Foto: © A. Marques Lopes (2005)
1. Texto do nosso camarada A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968), dirigente da Associação 25 de Abril (A25A) - Delegação do Norte.
Caro Luís
Ao ler o último post do Paulo Raposo [P1060, de ontem], em que ele fala do "Capitão André (mais tarde, Presidente da Câmara de Proença-a-Nova, durante 20 anos, até 2005)", vi que, afinal conheci bem o Capitão Diamantino André: primeiro quando ele era alferes e dava instrução em Mafra a um dos pelotões da 3ª do COM (eu era de um dos pelotões dessa companhia, o 1º, comandado pelo Tenente Chung-Su-Sing), e estive com ele, casualmente, quando ele era ainda Presidente daquela autarquia.
Disse-me o meu camarada António Moreira, ex-alferes da CART 1690, que a companhia do Domingos André o foi substituir em Banjara no fim de 1968, quando esta companhia foi para Bissau (eu estava em Barro, com a CCAÇ3). Se ele já era, então, o capitão da CAÇ 2405, esta companhia passou por Banjara. Mas, pelos vistos, terá lá estado pouco tempo.
E esta lembrança e, talvez, coincidência, fez-me lembrar o que o meu camarada António Moreira escreveu sobre Banjara, onde passou oito meses, interpolados, para o jornal Bandarra de Torres Vedras (não sei o número nem a data). Transcrevo o textro a seguir, com a devida vénia, ao autor e ao jornal (os parêntesis são acrescentos meus)
Quanto ao encontro em Montemor-o-Novo [em 14 de Outubro próximo], acho uma muito boa iniciativa. Pessoalmente não sei se lá poderei ir, com muito pena minha. A razão é que, talvez já na próxima semana, vou ser internado no Hospital Militar Nº 1, no Porto, para uma intervenção cirúrgica e não sei que tempo lá estarei (e em que condições de lá sairei). Esse internamento deve-se à necessidade de reparação das mazelas apanhadas naquela coisa da Guiné...
Um abraço
A. Marques Lopes
2. Comentário de L.G.: Vamos todos fazer votos para que a estadia do nosso coronel, no estaleiro, seja rápida e indolor... Daqui a um mês e picos ele estará, seguramente, em boas condições (físicas e psíquicas) para fruir connosco de umas horas de convívio em Montemor, na casa do Paulo Raposo... António: Um abraço quebra-costelas, à moda de Montemor-o-Novo. Obrigado pelo texto oportuno, do teu camarada António Moreira que, desde já, fica convivado para ingressar na nossa tertúlia. L.G.
3. Um dia em Banjara, por António Moreira, ex-alf mil da CART (originalmentre publicado no jornal Bandarra, de Torres Vedras. Comentários, entre parênteses rectos, de A. Marques Lopes)
Banjara fica situada a cerca de 40 Km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá.
[Cabe aqui um parêntesis para dizer que aquela serração em Banjara pertenceu ao português Fausto Teixeira: “Antifascista desde a sua juventude, via-se no comportamento de Fausto Teixeira toda a história de um velho democrata que amou profundamente a liberdade, lutou por ela e acbou por ser vencido pelas forças da repressão e do mal. No entusiasmo e dedicação que pôs no cumprimento desta arriscada missão, sentia-se todo o seu orgulho em poder participar na luta que então travávamos, também pela liberdade, contra os mesmos inimigos”. Isto diz Luís Cabral no seu livro Crónica da Libertação, aí referindo também que a missão do Fausto Teixeira foi ajudá-lo na sua fuga para o Senegal, em 1960, levando-o no seu “Peugeot 203 pintado de cor azul forte” desde as Oficinas Navais do porto de Bissau até perto da sua serração, de onde Luís Cabral seguiu a pé até a uma aldeia senegalesa, passando por Fajonquito.]
Banjara gozava da fama, e do proveito, de ser o segundo pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa. [Consultando os mapas publicados no blogue, verão que tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte].
O destacamento era constituído por uma caserna, quatro abrigos subterrâneos e um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas, por onde os sardões e as cobras vagueavam livremente, sem nenhum obstáculo que lhes barrasse a passagem, a não ser a presença humana. Tinha ainda outros abrigos à superfície. A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, duas fiadas de arame farpado paralelas e em círculo. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do IN. As casas de banho, como é de calcular, eram a céu aberto.
A guarnição deste destacamento, comandado por um Alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente (houve alturas em que tinha só um pelotão), bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas. O seu comando era rotativo e por lá passámos os mais longos meses da nossa juventude, então com 23 anos, e responsabilidades tremendas em cima dos galões de Alferes.
A paisagem envolvente era de uma beleza indescritível, com dezenas de cajueiros, mangueiras, árvores gigantes, capim e as célebres lianas. O barulho ensurdecedor dos milhares de pássaros e a vozearia nocturna da mais variada bicharada, desde macacos a hienas, tornavam aquele ambiente um mistério todos os dias renovado.
O dia, em Banjara, iniciava-se naqueles anos (1967/1968), por volta das 18 horas. A essa hora o Comandante mandava distribuir a 3ª refeição, e as sentinelas avançadas ocupavam os seus postos. Toda a gente vestia então o seu camuflado, calçava as botas e recarregava as armas. Não é que de dia estivessem todos a dormir, mas durante a noite entrava-se em alerta máximo. Durante a noite era rigorosamente proibido acender luzes, fazer fogo e fumar à vista desarmada para não denunciar a presença e a localização de ninguém.
Tomada a 3ª refeição e colocadas as sentinelas, que eram sempre dobradas, iniciava-se toda uma série de rondas de posto a posto, podendo os soldados que estavam de folga, e só nos abrigos subterrâneos, jogar cartas, conviver e confraternizar, pôr a correspondência em dia, etc. De vez em quando dormia-se uma hora ou duas mas sempre em sobressalto, e sem a mínima tranquilidade. Posso dizer que durante o tempo que passei neste destacamento não dormi uma única noite descansado.
Durante a noite, de vez em quando, uma sentinela nossa dava um tiro, à aproximação do arame farpado de um macaco ou qualquer outro bicho (podia não ser...). Logo todos corriam para as armas pesadas e, normalmente, o IN respondia com dois tiros ao longe. Então a nossa sentinela, aquela ou outra, respondia passado algum tempo com três tiros. A seguir a resposta de novo do IN, então com 4 tiros. Era um jogo macabro, que nos mantinha constantemente vivos e despertos.
O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores.
Terminada a 1ª refeição iniciavam-se os trabalhos de rotina, para o que o efectivo estava dividido em 4 grupos, cada um deles composto por 15 ou 20 homens, comandados por um sargento.Um grupo estava de serviço à água e à lenha para as refeições. Os banhos eram tomados na bolanha a um quilómetro do arame farpado, e sempre com 10 ou 12 homens armados em vigia. Outro dos grupos era o piquete que realizava, normalmente, uma patrulha de reconhecimento nas imediações do aquartelamento. O terceiro grupo estava de prevenção rigorosa e o quarto estava de folga.
Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares.
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