segunda-feira, 30 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

1. Mensagem, com conhecimento ao blogue, enviada pelo nosso camarada José Brás (alentejano, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance Vindimas no Capim, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura), à Cristina Nery, filha e neta de camaradas nossos, investigadora Universidade de Coimbra, que se tem interessado pela poesia da guerra colonial (*).

Aproveitamos para saudar os poetas da guerra colonial, os seus exegetas, os seus estudiosos, os seus críticos , os seus editores e os seus leitores, que hoje se reunem em Coimbra, na velha Universidade de Coimbra, e onde já devem estar os nossos camaradas José Manuel Lopes (Unidos de Mampatá), da Régua, e o Vasco da Gama (Tigres do Cumbijã), da Figueira da Foz (**)... A guerra acabou ! Que vivam os poetas ! LG

Dr.ª Cristina Nery

Há muito tempo longe do ambiente da memória da guerra, ultimamente buscando as gentes que cruzaram os mesmos lugares, juntos ou separados no tempo e no modo, gostaria de estar amanhã em Coimbra mas "o rei manda marchar mas não manda chover".

Envio-lhe aqui alguns textos a que não me atrevo a chamar "poesia", porém sofridos na terra da Guiné.

Cumprimentos
José Brás



2. Blogpoesia (35) > Missa virada

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não

à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço

tinhas na boca
uma leve aragem de troça
e nos olhos
sinais seguros de esperança
quando
numa suave manhã
de maio
em 65
passada a porta d’armas
os muros do regimento
pretenderam
separar-te
do aroma dos pinhais

e o aroma dos pinhais
ardia em ti
nas noites
de Maio de Junho e de Julho
quando
após o cross
a ordem unida
a instrução da mauser
e da guerra subversiva
o sonho retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a ordem das coisas

nas Caldas da Rainha
os pinhais
tinham o mesmo aroma
dos pinhais do mundo inteiro
e o cansaço
a esperança
e a raiva
subiriam contigo ao Niassa
numa gelada manhã
de Novembro
em 66
no Cais da Rocha

os compêndios
de instrução militar
diziam
que na Guiné
não havia pinhais
queriam convencer-te
que na Guiné
o sonho morrera
e tu sabias da gente
sonhando a liberdade
de armas na mão
na escola da guerrilha
nas clareiras abertas
p’lo napalm

a mata da Guiné
seria o caminho
da tua liberdade
ouviras dizer
que nenhum homem
é livre
enquanto oprime outro homem
e concluíras
que
na mata da Guiné
como nos pinhais da tua terra
o sonho e a luta
libertavam
o homem

tinhas
nos olhos
sinais seguros
de esperança
e o sonho
retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a frieza da G3
quando
deixaste o quartel
na direcção de Guileje
a caminho do corredor
onde a liberdade se ganhava
e se perdia
em cada passo em frente
em cada morte

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Chamarra

José Brás, s/d

[Fixação / revisão de texto: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série Blogpoesia > 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4100: Blogpoesia (34): Regressei um dia / lavando a alma na espuma das lágrimas... (António Graça de Abreu)

(**) Vd. postes de:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4099: Poetas da guerra colonial, amanhã em Coimbra, com um abraço ao Vasco da Gama (José Brás)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4097: Dar uma aula, em Coimbra, aos poetas que escrevem sobre (mas não fizeram) a guerra (Vasco da Gama)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

2 comentários:

Anónimo disse...

Camarada amigo e colega!
Escrever é bonito. Mas poesia faz esquecer na prosa!

Um abraço,

Mário Fitas

Vasco da Gama disse...

Caro Camarada José Brás
Não vi em Coimbra o "magnífico" reitor, mas acabei de ler os teus dois magníficos poemas.
Quero apenas dizer-te que o teu poste já tinha sido lido pela destinatária.Atrevido, perguntei-lhe directamente.
Um abraço do camarada
Vasco