Date: quinta, 21/01/2021 à(s) 16:48
Subject: Uma pequena homenagem a um grande piloto da FAP
Segue um pequeno texto que pretende ser uma singela homenagem a um grande piloto da FAP de que, quem passou pela Guiné, por certo se recordará.
Se entenderes poderás publicá-lo no blogue.
Um abraço
António Baltasar Dias
Era o mais louco e melhor piloto que tive o privilégio de conhecer.
Quando um avião se fazia à pista, sabíamos já de antemão se se tratava ou não do Honório. As piruetas que antecediam a aterragem, eram a sua habitual assinatura.
Enquanto estive em Bigene, entre 1967/69, procurava ser sempre eu a recebê-lo na pista, quando ali se deslocava com o avião de sector ou por quaisquer outros motivos. Tínhamos, assim, uma relação mais próxima que, penso eu, ele deveria manter também com muitos mais camaradas que visitava nas suas inúmeras deambulações pelo território da Guiné.
Naquela época era conhecido em todo o território e as suas façanhas eram relatadas já de forma fantasiosa. As peripécias que lhe atribuíam, ultrapassavam já, em muitos casos, a realidade.
Tal, porém, nunca foi suficiente para pôr em causa as verdadeiras capacidades e destemor do Honório, que todos reconheciam serem muito para além do que era considerado normal.
E, para que fique registado, relato em seguida duas situações de que fui testemunha presencial.
A primeira, durante uma operação da minha companhia ao corredor de Sambuiá, em que fomos fortemente embocados pelos guerrilheiros do PAIGC. Solicitado apoio aéreo, foram destacados para o local dois T6 que sobrevoaram o local da emboscada. Qual não foi o nosso espanto quando nos apercebemos que, de carlinga aberta, um dos pilotos fazia fogo de pistola sobre os combatentes do IN que debandavam só com a aproximação dos aviões.
Outra das situações deixou-me marcas muito mais indeléveis. Mas para que se perceba bem o contexto há que relatar os seus antecedentes. Como atrás referi, procurava ser sempre eu a acolher o Honório quando das suas deslocações a Bigene e, por norma, eu comentava as “maluquices” que antecediam a aterragem.
Ele dizia-me sempre que estava pronto a levar-me para Bissau, quando eu pretendesse mas que teria que “pagar imposto”, leia-se “obrigar-me a vomitar”! Eu replicava que, com ele, nem pensar. melhor seria ir de barco ou mesmo a pé !
E assim se passaram muitos meses de comissão e muitas idas do Honório a Bigene.
Um dia, porém, tive que me deslocar a Bissau para tratar de assuntos da Companhia e, não obstante diversas iniciativas, não conseguia transporte para regressar para junto dos meus camaradas.
Após várias tentativas apenas foi possível transporte para o Norte numa DO-27, pilotada pelo Honório, que teria que ir a mais dois ou três aldeamentos e também a Farim, recolher um médico que era suposto ir para junto da minha Companhia.
Quando me viu, e se apercebeu que iria voar com ele, só me disse: “É hoje!"... E eu fiquei “ligeiramente” apreensivo, sem antecipar o que se seguiria.
E o que se seguiu … foi indescritível! Tentarei fazer um pálido relato do que ocorreu (pálido já, no início, porque no final da viagem eu deveria ter uma cor cadavérica…).
Após ter levantado voo de Bissau e na travessia do rio Mansoa, o Honório apercebeu-se de que uma canoa com supostos guerrilheiros estaria a atravessar o rio, pelo que a melhor solução seria derrubá-los com a asa do avião. Imaginem as acrobacias que efetuou! E só retomou a rota quando os ocupantes da canoa se atiraram ao rio, para escaparem à hipotética colisão com a aeronave.
Depois foi o habitual espetáculo antes de cada aterragem, “para que todos soubessem que era o Honório o piloto”!
Em Farim embarcámos o médico. Eu já deveria ter uma cor ou branca ou amarelo - esverdeada e respondi à saudação do médico com um grunhido impercetível. O médico ainda não havia ouvido falar do Honório. Era, portanto, o seu batismo de voo naqueles propósitos…
Ao reentrarmos na DO-27 o Honório disse-me: “Vais para a tua terra, Bigene, portanto vamos fazer uma aproximação especial"…
De nada me valeria replicar, por isso preparei-me para o pior. E que é que me reservou o Honório? Uma aproximação rasante pela bolanha junto ao rio Cacheu e, depois aparecer de surpresa sobre a povoação sem que ninguém esperasse!
Mas o Honório era o Honório. Numa rápida manobra inclinou a aeronave e passou com uma das asas entre as palmeiras, evitando assim a colisão. Depois foi o habitual, mas um pouco mais requintado espetáculo. Foi a “folha morta”, foi o voo rasante na pista, foi um mais não sei quê de manobras acrobáticas até aterrar com segurança.
Quando saí do avião, lembro-me que o médico estava mais branco que a cal da parede e sem poder pronunciar palavra. Eu nem sei que cor teria e nem me atrevi a abrir a boca durante um largo período de tempo.
Muitos minutos depois, já meio refeito, quando o Honório se preparava para regressar a Bissau ainda tive coragem de dizer à despedida: “Não me fizeste pagar imposto !!!”
De facto não cheirava a vomitado no avião, mas ficaram a pairar uns odores igualmente bem desagradáveis no habitáculo…
Grande Honório ! É a minha singela homenagem a um grande piloto que naquele tempo equiparávamos a Jaime Eduardo de Cook e Alvega, o famoso Major Alvega, herói da nossa adolescência.