sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P358: Aquelas noites frias de Dezembro (2) (David Guimarães)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 >

Os belos penteados que se fazia no quartel para ver as mamas da bajuda e afinal tudo tudo isso era a Guiné, era o nosso dia a dia... Com boinas diferentes, uns como querendo ser melhor que outros e outros descansando ao esforço dos mais simples...

© David J. Guimarães (2005)

Texto do David Guimarães, ex-furriel miliciano de minas e armadilhas, da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sediado em Bambadinca.

"Estórias que ajudam a fazer a História do nosso país, daquele país, daquele povo tão massacrado. Merecem melhor sorte".


1. Humberto, muito bem!... São mesmo estas histórias que ajudam a fazer outras histórias e relembrar os espaços de guerra que percorremos... E a guerra que tivemos... a surdez do massacre e a resistência dos heróis. Nãão daqueles que descreveram grande feitos mas daqueles que humildemente cumpriram o que lhes era ordenado e viveram os espaços que outros contaram e contam... "Como grandes operações"... Grandes feitos através de situações ligadas à ficção e em que se põem como actores principais.

Lembro o grande discurso feito por Sua Excelência, o Sr. General Spínola. Era assim... um discurso inflamado ao Batalhão [2917], em Brá... Lindo discurso patriótico em que falava das falsas elites da retaguarda... Lembro que de imediato se reuniu com todos os oficiais e sargentos e o seu discurso começou assim:
- Eu costumo punir... responsabilizando um a um até ao Furriel, porque se o cabo e o soldado eram maus a culpa era dele que não os tinha sabido instruir e/ou comandar...

Ele, afinal esqueceu-se de dizer uma coisa e hoje ainda lembro:
- Se esta merda está assim a culpa é minha porque como COM-CHEFE terei que saber conduzir este Comando Territorial.... Isso esqueceu-se ele. Morreu herói... e um grande homem... Bem melhor do que aqueles que lhe lamberam as botas. Mas não era dos piores, não, ele era intocável...

2. Tenho lido atentamente tudo - mesmo tudo o que se escreve nesta bela tertúlia. Hoje por acidente até já sonhei ... Curioso., sonhei com o tempo em que estávamos todos naquele barco, naquele charco quente de mosquitos, rãs que coaxavam a noite inteira, os serviços, os macacos e essa amálgama toda de coisas que se sucediam... Os tempos em que partíamos armados até aos dentes e lá íamos ... Guiné fora... E no meio daquela amálgama de coisas, carros novos da última grande Guerra e aviões T6 que parece que tinham custado 1 Dólar... As granadas que temos na cabeça e não temos os calibres - ai senhor do céu, tanta coisa!...

Mas é isto, a guerra era isto... e de repente um rebentamento, mais uma evacuação, ai e ali morreu fulano e beltrano e mais um batalhão que chegou - alto... Os belos penteados que se fazia no quartel para ver as mamas da bajuda e afinal tudo tudo isso era a Guiné, era o nosso dia a dia... Com boinas diferentes, uns como querendo ser melhor que outros e outros descansando ao esforço dos mais simples...

Mas a Cavalaria, essa sim - imperava, era a arma de Sua Excelência...

Um aparte e quem quiser que desminta. Ou não se acredite em mim... Em Bafatá no fim da comissão do nosso Batalhão, em 1972, perto de Maio, lá fazíamos nós guardas avançadas para que a cidade dormisse... Exactamente, Humberto, isso mesmo...

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole 2001: Ó David J. Guimarães à entrada da Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, do lado da estrada que conduzia ao aquartelamento do Xitole, a 5 km. Trinta anos depois...

© David J. Guimarães (2005)

Depois de tanta guerra que já tínhamos tido, cabia-nos essa missão: guardar as costas dos senhores da guerra e dos negócios. Mas a peripécia é mais linda... Quantas vezes picámos a estrada por onde depois passariam as chaimites... Exactamente, não fosse aqueles carros se estragarem. E entre eles ou um humano, era mais um, menos um combatente. Que e salvasse o material, que só patrulhava as zonas alcatroadas...

3. Ai, Humberto, Luís e camaradas.! Mais coisas tenho em mente e guerras feitas às surdas - os tempos em que passávamos o dia inteiro a ver as colunas a passarem... Sim, aquelas que vinham para o Xitole e Saltinho e nós alí, lá para os lados da ponte de Jacarajá (1)... Esta ainda me lembro, nos limites da CART 2716 [Xitole] com a 2714, sediada em Mansambo... E quando se ouvia os primeiros ruídos das viaturas contávamos que em 4 horas elas passassem ao contrário para irmos para o aquartelamento ... Sim, uns 10 Km atrás... E quem sabe, talvez para ir ainda fazer um patrulhamento nocturno ou uma vigília nas tabancas...

Isto era a Guiné dos nossos tempos... da guerra.

Um abraço,
David ou Guimarães.
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Nota de L.G.:

(1) Ou Jagarajá, camarada ? Vd. mapa do Xime. > Rio Jagarajá

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