quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20059: Historiografia da presença portuguesa em África (172): "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje" - Uma obra ímpar do 2.º Sargento António dos Anjos: A Guiné logo a seguir às operações da pacificação (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
António dos Anjos, já reformado e em Bragança, lançou-se à escrita das suas memórias referentes às décadas de 1910 e 1920, andou pela Guiné, não participou diretamente mas possui excelente informação sobre as operações de Teixeira Pinto, percorreu a colónia, registou os inúmeros atos de sublevação e de contestação da presença colonial. Tece uma homenagem aos bravos que tombaram, e foram muitos, e dá-nos conta das funções que desempenhou, das tremendas dificuldades que viveu.
É uma satisfação enorme ter encontrado este livrinho, espero que os senhores historiadores doravante lhe façam justiça, como merece, ilumina como se vivia na colónia, ninguém retratou com tanta fidelidade tais situações como ele.

Um abraço do
Mário




Uma obra ímpar do 2.º Sargento António dos Anjos: 
A Guiné logo a seguir às operações da pacificação (2)

Beja Santos

Não são frequentes os testemunhos militares referentes à Guiné do tempo de Teixeira Pinto e período posterior. O documento que o 2.º Sargento António dos Anjos nos legou possui um cabedal de informações de enorme valor, porquanto: inventaria, mesmo com erros de datação, a infinidade de atos de insubmissão face à presença portuguesa e revela claramente a fragilidade dessa mesma presença; contesta aquilo que a doutrina oficial é insistente em dizer que a pacificação trouxera a paz interétnica, estava longe de ser verdade; e descreve igualmente as operações lideradas por Teixeira Pinto com relativa fidelidade. Deixa para o final da obra o testemunho da sua comissão, a exaltação da camaradagem e refere os sinais de progresso.
Convém, por estas razões, citar na íntegra parágrafos importantes da sua obra:
“Hoje, a Guiné está muito diferente da de outrora. Em 1920, foi construído na ilha de Bolama um campo de aviação de 96 hectares de superfície. Para fazer a planta, demarcar o terreno e vigiar a construção do campo, foi nomeada uma comissão composta de dois oficiais do Exército e um funcionário civil. Foi também encarregado um 2.º sargento e um pelotão de soldados indígenas da 1.ª Companhia, da missão de vigiarem e obrigarem a trabalhar os Mancanhas habitantes da ilha, tendo sido confiado ao sargento o bom andamento daquele trabalho, durante os três meses que o campo levou a construir. Foi um trabalho extenuante, porque o terreno era muito arborizado. Por fim, os indígenas já cansados com o extenuante trabalho procuravam desaparecer da ilha.

Durante este trabalho, deu-se um caso interessante. No campo havia um grande e velho poilão dentro de um pequeno bosque. À volta do tronco havia os Mancanhas agrupando grande quantidade de garrafas vazias, penas de galinha e ossos dependurados nas ramas dos arbustos e neste lugar havia uma pequena faixa de terreno varrido. Aquele bosque era para eles sagrado, pois diziam ser a sua igreja, onde estava o Irã. O pior foi para destruir aquela pequena floresta e derrubar o poilão, porque os indígenas receavam fazer tal trabalho! Tiveram os soldados que agarrar as enxadas, picaretas e machados para a derrubarem; e quando tinham este serviço quase a meio é que os Mancanhas se encheram de coragem e pediram as ferramentas aos soldados para eles concluírem.

Como estímulo deste grande trabalho e depois de concluído, o governador louvou os dois oficiais e o civil, cujos louvores foram publicados no Boletim Oficial da Colónia. Quem não foi louvado foi o sargento nem praça alguma, se bem que houvesse algumas que bem o mereceram, porque durante os três meses que durou o extenuante trabalho empregaram grande atividade para obrigarem os Mancanhas a trabalhar e tendo que fazer aquele trajeto a pé duas vezes por dia, isto é, ida para o trabalho de manhã e regresso do trabalho à noite, ficando o campo a três ou quatro quilómetros de distância de Bolama; enquanto que os oficiais e o civil quase que só de oito em oito dias é que apareciam no campo… E nunca foram a pé…”

E passa o seu testemunho, começa por nos dizer o que era fazer uma viagem de canoa:
“Fiz eu muitas dessas viagens, sendo uma delas numa pequena canoa de um comerciante Fula, da Ilha de Canhambaque a Bolama, em maio de 1919, e algumas de Nhacra a Bissau, e vice-versa, quando ali destacado em 1914-1915, e com os vizinhos Papéis ainda por bater! Às vezes navegava-se em certos rios perigosos, em que o gentio ainda rebelde tentava assaltar as embarcações. Notei ser verdade o assalto às lanchas, porque quando em Dezembro de 1912 retirava do posto militar de Simbor, com três soldados, embarcámos na lancha de uma casa comercial, a fim de seguir para Cacheu e, ao viajar no rio Farim tentaram os Oincas assaltar-nos a lancha, quando esta, de noite, estava amarrada ao tarrafo do lado do Oio, aguardando nova maré para poder continuar a viagem. Juntou-se grande número de Oincas à beira do rio, por detrás do tarrafo, fazendo ameaças e uma gritaria ensurdecedora! O que nos valeu foram as quatro espingardas com que estávamos armados…

A primeira estrada construída foi entre Bafatá e Bambadinca e a seguir a estrada de Bolama a Bolama Este. Acabada a Guiné de ser batida, fazíamos as viagens por terra a pé, pelos caminhos dos gentios aos ziguezagues, umas vezes debaixo de um sol sufocante, outras vezes debaixo de chuva batendo a palha molhada numa pessoa. Era assim que nesse tempo os militares faziam as viagens com a espingarda Kropatchec ao ombro e os sessenta cartuchos da ordem. Se nesse tempo houvesse estradas abertas, não nos custaria tanto vencer o trajecto.

Fazíamos o arrolamento do imposto de palhotas, sempre acompanhados de uma pequena força, pois uma pessoa sozinha não se podia meter nessas aventuras, porque nalgumas povoações dava-se a casualidade de haver traulitada. Vou relatar quais as casas que habitei nos diferentes postos militares por onde estive destacado. Passados três meses do meu desembarque, fui para o posto de Geba, sendo a casa uma palhota. Em 1912 fui destacado para Cacheu, onde encontrei boas casas no quartel. Passados três meses, fui destacado para Simbor, região de Farim, a casa do posto era uma palhota. Em Abril de 1913, fiz parte das operações militares realizadas na região dos Felupes, tendo a coluna pernoitado no posto militar do Arame umas sete ou oito noites, as casas do posto eram também palhotas. Ainda no mesmo ano fui destacado para Bissorã, habitei uma casa coberta de zinco. Este posto encontrava-se montado na margem direita do rio Armada, região do Oio. Esta região acabava de ser batida pela coluna Teixeira Pinto e na margem esquerda deste rio estava insubmisso o gentio denominado Balanta Bravo.

Em 1914, após a guerra dos Manjacos, fui destacado para o Churo, região dos Manjacos, habitei uma palhota…”

É minucioso na descrição por onde andou, em 1916 foi para a Ilha de Bissau, fez o arrolamento de palhotas em Safim, esteve no Biombo, em Canhambaque em 1918, os habitantes da ilha eram insubmissos.
Sempre que pode, sai-lhe um desabafo:  
“Durante o tempo que permaneci em efectivo serviço militar na colónia as marchas que fui obrigado a fazer foram sempre feitas a pé. Nem bicicleta havia ao tempo na colónia, quanto mais automóveis”.
Refere que passaram a haver mais campos lavrados produzindo mancarra, arroz, milho, feijão, mandioca, batata-doce, árvores de fruto, exalta o fértil solo da Guiné. Anota as melhorias introduzidas nas estruturas militares, a existência em muitos postos de hortas com couves e alfaces, tudo por iniciativa dos militares, o Governo não despendia qualquer verba. “Se queríamos ter capas ou toalhas de banho, toalhas das mãos, lençóis, cobertas de cama, etc., era tudo comprado à nossa custa…”.
E comenta abusos e a sua repressão:  
“Chegou-se a uma época em que alguns funcionários não querem andar sem ser de automóvel. Mas em 1931, o Major Zilhão veio para governador e com uma mão de ferro pôs termo a muitos abusos que havia com os carros do Estado…
Depois as famílias de alguns senhores administradores lamentavam-se do corte de regalias”.

E tece um louvor ao progresso, às novas estradas:
“Até parece um sonho, pensar-se que hoje uma pessoa sai de Bissau para qualquer dos pontos mais distantes do interior, como seja Contuboel, Sonaco ou Gabú, etc., e dali a três horas ou três horas e meia encontrar-se nessas paragens”.

Um documento único, um olhar muito especial sobre duas décadas da Guiné, uma peça incontornável para a historiografia.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20041: Historiografia da presença portuguesa em África (170): "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje" - Uma obra ímpar do 2.º Sargento António dos Anjos: A Guiné logo a seguir às operações da pacificação (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20058: Manuscrito(s) (Luís Graça) (161): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte III - De 21 a 30 de 100 pictogramas)


Lourinhã >  c. inícios da década de 50 do séc. XX > Praça da República: o velho coreto no largo (empedrado) do convento. Este foi um dos lugares (mágicos) das brincadeiras da infância do poeta: era aqui, neste empedrado que, na hora do recreio escolar, os miúdos da Escola Conde Ferreira (, à esquerda, não visível na foto,) jogavam ao "hoquei em patins"... sem patins e com "sticks" (ou estiques) de pau de tramagueira... 

Era também aqui, neste coreto,  que se ouvia os concertos da Banda da Lourinhã, fundada em 2 de janeiro de 1878 (e, a partir dos anos 30, Banda dos Bombeiros Voluntários da Lourinhã)... Infelizmente, o coreto foi demolido pelo camartelo camarário, antes do 25 de Abril, ao tempo em que era presidente da edilidade um arquiteto estadonovista e iconoclasta, lourinhanense,  Lucínio Guia da Cruz (1914.1999), que fizera carreira no gabinete de urbanização colonial, com sede em Lisboa, criado em 1944 por Marcelo Caetano, ministro das colónias... 

Postal ilustrado. Edição do GEAL - Museu da Lourinhã. [Reproduzido com a devida vénia]. 



Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]


Texto (inédito): 

© Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.


À memória de Álvaro Andrade de Carvalho, médico psiquiatra (1948-2018), lourinhanense, que faria hoje 71 anos, se fosse vivo. Meu querido amigo e condiscípulo de escola.


(Continuação)



[...] 1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...](*)


21. Havia a bola, já o disseste, que era o alfa e o ómega da vida, o campo de jogos, pelado, por detrás do convento, do antigo convento...

Havia o hóquei em patins, as emoções dos relatos do Campeonato Europeu e Mundial de Hóquei em Patins, do torneio da páscoa em Montreux [1], e pouco mais... mas nós éramos os campeões do mundo, e, atrás de nós, vinham os eternos rivais, os espanhóis. 



22. Não, tu nunca tinhas visto um espanhol em carne e osso. Ou melhor: havia um espanhol na tua aldeia, galego, amolador de facas e tesouras, e consertador de chapéus de chuva, e que usava boina basca, preta, fugido, diziam, do terror de uma guerra civil, coisa de que tu nunca ouviras falar nem muito menos sabias o que era. 


"Um coisa horrível, meu filho, de que Deus nos livre, da fome, da peste e da guerra, libera nos, Domine!". 

Tinha uma espécie de gaita de beiços com que se fazia anunciar, pelas ruas fora, com a sua estranha bicicleta de uma roda só. Era espanhol ou galego, sabias lá tu onde era a terra dele. Não tinha nome, só alcunha. Era o “Espanhol”. 



23. Não, não havia patins, nem hóquei, nem ringue, ouvias o relato do hóquei em patins, debaixo dos lençóis, numa galera inventada pelo teu amigo e vizinho Zé que há de emigrar para as Américas, e registar patentes das suas engenhocas de apagar incêndios em poços de petróleo.

Sim, havia os tios e os primos, os amigos e os vizinhos que emigravam para as Américas, com os irmãos mais velhos e os pais, e que não voltavam mais... até se varrerem completamente da lembrança os seus nomes e as suas caras, aos meninos e aos pais dos meninos que cá ficavam. 


Fazia-te confusão por que é que eles tinham que se ir embora. Para longe, para tão longe, muito longe… Mais tarde descobrirás que as Américas eram o Novo Mundo, o Eldorado, o Paraíso Terrestre…


Lourinhã, finais dos anos 40, princípio de 50 do séc. XX.
O "campo de futebol" do largo do convento... Era de pequeninbo
 que se torcia o pepino... Foto: Luís Graça (2005)

24. Jogava-se à bola no Portugal dos pequeninos, na era dos cinco violinos 
[2], jogava-se à bola, os de chanatas e os de pé descalço, contra os de botas cardadas, no largo (empedrado) do coreto ou no largo do convento, depois da missa matinal, ao domingo, e, antes do almoço de peixe seco, salgado, e com cebolas e batatas com pele, que era a comida dos pobres no inverno da tua aldeia, jogavam à bola os da aldeia de baixo contra os de cima, os da rua do Castelo contra os da rua do Clube mais os do largo das Aravessas, e os da travessa do Quebra-costas, os do Casal Velho contra os do Casal Novo, os das aldeias contra os da vila, e que eram muito mais matulões do que tu, os da Terra contra os da Lua, os Travassos contra os Jesus Correia, os Peyroteos contra os Matateus, o Benfica contra o Sporting, os assimilados contra os pretos lá nas lonjuras do Portugal de além-mar em África.


25. Não, não havia mais, não havia mais nada na tua terra liliputiana, criada por Deus, e à beira-mar plantada, e que por isso era o centro do mundo mas onde o mundo era a preto e branco, às vezes mesmo a preto e negro nas noites de inverno de breu, e dividia-se em duas metades, em dois campos, em duas balizas, tão simples como o campo de futebol: havia os bons e os maus, como o "Brutamontes", os fiéis e os infiéis, os santos e os pecadores, as presas e os predadores, os pequenos e os grandes, nós e os outros, os portugueses e os da Espanha que ficava por detrás da serra azul de Montejunto, ali tão longe e tão perto. 


Havia os ricos e os pobres. Os pobres eram muitos, e magros, os ricos eram poucos, e gordos.


26. Podias lá tu imaginar o que ficava lá para trás de uma serra, dos cabeços e dos moinhos?! E muito menos que por detrás de uma serra, havia sempre outra serra, colina ou cabeço, e que era redonda a terra e profundo o mar por onde se chegava aos Cabos da Boa Esperança!

O mais longe a que podias chegar, na tua imaginação febril de miúdo, era a lua, e as suas manchas escuras, que não eram mais do que a silhueta de um pobre diabo com um molho de lenha às costas, condenado sabe-se lá por quê e por quem!?... 


De certo, por Deus, por trabalhar ao domingo e não respeitar o dia do Senhor, dizia a tua catequista, a "Branca de Neve", sempre tão gentil, e tão casta, e tão linda…



27. Outros diziam, os mais antigos, que era a alma do ti Zé Mendes, morto numa outra vida, e agora ferreiro e segeiro da tua rua, a rua dos Valados ou rua do Castelo, que, qual Hércules ou Vulcano, de tronco nu, passava o dia e a noite a dar à forja e a malhar o ferro em brasa… 


E rezava uma estranha ladainha enquanto malhava o ferro em brasa, uma mistura de padres-nossos, avé-marias e salvé-rainhas…Para os putos da tua rua, a sua oficina era a boca do inferno… Costumava dizer-nos entre dentes: "Quando fores bigorna, sofre; e quando fores malho, malha"...


28. Jogava-se hóquei com um pedra esquinada e um estique de pau de tramagueira e botas de couro cardadas, e alguns de pé descalço, no largo do coreto da tua aldeia.

E a senhora professora, quando saía, punha-te a vigiar e a punir a turma dos insurretos, essa chusma de insetos, de repetentes, de analfabetos, de quem a Nação nunca poderia vir a ter orgulho. 


Sabias lá tu, meu menino, o que era a Nação e orgulho da Nação, que era infinitamente maior que a mesquinhez das gentes atarracadas da tua aldeia!... A Nação só podia estar em Lisboa, capital do reino e do império!…

Em frente ao quadro preto, no estrado de madeira, com um pau de giz branco na mão, qual aprendiz de santo inquisidor,
e o ponteiro na outra, qual garboso lanceiro de Aljubarrota, fardado, de bibe azul às riscas, aprumado, ajuramentado, a apontar os nomes dos meninos mal comportados! …


Hoje terias, por certo, vergonha desse papel de sabujo e delator que te obrigavam a desempenhar em pequenino, mesmo nunca tendo pertencido à "Bufa", a Mocidade Portuguesa! 



29. E a pedra, o calhau, o paralelepípedo de granito, arrancado da calçada, e que te vem de fora, atravessando a janela e a sala, arremessada pelo matulão do "Brutamontes", podia ter-te morto, o safado, o moinante, o ressabiado, o desgraçado, o jacobino, o do reviralho, o herege, o excomungado, que odiava a escola, a igreja, a civilização, a ordem e o progresso, a farda, a bandeira das cinco quinas, a menina dos cinco olhos, a férrea disciplina, a patriótica delação, a lei e a grei, a sanha de Deus e a punição de César!...


O "Brutamontes", filho de gentes reles, pai alcoólico, mulher da mau porte, consolava-te a tua boa mãe, afagando-te o rosto coberto de lágrimas.

Havia muitos paralelepípedos de granito e basalto, andavam nessa altura a calcetar as ruas da tua aldeia. Vinham de longe, os calceteiros. E alguns gozavam com os putos  que, de volta a casa, se juntavam a ver a "obra", na rua do cemitério, ou quando passava algum funeral
: "Meninos, erros de médico e calceteiro, a terra os cobre!"



30. O condenado ao fogo eterno, o "Brutamontes", esse, só queria a derrota da equipa das quinas e do projeto de Educação Nacional, com os meninos, tão lindos, que lá iam cantando e rindo, como no teu Livro de Leitura da Terceira Classe, depois de bebido o leite em pó e comido o grosso naco de casqueiro com queijo fatiado, das sobras que os primos ricos da América, através da Caritas Católica, te mandavam nos anos do pós-guerra, arroz, queijo, farinha de trigo, leite em pó, roupa usada.

Podias lá tu, meu petiz, saberes da nossa pobreza envergonhada, do teu Portugal pobrete mas alegrete ?!…


A "Branca de Neve" punha-te a rezar à saúde e às "propriedades" dos meninos brancos americanos e das suas mamãs louras, de olhos azuis, dos filmes de cobóis. 

Não te lembras de rezar aos pretinhos de África, coitadinhos, muito menos aos de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola ou Moçambique, que eram tão portugueses como tu, mas que iriam para o inferno se os missionários de barbas brancas não fossem a tempo de os catequisar e batizar! 

(Continua)
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[1] Montreux, cidade suiça, onde ainda hoje se realiza um dos mais antigos (desde os anos 20 do séx. XX) e prestigiados torneios de hóquei em patins.


[2] Os Cinco Violinos é uma designação jornalística, atribuída ao grupo de cinco jogadores da linha avançada da equipa principal de futebol do Sporting Clube de Portugal que, na segunda metade dos anos 40 do séc. XX, em três épocas, ganharam tudo ou quase tudo que havia para ganhar… A sua fama perdurou pela década seguinte… e entrou no imaginário dos putos da escola...


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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série:

11 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20052: Manuscrito(s) (Luís Graça) (159): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte I - De 1 a 10 de 100 pictogramas)

13 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

Guiné 61/74 - P20057: Consultório militar do José Martins (44): as medalhas que não foram entregues: o caso da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)





Brasão da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)




1. Trabalho de pesquisa do nosso camarada e colaborador permanente José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70; vive em Odivelas; tem já perto de 400 referências no nosso blogue):



HÁ MEDALHAS QUE NÃO ENTREGUES 


Nem todas as medalhas, que foram atribuídas a militares que estiveram nos diversos teatros de operação nas antigas províncias portuguesas, foram entregues aos galardoados.

Referi-me, em especial à Medalha da Cruz de Guerra ou outras Medalhas, ou porque não se acharam merecedores de tal condecoração ou que, por desconhecerem esse facto, nada fizeram pela sua entrega.

A atribuição de Medalhas iniciava o seu processo com a citação de acção praticada em campanha, que levava muitas vezes o comandante da companhia a promover um louvor em Ordem de Serviço da unidade. Essas Ordens de Serviço eram enviadas para o Batalhão e, muitas vezes, esse louvor era considerado como “sendo dado pelo comandante do batalhão” e assim subindo na cadeia hierárquica.

Apercebi-me, provavelmente pela leitura de algum comentário, que na Companhia de Caçadores nº 1439 [, CCAÇ 1439],  mobilizada no Regimento de Infantaria nº 15, aquartelada em Tomar, havia quem não tivesse recebido a medalha atribuída.

Pois bem, quem não recebeu a medalha, ou saiba que algum familiar seu não a tenha recebido, pode iniciar o processo da outorga da mesma, requerendo a sua entrega física, ainda que a “título póstumo”.



Companhia de Caçadores nº 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Ano de 1966 


MEDALHA DE VALOR MILITAR



■ Soldado de Infantaria, de 2ª classe, nº 925/64 MAMADU JALÓ 
- Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - RI 15 GUINÉ
 - Grau Cobre, com palma 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO n" 31 - 3.a série, de 1966:

Por Portaria de 27 de Dezembro de 1966: Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Medalha de Cobre de Valor Militar, com palma, nos termos do artigo 7º, com referência ao parágrafo 1º do artigo 51º do Regulamento da Medalha Militar de 28 de Maio de 1946, o Soldado de 2.a classe nº 925/64, Mamadu Jaló, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - porque na operação "Avante", quando as nossas tropas se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte de um reduzido grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das nossas tropas, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ser um desastre.

Durante esse avanço, ao ver que o Furriel António Nunes Lopes, que fazia parte do mesmo grupo, como seu comandante de Secção, estava a ser insistentemente alvejado com tiros de pistola metralhadora, num gesto de abnegação extraordinária lançou-se sobre ele e cobriu-o com o seu corpo para o proteger, com grave risco da própria vida, demonstrando não só uma dedicação sem limites pelos seus superiores, mas ainda qualidades de desinteresse e de sacrifício exemplares e coragem moral.


Ministério do Exército, 27 de Setembro de 1966.

O Ministro do Exército, Joaquim da Luz Cunha.



MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA

■ Caçador auxiliar NAUSER SANA 
– 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 13 – 3ª série, de 1966.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O Caçador auxiliar, Nauser Sana - Batalhão de Caçadores 697.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 81, de 01 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Caçador auxiliar Nauser Sana, do Xime, porque na operação "Avante", quando as NT se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte de um reduzido grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ter sido um desastre.

Durante o assalto às casas do mato, sempre a par do saudoso, inesquecível e extraordinário caçador nativo Adão Canala, demonstrou a sua coragem e decisão de enfrentar o perigo, pois, nos lugares onde este fosse maior, ele lá estava avançando sempre sem medo.

Demonstrou serena energia e sangue frio debaixo de fogo, que não se alteraram, mesmo depois de saber estar morto o seu companheiro Adão. Portou-se, pois, como um valente perante o Inimigo oculto e traiçoeiro.

■ Civil contratado BRAMA LAI 
- 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 13 – 3ª série de 1966.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n? 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O Civil contratado, Brama Lai - Batalhão de Caçadores 697.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (publicado na OS nº 78, de 21 de Setembro de 1965, do QG/CTIG):

Por seu despacho de 17 do corrente e por proposta do Exmº Comandante do Batalhão de Caçadores nº 697, louva o nativo contratado Brama Lai, do Xime, porque, na Operação "Avante", em que esteve presente como carregador de munições, quando as Nossas Tropas se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte, como voluntário, do grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ter sido um desastre. 

Teve consciência do perigo, mas quis contribuir com a sua presença e com a sua arma, no lugar mais arriscado, no que demonstrou coragem e decisão de enfrentar o perigo, serena energia, sangue frio, valentia e bravura debaixo de fogo, ao continuar avançando em busca dos bandidos, mesmo depois de ter um braço esfacelado.

■ Caçador Nativo - ADÃO CANALA 
- 1ª CLASSE (Título póstumo) 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 29 – 3ª série, de 1966. Por Portaria de 23 de Setembro de 1966:

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 1ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Caçador nativo, Adão Canala - Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 697, a título póstumo.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Por Portaria da mesma data, publicada naquela ORDEM DO EXÉRCITO):

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, adoptar para todos os efeitos legais, o louvor conferido em Ordem de Serviço nº 84, de 12 de Outubro de 1965, do Comando Territorial Independente da Guiné, ao Caçador nativo, Adão Canala - Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores nº 697, com a seguinte redacção: Porque, prestando serviço no Xime e tendo já dado provas admiráveis e excepcionais, tanto na detecção de minas inimigas - a ponto de lhe ter ficado a fama de que tinha um sexto sentido apuradíssimo para este trabalho, devido ao número daqueles engenhos que detectara, com um interesse e entusiasmo invulgares - como na preparação de um grupo de caçadores nativos de que era chefe, grupo que a tropa preferia e de que não prescindia para as picagens, pela confiança que lhe inspirava, e com o qual, não só estava sempre pronto a desempenhar em todos os momentos qualquer missão que surgisse. Foi voluntário frequentes vezes para montar emboscadas durante a noite e, com grande espírito de sacrifício, confirmou nas operações "Bravura" e "Avante", o seu portuguesismo sem mácula e a sua firme vontade de vencer, revelando na primeira operação, como componente de um grupo de eliminação de sentinelas, o seu sangue-frio e audácia notáveis e na segunda, em que, encontrando-se com as nossas tropas debaixo de nutrido e violento fogo inimigo não localizado, em terreno que nos era de todo desfavorável, a um sinal do Comandante da operação, avançou, integrado num reduzido grupo, correndo em direcção às origens dos tiros, disparando uma G3 para onde vinha mais fogo inimigo, procurando sempre o objectivo oculto e traiçoeiro, sem se preocupar com as balas que sibilavam à sua volta. Com esta arrancada heróica obrigaram o Inimigo a suspender o fogo, do que resultou poderem as nossas tropas safar-se da situação crítica em que se encontravam e a transformar em sucesso para nós, embora com baixas, o que parecia ir ser um desastre. Foi mortalmente atingido ao avançar, sempre com a sua arma a disparar. Morreu como herói, com a obstinada abnegação de salvar os seus camaradas de combate, correndo para isso ao encontro dos bandidos. 

Com este feito demonstrou cabalmente, o jamais esquecido jovem caçador Adão, a sua coragem, a sua bravura, a sua decisão, o seu notável sangue-frio e sua serena energia debaixo de fogo e inscreveu o seu nome no número dos heróis da "Ditosa Pátria Que Tais Filhos Tem".
Ministério do Exército, 23 de Setembro de 1966.

O Ministro do Exército, Joaquim da Luz Cunha.


■ Furriel Miliciano de Infantaria - ANTÓNIO NUNES LOPES 
 -  Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 3ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 29 - 3.a série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Furriel Miliciano de Infantaria, António Nunes Lopes, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 694 - Batalhão Independente de Infantaria n? 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. Publicado na OS nº 89, de 29 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Furriel Miliciano, António Nunes Lopes, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, na operação "Avante", quando as NT se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte, com a sua Secção reforçada, do grupo que, sob o comando do Comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que podia ter sido um desastre.

Durante esta acção incutiu no seu grupo a necessidade de avançar, a fim de descobrir e aniquilar um dos grupos Inimigo que mais flagelava as Nossas Tropas, com o que demonstrou a sua coragem e decisão de enfrentar o perigo, a sua serena energia e sangue frio debaixo de fogo, bem como a sua valentia e bravura perante o Inimigo traiçoeiro, nada tendo havido que conseguisse quebrar o seu ânimo, nem mesmo a morte de um dos seus melhores elementos ou o sibilar das balas à sua volta.


■ Alferes Miliciano de Infantaria - JOÃO FRANCISCO CRISÓSTOMO
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 20 – 2ª série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano, João Francisco Crisóstomo, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 81, de 01 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Alferes Miliciano de Infantaria, João Francisco Crisóstomo, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, na Operação "Avante", durante o combate, comandando um grupo de destruição e busca, teve um comportamento exemplar, quer na atribuição de funções aos componentes desse grupo, quer dinamizando todo o seu pessoal, não permitindo, com grande sangue frio, que o facto de haver um morto e um ferido no seu Pelotão, provocasse desânimo. Esteve verdadeiramente à altura no desempenho do que lhe fora determinado. 

Mostrou-se um oficial valente que soube disciplinar e levar os seus homens ao cumprimento da missão, avançando alheio ao perigo e com a consciência de que para vencer é necessário penetrar nas posições inimigas. Durante o regresso, num acto de abnegação digno de apreço, vendo o cansaço nos seus homens, não hesitou em transportar, ele próprio, durante cerca de um quilómetro, o corpo de um dos seus, abatido naquela operação.


■ Capitão Miliciano de Infantaria - AMÂNDIO MANUEL PIRES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 2ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 22 – 2ª série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Capitão Miliciano de Infantaria, Amândio Manuel Pires, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Por Portaria da mesma data, publicada naquela ORDEM DO EXÉRCITO):

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, adoptar, para todos os efeitos legais, o louvor conferido em Ordem de Serviço nº 84, de 12 de Outubro de 1965, do Comando Territorial Independente da Guiné, ao Capitão Miliciano de Infantaria, Amândio Manuel Pires, com a seguinte redacção: Porque, tendo já evidenciado extraordinárias qualidades de comando e competência na condução da operação "Bravura", de que foi comandante, conseguindo assim muito bons resultados, tanto em baixas inimigas como em material de guerra e importantes documentos capturados, bem como na destruição de instalações e meios de vida, confirmou as suas invulgares qualidades de condutor de homens na operação “Avante", que tão bem comandou, pois, ao ver que, com as suas forças, se encontrava debaixo de violento e nutrido fogo Inimigo em terreno manifestamente desfavorável às nossas tropas, e apercebendo-se do perigo que corriam em tal situação, decidiu, com excepcional sangue-frio, coragem e serena energia, numa arrancada heróica, correr, debaixo de fogo, com um pequeno grupo de homens, contra o Inimigo.

 Com esta corajosa iniciativa, que marca o valor do seu autor, fez parar o fogo adversário e safar as nossas tropas de tão crítica situação. E aquilo que podia ser um desastre resultou, finalmente, embora com baixas para as nossas tropas, na captura de material de guerra e de outros importantes materiais, bem como na destruição de instalações e meios de vida do Inimigo.
Ano de 1967


■ Alferes Miliciano de Infantaria - LUÍS MANUEL ZAGALO DE MATOS
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 2 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgada pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho de 07 de Dezembro do ano findo, do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, o Alferes Miliciano, Luís Manuel Zagalo de Matos, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Alferes Mil, Luís Manuel Zagalo de Matos, porque, no dia 22Mai66, durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, a que pertence, comandou o grupo de assalto com a valentia já revelada noutras acções da Companhia e entusiasmou o seu pequeno grupo que se lançou ao assalto com tal rapidez, que impediu que o inimigo tivesse tempo de refazer-se, momentaneamente, da surpresa. Embora o Inimigo se furtasse ao combate, ele mesmo comandou o grupo de perseguição, tendo revelado o maior sangue frio, valentia e conhecimento da luta de guerrilhas, atraindo o Inimigo ao combate, onde foi francamente batido, esquivando-se e dispersando. Ainda no comando do grupo de perseguição e quando este foi emboscado, mesmo assim conseguiu aproximar-se do Inimigo, o qual, apesar do violento fogo que desencadeou, mais uma vez se furtou ao combate e dispersou, sendo perseguido durante cerca de meia hora. 


Revelou as mais nobres qualidades militares de valentia e elevada percepção das técnicas de guerra de guerrilhas enfrentando o perigo com todo o desprezo, tendo como único fim o aniquilamento do Inimigo. 


■ 1º Cabo de Infantaria, n º 584/65 - JOÃO FERNANDES BARRADAS 
- Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - BII 19 
- 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O 1º Cabo nº 584/65, João Fernandes Barradas, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888- Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Iº Cabo nº 184/65 (5432465), João Fernandes Barradas, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, durante a acção de perseguição na operação "Golo 3", se revelou um elemento corajoso e destemido, actuando debaixo de fogo Inimigo. Perseguiu um elemento Inimigo com acções de fogo, obrigando o mesmo a abandonar a sua arma semi-automática Simonov, depois de ferido.

 É um belo exemplo para os seus camaradas, tendo actuado no momento oportuno com toda a valentia e alcançado o que se pretendia.



■ Soldado de Infantaria, nº 9244165 - FERNANDO MACEDO RODRIGUES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5- 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 9244165, Fernando Macedo Rodrigues, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.O39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado nº 118/65 (9244165), Fernando Macedo Rodrigues, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, durante a perseguição feita ao Inimigo na operação "Golo 3", se revelou um elemento corajoso e com sangue frio, desprezando o perigo e obrigando o Inimigo a abandonar os fardos que transportava. Causou prováveis baixas e capturou material ao Inimigo.

■ Soldado de Infantaria, nº 7158865 - AGOSTINHO DA TRINDADE BAPTISTA
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 7158865, Agostinho da Trindade Baptista, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado nº 230/65 (7158865), Agostinho da Trindade Baptista, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque à semelhança do que tem acontecido em várias operações da sua Companhia, se tem manifestado um elemento sempre pronto aos maiores esforços físicos. Durante a acção de fogo na operação "Golo 3", revelou coragem, sangue frio e desprezo pelo perigo, avançando debaixo de fogo contra as posições donde o Inimigo flagelou as NT. Causou baixas prováveis, obrigando o Inimigo a abandonar o material. 

É um militar capaz de missões arriscadas, tornando-se um bom elemento para os seus camaradas e merecendo a justa admiração dos seus superiores.


■ Soldado cozinheiro, nº 3715565 - MANUEL EUSÉBIO NASCIMENTO FERNANDES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5- 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 3715565, Manuel Eusébio Nascimento Fernandes, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.O39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado cozinheiro nº 3715565, Manuel Eusébio Nascimento Fernandes, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque durante todas as operações feitas pela sua Companhia, tem sido sempre um elemento voluntário, cheio de espírito combativo e alinhado sempre nos grupos mais expostos durante as acções de fogo. 

Na operação "Golo 3", revelou coragem, valentia e sangue frio numa acção individual, investindo com desprezo da própria vida e debaixo de fogo, contra as posições do Inimigo, o qual se furtou ao combate e abandonou algum material.


■ 1º Cabo da Polícia Administrativa, nº 240/64 - SORI BALDÉ - Polícia Administrativa 
– CTIG - 4º CLASSE 



Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12ª do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n? 35 667, de 28 de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O 1º Cabo da Polícia Administrativa, nº 240/64, Sori Baldé - Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o 1º Cabo da Polícia Administrativa n? 240/64, Sori Baldé, porque, no dia 22Mai66, durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, foi voluntário e embora com um pé ferido enfrentou o Inimigo com ardor e valentia. Desprezando o perigo, tornou-se alvo de admiração de todos quantos presenciaram a sua acção, invectivando o Inimigo com ditos guerreiros, acompanhados de fogo certeiro. Apesar do agravamento do seu ferimento não esmoreceu um instante mostrando-se sempre onde havia mais perigo. 

Este caso tornou-se notado e foi também objecto de elogiosas referências do médico. Demonstrou espírito de sacrifício, valentia e portuguesismo.



■ Caçador Nativo - QUEMÁ NANQUI - Civil 

- CTIG - 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O Caçador Nativo, Quemá Nanqui, Companhia de Caçadores 1439 Comando Territorial Independente da Guiné.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Caçador Nativo, Quemá Nanqui (Chefe da Tabanca de Enxalé), porque durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, sempre voluntário em todas as operações desta zona, confirmou, mais uma vez, o seu valor incontestável. Sempre presente nos lugares mais expostos, desprezando o perigo durante o ataque, fazendo parte do grupo de assalto, temerariamente lançou-se contra as posições Inimigo, causando baixas, e actuando sempre debaixo de fogo. 

Confirmou as suas qualidades durante a reacção à emboscada, em que mais uma vez, desprezando a própria vida, alcançou as posições Inimigo debaixo de fogo. É um português e combatente dos melhores.

■ Caçador Nativo - QUEBÁ SONCO - Civil - CTIG - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6- 2ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O Caçador Nativo, Quebá Sonco, Companhia de Caçadores 1439 - Comando Territorial Independente da Guiné.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Caçador Nativo, Quebá Sonco, porque durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, voluntário como sempre em todas as operações e filho do régulo de Cuor, elemento permanente nas horas de perigo de todas as Companhias que passaram por esta zona, mais uma vez confirmou a sua valentia, sendo o primeiro elemento a entrar no acampamento ln e causando-lhe a primeira baixa, o que desmoralizou sem dúvida o adversário, continuando a avançar sempre, alheio ao perigo iminente do fogo Inimigo. 

É um exemplo digno de ser imitado por todos os régulos da Guiné Portuguesa.


■ Soldado Telefonista nº 2652365 JÚLIO MARTINS PEREIRA 
- Companhia de Caçadores nº 1439- BII 19 – 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 11 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12?do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 07 de Fevereiro de 1967: O Soldado nº 2652365, Júlio Martins Pereira, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888- Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 01, de 05 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG):

Por seu despacho de 20Dez66, considerou como dado por si o louvor constante do artigo 3º da OS nº 181, de 29Nov66, do Batalhão de Caçadores nº 1888, que a seguir se transcreve: Louvo o Soldado Telefonista nº 2652365, Júlio Martins Pereira, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque quando do rebentamento, sob um Unimog, de um engenho explosivo, na coluna em que se deslocava e em presença de tão grande catástrofe e das baixas que resultaram, se ofereceu voluntária e conscientemente para ir até à localidade mais próxima, apesar de serem cerca de 7 kms, para pedir evacuação para os feridos, o que fez sozinho e em corrida veloz. 

É de notar a abnegação e a coragem deste Soldado, que por dedicação aos seus camaradas e com perfeito conhecimento dos seus deveres, não se poupou a qualquer dificuldade e aos perigos que poderia encontrar nesse trajecto.



■ Soldado Condutor Auto nº 5406064 - ANTÓNIO DOS SANTOS CAMPOS 
– Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE 



Transcrição do Despacho publicado na OE n.o12 - 3.a série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 05 de Abril de 1967: O Soldado n? 5406064, António dos Santos Campos, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Batalhão Independente de Infantaria n? 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o 14, de 23 de Março de 1967, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado Condutor Auto nº 5406064, António dos Santos Campos, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque no ataque ln ao Destacamento de Missirá, quando viu que o lugar onde a sua viatura se encontrava abrigada estava a ser fortemente bombardeado e que a qualquer momento a viatura podia ser seriamente atingida, com o maior sangue frio e desprezo pelo perigo pôs a mesma a trabalhar e deslocou-a para lugar menos exposto. 

Este facto coincidiu com o abrandamento imediato do fogo Inimigo que se pôs em fuga antes das Nossas Tropas iniciarem a perseguição.


■ Alferes Miliciano Médico - FRANCISCO PINHO DA COSTA 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 3ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na OE n.o 11 - 2.a série, de 1967. Por Portaria de 09 de Maio de 1967:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Regimento de Infantaria nº 1.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do Batalhão de Caçadores nº 1888, prestando serviço na Companhia de Caçadores nº 1439, porque no dia 21Ag066, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo Inimigo que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local do rebentamento e sob o fogo da emboscada Inimigo, revelando uma extraordinária coragem, sangue frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão. 

O Alferes Miliciano Médico, Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar.


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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de  2019 > Guiné 61/74 - P19694: Consultório militar do José Martins (43): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte III)

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]


Texto (inédito): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.

(Continuação)



1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...](*)


11. Claro, havia a Semana Santa, a Páscoa, a ressurreição da carne, o supremo heroísmo de alguém que, depois do Natal, lá para março ou abril, iria morrer para te salvar. 


Morte anunciada, a de Jesus Cristo, o menino Jesus, o filho de Deus feito Homem, repetia, com candura, a tua catequista, que era linda de morrer, e tinha o mais belo sorriso do mundo, cabelos louros e olhos azuis, e o peito mais generoso das raparigas da tua aldeia, com a alvura da "Branca de Neve", um peito cintilante, com a castidade a transbordar pelas rendas de bilros, e por quem terás tido a tua primeira paixão, assolapada, paixão de um púbere, e que só podia ser de pura ternura, assexuada.



Lourinhã, c. 1950/60: traseiras da escola Conde Ferreira, para rapazes (à direita) e raparigas (à esquerda). Edifício infelizmente demolido pelo camartelo camarário, "em nome do progresso"... 

Em segundo plano, a igreja matriz da Lourinhã (séc. XVII) e a sua torrre sineira. Fazia parte do convento de Santo Anónio (fundado em finais do séc-XVI). Em primeiro plano, junto ao muro do recreio da ecola das raparigas, o urinol público... 

Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos,página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação de Desenvolvimento Local da Lourinhã




Castidade: ora cá está uma palavra que hás de pôr cedo no teu dicionário de menino. Tinhas de ser casto para fazer a tua primeira comunhão e mais tarde o crisma e receber os sete dons do Espírito Santo. Mas era difícil de explicar e perceber o que era isso de pecar por pensamentos, palavras e obras. O "Frasco do Veneno", que era teu primo, mentor e guarda-costas, sabia explicar isso, exemplificando, muito melhor que a tua catequista, a "Branca de Neve", ou  s senhora professora da 3ª classe.

12. Havia tudo isso, e não muito mais do que isso, nem sequer sabias o que era o desejo nem que o desejo era pecado, muito menos o que era o pecado, e muito menos ainda sabias operar a distinção, teológica, primordial, entre o pecado mortal e o venial, de que poderia depender a tua vida, eterna, ámen!

13. Havia, ao fim e ao cabo, tudo o que o calendário litúrgico ditava, o mesmo era dizer, no fundo, tudo o que a ordem natural das coisas te impunha, mais os cânones da santa madre igreja, católica, apostólica, romana, e as leis dos homens, desde o princípio do mundo, a ti e aos teus, aos da tua rua, aos da tua laia, da tua escola, da tua classe.

Desde o princípio do mundo, ou seja, não mais do que há cinco mil anos… Mas eras lá tu capaz de saber há quanto tempo Deus criara o mundo e o paraíso terrestre e as avezinhas do céu e os peixinhos do mar e os animais de quatro patas e os nossos pais Adão e Eva, e a maçã, e a árvore da sabedoria, e as hormonas do pecado, e os dez mandamentos!... Sabias lá tu o que eram as hormonas, mas que já as sentias, sentias!...

Cinco mil anos eram muitos números, era muita aritmética, para um menino só, mesmo para um menino aplicado como tu,  que sabia a tabuada, de cor e salteado, e repetia-a na ponta da língua, como o papagaio: "um vez um, um; dois vezes dois, quatro; três vezes três, nove; quatro vezes quatro, dezasseis"… e por aí fora até cem, que era dez vezes dez, os dez mandamentos e os cem castigos. 


Sabias tudo na ponta da língua, contar até cem, recitar os dez mandamentos, enumerar as catorze obras de misericórdia segundo são Mateus… Ah!, e os versos do Augusto Gil, batem leve, levemente como quem chama por mim [1]

14. Há dois mil anos, pobre de ti, condenado, ou ainda muito antes de ti, inocente, quando Jesus Cristo nascera e morrera para te salvar, e, com isso, sem seres tido nem achado, havias contraído uma gigantesca dívida, que terias de saldar, em vida, sob pena da danação eterna. "Mistérios", dizia-te a "Branca de Neve". "Mistérios": cá está outra palavra, ou palavrão,  que vais pôr no teu dicionário de menino.

15. Pobre de ti, minúscula criatura, obra sublime do Criador, podias lá tu entender, nas aulas da catequese da "Branca de Neve" e dos "Sete Anões", os estranhos desígnios de Deus Pai!... 

Mas Deus era Deus, e para mais Pai, e tinha um pau da lixa, que fazia doer o rabo, para te lembrar que quem dava o pão, dava também a boa educação, a disciplina e a santa religião. Ele só perdia a cabeça quando os calotes dos fregueses se acumulavam e não havia dinheiro em caixa para pagar ao viajante, o fornecedor de solas e cabedais, e aos empregados que à segunda feira não trabalhavam. Era o domingo dos sapateiros.

Um Deus Pai que era sapateiro e exímio jogador de damas, e sobretudo o teu herói, e te levava de motorizada a ver os jogos da bola nas aldeias vizinhas.


Lourinhã: princípios
dos anos 50. O poeta,
aos 3 anos, com a mana
(a mais velha de três).
Foto: © Luís Graça (2005)
Recordar-te-á, mais tarde, com enlevo, que quando nasceste tinhas uma cabeça grande, e só poderias vir a ser padre ou doutor. Falava em verso para os graúdos, que lhe achavam graça. A tua mãe, nem por isso, não lhe achava assim tanta graça, quando ele se punha a falar em verso.

16. Quando eras menino e moço, e inconscientemente feliz, e ainda vivias na casa dos teus pais, porque não podia haver ninguém conscientemente feliz, naquele tempo, no pós-guerra, a não ser talvez o Santo Padre, que estava em Roma, e que era o representante de Cristo na terra. Além da tua avó materna, Patrocínio (, Patxina, corruptela do seu nome, já que ninguém era capaz, na tua aldeia, de dizer palavras com mais de três sílabas). Na aldeia, era a Ti Patxina, ficará cega, mas sempre com o sorriso mais lindo de menina.

17. Sim, tu eras, inconscientemente, feliz, uma pobre alma sensível, que acreditava nos contos de fadas, princesas e mouras encantadas, potes de libras escondidos debaixo de terra, túneis secretos, tesouros de ouro do cu do besouro, gnomos e fadas, duendes e bruxas, lobisomens e vampiros, alminhas e almas penadas, anjinhos, amuletos, ferraduras, espanta-espíritos, santinhos e santinhas, diabos e diabretes, corujas, cavaleiros andantes, e sobretudo nas vozes dos espíritos a cochichar, por detrás das portas e armários dos casarões da tua aldeia… 


Que tremenda deceção a tua quando, mais tarde, já na idade da razão, as tuas primas te explicaram que era apenas... o bicho-carpinteiro a trabalhar!

Não, ainda não havia dinossauros nem a tua imaginação chegava a tanto! Havia só dragões a vomitar fogo. E o São Jorge, a cavalo, que os fulminava com a sua espada de aço.

18. Havia as festas, pois claro, do povo ou para o povo, mas primeiro estavam as santas obrigações e só depois é que vinham a brincadeira e as profanas devoções: primeiro as missas, o terço, as novenas, as procissões, a procissão do Domingo de Ramos e a procissão do Senhor Morto, tão morto como qualquer mortal, as opas roxas como no tempo da Santa Inquisição, as matracas que nos enchiam de terror divino, aos putos e aos crescidos, a bolsa lacrimal dos anjinhos, tão papudinhos, as c’roas de espinhos que pareciam ser mesmo a sério, cravados no coro cabeludo dos meninos e meninas...

Não sabias por que é que o pobre do Jesus Cristo tinha que morrer todos os anos, para depois ressuscitar ao terceiro dia. Nunca ninguém te explicou o mistério da vida, por que é que a vida era circadiana, um eterno retorno, e a seguir a um dia vinha outro dia, e a seguir à vida vinha a doença e a morte, o juízo final e o inferno ou o paraíso para sempre, ámen!...E ainda havia o purgatório, explicava-te a "Branca de Neve": o sítio onde se purificavam as almas antes de poderem entrar no paraíso.

19. E à frente do andor com o Senhor Morto, lá vinha a Madalena, mulher pública, púdica, arrependida, e depois santa, e a seguir a Mater Dolorosa, vestida com um manto roxo e com uma espada espetada no coração, que horror!, e o pálio com os padres, o vigário e os pregadores, o provedor e os restantes  irmãos da misericórdia, e todo os demais senhores  da tua aldeia, com caras patibulares, e, atrás o povo, nós e as nossas mães, e as lágrimas das nossas santas mães, as únicas lágrimas do mundo que eram doces e quentes, e verdadeiras, e verdadeiramente castas e santas. 


E só mais atrás é que vinham os pais dos meninos da tua rua, com os chapéus, bonés e barretes, na mão, as mãos calejadas do trabalho, e por fim o "Brutamontes", com uma chibata, a fechar o cortejo e a cantarolar.

O diabo em pessoa, esse tal de "Brutamontes". Mas a vida corria-lhe bem, por isso é que andava sempre a assobiar e a cantarolar.

20. Havia o ouro, o incenso e a mirra, os três reis magos, mais os seus camelos, e um deles era o pretinho da Guiné (, sabias lá tu onde era a terra dele!), havia o presépio, havia a água benta.

Ah!, o incenso, ligeiramente enjoativo das missas, e a pregação do pregador franciscano na Quaresma, que nunca mais acabava, e o povo a bocejar de tédio, e a fazer as contas à décima a pagar nas finanças, e à côngrua para o senhor padre vigário, e ao sulfato para sulfatar a vinha do Senhor…

Ah!, e a seca do terço mariano no mês de maio (que te perdoe a Nossa Senhora de Fátima, por invocares o seu nome em vão!)... Havia novenas na rua dos Valadas, com a santinha num nicho de madeira, a andar de casa em casa…

Havia, enfim, o sagrado e o pagão, a lavoura, os lavores, masculinos e femininos, o solstício do inverno e o solstício do verão, e tudo a isto, ou só a isto, se resumia o acanhado palco do teatro da vida que te coubera em sorte. Sorte pequena, nunca te calhou a grande. A grande só poderia ser o céu, no fim da vida, se até então vivesses na graça de Deus. 


E era a tua mãe quem,  numa velha máquina de costura, te fazia os lençóis, os lenços, as camisas e as cuecas e o resto da roupa, incluindo a domingueira, a de ir à missa. 

(Continua)
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[1] Balada da Neve, poema de Augusto Gil (1873-1929). No Livro de Leitura da 3ª classe(4ª edição, Porto Editora, 1958, p. 173, reimpressão, 2008)), o poema era amputado da segunda (e última parte)... E não era por acaso...


(...) Fico olhando esses sinais 
da pobre gente que avança, 
e noto, por entre os mais, 
os traços miniaturais 
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos... 
a neve deixa inda vê-los, 
primeiro, bem definidos, 
depois, em sulcos compridos, 
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador 
sofra tormentos, enfim! 
Mas as crianças, Senhor, 
porque lhes dais tanta dor?!... 
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza, 
uma funda turbação 
entra em mim, fica em mim presa. 
Cai neve na Natureza 
– e cai no meu coração.


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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20055: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXVII: Estêvão Ferreira Carvalho, alf cav (Ermesinde, 1946 - Angola, 1968)








1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Morais da Silva foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20040: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXVI: Augusto Manuel Casimiro Gamboa, alf inf (S. Tomé e Príncipe, 1944 - Guiné, 1967)