sábado, 17 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P362: Poesia de Cabo Verde de Aguinaldo Fonseca (Jorge Santos)

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >

"O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco. Outubro de 1941".

Luís Henriques (ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, no Lazareto, 1941/43).

© Luís Graça (2005)

Selecção do nosso camarada Jorge Santos

Aguinaldo Fonseca (1)


POVO

É sempre a mesma história repetida.
É sempre o mesmo lodo, a mesma fome
É sempre a mesma vida mal vivida
De quem amassa o pão mas não o come.

É sempre a mesma angústia desgrenhada
De quem naufraga em terra olhando o oceano;
O rubro desespero, a mão crispada,
O sonho a desfolhar-se… e o desengano.

É sempre este horizonte de fuligem,
É sempre este arranhar em duro chão,
Com fúria até ao centro da vertigem
Em busca da raiz da salvação.

In “Boletim Mensagem”, Ano III, nº 1, Janeiro de 1960


TERRA MORTA

Os meus irmãos, na terra estéril,
Seguem aos tombos pela vida fora,
Tontos de sol
Fartos de vento,
E sobre as ondas
Nas claras noites de lua cheia
Bóiam miragens
De verdes prados e extensos bosques.

Os meus irmãos na terra triste
(O mar em volta, o céu por cima)
Arrastam longas canções de bruma
Que sobem no ar buscando céus
E depois caem de asas fechadas
Desamparados.

Os meus irmãos na terra morta
Exposta ao vento, ao sol, às aves
Olham o mar
Olham as nuvens…
- Ficam à espera
De mãos vazias.

In “Mensagem – Casa dos Estudantes do Império, 2º Vol. ”, ALAC Editor, Outubro 1996.
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(1) Há um texto de Amílcar Cabral, originalmente publicado em 1952, onde se faz referência ao jovem poeta Aguinaldo Fonseca:

"A Poesia Cabo-Verdiana abre os olhos, descobre-se a si própria, - e é o romper duma nova aurora. É a claridade que surge, dando forma às coisas reais, apontando o mar, as rochas escalvadas, o povo a debater-se nas crises, a luta do cabo-verdiano "anónimo", enfim, a terra e o povo de Cabo Verde. Por isso, o caracter intencional - e felizmente intencional - do nome da revista que revela essa profunda modificação na Poesia Cabo-Verdiana: Claridade (...).

"As mensagens da Claridade e da Certeza têm de ser transcendidas. O sonho de evasão, o desejo de "querer partir", não pode eternizar-se. O sonho tem de ser outro, e aos Poetas - os que continuam de mãos dadas com o povo, de pés fincados na terra e participando no drama comum - compete cantá-lo. O cabo-verdiano, de olhos bem abertos, compreenderá o seu próprio sonho, descobrirá a sua própria voz, na mensagem dos Poetas.

"Parece que António Nunes e Aguinaldo Fonseca estão na vanguarda dessa nova Poesia. Não se conformam com a estagnação. A prisão não está no Mar.

"O primeiro, auscultando a terra e o povo, sonha com um "Amanhã" diferente, que antevê possível. E descreve a alteração que há de operar-se: "Em vez dos campos sem nada..." E profetiza, para a terra cabo-verdiana, a "vivificação da Vida".

"O segundo exprime, em toda a sua grandeza, o "naufrágio em terra" do povo a que pertence. Retrata os "homens calados" sofrendo a "dor da Terra-Mãe...num abandono de não ter remédio". Dos homens, "presos na cadeia da desesperança". E o seu sonho, não é de "querer partir": é de
Outra terra dentro da nossa terra".

Amílcar Cabral > Apontamentos sobre a Poesia Caboverdiana (*)

* Apareceu pela primeira vez em Boletim de Propaganda e Informação III, 28 (01/01/1952). Reproduzido em Obras Escolhidas de Amílcar Cabral, Vol. I: A Arma da Teoria - Unidade e Luta. Lisboa: Seara Nova. 1976. 25-29.

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