Guiné > João Landim > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu.
Aqui o rio é largo e lodoso.
© Virgínio Briote (2005)
Uma aposta estúpida, por Rui Esteves (1)
Estávamos na região de Teixeira Pinto / Cacheu e tínhamos vindo a Bissau tratar de assuntos da Companhia.
No regresso, enquanto aguardávamos vez que os nossos Unimogs tivessem lugar na barcaça que fazia a passagem do rio (em João Landim, se bem me lembro), entretinha-me a deitar pedras para o meio do lodaçal que ficava a descoberto pela maré vasa.
Era um lodaçal preto, viscoso, com cerca de 50 metros de extensão, onde se viam centenas de caranguejos a passear.
Qualquer pedra que atirássemos, fosse leve ou pesada, era rapidamente engolida por aquele lodaçal.
Ao meu lado estava o 70, um soldado cozinheiro da minha Companhia, um pouco destravado.
Comentei com ele que, se um homem se aventurasse naquele lodaçal, provavelmente ficaria ali, afogado.
Diz-me logo o 70:
- O meu furriel quer apostar como vou ali à beira do rio sem me afogar?
Há dias assim, uma pessoa não pensa e dei por mim a aceitar a aposta, convencido que ele não teria a coragem ou a imprudência para arriscar a própria vida.
Ora o 70 não primava pela prudência e também não era conhecido pelo juízo e, quando dei por ele, estava completamente despido e a atravessar o dito lodaçal.
Devagar, fui vendo o 70 a avançar, afundando-se mais e mais, até chegar a um ponto em que só se via a cabeça.
Escusado será dizer que, à medida que o 70 ia ficando submerso em lodo, cada vez ficava mais preocupado, temendo que duma aposta estúpida resultasse a morte de um homem.
Bom, o 70 chegou ao tal ponto de só se ver a cabeça, acenou, e assim como foi, assim regressou à margem, completamente coberto de lama.
Passou-se por água, retirou a maior parte da lama, vestiu-se e disse-me:
- Furriel, ganhei a aposta, dê-me os meus 500 pesos!
Era muito dinheiro, quase metade da remuneração de um soldado no Ultramar, mas acho que nunca paguei tão bem uma aposta perdida.
E serviu-me de lição, que quem faz apostas com tolos…
____________
Lavadores, 13 de Dezembro de 2005.
(1) Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro, CCCAÇ 3327 (Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73).
O Rui diz-me que "aos poucos e poucos" se vai (re)lembrando de alguns episódios da Guiné. Este é um deles.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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