe lhe disse, só se lembra de ter chorado de alegria, mas as regras da comunidade exigiam recato e cuidados dobrados, agora que estava quase pronta para assumir o noivado. Não podia comunicar com o Braima, muito menos encontrar-se com ele. Que calvário! - pensou e as lágrimas começaram a deslizar pela face bronzeada sempre que conseguia isolar-se. Era o homem da vida dela. Que sorte a sua, tão diferente da da sua irmã que fora obrigada a casar com o Aliu. A segunda mulher de um homem velho que trabalhava para os portugueses e ganhava muito dinheiro, mas era um velho.

O tempo foi passando. O Braima fora levado para Conakry onde fez o treino militar e passados uns meses seguiu para a China para o curso de minas e armadilhas, enquanto o seu cérebro era bombardeado por toda uma doutrinação contra o branco português, que colonizava violentamente o seu país, massacrando o seu povo. Muitas promessas de liberdade pelo meio. Promessas que ele, nos primeirs tempos, não entendia, pois sempre se sentira um homem livre. Também não via violência no seu pequeno mundo, onde o branco só parecia para cobrar o imposto, e os comerciantes para levarem os produtos agrícolas que produziam na lala, deixando algum patacão como pagamento. Nesses dias havia sempre festa ao cair a noite.

Assim se perdia no tempo ao pensar no passado feliz que tivera junto dos seus. O coração traía-o continuamente. Lembrava-lhe os pais, os amigos, as batucadas que tanto gostava de animar, as chuvas que davam vida à terra, o sol que amadurecia os frutos do seu trabalho e... a Binta. Pois, a Binta?! Teria o seu pai cumprido a promessa? Como fazer para voltar à sua tabanca?

Mas se o Partido afirmava que o “tuga” era um colonialista explorador, então vamos expulsá-lo. Mesmo sem saber o sentido pleno destas palavras o Braima transformou-se num combatente da liberdade e ganhou a confiança dos seus superiores.

O Partido ganhou punjança, alimentado pela URSS e pela China com o apoio velado do mundo ocidental que há alguns anos, contrariamente ao que Portugal defendia, tinha optado por dar a “independência” aos povos africanos, que dominaram durante séculos. A guerra tornara-se uma realidade sangrenta. O PAIGC desenvolvia ataques sistemáticos contra as populações que não aderiram ao seu projeto. Duas tabancas foram queimadas e os habitantes foram raptados para engrossar as forças combatentes. Ficaram os velhos e algumas crianças que se refugiaram junto da tabanca do régulo. As F.A. de Portugal colocaram no local uma companhia de atiradores que se distribuíram por três tabancas, mantendo-se em movimento contínuo de vigilância, quer junto das populações que se afirmavam fiéis, quer na mata que as circundava para evitar, o mais possível, as surpresas dos “turras”. Os ataques iam-se sucedendo provocando sofrimento e dor. O número de feridos e mortos, bem como moranças queimadas ia crescendo, apesar dos “roncos” que a tropa e a milícia local faziam junto dos inimigos da pátria, como afrirmava o comandante militar. Não se vislumbrava o fim da terrível castástrofe que se abatera sobre aquele pacífico povo.

 - Binta! Binta!

O coração deu um pulo. Já se tinham passado uns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Não viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu, mas o Alferes Barbosa, que a cotejava, estava ali por perto a vê-la lavar a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.

O Barbosa adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. A Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu Camará, o chefe da tabanca vizinha que era atualmente o sargento comandante da milícia na sua tabanca, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentido – que o seu noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum patacão. Iria precisar de dinheiro para contituir família quando o Braima regressasse, pensava ela. Sofria em silêncio e acreditava que a guerra acabaria um dia, ou fugiria para o mato ao encontro do seu amado e prometido marido.

Tentou manter a calma. Acabou de lavar a roupa do alferes, enviou-lhe um sorriso matreiro e correu para casa. Pôs a roupa a secar, voltou ao rio para tomar banho e esperou pelo lusco-fusco. Então cobriu-se com o mais lindo pano, pôs o lenço mais garrido na cabeça e perfurmou o corpo. Aproveitando a hora do rancho dos militares, abandonou a tabanca. Embrenhou-se na mata e desapareceu para sempre dos olhos do Barbosa.

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Passados quarenta e dois anos, o Barbosa ganhou coragem e partiu com um grupo de antigos combatentes para a Guiné-Bissau numa romagem de saudade. Aquele povo ficara-lhe gravado na alma e com o correr dos tempos ganhou novas formas no seu coração, já cansado. Os locais onde sofrerera os horrores da guerra perseguiam-no. O olhar daquelas crianças assustadas, os gritos e as fugas para os abrigos bailavam na sua mente. Precisava de lá voltar, ver as pessoas, dizer-lhe que nunca as esquecera, que as amava. E a Binta! Ai a Binta, a mulher mais bonita que conhecera em toda a sua vida.
Onde estará?

Chegados a Bissau, logo alugaram uma viatura e partiram para o interior. Fixaram-se no Saltinho e partiram de novo em peregrinação pelas picadas de outrora, na Mata do Cantanhez, ao encontro das pessoas que ansiavam rever, numa ânsia de respostas a muitas perguntas que teimavam em lhe queimar os neurónios.

- Alfero Barbosa! Lembras-te do Mamadu Cassamá?

O Barbosa, procurou a voz que surgira atrás de si e deparou com uma senhora que lhe sorria. Bem constiuida, vestia um longo e colorido vestido, onde o verde alface predominava como fundo e as flores vermelhas parece que se projetavam no espaço ao encontro dos olhos espantados do Barbosa. O lenço colocado com todo o esmero dava-lhe um aspeto solene, de mulher dominante.

Quem será esta mulher que passados quarenta e dois anos me reconheceu? - foi a primeira pergunta que lhe surgiu. Enquanto a mirava, sentiu o coração estremecer de emoção.

- Sim lembro-me, respondeu com a voz trémula, era sargento da milícia, ainda é vivo? Gostava de lhe dar um abraço.
- Pois... E não te lembras de mim?
- Confesso que... O coração gritava-lhe qualquer coisa, mas não conseguiu decifrar a mensagem. Ficou confuso
- Não te lembras da Binta, a tua lavadeira?
- És tu?! Ó mulher da minha vida! Correu para ela e abraçaram-se longamente. As lágrimas, essas, não deram tréguas e deslizaram suavemente pelas faces de ambos. Seguiram de mão dada até à casa dela, onde o Braima, deitado na rede, fumava o seu cachimbo.
- Este é o filho do Mamadu, o meu marido. Braima Cassamá.
- O tal que estava na tropa em Bolama?
- Nunca estive em Bolama. Eu era bandido, estava ali na mata. Respondeu o Braima com um sorriso, estendendo-lhe a mão para um cumprimento efusivo.
- Ah! agora entendo porque desapareceste minha marota!

E juntaram-se os três num fraternal abraço.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P18986: Historiografia da presença portuguesa em África (129): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Ainda não consegui apurar até que ponto estes relatórios elaborados por administradores e militares em resposta a um longo questionário formulado pelo Governador Oliveira Duque tiveram utilização posterior, no campo da investigação ou mesmo no corpo dos relatórios dos governadores da Guiné para os respetivos ministros. Mas não deixa de ser uma grata surpresa ver o cuidado do governador em juntar as peças do puzzle e a resposta que foi dada pelos seus colaboradores.
Dirão que há poucos dados novos, que o que aqui se reporta é matéria mais do que consabida. Atenda-se que o Tenente Ribeiro enviou este seu manuscrito, em fina caligrafia, no dia 1 de janeiro de 1915, a chamada pacificação dá os seus primeiros balbucios, o comandante em Mansabá teve escassos meses para recolher este acervo informativo. É um militar que sonha com a liberdade da mulher, acredita que a sua libertação recomporá as relações de modo a que o homem passe a trabalhar e ela deixe de ser escrava. Sente-se no documento que ali chegou a I República.

Um abraço do
Mário


Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (1)

Beja Santos

Através de uma circular publicada no Boletim Oficial da Guiné Portuguesa, em 1914, o Governador Oliveira Duque determinava a todos os responsáveis da administração civil e dos comandos militares que elaborassem um detalhado relatório contemplando um número apreciável de itens tais como: raças que habitam a região; organização social e política dos povos aí instalados; respeito para com os velhos; tribunais e julgamentos; contratos e seu cumprimento; relações com os povos vizinhos; qualidades guerreiras e armas usadas; constituição da família; formalidades que precedem o nascimento; fanado e sua cerimónia; consideração com a mulher; formalidades e cerimónias do casamento; adultério e sua punição; mortes, cerimónias, enterro e luto; administração da propriedade, sua transmissão; tratamento das doenças; práticas religiosas; vestuário e adornos; indústrias indígenas; formas de povoamento, casas e sua constituição; desporto; instrução; alimentação e bebidas; agricultura e seus produtos e que indivíduos estão ligados à agricultura; ferramentas e utensílios; épocas das diferentes formas de cultura; utensílios de uso doméstico; caça, gado, água potável; plantas especiais de aplicações úteis, e algo mais.

Desconhecia a circular, e mais adiante só vejo utilidade em a referir, há ainda instalado o preconceito da inexistência de inventários ou pouco cuidado dos governantes em identificarem as grandes questões da colónia, como se vê não foi necessário chegar ao importantíssimo mandado de Sarmento Rodrigues para tentar obter o perfil identitário da Guiné.

Quem vai responder a partir de Mansabá é o Tenente Barbosa, com uma caligrafia mais do que harmoniosa. O documento foi cedido à Sociedade de Geografia de Lisboa pelo Capitão Carlos Alberto Soares que serviu longos anos na Guiné, e está na secção dos reservados.

O nosso relator aborda em primeiro lugar as raças, fala nos Soninqués e Fulas. Os Soninqués são designados por “mouros” quando são convertidos à religião maumetana ou por Sonincas, os não convertidos. Sempre desfiando o que vai na caligrafia do Tenente Barbosa, ele avança que os Soninquenses são de origem Mandinga, cuja língua falam, foram os primeiros a estabelecerem-se na região, os Fulas terão vindo da atual circunscrição de Geba, estavam estabelecidos no Oio há cerca de um século, com consentimento dos Soninquenses, pagavam-lhes tributo.

Quanto à organização, Soninquenses e Fulas viviam em grupos de famílias sempre em tabancas. O chefe da morança é o seu fundador e proprietário. Cozinham por famílias, mas juntam os cabaços de comida e comem em três grupos distintos: homens, rapazes e mulheres e raparigas.

É grande o respeito para com os velhos, é um atentado desconsiderar um velho, a sua experiência é sempre tida em conta pelos mais novos. Os homens, logo que começam a aparecer os cabelos brancos, são considerados grandes e conhecerão uma redução no trabalho.

Não tinham tribunais. Os chefes não fazem justiça alguma por sua conta, com receio do que possa vir a suceder-lhes. Antes da ocupação, porém, quando algum indivíduo cometia um delito era capturado e levado para casa do régulo, onde continuava preso para responder pelo crime de que era acusado. O régulo consultava a sós dois grandes íntimos, seguia-se pois uma reunião dos grandes da Tabanca, havia exposição dos factos, decretava-se a sentença, quase sempre o pagamento de um certo número de vacas ao régulo.

Segundo o nosso Tenente, todos procuravam o cumprimento dos contratos, excecionavam-se os contratos de casamento e um ou outro sobre compra de gado, todos os contratos ficavam, em geral, logo liquidados.

Registava-se uma nova atitude de relações com os povos vizinhos. Ao tempo, os Soninqués do Oio não mantinham boas relações com os povos de Geba e Mansoa, mas mantinham boas relações com Farim e os Balantas de Bissorã, sendo estes últimos quem os auxiliava nas guerras. Mas depois da ocupação houvera uma melhoria de relacionamento com todos os povos vizinhos, daí estas etnias se conservarem pacíficas, sem demonstrações de guerra entre elas. Os Oincas eram guerreiros de nomeada, tendo rechaçado várias colunas que tentaram submete-los. Somente uma coluna de irregulares, com um pequeno núcleo de tropa, sob o comando do Exmº. Chefe do Estado Maior, Capitão Teixeira Pinto, conseguiu reduzi-los à submissão completa. Antigamente usavam espingardas de pedreneira e de espoleta e espada mandinga. Agora não lhes é permitido o uso de qualquer arma, com exceção para a defesa de gado contra os animais ferozes.

O relatório fala agora da família, é geral um homem ter várias mulheres. Quando morre um homem casado as mulheres são divididas pelos irmãos, principiando a divisão pelos mais velhos. A mulher, para o homem, vale tanto mais quanto mais filhos tiver, é na quantidade de filhos que é verdadeiramente lucrativa. As mulheres são escravizadas pelo trabalho. A mulher levanta-se, em média, das 3 para as 4 horas da manhã, para pilar o milho ou o arroz e preparar a primeira refeição; depois de comer, vai para as lavras de arroz, auxiliando ainda noutras lavras. É sobre ela que recaem todos os trabalhos pesados. Daí o comentário do Tenente Barbosa: “Chega a ser um crime o excesso de serviço das mulheres, comparado com a ociosidade dos homens”. Sente-se que os ideais republicanos devem atravessar a mentalidade do Tenente José Ribeiro Barbosa que conjetura tempos melhores para a vida das mulheres: “Uma vez abolido o pagamento da mulher e dada a esta a livre escolha do homem, este dedicar-se-ia necessariamente ao trabalho, desaparecendo a ociosidade e a origem das mais importantes questões”.

Na sequência, o relator aborda as formalidades que precedem e se seguem ao nascimento. Oito dias após o nascimento, corta-se o cabelo ao nascituro e dá-se-lhe nome. Quanto ao fanado, todos os Oincas o praticam, no homem e na mulher.

Quanto à consideração para com a mulher, a atenção que o homem lhe dispensa é só pela falta que ela lhe faz para o trabalho. Nenhuns cuidados especiais têm com as mulheres grávidas, estas trabalham até à ocasião do parto.

Neste quadro de desapego, abunda o adultério, devido à educação e meio em que são criadas às mulheres e principalmente à obrigação de viverem com um homem de quem às vezes não gostam.

(Continua)


Nos arquivos do BNU encontrei estes dois curiosos documentos de 1923 e 1925, é Governador da Guiné, Jorge Frederico Velez Caroço, que vive em permanente estrangulamento financeiro e com os comerciantes também em permanente protesto, tudo por causa dos impostos e dos cambiais. Em 23/7/1923, o Governador solicita ao Ministro das Colónias um empréstimo que seria canalizado através do BNU em Bolama; em 1925, estando trabalhos em curso, volta a pedir ao governo um contrato com o BNU, um empréstimo gratuito.

Litografia de Abel Bravo da Mata para o novo edifício do BNU (hoje Caixa Geral de Depósitos), situado entre Avenida 5 de Outubro e a Rua Laura Alves, projeto do arquiteto Tomás Taveira.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18946: Historiografia da presença portuguesa em África (127): Duas publicações sobre a Guiné na Fundação Mário Soares (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18985: Parabéns a você (1494): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18979: Parabéns a você (1493): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18984: Agenda cultural (648): lançamento do livro "Moçambique: guerra e descolonização, 1964-1975", de Manuel Bernardo, na biblioteca municipal de Faro, dia 18 de setembro de 2018, pelas 18h00





Convite que nos foi endereçado pelo autor, cor inf ref Manuel Bernardo-

Nota biográfica:

(i) nascido em Faro, em 193, vive em  Carnaxide, Oeiras

(ii) endereço de email:  manuel.bernardo258@gmail.com

(iii)  Carreira militar: 

Curso da Academia Militar (1959).

Durante 36 anos, desempenhou funções de comando e chefia de pessoal militar e civil, sendo oito em África (Angola e Moçambique), nas quatro comissões por imposição (escala) que cumpriu em 1961/73 (alferes e capitão). 

Após o 25 de Abril, com o posto de major, esteve colocado no Batalhão de Comandos (depois Regimento), a proceder à liquidação do Regimento de Infantaria n.º 1, entretanto extinto, tendo feito parte do Posto de Comando, na Amadora, que coordenou as acções militares de contenção do golpe de 25 de Novembro de 1975. 

Desempenhou as funções de Director de Instrução do Regimento de Infantaria de Angra do Heroísmo, durante mais um deslocamento por imposição, nos Açores (1977/78).

 Foi Oficial de Operações e 2.º Comandante do então Batalhão n.º 2 da GNR, com área de actuação nos distritos de Lisboa, Setúbal, Santarém e Leiria (1979/85).

Após desempenhar as funções de Subchefe do Estado-Maior, no Quartel General da Região Militar Sul, em Évora, esteve colocado nos Tribunais Militares Territoriais de Lisboa, onde foi Promotor de Justiça e Juiz Vogal/Presidente, durante cerca de oito anos (1987/95).

(iv) é diplomado com o Curso Complementar de Ciências da Informação da Universidade Católica Portuguesa (1990/93).

(v)  Actividade Literária

Publicou em 1977, com o pseudónimo de Manuel Branco, o livro «Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1975/76» (352 pp) na Editorial Abril (seis semanas no quadro dos best-sellers).

Colaborador de alguns jornais diários e semanários lisboetas (1975/1980).

Redactor da revista Mama Sume da Associação de Comandos (1989/1993).

Colaborador do Semanário (1991), do Combatente, da Liga dos Combatentes, desde 1991, do semanário regional O Algarve em 1994-2004 e do Boletim da AFAP. (Associação da Força Aérea Portuguesa)

(vi) Publicações não-periódicas:

1.  «Marcello e Spínola – a Ruptura; As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; Portugal 1973-1974» (456 pp). Lisboa, Editora Margem, 1994 (em 2.ª edição na Editorial Estampa (368 pp), em 1996. Apresentada pelo Dr Luís Villas-Boas, em 13-10-2011, uma 3.ª edição actualizada (300 pp), no Museu Militar, em Lisboa, com o prefácio do Gen. Vasco Rocha Vieira. (Versbrava Editora – Edium - Porto).

  2. «Equívocos e Realidades; Portugal 1974-1975» (2 vol. 1 012 pp). Lisboa, Editora Nova Arrancada, 1999, com o prefácio do Eng.º Paulo Valladas. Lançado no Dia Internacional do Livro, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras.    3. «Timor – Abandono e Tragédia; “A Descolonização” de Timor (19741975)», (271 pp) em co-autoria com o Coronel Morais da Silva.(falecido) Lisboa, Editora Prefácio, 2000, com posfácio do Comandante Virgílio de Carvalho (falecido).

  4. «Combater em Moçambique; Guerra e Descolonização 1964-1975» (452 pp). Lisboa, Editora Prefácio, 2003, com prefácio do Prof. Adriano Moreira.

  5. «Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975» (740 pp). Lisboa, Editora Prefácio, 2004. Foi lançado no Dia Internacional do Livro, integrado nas comemorações do 30.º aniversário do 25 de Abril, é uma edição revista e actualizada de “Equívocos e Realidades 1974/75 (…)” e tem um prefácio do Prof. Artur Anselmo, actual Presidente da Academia das Ciências.

  6. «25 de Novembro; Os “Comandos” e o Combate pela Liberdade» (521 pp), em co-autoria com o Prof. Dr. Francisco Proença Garcia e o SargMor “Comando” Rui Domingos da Fonseca. Lisboa, Edição da Associação de Comandos assoc.comds@mail.telepac.pt . 2005. Tem o prefácio do General Tomé Pinto e o posfácio do General Ramalho Eanes e foi lançado no Instituto de Defesa Nacional, em 25-11-2005, nas comemorações do 30.º aniversário do 25 de Novembro, com apresentação do Prof. Barbosa de Melo, ex-Presidente da Assembleia da República.

  7. «Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-1980».(410 pp) Lisboa, Editora Prefácio, 2007, com prefácio do General Ricardo Durão. Foi lançado em 29-11-2007, na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal/Lisboa e em 13-12-2007, na Biblioteca Municipal de Faro.                                                                       

  8. «Grades de Papel; Caxias 1975; Condomínio Fechado» (182 pp), em coautoria com o Coronel Joaquim Evónio Vasconcelos (falecido). Porto, Versbrava (Edium) Editora, 2013. Apresentado na SHIP/Lisboa, pelo General Loureiro dos Santos, na Biblioteca Municipal de Faro pelo Almirante José Cabeçadas e na Biblioteca Municipal de Quarteira, em 2013, pelo Dr. Cristóvão Norte (falecido).

  9. «Moçambique; Guerra e Descolonização; 1964-1975», 2018 (382 pp), edição actualizada de obra anterior, na editora Âncora e integrada no Programa Fim do Império (Liga dos Combatentes, Comissão Portuguesa de História Militar e Câmara Municipal de Oeiras). Tem o prefácio do General Chito Rodrigues e a apresentação esteve a cargo do General “Comando” Júlio Oliveira, na Livraria Municipal de Oeiras, 15-05-2018.   Vai ser apresentado em Faro, na Biblioteca Municipal, em 18 de Setembro de 2018, pelas 18h00, pelo Dr. Luís Villas-Boas.

Fonte: dados fornecidos pelo autor, agosto de 2018. [Revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 61/74 - P18983: Convívios (871): Tabanca de Matosinhos, restaurante Espigueiro (ex-Milho Rei), rua Heróis de França, 721, Matosinhos: amanhã, 4ª feira, a partir das 12h, almoço de homenagem aos grã-tabanqueiros Joaquim Peixoto (1949-2018) e Margarida Peixoto


Joaquim e Margarida, em Monte Real, 2010. Foto de
Manuel Carmelita / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
1. Ontem às 10:38, a Tabanca Matosinhos  publicou a seguinte mensagem na sua página do Facebook:

 O Joaquim Peixoto merece a nossa homenagem.

Na próxima quarta feira dia 5 de Setembro,  à hora do costume ([, a partir das 12h,] no Restaurante Espigueiro ( ex-restaurante Milho Rei) em Matosinhos, vamo-nos reunir à sua volta e recordar o que ele foi para cada um de nós e como a sua forma de ser e estar n

a vida nos marcou.


2. A Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, associa-se a esta singela  mas justa homenagem,  e  apela à participação de todos os camaradas, que estejam por aqui perto, disponíveis e solidarários.  

É possível que a viúva, Margarida Peixoto, porfessora do 1º ciclo do ensino básico, reformada, e também nossa querida grã-tabanqueira, possa estar presente. Ela é uma mulher que soube enfrentar. com os seus 2 seus filhos,  esta tragédia da doença e morte do seu marido, com uma enorme coragem e dignidade, um exemplo para todos nós e nossas famílias.

Levem as vossas companheiras. Eu e a Alice, ainda cá pelo Norte, estaremos lá connosco!... Haverá mais companheiras nossas. A Tabanca de Matosinhos tem um reservado próprio onde cabe muita gente. E o restaurante é amplo. Não há inscrições prévias, é só chegar e sentar-se à mesa.

Para quem não sabe, o Restaurante Espigueiro ( ex-Milho Rei) fica na Rua Heróis de França, 721, Matosinhos 4450-159, Portugal, telef +351 22 938 5685.

A referência é o Memorial do Passos Manuel, na Avenida da República. É o quarteirão a seguir,  à direita, quando estamos virados para o mar.

3. Seria interessante e proveitoso, para todos nós,  que os amigos e camaradas que privaram mais com o Joaquim Peixoto (bem como com a Margarida)  pudessem, depois da refeição, usar da palavra justamente para "recordar o que ele foi para cada um de nós e como a sua forma de ser e estar na vida nos marcou", de acordo com a sugestão do(s) régulo(s) da Tabanca de Matosinhos.

Luís Graça dá aqui o mote, poético, com o primeiro quarteto do soneto que faz questão de dizer amanhã ao saudoso amigo e camarada Joaquuim:

Joaquim, bom amigo e camarada,
nunca quiseste estar entre os primeiros,
mas, por nós, tens presença reservada
lá no Olimpo dos deuses e guerreiros.
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Nota do editor:

Último poste da série >  21 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18943: Convívios (870): Encontro e almoço do pessoal da CCAV 3366/BCAV 3846, a levar a efeito no próximo dia 8 de Setembro de 2018 no Parque das Nações, em Lisboa (Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça


Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018), professor do 1º ciclo do ensino básico, reformado, ex-fur mil ap arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Sare Bacar e Bafat´, 1971/73). Foto: cortesia da Agência  Funerária Santa Marta Lda, com sede em Penafiel.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > A "última morada"....


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  As flores da nossa saudade


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  3 camaradas da Tabanca Grande: Zé Teixeira, Álvaro Basto, António Carvalho


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > O Silvério Lobo (à esquerda)  e o José Manuel Lopes (à direita)


Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Aspeto parcial da fachada da Igreja das Freiras (ou Igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição), do séc. XVIII, na Rua Conde Ferreira.


Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao centro, o José Rodrigues, da Senhora da Hora, Matosinhos.


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao meio o Edurado Moutinho dos Santos,  mais a esposa; à esquerda, o  Zé Teixeira.


Penafiel >3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  À esquerda , o Zé Manuel Cancela e o Xico Allen.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  Camaradas junto à Igreja das Freiras


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Mais camaradas, junto à Igreja das Freiras.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  Cerimónia com acompanhamento religioso > Aspeto já do final da cerimónia  > Descansa em paz, camarada!


 As tabancas aqui do Norte, Tabanca de Matosinhos, Bando do Café Progresso, Tabanca dos Melros... estiveram em peso, no funeral do nosso Joaquim. Estimei em cerca de meia centena os ex-combatentes da Guiné que quiseram vir despedir-se do nosso camarada.

No emotivo, intimista e brilhante improviso que fez, ainda dentro da Igreja das Freiras, e que mereceu as palmas dos presentes,  a Margarida mostrou-se grata às nossas tabancas pelo muito bem que fizeram ao seu marido... Alguns camaradas, como  o Zé Cancela, estavam inconsoláveis. O Cancela era provavelmente o melhor amigo  e companheiro de viagens do Peixoto. Chegou a ir aos Açores com ele (e as respetivas esposas) num dos convívios da açoreana CCAÇ 3414.

Se não erro, o único camarada da CCAÇ 3414, que esteve no funeral, foi o Brito da Silva, outro grande companheiro e amigo do Joaquim, natural de Baião (e, portanto, vizinho da Tabanca de Candoz)  e a residir na Madalena, Vila Nova de Gaia, Gostava que ele integrasse a Tabanca Grande, convite que de resto já lhe fiz há anos.

O Manuel Carvalho falou-me do papel "agregador" do Joaquim: ele era contra todas as "clubites", incluindo as pequenas, triviais, anedóticas rivalidades entre tabancas... O Joaquim  pertenceu pelo menos àquelas três tabancas, para além da Tabanca Grande...

Outro grande companheiro foi o Manuel Carmelita, e a esposa, sem esquecer o Zé Manel, da Régua, e a Luísa Valente... Grande parte do seu círculo de amigos eram camaradas da Guiné... 

Na próxima 4ª feira, amanhã, marcámos encontro na Tabanca de Matosinhos, que se fez reperesenta pelos 3 régulos, Zé Teixeira, Moutinho e Álvaro Basto...

Até sempre, Joaquim!... Agora é a altura de tu, lá do alto, velares pela tua Margarida, pelos teus filhos e netos, o que já fazias, como bom marido, pai e avô... Temos o João Rebola, em fase muito adiantada de doença... Temos todos nós, teus camaradas e amigos, a queixarem-se de mil e uma mazelas.  Passas agora para a lista da Tabanca Grande onde estão aqueles que da lei da morte já se foram libertando... E já são 64 contigo, num total de 776 grã-tabanqueiros

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Já no leito de morte, no  IPO do Porto, o Joaquim Peixoto recebeu a visita, por duas vezes, do seu camarada e amigo do peito José Manuel Lopes, um raro privilégio que ele só concedeu a alguns amigos mais íntimos (*).

Numa das vezes, o Joaquim disse que gostava muito do poema "Recuso dizer uma oração / ao deus que te abandonou" (**)... Pediu ao Zé Manel para o voltar a dizê-lo, em volta...  e no fim, uma lágrima furtiva soltou-se-lhe do rosto... 

O Zé Manel contou-me esta "cena", em Penafiel, à hora em que o caixão com o corpo do nosso saudoso amigo e camarada saía da igreja, a caminho do cemitério municipal de Penafiel, a escassas centenas de metros.  E eu prometi logo republicar o poema em memória do nosso amigo e camarada comum... 

Recorde-se que este é um da escassa meia centena de poemas que sobreviveram à fúria autodestruidora do poeta, depois de regressar da Guiné. É assinado pelo Josema, pseudónimo literário de José Manuel Lopes, da Quinta da Senhora Graça, no Alto Douro Vinhateiro,  ex-fur mil op esp, da CART 6250 (Mampatá, 1972/74) (**)


Recuso dizer uma oração
ao deus que te abandonou,
não sei se é do nó
que me aperta a garganta,
ou da revolta que brota do meu peito,
só sei que não consigo
desculpar...

Sinto ganas de arrancar
o fio preso ao teu pescoço
e atirar dentro da mata essa cruz
no local...
onde encontraste a tua,
onde perdeste a vida
e eu a minha fé entorpecida.

Recuso deixar de pensar
no que aqui nos trouxe,
para onde nos levam,
quero encontrar respostas
a todas as perguntas
que se soltam em turbilhão
dentro de mim,
quero encontrar
algo que justifique,
achar uma razão,
por pequena que seja,
irmão,
para acalmar esta dor
e não encontro
e não encontro...não.

Bolama 1972
josema




2. Também eu deixei um poema, meu, na nossa página do Facebook, à memória do Joaquim Peixoto, (1949-2018), ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)

Dies iræ, dies illa!

Cavalgam caudalosos os rios pela terra adentro,
enquanto fluem ruidosos os dias da guerra.

Rios que não são rios, mas rias,
entranhas ubérrimas, fustigadas pelo vento,
rias baixas pela manhã, pedaços, braços de mar,
restos de tsunamis, pontas de fuzis, 
palavras acérrimas, imprecações ao Grande Irã,
picadas minadas de ir e não mais voltar.

Dias que não são dias, circadianos,
mas fragmentos,
ora ledos ora amargos enganos,
estilhaços de tempo,
riscos nas paredes sujas dos bunkers,
repentinas emboscadas, breves finais de tarde,
instantes, flagelações, 
balas tracejantes
sob o céu verde e vermelho
enquanto o capim arde.

Narciso, revejo-me ao espelho, quebrado,
vou nu, de camuflado,
de azul, celestial,
ao encontro do anjo da morte, em Jugudul.
E não há estrelas, à noite,
mas a bússola indica o norte, sideral,
nunca o sul,
nunca o nascer nem o morrer.

Dies irae, dies illa,
dia de ira, aquele,
em que subiste o cadafalso do Niassa,
ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
dias de ira, aqueles,
os da guerra!
Calai-vos,
rápidos do Saltinho, rápidos de Cussilinta,
vós que mais não sois
do que canoas loucas, desenfreadas,
levadas pelo macaréu da nossa raiva,
entre o Geba e o Corubal.

Braços que não são braços, amputados,
mas apenas tatuagens, traços,
letras de fado pungentes,
pontes que são miragens,
tentáculos, serpentes,
lianas, cortadas pela catana, a eito,
pela floresta-galeria,
inferno tropical, túneis, tarrafo,
bolanhas, lalas, bissilões,
curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
apocalípticos palmeirais,
pontas de punhais cravadas no peito,
irãs acocorados no alto dos poilões.

E depois o silêncio, o impossível silêncio.
o silêncio das partituras,
dos mapas dos argonautas,
partículas, pausas, pautas,
cartas de tiro com claves de sol,
desidratação,
a ogiva do obus,
o medo da avestruz,
o roncar do helicanhão,
gritos do djambé, e do macaco-cão,
gemidos de kora,
espasmos de balafon,
rajadas de kalash
ecos do bombolom,
bombas de fragmentação
que correm no dorso dos cavalos
desde o Futa Djalon.

Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
nem quero ouvir o grito da morte,
outra vez!


Terras do Demo, 27-29 de dezembro de 2011;
Madalena, Vila Nova de Gaia, 30-31 de dezembro de 2011;
Revisto, Penafiel, 2 de setembro de 2018.
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