"Dispositivo do Sector Sul em Abril de 1973, pouco antes do ataque do PAIGC a Guileje. O COP 5 tinha sido activado em 22 de Janeiro de 1973, comandando as unidades instaladas em Guileje , Gadamael e Cacine. A vermelho, as zonas de intervenção do Com-Chefe " (NR).
Raio de acção do armamento do PAIGC, que cercava Guileje: Morteiro 120 (4 km); Grad (6 km); peça de 130 mm (12 km)... Reconstituição de Nuno Rubim.
Imagens : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.
1. Mensagem do João Seabra, ex-alferes miliciano da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje):
Assunto - Guileje: para qualquer questão complexa há sempre uma resposta simples (geralmente errada) (*)
Caro Luís Graça,
Sou, há dois anos, um visitante ocasional deste blogue, no qual nunca participei, entre outras razões, porque (ainda) tenho uma vida profissional muito intensa e agitada.
Todavia, no passado Domingo [, dia 18,] o Sr. Coronel Coutinho e Lima chamou-me a atenção para o P3737 do Sr. Tenente General António Martins de Matos ("Um erro de Casting, e Comandante do COP5") (**), bem demonstrativo de que, para qualquer questão complexa há sempre uma resposta simples (geralmente errada).
Considero-me amigo do Sr. Coronel Coutinho e Lima, como amigo fui do Luís Pinto dos Santos, falecido há três anos, alferes miliciano de artilharia, comandante do 15º Pelart do Guileje, directamente visado pelo trecho "com o seu alcance os obuses de 14 cm seriam das armas aptos para contrariar o jogo inimigo...há mesmo o depoimento de alguém afirmando que o pessoal que os operava nem sequer saía dos abrigos".
Tal como o Sr. Tenente General sinto-me na obrigação de responder.
Deixarei para próximas oportunidades, o comentário mais completo ao P3737 (e aos que suscitou), designadamente no que se refere à fábula segundo a qual "Desde 6 de Maio de manhã que as GC de Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel…" (**).
Por hoje limitar-me-ei às afirmações segundo as quais as flagelações eram feitas com "morteiro 120, canhão s/r"... e "há a confirmação de que as bases de fogo se situariam para lá da fronteira".
Considerando os alcances destas armas (5 a 5,5 Km para o morteiro 120 e 3 a 3,5 Km para o canhão s/r B10) diria que se trata de uma impossibilidade geométrica: basta ir ao Google Earth e medir.
Assim sendo, o Sr. Tenente–General tem de refazer o seu exercício: ou muda de armas, ou desloca a fronteira em benefício da Guiné-Conacri.
A única arma que nos flagelou a partir da Guiné Conacri terá sido a peça de 130 mm (com alcance provável não inferior a 12 Km).
A este propósito, pode-se consultar o interessante estudo do Coronel Nuno Rubim constante do P3058 de 13/7/2008 (***).
A minha disponibilidade para escrever textos novos é muito limitada, daí que me vá servindo de escritos de outras oportunidades, como o que hoje vai em anexo e é uma carta, dirigida ao director do jornal Público, escrita em Julho de 2005 em resposta a uma peça do jornalista Eduardo Dâmaso, sobre a Gadamael dos dias 31/5 a 3/6/73.
O resto – como os romances do século XIX – irá em folhetim.
É minha convicção que Guileje e Gadamael foram duas fases da mesma batalha.
A propaganda do PAIGC e a verdade oficial do Comando-chefe, numa insólita conjugação de esforços, sempre tentaram separar as duas situações, como episódios independentes.
Sustento que a decisão do Coronel Coutinho e Lima – abstraindo do, por assim dizer, "argumento humanitário" – foi a única que racionalmente poderia ser tomada, e negou ao PAIGC o seu campo de batalha de eleição (Guileje), transferindo-o para Gadamael.
Versa o texto em anexo principalmente sobre a situação subsequente em Gadamael (principalmente sobre o período de 22 de Maio a 3 de Junho de 1973, data do desembarque da CCP 122), articulando-a com os seus antecedentes relativos a Guileje.
Há matérias que nele deixo em dúvida atenta a informação que dispunha em 2005, por exemplo: hoje sei que a remodelação dos dispositivos de artilharia de Guileje e Gadamael foi proposta pelo Coronel Coutinho e Lima em Janeiro, mas executada em Maio.
De qualquer modo, tenho a presunção de pensar que o texto é instrutivo.
Com efeito, reza a apreciação do Comandante Chefe à actividade operacional do COP5 desde 22 de Maio 73: a actividade desenvolvida a partir de 22 reflecte uma acção de Comando de excepcional mérito e perfeitamente ajustada às circunstâncias.
Quer isto dizer que:
- Os Gr Comb de duas companhias de quadrícula (do tipo das que existiam na Guiné em 1973), "saíam do quartel", estabelecendo "segurança avançada";
- Consequentemente "sabia-se o que se passava fora do arame" e o IN era "mantido em respeito";
- A guarnição era apoiada por "potente artilharia" constituída por "armas aptas a contrariar o fogo inimigo";
- Não houve "erros de casting".
Estavam pois reunidas todas as condições para que – segundo a melhor doutrina – o IN fracassasse, ignominosamente, na sua tentativa de projectar sobre Gadamael os meios que tinha reunido para a operação sobre Guileje.
Quem quiser saber a minha versão do posteriormente sucedido (que pode ser, no essencial, corroborada por prova documental e testemunhal) pode consultar o pastelão em anexo [que será publicado oportunamente, L.G.].
Quem entender que tal excede o exigível a uma pessoa medianamente paciente, poderá consultar o breve (mas eloquente) depoimento do Sr. Coronel Araújo Sá, Comandante do BCP 12, a páginas 325 e 326 do livro A Retirada de Guileje.
Abraço do
João Seabra
Ex-alferes miliciano da CCAV 8350
2. Comentário de L.G.:
Saúdo o João Seabra, um Pirata de Guileje, e convido-o a integrar a nossa Tabanca Grande, tal como já o fez, há bastante tempo, ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho (de que publicamos acima duas fotos em tamanho pequeno, uma com o morteiro 10,7 e outra com a peça de artilharia 11,4), e mais recentemente o Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima. (Peço desculpa se estou a esquecer mais alguém ligado à CCAV 8350, e que faça parte da nosso blogue; vou pedir ao Carlos Vinhal para confirmar nos assentos regimentais; e, a propósito, já aqui publicámos uma foto do vosso ex-Cap Mil Abel Quintas, em casa do J. Casimiro Carvalho, na Maia, mas ele nunca mostrou, explícita ou formalmente, interesse em fazer parte da nossa Tabanca Grande, que de resto não tem portas nem janelas...)
Ficamos todos mais ricos e confortáveis com a tua presença. Ao fim destes anos todos, Guileje, Gadamael, Guidaje e por aí fora são nomes que ainda mexem com todos nós. Não te admires que às vezes a gente ainda ande com os nervos à flor da pele, e se exceda um pouco, na expressão (verbal) de pontos de vista, nos nossos comentários, quando se debruça sobre esses complexos dossiês que são autênticas caixas de Pandora. Eu, que não estive em Guileje (a não ser recentemente, há menos de um ano), leio quase sempre com profundo respeito (e muitas vezes com emoção) todos os textos e comentários que me chegam, sobre este tópico, A retirada de Guileje...
Obrigado pelo teu depoimento, sereno. Obrigado pela tua filosofia de abordagem dos problemas. Obrigado também pelo texto que mandaste para o Público, e que eu irei publicar, dentro de dias. (É um depoimento, creio que inédito, extenso, rico de detalhas factuais, e onde é visível o esforço de contenção dramática, por parte do autor).
Como sabes, e é das nossas regras de bom viver, aqui ninguém chama nomes a ninguém. Ninguém te vai chamar herói, ninguém te chamar cobarde. Apenas duas palavras, a de amigo e camarada, são autorizadas. (Por brincadeira, chamo herói de Gadamael ao José Casimiro Carvalho: daqui para a frente vou ter que ter mais tento na língua, para não evocar em vão o nome de tantos outros camaradas, Antómios, Josés, Joões, Manéis... que foram heróis todos os dias, e mesmo em dias difíceis como o foi certamente o 22 de Maio de 1973)...
E tratamo-nos todos por tu, claro: ganhámos esse direito, por que combatemos ao lado uns dos outros, dormimos no mesmo buraco, comemos o mesmo arroz com estilhaços de frango, tivemos o mesmo medo e a mesma coragem, bebemos a água da mesma bolanha... e tínhamos (quase) todos a mesma idade.
Na volta, cá te espero. Um Alfa Bravo. Luís
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série, A retirada de Guileje... > 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3778: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (17): O cerco que nunca existiu (António Martins de Matos)
(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)
(***) Vd. poste de 13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3058: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (4): Slides (de 10 a 18): Dos Strellas à Op Amílcar Cabral
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Eu também ando a tentar entender tudo o que se passou em Guileje.No essencial, creio que tenho as minhas coordenadas, mas reconheço que posso estar a ser injusto em qualquer apreciação. Interessam-me os factos.
Este texto do João Seabra lança mais confusão.
Diz:
"A apreciação do Comandante Chefe à actividade operacional do COP 5 desde 22 de Maio de 1973 (...)a partir de 22,reflecte uma acção de Comando de excepcional mérito"
E depois João Seabra explica os elogios do Comando Chefe à actividade do COP 5, "apta a contrariar as forças inimigas".
Mas o COP 5 era comandado por Coutinho e Lima, que havia ordenado a retirada de Guileje a 21 de Maio de 1972. A 22 de Maio seguiu para Bissau, onde lhe foi dada ordem de prisão pelo general Spínola. O COP 5 já não tinha comandante.
Ou será que João Seabra se está a referir às tropas de Gadamael?
Com todo o respeito,
Um abraço do
António Graça de Abreu
Lê-se:
"Deixarei para próximas oportunidades, o comentário mais completo ao P3737 (e aos que suscitou), designadamente no que se refere à fábula segundo a qual "Desde 6 de Maio de manhã que as GC de Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel…" (**)."
Se é fábula esclareça-se o significado de "mínimo" a pgs. 281 do livro do Cor. Coutinho e Lima:
" 2º redução da actividade operacional da CCAv 8350: a partir de 30 de Abr 73 foi solicitada e autorizada ... a redução da actividade operacional da CCav 8350...
A redução da actividade, ao mínimo, permitiu ao Inimigo fazer os reconhecimentos à vontade e instalar o seu dispositivo sem grandes perturbações o que não teria acontecido se a actividade operacional decorresse no ritmo normal".
Caro António Graça de Abreu,
Para desfazer confusões, reproduz-se, na íntegra, o relatório semanal da RepOper do Com. Chefe, relativo ao período de 21 a 27 de Maio de 73 e ao COP5:
"A actividade semanal em aprciação divide-se em dois períodos:
- 1º período até 21 inclusivé: a acção de um Comando que vinha dando inícios de desmoralização, concretizou-se com a evacuação de Guileje sem qualquer motivo que o justificasse. Encontra-se em curso um auto de corpo de delito ao respectivo Comandante;
- a actividade desenvolvida no período a partir de 22, reflecte uma acção de Comando de excepcional mérito e perfeitamente ajustada às circunstâncias."
Em 22 de Maio, o Sr. Coronel (Major) Coutinho e Lima foi substituído no COP5 pelo então Sr. Coronel Pára Rafael Durão.
Quanto às expressões como "os GC saíam do quartel" estabelecendo "segurança avançada", "sabia-se o que se passava fora do arame", e havia "potente artilharia" constituída por "armas aptas a contrariar o fogo inimigo" - são expressões extraídas do texto de Martins de Matos (P3737) - que, pelos vistos, indicam o que terá faltado em Guileje, mas certamente não faltou em Gadamael, a partir de 22/5/73, atenta a "actividade operacional ajustada às circunstâncias", em consequência de "uma acção de Comando de execepcional mérito".
A minha versão sobre tal actividade e os seus resultados, foi em anexo a que chamei "o pastelão", que o Luís Graça se propõe publicar, por um destes dias.
Abraço
João Seabra
Sr. Anónimo,
O seu "Despacho", será cumprido com uma única restrição: não posso (nem tenho tempo para) monopolisar o blogue.
Uma coisa, porém, pode ficar já esclarecida: o Sr. Coronel Coutinho e Lima escreve por ele, e eu escrevo por mim.
Cumprimentos
João Seabra
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